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Letícia Kariny Teles Deusdará / Odontologia UFPE UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE ODONTOLOGIA DISCIPLINA: PROCESSOS PATOLÓGICO GERAIS DOCENTE: DÉBORAH PITTA LESÃO E MORTE CELULAR Lesões e doenças são provocadas por causas (agressões) muito diversas. Dependendo da intensidade, do tempo de ação e da constituição do organismo (capacidade de reagir), qualquer estímulo da natureza pode provocar lesão. As causas de lesões e doenças podem ser endógenas (do próprio organismo) ou exógenas (do meio ambiente). Para produzir lesão celular o estímulo deve interferir no metabolismo celular de maneira que a sua função fisiológica não consiga ser realizada de forma plena, ocorrendo redução da sua função (p. ex.: menor síntese protéica e comprometimento da produção de energia). As alterações celulares que reduzem a sua função e resultam em acúmulos intracitoplasmáticos são denominadas degenerações celulares ou lesão celular reversível. Em tais lesões, cessada a causa, a célula recompõe sua atividade metabólica, recompõe sua composição intracitoplasmática e retoma o seu estado normal. Quando a célula não consegue mais recuperar seu estado inicial diz-se que sofreu lesão irreversível ou morte celular. A célula tem quatro sistemas interdependentes que quando alterados podem levar a morte celular. São eles: membranas (que mantém a homeostasia iônica e osmótica da célula e das organelas); respiração aeróbica (fosforilação oxidativa com produção de ATP nas mitocôndrias); Síntese de proteínas e manutenção do citoesqueleto; e o material genético (DNA). Constituem causas exógenas de lesão celular: Agentes físicos: Força mecânica (trauma), radiações, variações de temperatura e alterações de pressão atmosférica. Agentes químicos: Substâncias tóxicas como defensivos agrícolas, poluentes ambientais, contaminantes alimentares, medicamentos e drogas ilícitas. Agentes biológicos: Micoplasmas, riquétzias, vírus, bactérias, protozoários e metazoários. Desvios da nutrição: Deficiência/excesso de nutrientes. A lesão celular ocorre por mecanismos distintos que envolvem: Redução da disponibilidade de oxigênio às células Radicais livres Anormalidades em ácidos nucléicos (DNA e RNA) e proteínas - Resposta imunitária Distúrbios metabólicos Hipóxia e Anóxia A redução no fornecimento de O2 é chamada hipóxia, enquanto a interrupção é denominada anóxia. Diversas lesões produzem obstruções vasculares que reduzem o fluxo sanguíneo ou causa sua interrupção. Dependendo da intensidade e duração do fenômeno e da suscetibilidade à privação de oxigênio e nutrientes, as células degeneram Letícia Kariny Teles Deusdará / Odontologia UFPE ou morrem. Quando surge a hipóxia, as células modificam seu metabolismo no sentido de adaptar-se a essa condição; se é ultrapassada a capacidade adaptativa, surgem lesões reversíveis ou irreversíveis. Frente à hipóxia as células aceleram a glicólise, aumentam a captação de glicose, inibem a gliconeogênese e síntese de ácidos graxos, triglicerídeos e esteróides. Por causa da redução na síntese de ATP ocorre redução da função das bombas eletrolíticas dependentes de ATP, o que leva a retenção de Na+ no citosol, aumento da osmolaridade e expansão isosmótica do citoplasma (inicia-se a degeneração hidrópica*). A alteração na quantidade de Ca++ promovem a desestruturação do citoesqueleto por ativas proteases calmodulina dependentes. O aumento da oferta de acetil-CoA às mitocôndrias com cadeia respiratória parcialmente inativada provoca o acúmulo deste, que favorece a síntese de ácidos graxos, podendo levar ao acúmulo de triglicerídeos sob forma de pequenas gotas no citosol (esteatose). *É consequência da entrada de água na célula devido a alteração da permeabilidade da membrana celular. O edema celular ocorre quando há alteração no equilíbrio iônico, com entrada de Na+, devido a diminuição na produção de energia (ATP). A célula fica com volume aumentado, organelas espaçadas e núcleo intacto, sem deslocamento. As células com núcleos pálidos ou fragmentados já estão sofrendo necrose. Macroscopicamente o rim fica com peso aumentado, e o parênquima torna-se saliente quando a cápsula é cortada. Em microscopia eletrônica observa-se dilatação do RE e mitocôncrias. As membranas celulares se alteram por perda de moléculas estruturais e pela incapacidade de repor os componentes perdidos. Também formam figuras em bainha de mielina, por demolição de partes das membranas do retículo endoplasmático. As modificações na membrana das mitocôndrias leva à expansão da matriz interna e o desaparecimento de cristas floculares; a lesão mitocondrial leva à abertura de poros permitindo a saída de íons resultando em redução do potencial de membrana e consequente da fosforilação oxidativa. Os lisossomos tornam-se tumefeitos e perdem a capacidade de conter suas hidrolases que são liberadas no citoplasma e inicial a autólise (digestão dos componentes celulares que permite evidenciar que a célula morreu. Radicais Livres: Os radicais livres são moléculas que apresentam um elétron desemparelhado no orbital externo, o que as torna, geralmente muito reativas com outras moléculas, incluindo lipídeos, proteínas e ácidos nucléicos. O oxigênio molecular é a principal fonte de radicais livres nas células. Diversas agressões produzem lesões por liberar radicais livres: substâncias químicas produzem radicais livres quando são metabolizadas nas células; radiações ionizantes geram radicais livres ionizando a água; a fumaça do cigarro e alguns elementos oxidativos também contém radicais reativos. Nas células, a principal fonte de radicais livres é a mitocôndria, oriundos dos processos oxidativos da respiração. Também são formados no citosol, lisossomos, RE e membranas, pela ação de enzimas como citocromo P-450 e xantina oxidase. Os principais radicais livres no organismo são derivados do oxigênio: Ânion Superóxido O2•− e íon hidroxila OH•−. H2O2 é oxidante e fonte importante de radicais livres. O radical hidroxila parece ser o mais importante na célula. O óxido nítrico também pode agir como radical livre. Os radicais livres são potencialmente lesivos porque reagem com as proteínas, lipídios e ácidos nucléicos. A peroxidação em cadeia que ocorre quando um radical livre reage com lipídeos de membrana provoca uma lesão celular pela modificação estrutural das membranas celulares*. A lesão celular pode surgir também pela modificação da conformação de proteínas inativando-a ou induzindo a sua degradação em proteassomos. Quando interage com o DNA podem formar adutos e causar quebras na molécula, favorecendo mutações. Até o momento, não há evidências que doses maciças de antioxidantes na dieta possam prevenir leões por radicais livres. Tudo indica, no entanto, que a ingestão regular de antioxidantes naturais é benéfica e está associada a menor risco de doenças degenerativas, como a aterosclerose Por cumprirem funções tão essenciais às células, defeitos na quantidade e/ou na função de proteínas resultam em agressões variadas, como estresse oxidativo e por modificações na expressão gênica, por mecanismos genéticos ou epigenéticos. Dessa forma alterações na qualidade ou na quantidade de proteínas são causa frequente d e Letícia Kariny Teles Deusdará / Odontologia UFPE importante de lesões e dosnças. Deficiências de uma enzima leva ao acúmulo do seu substrato, o que resulta em doenças de depósitos (p.ex. glicogenoses); anormalidades em proteínas contráteis provocam doenças musculares; defeitos em proteínas estruturais causam vários efeitos, inclusive morte do indivíduo; alterações na expressão de proteínas do ciclo celular podem resultar em neoplasias, etc. Reação imunológica: A resposta imunológica é capaz de provocar lesão e doença quando agride células e tecidos normais. Nas inflamações crônicas, como observado na tuberculose, a resposta imunológica contribui para destruição tecidual e progressão da doença. Uma outra forma de agressão pode ocorrer quando existe falhas nos mecanismos de tolerância imunológicae as células do sistema imune reconhecem antígenos próprios como estranhos, desencadeando uma resposta lesiva contra essas células. MORTE CELULAR: Paradoxalmente, a sobrevivência de um organismo exige o sacrifício de células individuais. A morte celular fisiológica é parte integrante para a transformação do primórdio embrionário em órgãos completamente desenvolvidos. Também é crucial para a regulação do número de células em vários tecidos, incluindo a epiderme, trato gastrointestinal e sistema hematopoiético. A morte celular fisiológica envolve a ativação de um programa interno de suicídio que resulta na morte celular por apoptose. Por outro lado, a morte celular patológica não é regulada e é invariavelmente lesiva ao organismo. Pode ser consequência de diferentes danos à integridade da célula. Quando a agressão interfere em uma estrutura ou função vitais de uma organela e não desencadeia a cascata enzimática da apoptose, o processo é denominado necrose. Necrose significa morte celular ocorrida em organismo vivo e seguida de autólise. Quando a agressão é suficiente para interromper as funções vitais, os lisossomos perdem a capacidade de conter as hidrolases no seu interior e estas saem para o citoplasma, são ativadas pela alta concentração de Ca++ no citoplasma e iniciam a autólise. É a partir da ação dessas enzimas que dependem as alterações morfológicas observadas após a morte celular. Após a necrose são liberadas alarminas que são reconhecidas em receptores celulares e desencadeiam a reação inflamatória. Muitos agentes lesivos podem produzir necrose. O aspecto macroscópico da morte celular varia de acordo com a causa que o provocou. Ao microscópio, as alterações morfológicas só podem ser observadas depois de algum tempo decorrido da morte, pois eles são resultado da autólise. O tempo decorrido para que estas alterações sejam visíveis dependerá do tipo de tecido. Os principais achados microscópicos são: - Alterações nucleares caracterizadas por intensa contração e condensação da cromatina, tornando o núcleo intensamente basofílico, de aspecto homogêneo e bem menor que o normal (picnose nuclear). Outra alteração é a digestão da cromatina, que faz desaparecer a afinidade tintorial dos núcleos (cariólise). Às vezes o núcleo se fragmenta e se dispersa no citoplasma, fenômeno denominado cariorrexe. - Alterações citoplasmáticas são menos típicas. Geralmente há aumento da acidofilia. O citoplasma torna se granuloso e tende a formar massas amorfas de limites imprecisos (ruptura da membrana). TIPOS DE NECROSE Necrose por coagulação: Este tipo de necrose é visto quando há uma isquemia ou hipóxia em qualquer tecido (exceto o tecido cerebral, que neste caso desenvolverá uma necrose de liquefação - por ser rico em lipídios, que não sofrem coagulação). A necrose de coagulação é determinada pela desnaturação da maioria das proteínas celulares (inclusive as autolíticas) devido à queda acentuada no pH celular durante o processo de lesão por hipóxia ou isquemia. Com isso o citoplasma celular se torna bastante eosinofílico e como a maioria das enzimas autolíticas foram desnaturadas a célula não é destruída e a arquitetura tecidual é mantida por alguns dias até digestão e remoção do tecido necrótico por leucócitos. Outra grande característica da necrose de coagulação é a perda do contorno nuclear das células (cariólise, ou perda de basofilia nuclear) devido á quebra inespecífica do DNA (provavelmente pela ação de uma DNase Letícia Kariny Teles Deusdará / Odontologia UFPE lisosssômica). Pode haver também no mesmo tecido necrótico células com núcleo muito condensado e basofílico (núcleo picnótico) ou células com núcleo picnótico e fragmentado (cariorréxis). ● Manutenção da arquitetura geral do tecido. ● Perda da nitidez dos elementos nucleares das células. ● Algumas células apresentando núcleo picnótico, ou seja núcleos extremamente condensados e fortemente corados por hematoxilina (fortemente basófilos). ● Alguns núcleos picnóticos fragmentados, tomando um aspecto granular. Necrose Gomosa: Trata-se de uma variedade de necrose por coagulação na qual o tecido necrosado assume aspecto compacto e elástico como borracha (Goma), ou fluido e viscoso como a goma-arábica; é encontrada na sífilis tardia Necrose de Liquefação: Necrose associada à infecção por agentes biológicos (principalmente bactérias) a um tecido, ou no caso específico da lesão por isquemia ou hipóxia no tecido cerebral (fenômeno ainda não muito bem compreendido). Em tecidos infectados, forma-se um processo inflamatório devido ao recrutamento de leucócitos para neutralizar os micro-organismos. Neste caso pode haver lesão e morte celular mediada por toxinas bacterianas ou fúngicas ou então devido ao processo inflamatório, e como o tecido inflamado é rico em leucócitos as células mortas são rapidamente fagocitadas e digeridas. Em todo caso a digestão do tecido necrótico resultará na formação de uma massa residual amorfa, composta por pus limitado a uma região geralmente cavitária (abscesso). ● Completa destruição da arquitetura tecidual. ● Transformação do tecido em uma massa amorfa (daí o termo liquefação). Necrose Caseosa Do latim caseum (queijo), o tecido necrótico adquire um macroscópico semelhante ao queijo, como indica a própria etimologia da palavra. As áreas de caseificação apresentam-se macroscopicamente como massas circunscritas, amarelas, secas e friáveis. Microscopicamente, a principal característica é a transformação das células necróticas em uma massa homogênea, acidófila, contendo núcleos picnóticos e, principalmente na periferia, núcleos fragmentados (cariorrexe); as células perdem totalmente os seus contornos e os detalhes estruturais. Esse tipo de necrose é comum na tuberculose mas pode ocorrer em outras doenças como a paracoccidiodomicose e em algumas infecções fúngicas. Necrose Fibrinóide: Refere-se a uma alteração dos vasos sanguíneos lesados, nos quais o exsudato e o acúmulo de proteínas plasmáticas fazem com que a parede se core intensamente com eosina. Neste tipo, o tecido adquire um aspecto hialino, acidofílico, semelhante a fibrina. Esteatonecrose: Também denominada necrose enzimática do tecido adiposo, é uma forma de necrose que compromete adipócitos. Trata-se da necrose encontrada tipicamente na apcreatite aguda necro hemorrágica, que resulta do extravasamento de enzimas de ácinos pancreáticos destruídos. Por ação de lipases sobre os triglicerídeos, os ácidos graxos liberados sofrem processo de saponificação na presença de sais alcalinos, originando depósitos esbranquiçados ou manchas com aspecto macroscópico de pingo de vela. APOPTOSE: A apoptose é a via de morte celular programada e controlada intracelularmente através da ativação de enzimas que degradam o DNA nuclear e as proteínas citoplasmáticas. A membrana celular permanece intacta Letícia Kariny Teles Deusdará / Odontologia UFPE (o que difere bastante das situações de necrose), com alteração estrutural para que a célula seja reconhecida como um alvo fagocitário. A célula é eliminada rapidamente, de maneira a não dar tempo de o seu conteúdo extravasar, causando uma reação inflamatória que poderia assemelhar-se à necrose tecidual. A apoptose acontece tanto em eventos patológicos como em eventos fisiológicos. Morte de células nos processos embrionários; involução dependente de hormônios nos adultos; eliminação celular em populações celulares em proliferação; neutrófilos e outros leucócitos após término de reações inflamatórias ou imunológicas; eliminação de linfócitos auto-reativos potencialmente danosos; morte celular induzida por células T citotóxicas são exemplos de apoptose fisiológica. Já a patológica ocorre principalmente na presença de vírus, estímulos nocivos (como radiação e drogas citotóxicas anticancerosas), atrofia patológica dos órgãos e tumores. Morfologicamente, as células apoptóticas apresentam encolhimento celular (citoplasma denso e organelas mais agrupadas); condensação da cromatina (a cromatina se agrega na periferia do núcleo,em massas densas de várias formas e tamanhos. O próprio núcleo pode se romper em dois ou mais fragmentos); formação de bolhas citoplasmáticas e corpos apoptóticos. Fagocitose das células ou corpos apoptóticos pelos macrófagos principalmente. As células saudáveis do tecido migram e proliferam para ocupar o espaço da célula morta. A degradação intracelular de proteínas ocorre por meio de enzimas denominadas caspases, outrora inativas. Elas clivam muitas proteínas nucleares vitais e do citoesqueleto, além de ativarem DNAases. A apoptose pode ocorrer por duas vias, Intrínseca e Extrínseca. A via Intrínseca ou Mitocondrial ocorre quando da retirada de fatores de crescimento ou de hormônios, ou quando acontece lesão ao DNA por radiação, toxinas ou radicais livres. Ela é regulada por membros da família Bcl-2, ativando moléculas pró-apoptóticas, como o citocromo c. Além disso, há a participação do gene supressor p53. Tudo isso culmina na ativação de caspases iniciadoras e efetoras, levando às alterações celulares e à morte. A via Extrínseca acontece por meio da interação receptor-ligante, como por exemplo o Faz e o receptor de TNF. Isso ativará uma cascata de proteínas adaptadoras, que também culminará na ativação das caspases. A apoptose pode acontecer após a privação de fatores de crescimento; mediada por danos ao DNA; induzida pela família de receptores do Fator de Necrose Tumoral (TNF) ou mediada pelo linfócito T citotóxico. A apoptose e a necrose por vezes coexistem e compartilham mecanismos e características.
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