Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
W BA 09 36 _V 1. 0 INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA CLÍNICA 2 Alberto Carneiro Barbosa de Souza São Paulo Platos Soluções Educacionais S.A 2021 INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA CLÍNICA 1ª edição 3 2021 Platos Soluções Educacionais S.A Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César CEP: 01418-002— São Paulo — SP Homepage: https://www.platosedu.com.br/ Diretor Presidente Platos Soluções Educacionais S.A Paulo de Tarso Pires de Moraes Conselho Acadêmico Carlos Roberto Pagani Junior Camila Turchetti Bacan Gabiatti Camila Braga de Oliveira Higa Giani Vendramel de Oliveira Gislaine Denisale Ferreira Henrique Salustiano Silva Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Camila Turchetti Bacan Gabiatti Revisor Carla Priscila da Silva Pereira Editorial Alessandra Cristina Fahl Beatriz Meloni Montefusco Carolina Yaly Mariana de Campos Barroso Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)__________________________________________________________________________________________ Souza, Alberto Carneiro Barbosa de S729i Introdução à psicologia clínica / Alberto Carneiro Barbosa de Souza, – São Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A., 2021. 44 p. ISBN 978-65-89881-74-2 1. História. 2. Fundamentos. 3. Atuação. 4. Psicologia. I. Título. CDD 157.9 ____________________________________________________________________________________________ Evelyn Moraes – CRB 010289/O © 2021 por Platos Soluções Educacionais S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Platos Soluções Educacionais S.A. 4 SUMÁRIO Psicologia clínica: o que é e como fazer? _____________________ 05 História da Psicologia Clínica _________________________________ 21 Psicoterapia e aconselhamento psicológico _________________ 38 Elementos do setting terapêutico ____________________________ 54 INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA CLÍNICA 5 Psicologia clínica: o que é e como fazer? Autoria: Alberto Carneiro Barbosa de Souza Leitura crítica: Carla Priscila da Silva Pereira Objetivos • Compreender o fazer da atuação do psicólogo clínico no Brasil. • Apresentar as principais abordagens de atuação na Psicologia clínica. • Estudar as questões éticas referentes ao exercício da Psicologia clínica. • Compreender as diferenças entre a Psicologia clínica e a Psicanálise. 6 1. Psicologia clínica: o que é e como fazer? O cientista político Lightner Witner foi quem criou o termo Psicologia clínica, em 1896, ao fundar a primeira clínica de Psicologia, na Universidade da Pensilvânia, embora apenas para avaliações psicológicas. O tratamento propriamente dito só teve início bem mais tarde, a partir da década de 1940. De forma geral, podemos definir a Psicologia clínica como sendo a aplicação de técnicas especificas com base cientifica, na área da saúde mental, a fim de redução do sofrimento psíquico ou restauração do indivíduo em seu meio, assim como o tratamento de determinados distúrbios mentais (CABRAL; NICK, 1979). A Psicologia clínica oferece diversas modalidades de intervenção e tratamento, desde terapia de duração breve e definida até longa e sem término pré-determinado. A fim de preservar a eficácia e confiabilidade da clínica, o profissional deve ser registrado no Conselho Regional de Psicologia (CRP), pois sem esse registro, o psicólogo não pode exercer clínica em Psicologia no Brasil. O fator que determinará a modalidade da clínica psicológica a ser empregada é o que chamamos de escuta clínica, inclusive em abordagens focadas em práticas corporais. Tal escuta é baseada no enfoque epistêmico usado na relação psicólogo-paciente, que pode ter orientação teórico-metodológica existencial, cognitivo-comportamental, Gestalt, terapia breve, clínica de suporte em oncologia, entre muitas outras. Por fim, Figueiredo (2000) define a Psicologia clínica como a prática de modos de subjetivação, predominantes na sociedade ocidental contemporânea, e aplicados em um setting destinado ao apoio e melhora do paciente, sempre fundamentados na ética e comprometidos com a escuta responsável do psicólogo a partir de seu lugar clínico. 7 1.1 O fazer da Psicologia clínica e o exercício da profissão Em 1971, foi criado o Conselho Federal de Psicologia (CFP), no Brasil, que é o órgão centralizador das diretrizes, recomendações e obrigações éticas que regulam a profissão de psicólogo em suas diversas áreas de atuação, inclusive a clínica. A fim de exercer a Psicologia clínica, o profissional deve, obrigatoriamente, se registrar em seu CRP e manter atualizada sua anuidade, caso contrário, não poderá exercer a profissão, mesmo tendo o título de psicólogo. É interessante o fato de que, no Brasil, o exercício da Psicologia no interior já ultrapassa o das capitais, apontando para a crescente importância das chamadas formações EaD (Educação a Distância). A prática clínica, que antes se concentrava, sobretudo, em atendimentos particulares, ampliou seu campo desde a década de 1980 e é, hoje, considerada serviço essencial em penitenciárias, hospitais, sobretudo na área de oncologia, Organizações Não Governamentais (ONGs), e no Sistema Único de Saúde (SUS). A Psicologia tem como um de seus pilares primordiais, a ética, o que será discutido mais adiante, portanto, independentemente da linha teórica adotada pelo psicólogo, sua abordagem deve se orientar por valores éticos e morais vigentes na sociedade onde esta é exercida, além de respeitar as escolhas e crenças de seu paciente, uma vez que este último deve ser capaz decidir sua forma de viver, evitando-se, assim, o paternalismo psicológico, isto é, a orientação direta do psicólogo de como seu paciente deveria agir, de acordo com Vasquez (2014). Em outras palavras, no exercício da clínica é fundamental que se respeite o direito à autonomia do paciente, por meio de uma relação baseada em confiança mútua estabelecida ao longo do tratamento e no sigilo profissional do psicólogo. Por fim, uma das mais importantes etapas na construção do fazer clínico é o estágio de final de curso na graduação. Em função da curta duração do estágio (normalmente de doze meses, sendo que, em algumas universidades, pode-se optar por estagiar em duas áreas diferentes), as 8 intervenções se dão, muitas vezes, de forma pontual e/ou breve. No caso da clínica em Psicologia Hospitalar, faz-se o fechamento do atendimento ao término de cada sessão, uma vez que não se pode prever se o estagiário voltará a atender a mesma pessoa, seja em função do término do estágio, alta ou óbito do paciente. Entretanto, mesmo ao término do estágio final, aconselha-se fortemente que o profissional se especialize em alguma abordagem clínica, que veremos a seguir, a fim de garantir a boa qualidade de seu atendimento. 2. Principais abordagens em Psicologia clínica no Brasil Segundo o CFP (2005), as intervenções clínicas têm como objetivo atender o paciente de forma individual, em casal, em grupo ou em instituições, a fim de compreender os “processos intra e interpessoais, utilizando enfoque preventivo ou curativo, isoladamente ou em equipe multiprofissional” (1992:2). Para tanto, o psicólogo adota uma das inúmeras abordagens clínicas aprovadas pelo CFP, nas quais o profissional poderá fazer psicodiagnósticos, terapia individual, de casal ou em grupo, orientação profissional, terapia de família, suporte à recuperação de dependência química, emocional e/ou do sexo e supervisão clínica. A seguir, veremos as principais abordagens clínicas exercidas no Brasil.Embora essa lista não se esgote em si mesma, uma vez que há inúmeras abordagens aprovadas pelo CFP, assim como novos saberes clínicos são sempre reconhecidos em suas práticas no Brasil. 2.1 Clínica de análise comportamental Esta abordagem foi construída a partir da análise experimental do comportamento e do comportamentalismo radical, desenvolvido pelo psicólogo Skinner (HUBNER; MOREIRA, 2013). Sua escuta clínica 9 é calcada na observação dos padrões de comportamento do paciente e na análise de sua interação com o ambiente, durante sua narrativa em sessões com o psicólogo. Por acreditar que o comportamento é fruto da relação do indivíduo com o ambiente e a cultura onde ele está inserido, o psicólogo estará atento ao que chama de contingências, isto é, pensamentos, emoções e crenças pessoais, que são o resultado da interação do paciente com o meio. Dessa forma, as contingências resultam da função biológica adaptativa do ser humano em seu habitat. Resumindo, o ambiente em si mesmo não determina as reações do paciente, mas, antes, suas respostas cognitivas e interpretações psíquicas a este. O objetivo geral clínico desta abordagem é engendrar e motivar processos de mudanças do comportamento, por meio de intervenções terapêuticas, uma vez discutidas e analisadas as consequências das respostas cognitivas referentes a acontecimentos na vida do paciente. (HUBNER; MOREIRA, 2013). Os objetivos específicos da terapia são avaliados e/ou modificados ao longo do tratamento. Entre as diversas correntes teóricas na análise comportamental clínica, utilizadas no Brasil, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) é a mais conhecida (Quadro 1). Fundada nos anos 1960, por Aaron Beck, a TCC se propõe a descobrir padrões de pensamento, comportamentos, hábitos e crenças pessoais, responsáveis por traumas e problemas psicológicos. Nessa abordagem, o psicólogo escutará a queixa do paciente, que pode ser desde questões cotidianas até ataques de pânico. O objetivo dessa escuta será identificar o que a TCC denomina de esquemas disfuncionais (Figura 1), que são pensamentos negativos ou mágicos (não fundamentados em nenhum dado de realidade) e, uma vez identificados, inicia-se o tratamento. É importante lembrar que existem inúmeras abordagens em TCC, portanto, caso o psicólogo se interesse em praticar essa clínica, deve pesquisar a que melhor atende sua personalidade e qualificações. A abordagem mais usada, no Brasil, é a de Aaron Beck. 10 Quadro 1–Abordagens clínicas em análise comportamental mais usadas no Brasil Análise comportamental Fundador(res) Foco principal da escuta clínica Objetivos Clínica cognitive. Aaron Beck. Estrutura do pensamento e das crenças do paciente. Identificar pensamentos disfuncionais, a fim de reestruturar crenças pessoais (reestruturação cognitiva). Behaviorismo radical. B.F. Skinner. Clínica focada em comportamentos observáveis (relação meio– indivíduo). Promover respostas adequadas e esperadas de eventos externos ao indivíduo; programação de contingências. Análise experimental do comportamento. Romanes, Watson e Thorndike. Compreensão do comportamento do paciente e padrões que afetam seu sistema intrapsíquico. Reproduzir variáveis externas (daí o termo experimental, que deu origem a traumas e psicopatologias, a fim de proporcionar sua superação por meio da reprogramação do comportamento operante do paciente. Fonte: elaborado pelo autor. Como podemos ver na Figura 1, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) busca modificar os esquemas disfuncionais de pensamento do paciente (no caso, a fobia de cachorros). Uma vez identificado o padrão de comportamento e reação ao que causa medo, o psicólogo irá intervir nesse ciclo, a fim de rompê-lo, e reprogramar as respostas do indivíduo 11 frente não só a fobias, mas também ao abuso de álcool e drogas, traumas ou mesmo questões não específicas que causam angústia em seu cotidiano. Figura 1–Esquema disfuncional de paciente de TCC, de Aaron Beck Fonte: elaborada pelo autor. A fim de identificar tais esquemas disfuncionais, o terapeuta estará atento ao ambiente no qual o problema ou o trauma se deu, às reações físicas do paciente ao relatar o problema e às emoções e sentimentos durante o relato do paciente. Resultados satisfatórios na TCC são alcançados por meio de uma boa aliança terapêutica durante o tratamento, embora não seja fator único. O caso acima, por exemplo, requer: atendimento semanal; vivência de dessensibilização gradativa, por meio de exposição a cachorros, antes com o terapeuta e, aos poucos, sozinho; e medicação para o quadro depressivo, caso necessário. 12 2.2 Clínica existencialista-fenomenológica Essa abordagem possui uma visão intersubjetiva da experiência do paciente e sua construção dos significados sobre si próprio, a partir destas experiências, assim como a significação dada ao outro e ao ambiente nos espaços inter-relacionais do sujeito, segundo Schneider (2011), sempre dentro de uma escuta calcada na metodologia histórico- dialética dentro da escola fenomenológica da Psicologia. O fundador dessa abordagem clínica foi o filósofo Jean-Paul Sartre, que buscou desenvolver a escuta clínica voltada para a forma com que o paciente elabora a construção de sua própria subjetividade ao longo de sua história de vida. O objetivo é promover uma profunda reflexão ao longo do tratamento, a fim de alcançar as mudanças desejadas. No Brasil, a clínica existencialista é usada tanto no atendimento individual, como na clínica integrada de atenção básica à saúde (CIABS), dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), onde o psicólogo atua uma equipe multidisciplinar, com o propósito de promover uma visão holística do usuário dos CIABS. A clínica existencialista-fenomenológica é capaz de capacitar o psicólogo a desenvolver uma escuta sensível à história do paciente vindo de camadas populares e usuárias do SUS, que não tiveram acesso ao atendimento em Psicologia clínica anteriormente, inclusive crianças, segundo Schneider (2011). Nessa abordagem, a prática clínica deve, antes mais nada, reconhecer o fenômeno ou fenômenos que trouxeram o paciente ao consultório por meio da relação deste com o ambiente em que se insere, já que todos somos vistos como um ser no mundo. Portanto, a maneira como percebemos as diferentes situações em nossas vidas, tais como a fase da adolescência, casamento, a morte de um ente querido ou a conquista de objetivos, dependerá de variáveis socioculturais às quais estamos submetidos ao longo da vida. Assim sendo, nesta abordagem, a teoria estará sempre subordinada à prática, isto é, as experiências e percepções do paciente serão expressas no setting terapêutico, tanto por 13 meio da fala, quanto de sua expressividade corporal ao longo da sessão, e são resultados de inúmeros fatores, tanto intrapsíquicos, como em relação ao exterior do sujeito. 2.3 Psicoterapia breve Essa abordagem clínica possui curta duração e objetivos específicos, muito utilizada em hospitais, clínicas de dependência química e psiquiátrica, além de consultórios. Já nas primeiras sessões, o psicólogo deve concentrar sua atenção nas queixas que o paciente traz e, junto com ele, exerce uma escuta ativa, isto é, faz intervenções sempre que necessário. Psicólogo e paciente traçam em conjunto uma estratégia, a fim de se atingir os objetivos desejados. De forma geral, esse processo terapêutico possui três fases. A inicial é onde o psicólogo identifica o meio no qual o paciente está inserido. A partir de um primeiro encontro, definem-se as queixas centrais e o planejamento para resolvê-las. A segunda fase, chama-se medial e, nesse momento, são postas em prática as estratégias do tratamento, adaptando-as conforme a necessidade e sempre avaliando o progresso obtido. Por fim, a fase final, ou terminal, encerra o tratamento. Aqui, é feita uma avaliação geral das queixas iniciais e os resultados alcançados e,por fim, a alta do paciente. A duração da Psicoterapia breve é, em média, de seis meses, com uma sessão semanal, embora esse tempo e frequência sejam sempre revisitados na fase medial do tratamento. As indicações mais comuns para essa abordagem são quadros de depressão, distúrbios do sono, fobias, ansiedade generalizada, transtorno pós-traumático e dificuldades de socialização, no caso, sobretudo, de crianças e adolescentes (FERREIRA-SANTOS, 2013). 14 2.4 Gestalt terapia Assim como a clínica de Jean-Paul Sartre, a Gestalt também pertence ao grupo de terapias existencial-fenomenológicas, sendo desenvolvida por Frederick Fritz Perls e Laura Perls, na década de 1950, nos Estados Unidos, tendo seu início, no Brasil, em 1974. A Gestalt terapia parte do princípio de que o todo é maior do que a soma de suas partes, onde o terapeuta observará e elaborará, junto com o cliente, a percepção deste último sobre determinados eventos e questões em sua vida e o significado que este atribui. Uma das mais importantes características, desta terapia, é o foco no aqui e agora, onde as experiências do paciente são trazidas para o setting terapêutico e a sua verdade a respeito delas é respeitada. Uma vez que o foco é no presente, o paciente é convidado a descrever o que sente a respeito de determinada situação durante a sessão, trazendo a vivência narrada para o momento de agora, onde até mesmo sua linguagem corporal e expressões faciais são levadas em conta pelo psicólogo clínico. Outra característica, desta terapia, são os exercícios existenciais. Tais exercícios oferecem a oportunidade para o paciente expressar o sente para além das palavras. Assim, é convidado a comunicar seus sentimentos de forma lúdica, tal como se sentar em frente a uma cadeira e se comunicar como se houvesse alguém ali, seja ele mesmo ou alguém com o qual o paciente tem questões que causam sofrimento. Independente da técnica usada, o mais importante é estar consciente de tudo que faz, pois a consciência é o cerne de toda Gestalt terapia. Nesta clínica, o indivíduo é o self, isto é, possuidor de uma complexa estrutura intrapsíquica que está em constante relação com o ambiente em que vive, que seria o outro, tal como alguém que você interage. Essa interação molda o self e vice-versa (Figura 2). A motivação dos fundadores da terapia da Gestalt foi a percepção de que outras terapias não conseguiam enxergar o sujeito como um todo, incluindo o meio no qual vive e essa foi uma das principais contribuições da terapia da Gestalt à Psicologia clínica. 15 Figura 2–Dinâmica da Gestalt terapia Fonte: elaborada pelo autor. 2.5 A Psicanálise é uma abordagem da Psicologia clínica? A resposta objetiva a essa pergunta é não. Apesar de ser esta uma prática clínica comum, no Brasil e na Argentina, e apesar de alguns autores incluírem a Psicanálise como uma matriz do pensamento em Psicologia, a Psicanálise não é abordagem da Psicologia. Em termos legislativos, no Brasil, a Psicanálise não é uma profissão regulamentada, ao contrário da Psicologia. Isso significa que, teoricamente, qualquer pessoa poderia legalmente se autodenominar psicanalista e abrir um consultório e, nesse caso, o CFP nada poderia fazer, pois o exercício da Psicanálise não é de sua competência. Todavia, para ser psicanalista, o postulante deve fazer uma formação longa e difícil, oferecida em muitas escolas de Psicanálise no Brasil. Resumindo, essa é uma obrigação ética e moral, mas não jurídica. Sendo assim, no Brasil, não há um órgão específico de regulamentação no tocante à regulamentação da Psicanálise. Por outro lado, isso não significa que tal fato seja algo necessariamente negativo e, para isso, devemos lembrar que um dos maiores psicanalistas da história, Jacques Lacan, não possuía formação em Psicologia, assim como o próprio criador da Psicanálise: o primeiro era médico psiquiatra; e Freud, neurologista. Além disso, a não regulamentação da Psicanálise é defendida por muitos psicanalistas brasileiros, uma vez que essa clínica 16 possui grande diversidade, podendo um psicanalista ter orientação freudiana, lacaniana, kleiniana, winnicotiana, entre outras. Portanto, apesar de ser teoricamente possível qualquer pessoa abrir um consultório de Psicanálise, na prática, não é bem assim. A lei brasileira outorga tal direito, mas o psicanalista precisa fazer uma formação longa e difícil, sobretudo, porque a Psicanálise não é um saber teórico apartado de sua prática e vice-versa, e a clínica psicanalítica necessita da teoria para existir. Outra grande diferença em relação à Psicologia é que a Psicanálise trabalha com a verdade trazida pelo paciente no setting terapêutico, por meio de uma escuta na qual se ouve o que não é dito pelo consciente, muitas vezes, independente de fatos externos ao paciente, algo bem diferente da Psicologia que, normalmente, obedece a uma lógica cartesiana, segundo Figueiredo (2000). Em outras palavras, a Psicologia é fundamentada na ciência, enquanto a Psicanálise se interessa pelas leis e estruturas do inconsciente do sujeito, que busca o recalcamento da agressividade e da libido, causando o sofrimento do sujeito. Se por um lado seria equivocado afirmar que a Psicologia oferece melhores resultados pelo fato de ter base científica, a Psicanálise, por sua vez, não é melhor por ter bases filosóficas mais profundas. 3. A Psicologia clínica contemporânea no cenário brasileiro Apesar da Psicologia clínica ter seu foco na saúde intrapsíquica do paciente, por meio da análise dos processos psíquicos e/ou psicopatológicos do paciente, a Psicologia clínica contemporânea, no Brasil, sobretudo a partir da década de 1990, passou a enfatizar o contexto social no qual se insere aquele que busca ajuda do psicólogo, segundo Figueiredo (2000). A importância dessa mudança de paradigma 17 clínico se reflete na maior atenção do psicólogo ao meio no qual o paciente está inserido, fazendo com que a o clínico esteja atento à subjetividade de seu paciente tanto quanto os aspectos internos, como ambientais, que o trouxeram ao consultório ou ambulatório hospitalar. Nesse último caso, é comum o psicólogo clínico prestar apoio quanto aos diagnósticos médicos e laboratoriais, tais como em diagnóstico positivo para HIV, por exemplo. Atualmente, a queixa do paciente é vista como resultado de uma construção socio-histórica, segundo Block (2001) e uma das principais causas dessa mudança é a crescente inserção da Psicologia clínica nos serviços de saúde pública, sobretudo, no Sistema Único de Saúde (SUS) e o sucesso de sua implementação, de acordo com Figueiredo (2000). Todavia, tal como descrito por Féres-Carneiro (1993), é fundamental compreender que a Psicologia clínica permanece tendo como foco principal a singularidade da subjetividade e da existência do ser humano em seus aspectos intrapsíquicos. A mudança na contemporaneidade se dá no olhar para o paciente como sendo um ser no mundo, em que os aspectos ambientais são constituintes dessa mesma subjetivação, fruto de processos inscritos à história de vida e das experiências socioculturais de todos nós, de acordo com Féres-Carneiro (1993). Portanto, não se concebe mais no fazer da Psicologia clínica contemporânea o paciente descontextualizado dos fatores socioculturais que o constituíram como sujeito protagonista em sua narrativa no consultório. Para tanto, é fundamental que o psicólogo clínico, no século XXI, esteja sempre atualizado e comprometido quanto à contextualização social no qual ele mesmo se insere, por meio do estudo da antropologia, sociologia e saúde pública voltadas para sua sociedade, segundo Figueiredo (2000). A subjetividade, tanto do psicólogo quanto de seus pacientes, é fruto dessa interação e, dessa forma, a fim de construir o melhor acolhimento possível, o clínico deve compreender como sendo constituído e constituindo o ethos no qual se encontra. Por fim, a Psicologia clínica, no Brasil, tem sofridoinfluências de diversas 18 correntes teóricas, sendo a teoria cognitivo-comportamental e a Gestalt terapia abordagens muito comuns usadas no setting terapêutico no Brasil. A Psicanálise também tem forte entrada na clínica em saúde mental brasileira, mas, como visto anteriormente, essa não é uma especialidade da Psicologia clínica per se. 4. A Psicologia clínica em pandemias e catástrofes: o atendimento clínico on-line durante a pandemia de COVID-19 Em situação de emergência coletiva, tal como em grandes pandemias, onde a saúde do indivíduo está em risco, sintomas como ansiedade, medo, nervosismo, entre outros, aumentam significativamente na população afetada. A partir de março de 2020, iniciava-se uma pandemia global do chamado Coronavírus, que atingiu o Brasil de forma jamais vista na história e, em 2021, transformou o país no epicentro mundial de uma doença chamada de COVID-19 pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Na época, a pandemia chegou a ceifar até mais de três mil vidas, em apenas vinte e quatro horas, no Brasil. Essa catástrofe de saúde pública foi muito importante para o fazer da Psicologia clínica mundial e no Brasil, pois trouxe consigo a reformulação de diversos paradigmas, tais como o atendimento on-line, que sempre sofreu resistência por parte de muitos profissionais e pacientes. A razão de tal transformação pode ser explicada pelo fato da Psicologia clínica ser instrumento essencial para a manutenção da saúde mental do ser humano e na atenção ao seu bem-estar psicossocial. Em função da característica de transmissão pelo ar, do Coronavírus, e o prolongado isolamento social imposto pelas autoridades sanitárias, um sintoma que se fez muito presente durante a emergência coletiva da COVID-19 foi a depressão. Dessa forma, a impossibilidade de sessões clínicas presenciais trouxe, para o centro da prática da Psicologia clínica, uma 19 antiga discussão a respeito de uma modalidade de atendimento que, se antes gerava controvérsia, agora se impunha como necessária: o atendimento clínico on-line (PEREIRA et al., 2013). A adaptação dos psicólogos clínicos ao ambiente virtual se fez mais tranquila, sobretudo, entre profissionais já familiarizados com essa tecnologia, mas se mostrou um desafio àqueles com menos conhecimento de computadores e Internet. Contudo, além dessa modalidade de atendimento já ser reconhecida e aprovada pelo CFP, desde 2018, desde que não fira o código de ética da profissão. O atendimento clínico on-line passou a prover ajuda emergencial indispensável no combate à depressão em função da pandemia, e da ansiedade causada pela crise econômica. Por fim, o fortalecimento da clínica virtual apontou para mudanças no fazer da Psicologia clínica, consolidando essa forma de atendimento como eficaz e bem mais aceita pela população. Dessa forma, o estranhamento que havia em relação ao atendimento on-line dissipou-se relativamente rápido, uma vez que o atendimento presencial passou a ser, por um bom tempo, não só mais difícil, mas até mesmo proibido pelos órgãos de saúde púbica, municipais e estaduais, ao longo da maior pandemia da histórica do Brasil. Uma vez consolidada, a clínica psicológica via Internet vem cada vez mais sendo uma modalidade de forte crescimento no Brasil e no mundo. 5. Conclusão A Psicologia clínica é, inicialmente, um fazer inter-relacional psicólogo- paciente, onde ambos se influenciam e são influenciados, independente da linha teórica. Nesse sentido, as diferentes abordagens podem ter caminhos próprios para elaborar as questões trazidas para o consultório, mas o objetivo é comum a todas: o bem-estar e resoluções de problemas do paciente. Apesar da Psicologia clínica ter, no 20 consultório particular, sua prática mais comum no Brasil, a partir da década de 1980, a clínica entra nas instituições se consolida como serviço essencial, tal como visto nas penitenciárias e hospitais. Da mesma forma, vale a pena mencionar que a prática da Psicologia cresce a largos passos no interior do país, entre outros fatores, pelo impulso da formação de psicólogo à distância ou EaD. Para concluir, outro grande fator que impulsionou a formação EaD em Psicologia foram os inúmeros estudos publicados nos últimos anos, atestando a eficiência da clínica psicológica on-line, onde foram obtidos os mesmos resultados alcançados em tratamentos presenciais, fazendo com que os resultados acadêmicos a distância obtivessem maior confiabilidade. Referências CABRAL, A., NICK, E. Dicionário técnico de Psicologia. São Paulo: Cultrix, 1994. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Código de ética profissional do psicólogo. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2005. FERES-CARNEIRO, T. Academia e profissão em Psicologia clínica: da relação possível à relação desejável. Psicologia: reflexão e crítica, 6 (1/2), supl. 1, p. 103-105, 2003. FERREIRA-SANTOS, E. Psicoterapia breve: abordagem sistematizada de situações de crise. 1. ed. Sao Paulo: Agora, 2013. HUBNER, M. M. C.; MOREIRA, M. B. Temas clássicos da Psicologia sob a ótica da análise do comportamento. 1 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. PEREIRA M. D. et al. A pandemia de COVID-19, o isolamento social, consequências na saúde mental e estratégias de enfrentamento: uma revisão integrativa. Research, society and development. Preprint, 2020. Disponível em: https://preprints.scielo. org/index.php/scielo/preprint/view/493/960. Acesso em: 28 maio 2021. FIGUEIREDO, L. C. Matrizes do pensamento psicológico. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. SCHNEIDER, D.R. Sartre e a Psicologia Clínica. Florianópolis: EDUFSC, 2011. VÁZQUEZ, A. S. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. 21 História da Psicologia Clínica Autoria: Alberto Carneiro Barbosa de Souza Leitura crítica: Carla Priscila da Silva Pereira Objetivos • Conhecer a história da Psicologia clínica. • Estudar a história da Psicologia clínica no Brasil. • Compreender a transdisciplinaridade na Psicologia clínica no Brasil. • Analisar as novas perspectivas no fazer da Psicologia clínica. 22 1. Introdução à história da Psicologia clínica O estudo da mente humana e do comportamento do ser humano existe na sociedade ocidental desde a civilização grega antiga, por meio das obras de grandes filósofos, como Platão, que se ocupou em estudar o homem e a origem do conhecimento, segundo o qual existiria um mundo ideal, onde tudo o que vemos é apenas uma cópia grosseira da real fonte do conhecimento e sabedoria. Aristóteles também estudou o conhecimento humano, concluindo que somos todos animais políticos, sendo estes apenas dois entre muitos teóricos da época. Entretanto, a investigação sobre nossa capacidade de elaborar o que vivemos só se separou da Filosofia a partir do final do século XIX, quando Wilhelm Wundt, fisiólogo alemão, fundou o primeiro laboratório de Psicologia, em 1879, na Alemanha, fruto de seu interesse em conhecer os processos psicológicos básicos, segundo Goowin (2005). O trabalho inicial de Wundt incentivou importantes pesquisadores nos Estados Unidos, tais como Edward Titchener e Wiliam James. Titchener deu continuidade ao método de pesquisa por Wundt e deu o nome de estruturalismo, que tinha por objetivo pesquisar a estrutura do consciente por meio da observação do comportamento e das sensações. Entretanto, foi somente com Lightner Witmer, aluno do próprio Wundt que o termo Psicologia clínica foi usado pela primeira vez na história e o primeiro jornal acadêmico de psicologia, o Abnormal Psychology só surgiria em 1907. Uma vez que Psicologia clínica já começava a ocupar espaço importante na sociedade americana, surge, em 1917, a Associação Americana de Psicologia clínica, a primeira do mundo. A clínica continua avançando e Emil Kraepelin anunciava que incorporar noções da Psiquiatria na prática da clínica psicológica, o que deu grande impulso a esta última. Em 1942, o psicólogo Carl Rogers trouxe umas das mais importantes contribuiçõespara a Psicologia clínica por meio da abordagem centrada na pessoa e, em 1950, a terapia comportamental surge anunciando o que seria um grande marco na Psicologia clínica 23 mais tarde, a clínica cognitiva-comportamental. Por fim, no final do século XX, a Psicologia clínica agrega a tecnologia em sua prática e inicia o atendimento remoto via Internet, algo que viria se consolidar em nosso século, sobretudo, com o advento da pandemia mundial da COVID-19. 2. História da Psicologia clínica Os primórdios da prática clínica se deram com Lightner Witmer no final do século XIX e início do século XX, quando este e seus auxiliares fundaram a primeira clínica da história, apesar de voltada apenas a auxiliar no desenvolvimento de crianças com problemas de aprendizagem e déficit intelectual, não oferecendo ainda atendimento a portadores de psicopatologias em geral. Uma das razões para a escolha desse público-alvo, por Witmer, é que seriam lugares ideais para o estudo do desenvolvimento humano a partir da observação da psique infantil, segundo Goowin (2005). Outra razão foi seu intuito em se afastar dos estudos ligados ao campo da Filosofia, pois Witmer acreditava que a Psicologia necessitava se aproximar de questões do cotidiano de pessoas inseridas na sociedade e, por isso, seria necessário se apartar, se não totalmente, em grande parte do contexto teórico da Filosofia. Apesar de sua contribuição em criar o termo Psicologia clínica, sua influência para a história da Psicologia não foi muito além disso, segundo Hothersal (2019). Outro psicólogo que conduziu os primeiros estudos de clínica em Psicologia foi o francês Pierre Janet, no final do século XIX, sobretudo, no tocante à problemas mentais e quadros de doenças nervosas, com o lançamento de seu livro Neuroses e ideias fixas, em 1887. Uma das grandes contribuições de Janet foi de concordar com Witmer de que a Psicologia deveria estudar as questões do cotidiano do indivíduo e ter caráter prático, segundo hothersal (2019). No entanto, Janet fazia 24 um resgate do diálogo da Psicologia com a Filosofia, uma vez que acreditava que filósofos tinham papel fundamental na construção do estudo de doenças mentais, algo que fica claro em uma de suas maiores contribuições para a Psicologia clínica da época, seu livro Da angústia ao êxtase, em 1926. Entretanto, a grande contribuição para o estudo e pesquisa da psique humana, suas vicissitudes e compreensão da subjetividade só viriam com o médico neurologista Sigmund Freud. Na verdade, Freud não era profissional do campo da Psicologia e usou o termo Psicologia clínica apenas em sua correspondência pessoal, com o colega médico e biólogo alemão Wilhelm Fliess, em 1899. Não obstante, seu trabalho revolucionou a pesquisa e a prática clínica até os dias de hoje, por meio de seus estudos a respeito do inconsciente, da sexualidade infantil e da libido. Freud se formou em Medicina, em 1881, em Viena, na Áustria, e, quatro anos depois, mudou-se para Paris, onde foi aluno de Charcôt, no conceituado hospital de Salpetrière, o mesmo onde anos mais tarde o psiquiatra Jacques Lacan daria os famosos seminários, no intuito de resgatar a teoria freudiana. Ao regressar a Viena, Sigmund Freud iniciou suas pesquisas e, paralelamente, seu consultório especializado em doenças nervosas, criando, assim, a clínica e a pesquisa denominada Psicanálise. A Psicologia seguiu avançando e se desenvolvendo na Europa e nos Estados Unidos, culminando em uma conferência, em 1949, nos Estados Unidos, onde foi criado o modelo de Boulder, importante marco na história da Psicologia clínica, segundo Hothersal (2019). Os criadores do modelo de Boulder acreditavam que apesar de o psicólogo dever estudar a melhor abordagem clínica para exercer e validar o fazer 25 de sua prática, seu papel principal deveria ser o de um cientista, construindo e estudando a Psicologia, mais do que apenas um clínico. Uma das grandes contribuições do modelo de Boulder, portanto, foi de incrementar o saber científico da Psicologia clínica e criar uma linguagem própria ao fazer clínico, a exemplo do que já existia na Psiquiatria, propiciando maior independência da Psicologia clínica em relação a outros campos do saber e, sobretudo, fortalecendo sua presença na academia. Essa orientação se deve, sobretudo, a alta demanda de atendimento clínico com pessoas sofrendo de doenças mentais em função da Segunda Guerra Mundial, tais como traumas de guerra e neuroses graves. Assim, exigência por uma pesquisa em Psicologia que trouxesse novos caminhos para tratamento de doenças mentais foi o grande combustível para a criação do modelo de Boulder que, por sua vez, impulsionou a pesquisa em Psicologia clínica nos hospitais do exército, que financiou importantes projetos nesse campo nos Estados Unidos, incentivo que fez com que a Associação Americana de Psicologia se juntasse a estes projetos, projetando a pesquisa e a própria Psicologia clínica e apartando-a definitivamente da clínica psicanalítica na América do Norte e Reino Unido, e aproximando-a da linguagem e saber da Psiquiatria, segundo Goowin (2005). Em países latinos e, sobretudo, na América Latina, contudo, este divórcio não ocorreu. Todavia, um afastamento da Psicanálise por parte dos clínicos latino-americanos se fez visível nessa parte do planeta a partir da entrada da pesquisa e da clínica cognitivo-comportamental, a partir da segunda metade do século XX. A segunda metade do século XX trouxe grandes mudanças no fazer da Psicologia clínica e, acompanhando seu tempo, novas psicopatologias exigiam o rompimento com certos paradigmas e preconceitos, segundo Hothersal (2019). Da mesma forma, o final do século XX e o início de um novo milênio se apresentam com novas possibilidades e novos desafios (Figura 1). Por exemplo, determinadas condições psicopatológicas que se 26 não eram completamente novas, eram frutos direto de um novo tempo e uma nova sociedade, tais como bulimia entre meninas muito mais jovens do que jamais visto na clínica, anorexia nervosa como produto de uma ditadura de culto ao corpo, compulsões e adicções, estas totalmente novas, tais como dependência à tecnologia ou a opioides. Portanto, novos fazeres na clínica se fizeram necessários e talvez um dos mais importantes paradigmas quebrados se deu com a entrada da Psicologia clínica no universo virtual. Inicialmente, enfrentando forte resistência e até proibições em algumas localidades, as exigências de um novo tempo se impuseram. Finalmente, com a chegada da maior pandemia global jamais vista, transmitida pelo vírus chamado Sars- Cov-2, altamente letal e propagado pelo ar, o atendimento psicológico remoto se impôs não mais apenas como uma possibilidade, mas como uma necessidade. A pandemia, batizada de COVID-19 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019, transformou o mundo como conhecíamos, a partir de 2020, exigindo novas estratégias profissionais em quase todas as áreas do mercado de trabalho. A Psicologia clínica não foi uma exceção. 27 Figura 1 – Linha do tempo da Psicologia clínica Fonte: elaborada pelo autor. 2.1 História da Psicologia clínica no Brasil A Psicologia clínica, no Brasil, teve seu início no âmbito escolar na cidade de São Paulo, quando Durval Marcondes inaugurou sua clínica infantil, em 1938, e com seu primeiro livro de Psicologia clínica A criança 28 problema, em 1939. Uma nova etapa na clínica psicológica se deu a partir de 1962, quando o Brasil passou a ser o primeiro país na América Latina a regulamentar a profissão de psicólogo, embora, entre 1938 e 1962, trabalhos relevantes tenham sido feitos, realizados pelo menos 14 mil exames diagnósticos e 25 mil entrevistas com profissionais de educação infantil e pais de alunos. Nesse período pré-regulamentação da Psicologia clínica, vale ressaltar o excelente trabalho de Helena Antipoff, no Rio de Janeiro, segundo Makino Antunes (2014). Uma de suas grandes contribuiçõesfoi a criação, em 1946, do Centro de Orientação Juvenil (COJ), no Ministério da Saúde, o primeiro da América Latina. O COJ foi pioneiro no tratamento e prevenção da delinquência juvenil, entre jovens de 12 a 18 anos, em uma clínica multidisciplinar, com a colaboração entre a Psicologia, o Serviço Social e a Psiquiatria, e também responsável pela introdução da clínica Rogeriana no Brasil, por meio da psicóloga Mariana Alvim. Em 1953, a escola de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB), inaugura sua clínica voltada exclusivamente para pacientes de dois a 12 anos, quando os psiquiatras utilizavam a abordagem psicanalítica em suas práticas clínicas e com uma equipe multidisciplinar, dando grande impulso à Psicologia clínica no Brasil. Novas clínicas psicológicas também começavam a proliferar no país e, aos poucos, o psicólogo clínico começou a ter maior visibilidade na sociedade brasileira. A partir da consolidação da Psicologia clínica escolar e sua regulamentação, outras especialidades começam e entrar no Brasil e ganhar importância, e é fundada a Associação Brasileira de Psicologia Aplicada. Em seguida, surge a primeira publicação especializada em Psicologia geral, a Revista de Psicologia Normal e Patológica, quando a Psicologia clínica passa a ter voz também no cenário latino-americano, com sua primeira participação no VI Congresso Interamericano de Psicologia, em 1960. A partir daí, a inauguração de cursos universitários 29 de Psicologia e seus Serviços de Psicologia Aplicada (SPA), com clínicas universitárias e estágios supervisionados, fortaleceu ainda mais a Psicologia clínica no Brasil, sobretudo, em função da exigência das universidades no sentido de uma metodologia própria para a investigação e pesquisa em psicologia clínica, segundo Makino Antunes (2014). Ao longo dos anos, novas formações e forte influências do exterior começam não só a legitimar o fazer clínico no Brasil, mas fazendo com que diferentes regiões enfatizassem mais certas abordagens e menos outras, tendência que se consolidou até os dias atuais. Para exemplificar essas influências e tendências regionais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e parte de Minas Gerais concentram boa parte da clínica psicanalítica no Brasil, com excelentes escolas e formação, assim como a abordagem Rogeriana. Já as regiões da grande São Paulo, Campinas e região, têm na clínica cognitivo-comportamental sua maior força. A partir da criação do primeiro programa de Mestrado de Psicologia Clínica, no país, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), outros programas se seguiram, como na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ–IMS) e Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), todos com excelência acadêmica até os dias de hoje. A clínica em Psicologia contemporânea, tanto no Brasil como em todo o mundo, apesar de possuir diversas abordagens, algumas, inclusive divergindo entre si, é unânime em enfatizar a necessidade de, cada vez mais, fortalecer o diálogo com outros saberes, resgatando não só com a Filosofia, mas abrir interlocuções com a Psicanálise, Antropologia, Sociologia, Linguística, entre outras, de acordo com Makino Antunes (2014). Tal diálogo se faz cada vez mais necessário, posto que uns dos maiores males modernos são a angústia e ansiedade, face a exigência cada 30 vez maior do mercado de trabalho, sobretudo, entre as gerações mais novas. 2.2 Transdisciplinaridade na Psicologia clínica no Brasil Uma equipe multidisciplinar trabalha no sentido de manter o arcabouço teórico e práticas de cada área do conhecimento, sem a influência direta dos demais saberes. Assim, normalmente, tem seu foco em um determinado projeto de curta ou média duração e não promove, necessariamente, o diálogo entre profissionais de campos diferentes, uma vez que não se almeja troca de expertise entre eles. Cada especialidade é chamada a contribuir com sua bagagem teórica e experiência. A equipe multidisciplinar é muito importante em situações de crises pontuais, como, por exemplo, no combate à violência em comunidades como Cidade de Deus ou Paraisópolis: a Psicologia, a Segurança Pública, o Serviço Social, a Sociologia e demais áreas, trabalharão por um determinado tempo e tendo um objetivo específico. Há colaboração entre estas expertises, a fim de solucionar ou propor saídas para uma situação pontual (Figura 2). Figura 2–Em uma equipe multidisciplinar cada saber contribui individualmente Fonte: elaborada pelo autor. Já uma equipe interdisciplinar, almeja trocar expertises e buscar ganhos colaborativos a respeito de determinado tema. Esta equipe é muito importante quando determinada situação exige que cada disciplina não só colabore, mas agregue conhecimento umas com as outras. Um 31 bom exemplo seria a questão do desmatamento na Amazônia. Não basta apenas que a engenharia florestal entre com sua expertise de manejo do solo e reposição de espécies nativas, pois o desmatamento tem causas muito mais profundas e duradouras, tais como o interesse de grandes empresas do agronegócio, grilagem de terras, invasão e de terras indígenas entre outras razões. Dessa forma, a antropologia agregará conhecimento ao engenheiro florestal, que, por sua vez, o fará com profissionais da segurança pública e de fronteiras, ou o psicólogo explicará ao sociólogo a gravidade do stress pós-traumático em indivíduos expulsos de suas terras. Os profissionais irão para o campo de trabalho conhecendo minimamente as questões que não sabia como lidar, mas que podem dificultar ou mesmo inviabilizar sua intervenção. Isso não significa que o engenheiro florestal saberá como tratar stress pós-traumático, mas estará minimamente apto a identificá-lo. O problema da abordagem interdisciplinar é a tendência a uma relação de poder hierarquizada entre os campos do saber, algo que estudaremos a seguir. Quando se fala em interdisciplinaridade, muitos teóricos acreditam ser ainda uma utopia, enquanto outros já a colocam em prática. Portanto, deve-se compreender o significado do termo. O conceituado psicólogo suíço Jean Piaget, por exemplo, explicou que a interdisciplinaridade entre saberes acaba por fazer com que a relação entre eles tome uma forma vertical, isto é, as disciplinas consideradas mais complexas tendem a coordenar as demais hierarquicamente. Dessa maneira, teremos disciplinas satélites girando em torno de um eixo central. Um bom exemplo seria a relação entre a Psicologia clínica e a Psiquiatria, no Brasil, quando, por muito tempo, esta última frequentemente tomava o lugar central, enquanto a Psicologia clínica ocupava o lugar de disciplina-satélite. Essa relação vem se transformado muito, sobretudo, com o fortalecimento e consolidação da terapia cognitivo- comportamental, abordagem que mantém constante diálogo com a Psiquiatria e, em alguns casos, é considerada como sendo o tratamento 32 mais adequado, inclusive pela própria Psiquiatria. Entretanto, o processo de interdisciplinaridade teve papel de grande importância na história da Psicologia clínica, como salientou Foucault (2009) em sua obra, quando, por meio de uma longa e profunda discussão mostrou que esta relação acabou por forçar a Psicologia a se renovar e se desenvolver. Atualmente, no Brasil, a Psicologia clínica tende, cada vez mais, a privilegiar o diálogo transdisciplinar com outros campos do saber, evitando, assim, uma hierarquização entre diferentes disciplinas, resultando no avanço e aprimoramento das diversas abordagens clínicas. Como exemplo, podemos citar o diálogo entre a clínica cognitivo-comportamental e a Psiquiatria ou da Psicanálise com a Antropologia e a Filosofia. Um dos resultados concretos deste intercâmbio foi a criação do Centro de Referência Técnica em Psicologiae Políticas Públicas (CREPOP), em 2006, objetivando o aprimoramento do conhecimento e das qualificações de psicólogos atuantes ou que desejam atuar na promoção de políticas públicas. Esse é inclusive um bom exemplo do diálogo transdisciplinar da Psicologia clínica com outras áreas de estudo e pesquisa. Como podemos ver na Figura 2, a equipe multidisciplinar trabalha no sentido de valorizar o saber individual de cada área do conhecimento, mas sem que suas expertises se comuniquem diretamente. Já na Figura 3, vemos um dos saberes como preponderante, enquanto as outras áreas de conhecimento exercem papel secundário, além de se reportarem àquele. 33 Figura 3–Em uma equipe interdisciplinar há colaboração e troca de expertises, a partir de uma colaboração hierarquizada Fonte: elaborada pelo autor. O diálogo transdisciplinar (Figura 4) tem sido promovido pela Psicologia clínica brasileira, assim como nas Ciências Sociais no campo de políticas públicas. Tal promoção tem trazido bons resultados e importantes contribuições para o aprimoramento do fazer clínico no Sistema Único de Saúde (SUS), no tocante ao atendimento de populações em situação de vulnerabilidade social. A clínica de crianças e adolescentes, por exemplo, tem buscado, cada vez mais, aprimorar uma escuta atenta às demandas sociais e comunitárias traduzidas no discurso do paciente. Tal prática resultou em importantes contribuições da Psicologia na construção de políticas públicas voltadas para populações vulneráveis. 34 Figura 4–Uma equipe transdisciplinar não obedece a uma ordem hierárquica entre os diferentes campos do saber, pois todos contribuem e assimilam a expertise uns dos outros Fonte: elaborada pelo autor. 3. Novas perspectivas no fazer da Psicologia clínica O fazer transdisciplinar da Psicologia clínica se faz cada vez mais presente em suas práticas e pesquisas em nosso século, indicando que não só o futuro, mas o próprio presente privilegia a ampliação e a colaboração de outras expertises nos arcabouços teórico- práticos da clínica. Em outras palavras, cada vez mais o psicólogo, independentemente de sua abordagem, se vê impelido a estudar diferentes campos do saber, mantendo um diálogo horizontal, a fim de agregar e absorver conhecimento. Não por acaso, psicólogos têm cada vez mais voz ativa, intervindo e/ou sugerindo modificações no tratamento de pacientes da Psiquiatria. Por outro lado, a Psicologia vem se afastando da resistência em relação à colaboração da Psiquiatria, 35 trabalhando em conjunto e agregando discussões sobre o uso de medicamentos ao fazer clínico da Psicologia, sobretudo, no tocante à terapia cognitivo-comportamental. O futuro da Psicologia clínica indica uma escuta cada vez mais aguçada e focada na prevenção e na resiliência, onde a relação do paciente com seu sintoma passa a ser central em muitas abordagens. A Psicologia clínica focada na prevenção e na resiliência talvez seja uma das grandes mudanças desse campo do saber. Não apenas isso, mas a compreensão do outro como ser no mundo, onde o aprimoramento da resiliência do paciente implica em uma visão mais holística do psicólogo clínico, na qual o ambiente, a cultura e o contexto social do paciente tenham papel muito importante em seu consultório. Isso significa que se cada vez mais a linguagem passa a ser essencial para a Psiquiatria, o contexto sociocultural toma cada vez mais espaço na Psicologia clínica. Não mais podemos admitir um setting terapêutico apartado da realidade do paciente fora deste, no qual a subjetividade intrapsíquica do sujeito tenha protagonismo absoluto na escuta do profissional. O paciente traz consigo a construção de uma subjetividade fruto de seu meio e de seu universo intrapsíquico. Dessa forma, revisitar e reavaliar reações, emoções e sentimentos do paciente em relação a acontecimentos passados ou presentes passa a ser fator importante no fazer clínico, no qual a capacidade de resiliência do sujeito é algo importante a ser trazido no setting terapêutico. Outra característica da Psicologia clínica que tem se consolidado é uma forte diversificação do fazer terapêutico. O consultório tradicional, apesar de não deixar de existir, tem visto surgirem novas formas de atendimento, afastando-se cada vez mais do antigo modelo médico de uma relação de poder psicólogo-paciente. Portanto, a atuação no campo social e comunitário do psicólogo clínico tem tido crescimento exponencial, tanto no Brasil quanto no exterior, onde o profissional passa a discutir seu próprio lugar e papel social, tendo cada vez mais interferência na condução de novas políticas públicas no Brasil. A 36 formação de psicólogo tende a privilegiar a importância e a dimensão deste profissional no âmbito sociocultural e mesmo político, em uma clínica engajada e comprometida com mudanças e transformações de paradigmas. A crescente oferta de cursos de especialização em Psicologia clínica oferecida no Brasil, abrangendo públicos-alvo cada vez mais diversificados, também tem contribuído na construção de uma clínica cada vez menos conservadora e calcada em antigos preconceitos, que reprovavam psicólogos que não tenham uma formação tradicional e purista. A diversificação na formação de novos clínicos oriundos de outras áreas que, após se formarem em Psicologia, fazem especializações que permitem agregar sua bagagem acadêmica anterior, abre novos e preciosos caminhos para um novo fazer clínico em nosso século. Para finalizar, talvez a maior mudança na Psicologia clínica seja o atendimento remoto ou on-line. A década de 1990 trouxe, para a América do Norte, o crescimento das tecnologias da informação e, entre elas, a comunicação remota via Internet. A partir daí, todas as áreas do conhecimento foram atingidas por esta transformação digital, incluindo a Psicologia clínica. Um dos fortes fatores que determinaram a consolidação definitiva deste modelo clínico foram as patologias da modernidade, tais como a fobia social, síndrome do pânico e depressão. A Internet veio facilitar o atendimento a pacientes que simplesmente não podiam sair de casa e que antes tinham que se submeter ao terror do deslocamento até o consultório ou hospital ou então encontrar profissionais que faziam atendimento clínico em domicílio, o que encarecia muito o tratamento, tornando acessível a uma pequena parcela da população. O atendimento remoto democratizou o tratamento dessas patologias e trouxe melhoras importantes e documentadas em inúmeras pesquisas e artigos científicos nos Estados Unidos e Canadá. Atualmente, multiplicam-se as plataformas digitais 37 oferendo tratamento psicológico on-line para diferentes demandas, desde fobias até atendimentos de casal, inclusive no Brasil. Referências HOTHERSALL, D. História da Psicologia. 4. ed. São Paulo: AMGH, 2019. MAKINO ANTUNES, M. A. (orgs.). A Psicologia no Brasil. 5. ed. São Paulo: EDUC- Editora da PUC de São Paulo, 2014. GOODWIN, J. História da Psicologia moderna. São Paulo: Cultrix. 2005. 38 Psicoterapia e aconselhamento psicológico Autoria: Alberto Carneiro Barbosa de Souza Leitura crítica: Carla Priscila da Silva Pereira Objetivos • Estudar as origens e definições do aconselhamento psicológico e da Psicoterapia: o que são e a quem se destinam? • Conhecer semelhanças e diferenças entre aconselhamento psicológico e da Psicoterapia. • Explorar os principais campos de atuação de aconselhamento psicológico no Brasil. 39 1. Introdução à Psicoterapia e aconselhamento psicológico Ao iniciarmos este estudo, é importante que nos afastemos da noção do senso comum, que por muito tempo esteve presente também em parte da academia, de que a psicoterapia seria, em linhas gerais, uma abordagem mais eficiente que o aconselhamento psicológico. Essa percepção foi superada, sobretudo com a entrada de Carl Rogers no campo do aconselhamento psicológico com sua obra clássica Psicoterapia e consulta psicológica, em 1942, trazendo-apara o guarda-chuvas das teorias da Psicologia clínica, razão pela qual muitos escritos acadêmicos acerca de aconselhamento enfatizem a abordagem Rogeriana centrada na pessoa, segundo Amatuzzi (2012). O aconselhamento, assim como a Psicoterapia, possui especificidades e fazeres próprios, sendo uma das maiores diferenças o fato de que o aconselhamento não objetiva investigar as causas dos conflitos psicológicos de quem busca ajuda, mas antes explorar o potencial do sujeito em resolvê-los, segundo Castelo Branco (2019). Ao longo de nosso estudo, conheceremos as principais diferenças e semelhanças entre aconselhamento psicológico e da Psicoterapia, e exploraremos as principais abordagens do aconselhamento. Entretanto, vale mais uma vez ressaltar que o aconselhamento psicológico tem papel tão importante quanto a Psicoterapia. A diferença é que há ocasiões e pacientes nas quais uma ou outra é a melhor opção de tratamento, algo que varia de acordo com a disponibilidade do paciente, a urgência da situação e o propósito do tratamento. Mais do que qualquer outro fator, o importante é a escolha do paciente. 40 2. Aconselhamento psicológico e psicoterapia: o que são e a quem se destinam? Os antecedentes do aconselhamento psicológico remontam ao tempo da revolução industrial inglesa, quando Frank Parsons em 1909 buscava uma maneira objetiva e racional de auxiliar jovens ingleses na escolha de suas carreiras profissionais, embora seu início propriamente dito só se daria mais tarde nos Estados Unidos. Os aconselhamentos de Parsons foi tão bem-sucedido que se expandiu para outras áreas e vários países. A ideia seria oferecer ajuda imediata a pessoas que buscavam solucionar problemas educacionais e angústias e ansiedade, desde que tivessem queixas pontuais, de acordo com Amatuzzi (2012). Em uma definição objetiva, o aconselhamento psicológico visa contribuir para que o sujeito compreenda o potencial que possui para resolver questões pessoais cotidianas, auxiliar na tomada de decisões e fortalecer a autoconfiança. Ao contrário da Psicologia clínica tradicional, no aconselhamento psicológico não é necessário que se adote uma abordagem específica, já que o importante é promover mudanças pontuais indicando caminhos para melhor conduzir questões especificas, como, por exemplo, crises conjugais e restabelecimento da harmonia entre os membros do casal ou da família (Figura1). 41 Figura 1–O aconselhamento psicológico é uma das modalidades clínicas mais utilizadas para o atendimento de famílias e casais Fonte: Nosystem Images/ iStock.com. Desde a entrada de Carl Rogers no aconselhamento psicológico, a abordagem centrada na pessoa passou a ser a principal condução clínica adotada no sentido de trazer o paciente para o aqui e agora, sem distorções de pensamentos negativos, ajudando, assim, a se conectar de forma mais saudável possível com padrões positivos já existentes em sua subjetividade. Por isso, podemos dizer que foi com Rogers que deu o início o aconselhamento psicológico propriamente dito, segundo Castelo Branco (2019). Nesse fazer clínico, o cliente passa por um processo de aceitação de seus próprios sentimentos, sejam quais forem, para que desenvolva os instrumentos psíquicos necessários para reconhecê-los e, se for de sua decisão, modificá-los, sempre tendo em vista ser este um tratamento de curta duração e focada em questões pontuais, de acordo com Schmidt (2015). 42 O objetivo de Rogers, do aconselhamento psicológico, é auxiliar o sujeito a ser mais autônomo em suas decisões e suas ações, com intuito de que este possa atingir sua plenitude em seu autoconhecimento, possibilitando, assim, seu amadurecimento psicoemocional. Esse fazer clínico é muito difundido e respeitado, sobretudo, na América do Norte, onde o aconselhamento já se afastou da formação em Psicologia mais tradicional e, portanto, oferece mais recursos ao estudante, como mestrados e doutorados na área e mercado de trabalho voltado particularmente para este setor. A Psicoterapia, por sua vez, tem na etimologia de seu termo duas palavras de origem grega: psyche, que significa mente; e therapeuein, cura. Seu objetivo é o tratamento de condições, tais como depressão, ansiedade, problemas de adaptação sociocultural, além de questões familiares. Ao contrário do aconselhamento psicológico, a clínica na Psicoterapia costuma ter abordagens terapêuticas bem definidas e escolhidas pelo psicólogo, tais como a Gestalt terapia, Psicologia analítica, Psicanálise, entre outras, segundo Cordioli (2018). A Psicoterapia tem como principal característica o fato de ter uma dinâmica colaborativa cliente-psicólogo, onde ambas as partes são sujeitos ativos no processo terapêutico. Outras características são ter duração usualmente mais longa que o aconselhamento psicológico, possui um espaço.ou setting, próprio para a sessões e acolhe encaminhamentos feitos por um clínico de aconselhamento, não por ser uma prática mais profunda, mas por poder tratar de casos com maior especificidade em função de suas inúmeras abordagens. 3. Semelhanças e diferenças entre aconselhamento psicológico e Psicoterapia A Psicoterapia e o aconselhamento psicológico foram por muito tempo confundidas entre si e a definição de cada uma nem sempre foi tarefa 43 fácil, pelo menos até Carl Rogers definir claramente as características do acompanhamento psicológico como ser sempre a clínica centrada na pessoa. Por isso mesmo, as semelhanças entre as duas são muitas. Para começar, ambas se dedicam a identificar demandas específicas, sendo que estas sempre devem partir do cliente e jamais do psicólogo, segundo Castelo Branco (2019). Da mesma forma, ambas as práticas se empenham em ajudar o cliente no sentido de que este consiga desenvolver uma real capacidade de compreensão de sua própria demanda em relação aos seus problemas, assim como caminham junto, a fim de ajudá-lo a reconhecer e saber usar suas capacidades na resolução destes problemas. Esse processo é feito de forma muito similar nas duas clínicas, ou seja, traçando estratégias de tratamento com o intuito de promover mudanças concretas para que o cliente possa viver melhor e com boa qualidade de vida psicoemocional, segundo Schmidt (2015). Ainda em relação às semelhanças, ambas têm maior presença na prática clínica do que na pesquisa teórica acadêmica no Brasil, realidade diferente da América do Norte, onde o aconselhamento possui forte presença em pesquisas universitárias em níveis de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Em relação à prática clínica, o atendimento em plantão psicológico é comum a ambas as abordagens (embora esteja muito presente no aconselhamento, em função de sua característica de objetividade em resolver demandas mais imediatas), assim como sua inserção no âmbito escolar, desde o ensino fundamental até o ensino médio, segundo Cordioli (2018). Outra forte presença é notada em centros comunitários voltados para populações em situação de vulnerabilidade socioeconômica, tais como em comunidades de baixa renda, acampamentos de populações destituídos de moradia rural, tais como o Movimento dos Sem-Terra (MST), vítimas de violência doméstica, preconceito e racismo. Esses atendimentos são muito em ONG’s voltadas para a comunidade LGBTQ+, grupos de apoio a mulheres em situação de vulnerabilidade, 44 entre outros (Figura 2). A razão para a forte presença, nesses locais, é a característica de atendimentos pontuais e tratamentos a curto prazo, algo fundamental no atendimento emergencial e de apoio pontual. Figura 2–Muitas ONG’s oferecem aconselhamento psicológico para grupo em situação de vulnerabilidade, em todo o Brasil Fonte: SDI productions/ iStock.com. As diferenças entre essas duas clínicas podem ser bem marcadas ou pertencerem a uma fronteira muito fluida. Entre as diferenças mais marcadas, está o fato da Psicoterapia possuir o foco, além de problemas pontuais, em psicopatologias da personalidade,algo que não é abordado pelo aconselhamento, uma vez que não é seu objetivo. O aconselhamento se concentra mais em conflitos presentes na consciência e, portanto, ligados ao meio sociocultural do cliente, exigindo do psicólogo conhecimento social e antropológico em relação ao público atendido e, muitas vezes, muito ligada a questões de justiça social. Por outro lado, é comum a Psicoterapia se ocupar de processos inconscientes do cliente por meio de abordagens psicanalíticas que, se não são tratamentos tão longos, são mais demorados do que no aconselhamento, segundo Castelo Branco (2019). 45 De forma geral, o aconselhamento psicológico é um tratamento muito apropriado e indicado no caso de não haver algum diagnóstico em Psicopatologia, pois, se o intuito é auxiliar o cliente a tomar decisões objetivas, é preciso que seus processos psicológicos estejam preservados, ao contrário da Psicoterapia, onde é possível lidar com indivíduos que tenham comprometimentos em sua estrutura psíquica, que possa causar conflitos existenciais mais intensos, segundo Cordioli (2018). Essa diferença faz com que a Psicoterapia complemente o atendimento realizado pelo aconselhamento psicológico e vice-versa. Por exemplo, é muito comum o cliente em aconselhamento ser encaminhado ao tratamento psicoterápico para tratar questões de maior comprometimento psíquico. O caminho inverso também é possível: alguém em tratamento psicoterápico pode ser encaminhado ao aconselhamento psicológico com a finalidade de tratar questões pontuais e mais urgentes. Por exemplo, o paciente LGBTQ+ em crise intrafamiliar em função de sua orientação sexual tem, na Psicoterapia, o acolhimento ideal para explorar questões profundas relativas ao preconceito e intolerância social. Todavia, este mesmo paciente pode ser encaminhado para o aconselhamento psicológico, a fim de resolver questões pontuais com sua família, que necessitem de atenção mais urgente para seu bem-estar e equilíbrio emocional, tais como conflitos específicos com membros da família ou desenvolver maneiras eficientes de dialogar e manter a harmonia entre as pessoas, de acordo com Castelo Branco (2019). Contudo, um dos exemplos mais clássicos para se compreender a importância do aconselhamento psicológico seja o serviço de atendimento prestado a membros de programas chamados reality shows exibidos na TV em todo o mundo. O objetivo das sessões, aqui, é pontual e direto: prestar auxílio psicoemocional ao membro do elenco do programa que esteja passando por conflitos com outros participantes e/ou consigo mesmo. Nesses casos, o aconselhamento psicológico é a única forma de atendimento que pode realmente ajudar, pois qualquer 46 outro fazer clínico, inclusive a Psicoterapia demandaria mais tempo. Da mesma forma, nada impede que o profissional em aconselhamento perceba a necessidade de um tratamento mais prolongado. Se este for o caso, ele irá instruir o indivíduo a buscar ajuda ao término do programa. O aconselhamento psicológico possui uma característica muito particular, que é seu caráter didático e de prevenção durante as sessões, ao contrário da Psicoterapia, que funciona mais como um processo de restauração da saúde mental. Isso significa que enquanto o aconselhamento se concentra na prevenção do problema, a Psicoterapia se ocupa em sua resolução, uma vez que este já se está instalado. Essa é uma das principais razões para o tempo mais abreviado do aconselhamento: quando trabalhamos na prevenção, estamos lidando com o sujeito ainda preservado de um problema, ao passo que a Psicoterapia necessita de mais tempo para que o sujeito elabore e resolva o problema, segundo Amatuzzi (2012). O cliente chega na Psicoterapia apresentando certo grau de sofrimento psíquico e, muitas vezes, sequer reconhece as causas de tal sofrimento. Ele busca ajuda porque sofre. Inversamente, o indivíduo procura o aconselhamento psicológico com uma demanda muito específica e nem sempre está com o mesmo grau de sofrimento psíquico encontrado no consultório psicoterapêutico. Sua motivação é objetiva: problemas de relacionamento do casal, rendimento escolar, dúvidas em relação à escolha profissional ou aceitação e elaboração de sua identidade sexual. Aqui, o propósito do tratamento é evitar o sofrimento existencial mais profundo. Buscando ajuda pontual, o sujeito aprende a resolver determinadas questões que, se não vistas naquele momento, poderiam ser internalizadas e recalcadas. O objetivo é, antes de mais nada, a prevenção. O psicólogo se pauta na necessidade de promover ações que possam ser tomadas pelo cliente, ao passo que o psicoterapeuta estará mais focado na reflexão a respeito de determinadas questões, segundo Schmidt (2015). 47 É importante salientar que o mesmo profissional pode exercer tanto a Psicoterapia quanto o aconselhamento psicológico. Se assim for, deverá possuir sólida formação teórica que o capacite para ser capaz de identificar as demandas de quem chega em seu consultório. Evidentemente que o mesmo psicólogo não pode tratar do mesmo cliente nas duas abordagens. Caso o sujeito venha até ele com uma demanda de aconselhamento e, ao longo das sessões, perceba a necessidade de um tratamento psicoterápico, o profissional deve encaminhá-lo a um colega seu e vice-versa. Em função do Brasil não possuir uma formação acadêmica tão estabelecida em aconselhamento psicológico, como nos Estados Unidos e Canadá, é muito comum vermos psicólogos atuando nesta área com pós-graduação no exterior, tendo em vista que muitas universidades não oferecem sequer, na graduação em Psicologia, cursos em aconselhamento, embora já existam instituições oferecendo estágios neste fazer clínico e laboratórios de excelente qualidade acadêmica. 4. Principais campos de atuação do aconselhamento psicológico no Brasil Carl Rogers é uns dos principais nomes da história do aconselhamento psicológico e o criador da abordagem denominada Abordagem Centrada na Pessoa (ACP). Independente da abordagem em aconselhamento psicológico, a ACP será, na maioria das vezes, a base da prática clínica, adaptada aos seus objetivos particulares. Isso não quer dizer que não exista um fazer em aconselhamento psicológico que não seja baseado na ACP, embora sejam bem menos frequentes, de acordo com Castelo Branco (2019). O aconselhamento psicológico, no Brasil, é muito usado em plantões psicológicos nos mais variados setores, desde consultórios a hospitais, escolas, igrejas e até mesmo em algumas delegacias de polícia. Entre as principais abordagens mais comuns, no Brasil, podemos enumerar as seguintes: 48 • Aconselhamento escolar e pedagógico: auxilia alunos do ensino fundamental e médio (e mais recentemente ensino superior) na identificação, elaboração e resolução de crises pessoais e/ou interpessoais, que estejam influenciando direta ou indiretamente o desempenho acadêmico do aluno por meio da elaboração das potencialidades dos processos cognitivos do estudante, fazendo com que possa remover empecilhos psicoemocionais em relação ao seu desempenho escolar. O objetivo é de prevenção de problemas maiores que acabem por comprometer de forma mais profunda os estudos do sujeito e, em alguns casos, levando até a evasão escolar. • Aconselhamento psicológico no campo social: promove a inclusão social por meio de sessões individuais ou em grupo, nas quais se promova a autonomia do sujeito vítima de preconceito, racismo, homofobia, misoginia e outras situações causadas por agentes opressores. O aconselhamento psicológico grupal, neste caso, se mostra muito eficiente, pois a exclusão social não é vista apenas como sofrimento individual, mas, antes, fruto do isolamento e estigmatização de determinada minoria, muitas vezes, denominado no aconselhamento psicológico como sofrimento ético-político. A experiência individual da segregação sofrida é compartilhada por outros membros de uma mesma comunidade. Portanto, o aconselhamento psicológicoatua como poderoso instrumento transformador e de empoeiramento individual e grupal. • Aconselhamento psicológico no campo da saúde: o aconselhamento psicológico possui uma particularidade talvez única no contexto dos cuidados da saúde. O profissional possui uma escuta idiossincrática, pois as demandas que chegam até ele tem uma diversidade difícil de encontrar em outras fazeres clínicos. O plantonista em hospitais gerais, por exemplo, deve estar preparado para demandas que vão desde crises de ansiedade até vítimas de acidentes de trânsito que, ao mostrarem-se muito 49 nervosas, são encaminhadas ao plantão de aconselhamento. Além disso, existem as demandas pré e pós cirurgia, muito comum em cirurgias bariátricas, neofaloplastia (conhecida como cirurgia de mudança de gênero) e mastectomia (retirada do seio em casos de câncer), auxílio na elaboração emocional de resultados laboratoriais, tais como HIV, câncer etc. • Acompanhamento psicológico como tratamento clínico regular: o grande diferencial clínico no aconselhamento é o foco na prevenção. Além disso, a clínica em aconselhamento, quando não existe uma demanda urgente, buscará sempre estabelecer um plano de ação junto ao cliente para que este atinja os objetivos esperados. Assim, o psicólogo deve fazer uma reavaliação periódica junto com seu cliente, a fim de reavaliar a proposta do tratamento caso necessário. Da mesma forma, diferente da clínica psicológica tradicional, o profissional oferece o que se denomina devolução de resultados ao cliente, tendo em vista o caráter objetivo e de curto prazo do tratamento, segundo Amatuzzi (2012). • Aconselhamento psicológico no contexto organizacional: o aconselhamento no contexto organizacional não deve ser confundido com o papel do psicólogo em funções de recursos humanos, onde suas funções estão mais concentradas em acompanhamento nas entrevistas de contratação e desligamento, treinamento e capacitação de pessoal, segundo Scorsolini-Comin (2015). O aconselhamento em empresas é muito usado em situações de adaptação profissional, ou seja, quando o funcionário é realocado de sua função, cidade ou país. O psicólogo deve estar focado na manutenção da saúde mental do funcionário, fazendo, como é característica do aconselhamento, um trabalho de prevenção. O aconselhamento psicológico organizacional investiga os diversos fenômenos psicológicos referentes a questões organizacionais, tais como Burnout, ansiedade em função da competição acirrada, dependência de álcool e drogas entre outros, de acordo com Scorsolini-Comin (2015). 50 • Aconselhamento psicológico no contexto esportivo profissional: as demandas no contexto esportivo são, muitas vezes, advindas do ambiente altamente competitivo entre integrantes das equipes. Entre os homens, a vigorexia (ou a necessidade compulsiva de se manter em boa forma física a qualquer custo) tem se mostrado muito frequente. O psicólogo que trabalha neste contexto deve ter minimamente de Fisiologia, anatomia, assim como as regras do esporte de seus clientes. Além disso, o profissional deve buscar compreender as consequências dos diferentes estados emocionais dos atletas nas mais diversas situações nas quais poderá afetar o cliente que busca ajuda, ajudando-o a elaborar suas emoções, a fim de manter sua saúde mental e suas habilidades físicas, segundo Weinberg (2016). • Aconselhamento psicológico no contexto religioso: tema de muito debate e polêmicas, o aconselhamento psicológico em templos e igrejas tem sido defendido e atacado por diferentes correntes na Psicologia, embora seja autorizado pelo CFP. Todavia, o risco em resvalar em questões éticas é grande e, por isso, o psicólogo que atue neste contexto deve estar muito atento a estas questões. A maior fonte de controvérsias se origina em situações nas quais o líder religioso instrui o psicólogo a adotar condutas clínicas que ferem a ética da profissão. Entre estas situações está a chamada terapia de conversão, na qual o cliente LGBTQ+ tem seu tratamento conduzido no sentido de reverter sua orientação sexual para que este seja heterossexual, algo que contradiz o código de ética de Psicologia, passível de cassação do registro do profissional. Entretanto, o aconselhamento psicológico no contexto religioso é muito rico e de muito mais abrangência do que esta polêmica que, por ter maior visibilidade na imprensa, acaba sofrendo uma injusta estigmatizaçāo, mesmo entre muitos psicólogos, de acordo com Munguba (2012). Em igrejas protestantes, de maneira geral, este serviço é denominado aconselhamento pastoral. As responsabilidades do psicólogo, neste 51 caso, estão na esfera do aconselhamento direcionado a membros da denominação religiosa em questão e seus familiares, feito de forma bem estruturada e com o propósito de auxiliá-los em crises pessoais, familiares ou mesmo aconselhamento em geral. Já no Espiritismo, o aconselhamento se denomina atendimento fraterno e é realizado de forma individual ou em grupo, por meiode conversas informais, mas seguindo a ética e o modelo clínico do aconselhamento psicológico. Figura 3–O aconselhamento psicológico no contexto religioso pode seguir a orientação da religião na qual está inserido, desde que não contrarie o código de ética da Psicologia Fonte: SDI Alina555/ iStock.com. No catolicismo, o aconselhamento psicológico leva, muitas vezes, (mas não somente) o nome de direção espiritual. Nesse caso, o objetivo é o acolhimento incondicional do demandante, no qual sempre se incentiva o perdão e aconselhamento para alcançar a paz interior. Apesar de ser obrigação do profissional manter uma postura misericordiosa, este não está isento, como em nenhuma outra religião, de cumprir as obrigações éticas da Psicologia. 52 Embora tais normas éticas devam ser seguidas, o aconselhamento no contexto religioso não está proibido de incluir, nos temas das sessões, a palavra de Deus ou das entidades da denominação, assim como pode observar as doutrinas da religião, desde que não entrem em conflito com as normas do CFP e/ou com a lei vigente. O aconselhamento psicológico no contexto religioso tem papéis sociais e de saúde mental muito importantes. Entre outras razões, pode promover a aproximação da ciência com a religião, além de promover a maior tolerância inter- religiosa por meio de seminários, conferências e palestras. Em termos históricos, o aconselhamento psicológico nasceu nos Estados Unidos, onde, atualmente, é não só respeitado, mas também estabelecido como tendo papel fundamental na sociedade no sentido da promoção do bem-estar e manutenção da saúde mental da população em geral, assim como no Canadá. Seu início se deu em dois momentos: o primeiro, com a publicação do livro Psicoterapia e Consulta Psicológica, do psicólogo Carl Rogers, a respeito da prática clínica do aconselhamento; e, depois, em 1945, com o mesmo psicólogo norte- americano, a convite da Universidade de Chicago, com o intuito de prestar auxílio psicológico pontual a veteranos da Segunda Guerra Mundial. O nome couselling, traduzido, no Brasil, como aconselhamento, foi criado também por Carl Rogers, após ele ter sido proibido de se autodenominar psicoterapeuta por não possuir formação médica. Comparativamente, o Brasil ainda está nos estágios iniciais do aconselhamento, por isso, a reduzida produção de pesquisas acadêmicas, mas a tendência é que esta modalidade clínica se estabeleça e seja cada vez mais reconhecida não só na sociedade brasileira, mas também na academia (ANTÚNEZ; SAFRA, 2018). Consequentemente, é necessário que mais pesquisas sejam promovidas nesta área da Psicologia clínica, no Brasil, incluindo investigações qualitativas com clientes e suas percepções acerca de suas experiências com a clínica do aconselhamento psicológico brasileiro. 53 Para concluir, o aconselhamento psicológico pode ser diretivo ou não diretivo e, neste último, o orientador auxiliará o demandante a tomar suas decisões,
Compartilhar