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Prática educativa da língua portuguesa na educação Infantil (1)

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PRÁTICA EDUCATIVA DA LÍNGUA 
PORTUGUESA NA EDUCAÇÃO INFANTIL 
 
 
 
 
 
 
 2 
SUMÁRIO 
 
LINGUAGEM E INTERAÇÕES HUMANAS ....................................................... 3 
A FORMAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM NA CRIANÇA .. 14 
A BRINCADEIRA E O DESENHO DA CRIANÇA: A PRÉ-HISTÓRIA DA LINGUAGEM 
ESCRITA........................................................................................................... 24 
LINGUAGEM E GÊNEROS DISCURSIVOS: QUESTÕES PARA A EDUCAÇÃO 
INFANTIL ......................................................................................................... 38 
LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: QUESTÕES PARA PENSAR A PRÁTICA 
PEDAGÓGICA .................................................................................................. 48 
A LITERATURA INFANTIL E AS CRIANÇAS DE ZERO A SEIS ANOS .......... 61 
LITERATURA INFANTIL: DA PRODUÇÃO À RECEPÇÃO ............................. 85 
LEITURA E ESCRITA: QUESTÕES PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL .......... 104 
A PSICOGÊNESE DE FERREIRO E TEBEROSKY ...................................... 110 
O LETRAMENTO NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: 
PERSPECTIVAS PARA A PRÁTICA ............................................................. 123 
O LETRAMENTO NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: PERSPECTIVAS 
PARA A PRÁTICA (POESIA E QUADRINHOS) .................................................... 135 
REFERÊNCIAS ............................................................................................... 143 
 
 
 
 
 
 
 3 
Linguagem e interações humanas 
 
No contexto das relações que estabelecemos nas nossas experiências 
cotidianas, especialmente no interior das escolas, é a presença da linguagem 
que pode garantir a vida, a troca de experiências, construção de uma história 
coletiva, comunicação, criação de novos sentidos sobre as coisas e sobre o 
mundo. 
A linguagem não é simplesmente algo sobre o que nos debruçamos para 
apreender suas regras; não é “meio de” contato social, como um veículo, estático 
e instrumental. Ela é criada pelo homem, ao mesmo tempo em que o cria; 
modifica-se nas interações humanas, permite que o homem vá além do 
imediato e dado no mundo, concretizando seu potencial criador de si mesmo e 
da realidade. 
É com a linguagem que as crianças têm contato com a cultura do meio 
social a que pertencem, à medida que estabelecem contato com os adultos e 
 
 
 4 
com os objetos culturais próprios desse universo (textos escritos, imagens, 
objetos, danças, músicas etc.). Interagir com os adultos e o mundo na 
linguagem implica que ao lado desse contato haja espaço para que a criança 
possa criar novas formas de interação, novos objetos culturais. 
 
O que é linguagem? 
Mas, afinal de contas: o que é a linguagem? A resposta pode seguir muitos 
caminhos, percorrer inúmeras teorias, ciências e momentos históricos, mas, 
independentemente do ponto de vista que se aborde, a linguagem, como 
capacidade de simbo- lizar, de dizer o mundo, de se expressar e de se comunicar, é 
o que há de mais humano no homem. A linguagem, seja verbal (pela palavra) ou 
não verbal (pelo corpo, imagem etc.), encontra-se em todas as esferas da atividade 
humana, interiormente, em nosso pensamento, na forma como nos organizamos 
no mundo por meio dos símbolos e exteriormente, em nossas relações com os 
outros, possibilitando a comunicação. 
Pela sua diversidade de formas e manifestações e por pertencer ao 
domínio individual e social, tem um caráter multidisciplinar, sendo estudada por 
várias ciências como: a Semiologia, a Linguística, a Psicologia, a Antropologia, a 
Sociologia, a Filosofia, entre outras e sob diferentes enfoques. 
No diálogo com Benjamin (1993), Bakhtin (1992) e Vygotsky (1989), nos 
domínios da Filosofia, Filosofia da Linguagem e Psicologia, respectivamente, 
entendemos a linguagem como capacidade propriamente humana de criação 
de significados, construção de uma história social, expressão de singularidade. 
É possível delinear uma visão de linguagem no diálogo com os três 
porque há expressivas recorrências disso em suas obras. Os três autores 
desenvolvem suas teorias no início do século XX, contrapondo-se aos regimes 
políticos ditatoriais e diluidores das singularidades em que viviam. Assim, 
apostavam em princípios que pudessem restituir ao homem sua qualidade de 
sujeito transformador da his- tória, ativo e criativo. 
 
 
 5 
Nessa perspectiva, abordam a linguagem na sua dimensão expressiva e 
histórica, trazem os múltiplos sentidos das palavras, têm o homem como sujeito 
social, produtor de sentido e possibilitam o movimento de repensar o nosso 
tempo, entendendo a potencialidade da linguagem como a condição da 
historicidade humana. 
Segundo Kramer (1993), os três autores veem a linguagem como 
expressão, fazem críticas ao formalismo, dão ênfase ao riso, às lágrimas, à 
imaginação criadora, ao sentimento, percebendo a linguagem além do signo 
arbitrário, negando-a enquanto meio e forma cristalizada. Buscam uma 
interação viva com a língua, trazem a emoção, o movimento da linguagem na 
história, percebem a linguagem como experiência criativa ininterrupta. 
Bakhtin (1992) destaca a centralidade da linguagem na vida do homem. 
Segundo ele, a palavra é o elemento privilegiado da comunicação na vida 
cotidiana, e está presente em todos os atos de compreensão e de 
interpretação. Para esse autor, a palavra tem sempre um sentido ideológico ou 
vivencial, se relaciona totalmente com o contexto e carrega um conjunto de 
significados que socialmen- te foram dados a ela. Ao ser pronunciada, cada 
palavra evoca um significado já estabelecido na história. Ao mesmo tempo, 
abre-se à criação de novos sentidos a partir do movimento dialógico que a 
coloca em cena. É no diálogo que a palavra ganha vida. 
Cada palavra é polissêmica, admite vários sentidos, e plural, uma 
presença viva da história por conter todos os fios que a tecem, ou seja, os vários 
significados possíveis construídos ao longo da história das interações humanas. 
Desse modo, uma mesma palavra assume diferentes significados, dependendo 
diretamente do contexto em que é enunciada e dos sentidos dados pelo sujeito. 
Bakhtin considera a palavra a ponte entre o eu e o outro, pois procede de 
alguém e se dirige para alguém. 
Portanto, o produto do ato da fala, a enunciação, é de natureza social, e 
é determinada pela situação mais imediata ou pelo meio social mais amplo. O 
que torna a compreensão de uma palavra possível é também aquilo que é 
 
 
 6 
presumido pelo ouvinte, porque toda palavra usada na fala real possui um 
acento de valor ou apreciativo, transmitido por meio da entoação expressiva 
(gestos, expressões faciais, tonalidades, entonações etc.). A compreensão de 
qualquer enunciação é sempre ativa, orienta-se pelo contexto e já contém o 
germe de uma resposta. Bakhtin articula que para cada palavra que estamos 
em processo de compreender, fazemos corresponder uma série de palavras 
nossas, formando uma réplica. A compreensão seria, então, uma forma de 
diálogo. Quando compreendemos, res- pondemos com nossa palavra. 
Benjamin (1993) elabora uma instigante reflexão acerca da linguagem 
como narrativa. Ele afirma que a arte de narrar está definhando em nossa vida, 
desde o advento da Modernidade, pois a troca de experiências, o contarem 
histórias, deu lugar à informação. A narrativa, marcada por um tempo extenso, 
que possibilita ouvir o outro, conservar a tradição e a memória coletiva, foi 
perdendo força à medida que a informação ganhou espaço, veloz, fugaz, 
abreviada e marcada pela força do individualismo. A quantidade de 
informações presente na vida contemporânea leva-nos às questões: o que é 
importante de ser guardado? Como cultivar e tecer a história coletiva, criando 
elos entre passado e presente? 
Além disso, em seu ensaio Problemas de Sociologia na Linguagem, 
Benjamin traz uma definiçãode linguagem como gesticulação de instrumentos 
linguísticos, considerando o gesto anterior ao som. Afirma que o elemento fonético 
está baseado num elemento mímico-gestual, concluindo que o som da linguagem 
não é necessariamente uma onomatopeia (formação de uma palavra a partir da 
reprodução aproximada de um som natural a ela associado), e sim um 
complemento audível ao gesto mímico visível e totalmente expressivo por si. As 
palavras foram se “desgrudando” das coisas, não eram mais uma representação 
delas mesmas ou de seus sons, mas representações arbitrárias de seus 
significados. Aos poucos, todos os gestos foram acompanhados de um som e 
como o som é mais econômico (embora menos expressivo), revelando-se menos 
dispendioso e exigindo menos energia, passou a predominar. 
 
 
 7 
Com esses argumentos, Benjamin defende uma teoria mimética da 
linguagem num sentido lato – o instinto de um movimento expressivo mimético 
por meio do corpo. A linguagem nasceu do corpo e aos poucos foi se tornando 
uma representação arbitrária, ligada aos processos mentais, às ideias. Assim, o 
lado expressivo da linguagem é confirmado, e ela é vista não como um meio, 
mas como uma manifestação, uma revelação da nossa essência mais íntima. 
Vygotsky (1989) considera a linguagem um dos instrumentos básicos 
inventados pelo homem, que tem duas funções fundamentais: a de intercâmbio 
social – é para se comunicar que o homem cria e utiliza sistemas de linguagem 
– e de pensamento generalizante – é pela possibilidade da linguagem ordenar 
o real agrupando uma mesma classe de objetos, eventos e situações, sob uma 
mesma categoria, que se constroem os conceitos e os significados das 
palavras. A linguagem, então, atua não só no nível interpsíquico (entre 
pessoas), mas também no intrapsíquico, influindo diretamente na construção e 
alteração das funções mentais superiores (imaginação, memória, planejamento 
de ações, capacidade de solucionar problemas, de fazer análises e sínteses, 
entre outras). Dessa forma, os sistemas de signos produzidos culturalmente 
não só interferem na realidade, mas também na consciência do indivíduo sobre 
esta. 
 
Linguagem: comunicação e expressividade 
Tendo como base as ideias de Vygotsky (1989), podemos dizer que do 
ponto de vista filogenético (na história da espécie humana) e ontogenético (na 
história de cada ser humano), o nascimento da linguagem se dá no campo 
social. 
Trata-se de um processo “de fora para dentro”, ou seja, a organização 
externa é internalizada pelo sujeito. Mas isso não significa que ele esteja 
exposto passiva- mente às formas de linguagem de seu meio. À medida que 
mergulha no universo sociocultural repleto de palavras e estilos diferentes de 
comunicação, cada sujeito apropria-se dessas modalidades simbólicas. A 
 
 
 8 
combinação que cada um faz das referências que recebe do mundo é sempre 
singular, própria e irrepetível. 
Assim, ao expressar-se no mundo, o sujeito humano comunica sempre 
algo particular, seja nas suas palavras, nos seus gestos ou no seu olhar, sempre 
em diálogo com as referências sociais e culturais que o envolvem. 
O trabalho de Bakhtin (1992) esclarece o caráter dialógico e 
comunicativo da linguagem. Para esse autor, como já adiantamos 
anteriormente, cada palavra enunciada por um falante faz parte de um diálogo, 
é uma resposta a um enunciado anterior e evoca uma resposta, outras 
palavras. Cada enunciado de uma criança está ligado às palavras que já foram 
a ela comunicadas e faz parte do diálogo com o contexto social no qual está 
mergulhada. Assim, não há enunciado isolado ou palavras soltas puramente, 
pois todo enunciado pressupõe aqueles que o antecederão e os que o 
sucederão. Um enunciado é sempre um elo numa cadeia, e só pode ser 
compreendido no interior dela. 
É importante acrescentar que as relações dialógicas são sempre 
relações de sentido, quer seja entre dois participantes de um diálogo presente e 
real, quer seja entre dois enunciados distantes no espaço e no tempo. No caso 
do diálogo e da comunicação presente entre dois interlocutores, é preciso 
buscar nas palavras, nos gestos e nas entonações, os sentidos negociados, 
partilhados e construídos. 
Nessa perspectiva, é importante a crítica que Bakhtin elabora da 
linguística formal, um modo de abordagem da linguagem numa perspectiva fria 
e objetiva, ressaltando sua dimensão arbitrária, ou seja, as regras que a 
compõe, as relações lógicas da língua. Essas relações são importantes e 
necessárias, mas não dão conta da complexidade que as relações dialógicas 
impõem. 
Para a compreensão dessa ideia, Jobim e Souza (1994) cita Lewis 
Carroll (1982) propondo que observemos o seguinte diálogo de Alice e o seus 
 
 
 9 
companheiros de aventura: 
• Eu sempre digo o que penso – respondeu vivamente Alice – ou pelo 
menos, penso que digo... É a mesma coisa, vocês sabem. 
• Não é a mesma coisa, de modo nenhum – disse o Chapeleiro – se 
fosse assim, “vejo o que como”, seria a mesma coisa que “como o que 
vejo”. 
• Se fosse assim, “gosto de tudo o que tenho”, seria a mesma coisa que 
“tenho tudo o que gosto” – disse a Lebre de Março. 
• Se fosse assim – disse por sua vez o Rato Silvestre, com uma voz de 
quem está sonhando alto – “respiro quando durmo” seria a mesma cisa 
que “durmo quando respiro”. 
• Para você, é a mesma coisa sim. E a conversa morreu aí. (JOBIM E 
SOUZA, p. 66, 1994) 
Fica bastante claro que o sentido ocupa o lugar principal em qualquer 
enunciado, em qualquer diálogo. A análise da correção ortográfica, sintática e 
gramatical não dá conta da vida presente no enunciado humano. O humor, a 
emoção, o contexto da enunciação, os gestos e expressões que acompanham 
as palavras são fundamentais na explicitação do sentido de cada enunciado e 
no valor de cada um, que se estabelece nas interações entre as pessoas que os 
proferem. 
Na verdade, trata-se de relacionar diálogo, linguagem e vida. Se 
analisarmos a língua somente em seu aspecto formal e lógico, ela perde a vida 
que se caracteriza pelo potencial de variabilidade presente no tom emocional, 
contextual e histórico das palavras em uso nas interações sociais. 
A realidade, as coisas e o mundo são polifônicos, isto é, não possuem 
uma única forma de serem vistos, conhecidos e interpretados. A realidade é 
plural. Portanto, a pluralidade de sua expressão precisa garantir-se na 
linguagem. A unidade do mundo, ou a construção de uma verdade, só é 
possível na interação entre as diferentes vozes que compõem essa verdade ou 
unidade. É importante deixar emergir a tensão entre as diferentes vozes que 
 
 
 10 
contribuem na composição de um conhecimento, uma verdade, não deixando 
esmaecer seu caráter múltiplo e vivo. 
É no diálogo, presente em nossas interações com as crianças nos 
espaços educacionais, que a linguagem ganha vida e sentido. Nesses 
espaços, é fundamental atentarmos para os significados das palavras que 
variam de acordo com os contextos de enunciação; e para a entonação e 
emotividade presentes nos enunciados infantis. 
Linguagem: organizadora da realidade 
Vygotsky (2000) propõe que a linguagem tem como uma de suas 
funções a organização do homem na realidade, o que ele chama de 
pensamento generalizante. Trata-se da orientação da linguagem “para dentro” 
de cada sujeito humano, como instrumento psicológico, que modifica a 
capacidade de memorizar, por exemplo. Para explicitar essa função da 
linguagem, é interessante perceber como ela nasceu na história da 
humanidade, como uma conquista que permitiu ao homem avançar na 
comunicação e expansão no mundo. 
A princípio, os humanos utilizaram-se de instrumentos físicos para 
modificar a realidade concreta e externa. Inventaram o machado para cortar as 
árvores, recipientes como vasos para carregar água, varas para alcançar 
alimentos distantes etc. Com o estreitamento do contato entre eles, com a 
convivênciaem grupos, além desses instrumentos, os homens passaram a 
utilizar também instrumentos psicológicos – os signos –, facilitando a vida social, 
à medida que expandem a memória de cada um, possibilitam o armazenamento 
da alimentação e atividades como comparar, escolher, entre outras. Por exemplo, 
a invenção dos calendários, formas de marcar a passagem do tempo; a invenção 
de formas de contagem, com auxílio de varas ou traçados que facilitaram a 
organização dos animais que criavam etc. 
O signo age como instrumento da atividade psicológica, de maneira 
similar ao instrumento físico que atua sobre a realidade externa, só que o signo 
interfere no funcionamento psíquico humano, controlando não as ações 
 
 
 11 
concretas, mas as ações psicológicas como lembrar, ter atenção etc. O signo é 
uma marca externa que auxilia o homem em tarefas que exigem memória e 
atenção, principalmente. O signo representa a realidade e permite ao homem ir 
além do imediato, de seus recursos não mediados. Por exemplo, com o auxílio 
de marcas no mundo externo, uma lista de palavras escritas (lista de compras), 
é possível organizar-se, não esquecer, não se perder. 
Vygotsky (1989) propõe que ao longo da evolução da espécie humana e 
da história de cada sujeito humano o uso de signos externos, a mediação da 
atividade humana pela presença de signos, foi internalizada e desenvolvidos 
sistemas simbólicos que organizam os signos em sistemas complexos. 
Pouco a pouco, os signos (palavras, imagens etc.) que representam 
objetos, pessoas, elementos do mundo real vão sendo internalizados e 
transformando-se em imagens mentais. Os signos internalizados representam 
objetos, eventos, situações. Temos conteúdos mentais que tomam o lugar das 
situações do mundo real (podemos falar deles, atualizá-los em nossa mente, 
mesmo quando ausentes de nosso campo visual e presente). Essa capacidade 
de lidar com representações que substituem de certa forma o mundo real 
permite ao homem fazer relações mentais na ausência das coisas, imaginar, 
planejar etc. 
Ao longo da história da espécie humana a utilização de signos é egrada 
nos sistemas simbólicos dos grupos humanos, formando diferentes culturas, ou 
seja, formas particulares de cada grupo organizar o real. Os signos são 
compartilhados pelo conjunto dos membros do grupo social, permitindo 
comunicação e interação entre esses participantes do grupo. Cada 
palavra/conceito aprendido por uma pessoa de um grupo remete a uma ideia 
de um objeto (a que se refere essa palavra); esse significado está enraizado na 
história desse grupo social. É o grupo no qual cada um está imerso que lhe 
fornece formas de perceber e organizar a realidade, constituindo os 
instrumentos psicológicos que possibilitam a mediação entre este sujeito e o 
mundo. 
 
 
 12 
É Oliveira (1994) quem bem exemplifica que faz diferença para a 
formação de cada sujeito: “se o bebê é colocado para dormir num berço, numa 
rede ou numa esteira, se quem o alimenta é a mãe ou outro adulto [...] se o 
alimento sólido é levado à boca com a mão, talheres ou palitos [...]” (p. 38). 
Essas, entre outras, são situações socioculturais que interferem na forma como 
cada sujeito poderá ver-se no mundo, organizando-se nele. 
A experiência com as formas culturalmente organizadas, ou seja, com os 
signos fornecidos pela cultura, permite ao sujeito constituir seu sistema de signos 
que funciona como um código ou filtro por meio do qual decifra o mundo. 
Entretanto, a cultura não é compreendida como algo pronto, estático, ao qual 
cada sujeito humano se submete, mas como um tipo de palco de negociações, 
em que os membros da cultura constantemente estão recriando e reinterpretando 
significados. A vida social é dinâmica e cada sujeito é ativo nela. Mundo cultural e 
mundo subjetivo interagem e reorganizam-se mutuamente no curso desse 
processo. 
Vygotsky (1989) propõe que a realidade interpsíquica (o que ocorre entre 
os sujeitos humanos, nas experiências culturais) torna-se intrapsíquica, torna-
se de cada um, por um processo não de absorção passiva, mas de apropriação, 
pelo qual cada sujeito torna próprio e singular elementos do mundo mais amplo. 
Linguagem e cotidiano na Educação Infantil 
As perspectivas acerca da linguagem sobre as quais discorremos 
possibilitam que pensemos a respeito da importância dos diálogos e da 
qualidade de sentido que as palavras e movimentos assumem em nosso dia a 
dia com as crianças no contexto da Educação Infantil. 
Tanto nas falas das crianças como nos seus desenhos e dramatizações 
torna-se fundamental abrirmos espaço para a troca de experiências, a 
continuidade das histórias e das propostas, a construção de sentidos por parte 
das crianças. Isso caminha na contramão de um trabalho fragmentado, 
alienado, no qual a cada dia fala-se de um assunto diferente e as crianças 
envolvem-se em sequências de atividades que não se relacionam umas com as 
 
 
 13 
outras. 
Por exemplo, as rodas de conversa: podem ser oportunidades de as 
crianças falarem de si ou partilharem suas impressões sobre algo vivido 
coletivamente, ou tornam-se momentos burocráticos somente, excessivamente 
marcados por exigências tais como confecção do calendário, da chamada, da 
janela do tempo, nos quais só constatamos o que todos já sabemos (como está o 
dia? quem veio e quem faltou?). 
O espaço da narrativa pode ser potencializado com fotografias das 
experiências particulares de cada um e das experiências do grupo, com imagens 
sobre as quais podemos construir sentidos, com leituras sobre as quais podemos 
conversar etc. 
As falas e as produções das crianças precisam ser entendidas como elos 
numa cadeia discursiva mais ampla. Elas se referem a experiências já vividas por 
elas e apontam possibilidades de futuro, inclusive possibilidades de 
transformação. 
Os autores com quem dialogamos permitem-nos afirmar que as crianças 
são produzidas na história e na cultura e, ao mesmo tempo, produzem história e 
cultura. Isso quer dizer que elas carregam marcas do contexto social que 
participam e, paralelamente, podem transformá-lo, recriando-o com suas 
ações. Essa perspectiva criadora é muito importante nas nossas práticas 
cotidianas com as crianças, pois permite a aposta em cada uma delas como 
seres da expressão, da construção do novo, da emancipação. 
 
DICA DE ESTUDO 
Sugiro a leitura do livro: Infância e Linguagem, de Solange Jobim e Souza. 
 
 
 14 
A formação e o desenvolvimento da linguagem na 
criança 
Entre gestos e palavras: o surgimento da linguagem 
 
Primeiramente, é fundamental que consideremos que as crianças 
constroem a linguagem na interação com os adultos e com as outras crianças 
de seu meio social, e também na interação com os objetos da cultura na qual 
elas estão imersas (livros, brinquedos, utensílios da vida prática, imagens etc.). 
Linguagem é a apropriação e produção de significados que vão sendo 
socialmente partilhados, possibilitando comunicação, organização da realidade 
e criação. Portanto, é no coletivo que a linguagem se constitui na experiência 
da criança. 
A princípio, o adulto produz sentido às expressões corporais e sonoras 
do bebê, constituindo padrões relacionais. Então, o bebê vai experimentando 
suas possibilidades de afetar o outro agindo com seu corpo no mundo e 
“observando” os resultados comunicativos de suas reações (como o adulto 
nomeia o mundo para ele). É olhando o bebê no olho, respondendo às suas 
ações, povoando seu universo com a nossa fala que incentivamos suas 
possibilidades de comunicar-se. 
 
 
 15 
Bondioli e Mantovani (1998) desenvolvem pesquisas no interior das 
creches na Itália, destacando comportamentos comunicativos dos bebês, tais 
como oferta de objetos, troca de sorrisos, conversação frente a frente (o adulto 
fala e a criança responde com balbucios, olhares e expressões faciais). 
Conforme o adulto vai atribuindosignificado e intencionalidade às expressões 
infantis, as crianças vão mergulhando num universo relacional, sendo pouco a 
pouco capazes de prever e guiar o comportamento adulto por meio de suas 
reações corporais. Esse movimento permite que a criança se experimente 
num lugar ativo e criador de possibilidades de interação. 
Wallon (2005) propõe que as primeiras interações dos bebês com o 
universo social que os rodeia são caracterizadas pelo que ele chama de um 
diálogo tônico, no qual a afetividade marca os contatos dos bebês com os 
adultos que deles cuidam, construindo sentidos pelo tato, pelo olhar, pela 
disponibilidade à escuta e interação. 
Vygotsky (1989) expõe o processo de construção de significados sobre 
mundo nas interações sociais, mostrando como se constitui o gesto de apontar 
na história da criança pequena. Primeiramente, a criança apresenta o gesto de 
pegar um objeto que está fora do seu alcance, estendendo o braço em direção 
a ele. É o adulto quem diz “você quer aquilo?”, nomeando o objeto. Num 
momento posterior, provavelmente, a criança vai simplesmente apontar para o 
objeto, olhando para o adulto. Surgiu o gesto de apontar na interação adulto-
criança. É assim que muitas formas e significados relacionais são produzidos. 
As crianças mergulham no universo de significados que compõe nossa 
vida coletiva, à medida que participam de relacionamentos significativos e afetivos 
que vão permitindo-lhes compreender os sentidos da vida comum. A 
compreensão é sempre ativa (não se trata de um processo passivo de absorção 
do meio), isto é, supõe que as crianças respondam, coloquem-se, expondo suas 
apropriações desta realidade, isto é, a forma como tornam seus os significados 
da cultura mais ampla. 
As palavras do filósofo da linguagem Bakhtin (1992, p. 67) são elucidativas: 
 
 
 16 
Tudo quanto a determina em primeiro lugar, a ela e a seu corpo, 
a criança o recebe da boca da mãe e dos próximos. É nos 
lábios e no tom amoroso deles que a criança ouve e começa a 
reconhecer seu nome, ouve denominar seu corpo, suas 
emoções, seus estados internos. [...] A criança começa a ver-
se, pela primeira vez, pelos olhos da mãe, é no seu tom que ela 
começa também a falar de si mesma; assim ela emprega, para 
falar de sua vida, as palavras que lhe vêm da mãe. [...] Sua 
forma parece ter a marca do abraço materno. 
Contribuímos para a construção da linguagem na criança quando 
respondemos aos seus sinais (gestos, balbucios, palavras etc.), fazendo-as 
sentir que são compreendidas; quando nomeamos suas ações e os objetos 
com os quais interagem; conversamos com elas, lemos histórias para elas, 
brincamos com fantoches e outros objetos que mobilizam o contato e a 
conversa entre nós, entre tantas outras situações por meio das quais vamos 
significando a atuação da criança no mundo, ajudando-a a compreendê-lo e a 
ser compreendida. 
É Vygotsky (1989, p. 33) quem afirma: 
Desde os primeiros dias do desenvolvimento das crianças suas 
atividades adquirem um significado próprio num sistema de 
comportamento social e sendo dirigida a objetivos definidos, 
são refratadas através do prisma do ambiente da criança [...] O 
caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa 
através de outra pessoa. 
 
Relações entre linguagem e pensamento ao longo do desenvolvimento 
De fato, Vygotsky (2000) é o autor privilegiado com quem dialogaremos 
para compreender como surge e se desenvolve a fala na criança; como a 
linguagem (produção exterior) vai se relacionando com o pensamento 
(produção interior) ao longo do desenvolvimento. 
De acordo com esse autor, pensamento e linguagem são dois fenômenos 
intimamente relacionados, um afetando o outro. Quando falamos, nosso 
pensamento se modifica; quando concretizamos o pensamento nas palavras, a 
linguagem se transforma ganha novos contornos não planejados. Mas no início 
 
 
 17 
do desenvolvimento da criança, pensamento e linguagem não estão 
conectados dessa maneira. 
Para Vygotsky (2000), quando nasce o bebê e ao longo do primeiro ano, 
há um pensamento pré-verbal (expresso na atividade do corpo no espaço, por 
meio da coordenação dos movimentos para atingir finalidades – empurrar, 
puxar, jogar etc.). Por outro lado, há também uma linguagem pré-intelectual 
(presente nos balbucios, choros, expressões faciais etc.). Por volta dos dois 
anos, o pensamento une-se à linguagem, ou seja, o pensamento torna-se verbal 
e a fala torna-se intelectual, quando a criança começa a significar o mundo por 
meio da palavra, ao mesmo tempo em que acompanha as ações com palavras 
que as orientam. É o significado expresso na palavra que liga pensamento e 
linguagem. 
Esse processo fica evidenciado no seguinte esquema: 
 
De acordo com Vygotsky (1989), a expressão do significado na fala é ao 
mesmo tempo um ato de pensamento e parte inalienável da palavra, 
pertencendo tanto ao domínio do discurso quanto do pensamento. 
É preciso esclarecer que a manifestação da linguagem pré-intelectual, 
ou seja, a expressão da criança por intermédio dos balbucios, manifestações 
faciais ou choros é comunicativa. A função comunicacional da linguagem é 
experimentada quando a criança interage com o outro, tendo suas ações 
significadas pelos pais e pelos companheiros mais próximos. Seu corpo é 
 
 
 18 
espaço de comunicação desde o nascimento. 
Quando a criança começa a significar o mundo por meio da palavra, o 
gesto e o corpo não param de ser vividos como espaços também de construção 
de significados. É importante entendermos o entrelaçamento entre corpo e 
palavra na expressão da criança pequena, no movimento de interiorizar os 
sentidos socialmente compartilhados e expressar-se no mundo. 
Ao mesmo tempo, as manifestações do pensamento pré-verbal – o que 
o autor denomina inteligência prática (capacidade de a criança usar 
instrumentos físicos para atingir suas finalidades, como usar um banco para 
pegar algo que está no alto, um pano para puxar algo distante etc.) – 
apresentam-se como forma de organização da experiência que será 
potencializada quando a criança começar a falar. Com o desenvolvimento, são 
os símbolos, especialmente as palavras, os instrumentos psicológicos que 
serão utilizados para organizar a criança no mundo, dando origem ao 
pensamento verbal. Trata-se de quando a criança começa a controlar o 
ambiente por meio da fala, o que é uma forma de comportamento 
caracteristicamente humano. 
O momento de maior significado no curso de desenvolvimento 
intelectual que dá origem às formas puramente humanas de 
inteligência prática e abstrata acontece quando a fala e a 
atividade prática, então duas linhas completamente 
independentes de desenvolvimento, convergem [...] assim que a 
fala e o uso de signos são incorporados a qualquer ação, esta se 
transforma e se organiza ao longo de linhas inteiramente novas. 
(VYGOTSKY, 1989, p. 29) 
A fala possibilita que a criança controle a si mesma, também afetando o 
outro. Com ela, as crianças tornam-se sujeito e objeto de seu próprio 
comportamento. À medida que o enunciam vão encontrando novas formas de 
atualizá-lo. 
 
Fala egocêntrica: fala para si ou fala para o outro? 
Quando começam a falar, as crianças falam enquanto agem e agem 
 
 
 19 
enquanto falam. Se observarmos as crianças pequenas em suas tarefas 
práticas (empilhando cubos, colocando objetos numa caixa, dando comidinha 
para um boneco etc.) veremos que as suas ações são impulsionadas por 
palavras. Elas falam como que para si mesmas. Vygotsky (1989) afirma que a 
fala funciona como um auxílio para a ação. Trata-se da fala egocêntrica. 
Esse fenômeno foi inicialmente observado por Piaget, que percebia as 
crianças falando enquanto agiam. Esse autor propunha que a fala somente 
acompanhava a ação e, com o desenvolvimento, desaparecia. Vygotsky, pelo 
contrário, propunha que a fala egocêntrica ou o monólogo coletivo (várias 
crianças falandoao mesmo tempo num ambiente coletivo, sem estarem 
necessariamente falando umas com as outras) é um fenômeno social, fruto da 
indistinção entre fala para si e fala para o outro. Com o desenvolvimento ela não 
desaparece, mas transforma-se em pensamento (interiorizado). 
Ao falarem, é como se as crianças buscassem ajuda para solucionar o 
que estão resolvendo, é como se estivessem controlando o fazer com a 
palavra; mais tarde, elas compreendem que não precisam falar para irem se 
organizando nas suas experiências, o que gera o pensamento (fala 
interiorizada). 
Vygotsky (1989) fez vários experimentos nos quais provocou nas crianças 
a impressão de que não estavam sendo escutadas (colocando som alto, 
diminuindo a presença de outras pessoas no ambiente). Nessas situações, o 
potencial de fala egocêntrica diminuiu. De outro modo, quando ele intensificou a 
impressão de que eram ouvidas, ou quando dificultou a tarefa a ser realizada, as 
crianças falavam mais enquanto agiam. Isso significa que a quantidade de fala 
egocêntrica relaciona-se com a dificuldade das tarefas e com a impressão de que 
podem ser ajudadas. 
Ao usarem as palavras, as crianças realizam um número maior de 
atividades, utilizando como instrumentos não somente os objetos à mão, mas 
procurando e preparando tais objetos de forma a torná-los úteis para a solução 
da questão e para o planejamento de ações futuras. A palavra sofistica a ação. 
 
 
 20 
Na perspectiva de Vygotsky (2000), ao longo do desenvolvimento, a 
palavra vai assumindo funções diferentes à medida que se relaciona de modo 
diferente com a ação. Primeiro, ela acontece junto com a ação, organizando-a 
e controlando-a, como o que foi descrito anteriormente; depois, desloca-se 
para o início da ação, servindo para planejá-la. A função planejadora da fala vai 
se articulando com a função comunicativa, permitindo que a fala não só modele 
a experiência, mas também a transforme. 
É importante acrescentar que Vygotsky (2000) propõe que a fala 
egocêntrica concretiza a indistinção na criança pequena entre a fala para si e a 
fala para o outro. Quando a criança se vê diante de uma tarefa difícil num 
ambiente onde há a presença do adulto, ela fala como que se dirigindo a ele, 
mesmo sem que isso fique explicitado. Se ele sai do ambiente, ela continua a 
falar, no sentido de buscar auxílio/organização da sua ação com a fala. Com o 
desenvolvimento, essa fala organizadora interioriza-se, transformando-se em 
pensamento. 
A criança compreende com a experiência que a externalização ou 
vocalização da fala é imprescindível à comunicação e que para se organizar ou 
controlar a ação não precisa necessariamente verbalizar. 
O seguinte esquema explicita essa construção: 
 
 
 
 21 
Quando começa a falar, a criança vive o entrelaçamento dessas duas 
funções da linguagem – a organização da realidade e a comunicação. Quando 
fala, significa o mundo, negocia significados com os outros que participam da 
mesma cena social, impulsiona suas próprias ações, expressando-se nesse 
mundo e constituindo a si mesma. 
Geralmente, quando começam a falar, as crianças usam o que 
chamamos de palavras soltas ou isoladas. É importante notar que cada palavra 
proferida é intensa em significação; numa só palavra as crianças expressam 
muitos significados. Por exemplo, a palavra “mamãe” é usada para diversas 
situações diferentes: fome, sono, alegria etc. Uma palavra generaliza um 
mundo de sentidos. 
Com o desenvolvimento, a criança passa a “precisar” de mais palavras 
para expressar uma ideia e diversas ideias passam a não caber numa palavra 
isolada. 
Ao longo do desenvolvimento linguístico da criança, os dois planos da 
fala – interior (semântico e significativo) e exterior (fonético) –, embora formem 
uma unidade, seguem direções opostas em relação ao pensamento. 
No plano fonético, a criança começa a falar uma palavra, depois 
relaciona duas, três palavras, forma frases simples, depois mais complexas e 
chega à fala corrente, indo da parte para o todo. Porém, no plano semântico, 
vai do todo para as partes, pois a primeira palavra pronunciada é uma frase 
completa que contém o significado de um todo e só aos poucos é que a criança 
vai compreendendo o significado das unidades menores. 
A relação entre pensamento e palavra é um processo, um movimento 
contínuo, um vaivém do pensamento para a palavra e vice-versa. Nesse 
processo, a relação entre o pensamento e a palavra passa por transformações. 
De acordo com Vygotsky (2000), o pensamento não é simplesmente 
expresso em palavras, mas é por meio delas que passa a existir. Quando se 
materializa em palavra o pensamento ganha sempre nova forma. 
 
 
 22 
Gestos, expressões corporais e palavras no cotidiano da Educação 
Infantil 
Em nosso dia a dia com as crianças no contexto da Educação Infantil, é 
muito importante valorizarmos os movimentos e falas que compõem a 
expressão das crianças. A cena de um grupo de crianças na Educação Infantil 
é sempre uma cena repleta de sons, vocalizações, balbucios e palavras. A 
presença da fala das crianças enquanto montam um jogo, fazem um desenho 
ou dramatizam é fundamental para a organização e sofisticação dessas 
experiências. 
É comum percebermos que as crianças ficam em pé quando querem 
falar algo significativo, gesticulando, mostrando com o corpo o que querem 
dizer. Esticam-se querem falar de algo grande, fazem uma bola com os braços 
se querem falar de algo gordo, encolhem-se para significar o que é pequeno. É 
como se a palavra não bastasse e o corpo funcionasse como apoio na 
expressão e significados. Possibilitar essa expressão é muito importante. 
Alguns espaços escolares, voltados prioritariamente para o 
desenvolvimento intelectual – no sentido da extrema atenção à racionalidade – 
desde a Educação Infantil, têm muita dificuldade em lidar com a movimentação 
e a expressão corporal da criança. Além de não cultivar a linguagem corporal e 
de ouvir pouco o que cada corpo expressa, vão gradativamente formando 
corpos dóceis, restritos aos gestos homogêneos das rotinas disciplinares. 
Quanto maiores as crianças vão ficando, mais aprisionado é o corpo. 
Mas a criança sempre encontra uma forma de romper e transgredir. É 
comum, numa fila, por exemplo, vermos as crianças brincando entre elas, dando 
um peteleco, mexendo no cabelo do outro etc. E é também a escola que, 
caminhando na contramão do excesso de racionalidade, pode ser um lugar de 
expressão desse corpo, propondo a troca de afeto, jogos e dramatizações, 
reorganizando espaços e tempos. Ouvindo as vozes do corpo que fala, se cala, 
sente sabores e dissabores, mostra e revela, buscamos o reencontro do gesto 
revelador da nossa essência mais íntima. 
 
 
 23 
Como vimos aos poucos a fala desloca-se do curso da ação para o seu 
início, planejando o que vai acontecer. Geralmente, a criança pequena vai 
falando o que está desenhando e enquanto o faz, dá significado a um objeto 
enquanto o explora, faz com o corpo o que quer representar. Somente com o 
desenvolvimento é capaz de planejar o que vai desenhar, ou combinar papéis 
de um teatro antes de dramatizá-lo. Em nossas interações cotidianas com as 
crianças, é importante acompanharmos e desafiarmos as diferentes relações 
entre fala e ação. É fundamental que haja espaço tanto para a fala que 
organiza e planeja a experiência (geralmente mais presente), quanto para a fala 
enquanto fazemos algo, que abre espaço para a criação, para a diferença, para 
o não previamente elaborado. 
À medida que entendemos a centralidade da significação na produção 
de linguagem das crianças, é importante valorizarmos a expressão de 
significado nos seus desenhos, falas e todas as expressões, dialogando com o 
que produzem, escutando-as, perguntando e dando relevo ao que quiseram 
manifestar. 
Ao mesmo tempo, é na participação em diálogos com seus pares e 
adultos do seu contextosociocultural que as crianças vão vivendo a função 
comunicativa da linguagem. Portanto, é muito importante o envolvimento em 
conversas nas quais se abra espaço para a colocação particular de cada criança 
em interação com os sentidos socialmente partilhados. 
 
DICA DE ESTUDOS 
Sugiro a leitura de Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento um Processo 
Sócio-Histórico, da autora Marta Kohl Oliveira. 
 
 
 
 
 24 
A brincadeira e o desenho da criança: a pré-história da 
linguagem escrita 
De início, ao refletirmos sobre a construção da linguagem escrita pela 
criança e sobre o ensino da escrita, torna-se importante dizer que esse tipo de 
linguagem não se esgota no desenho de letras. O ensino da linguagem escrita 
implica no ingresso por parte da criança em um universo de códigos arbitrários 
(relação entre sons e grafias das letras; conquista de habilidades motoras etc.), 
mas isso não configura o que é fundamental na formação da criança como 
escritora. 
De acordo com Vygotsky, a escrita não é somente um conjunto 
complexo de técnicas que devem ser impostas à criança, mas “um sistema 
particular de signos e símbolos cuja dominação prenuncia um ponto crítico em 
todo o desenvolvimento cultural da criança” (1989, p. 120). 
Portanto, é importante que a criança possa tomar contato com ela nessa 
dimensão simbólica, ou seja, como uma forma possível de representação do 
mundo, de seus desejos, emoções e ideias. A escrita é um ato cognitivo, um 
espaço de construção de significados, expressão e criação. 
 
 
 25 
Vygotsky (1989) afirma que essa perspectiva simbólica da escrita 
acontece em íntima relação com outras ações simbólicas que acompanham a 
vida da criança, como brincar e desenhar. É importante, então, analisarmos a 
pré-história da linguagem escrita, ou seja, como a qualidade simbólica e 
criativa que a constitui é prenunciado na brincadeira e no desenho da criança. 
 
A construção de significados na brincadeira 
A brincadeira na vida da criança é muito mais do que fonte de prazer. A 
brincadeira preenche uma necessidade, entendida como tudo o que é motivo 
para a ação. Em diferentes momentos do desenvolvimento, as necessidades 
são diferentes, ao mesmo tempo em que as ações sobre as coisas também. 
Em certos momentos, o movimento é de explorar, descobrir; em outros, de 
imaginar e fantasiar. Na brincadeira, a criança coloca-se ativamente na relação 
com a realidade, recriando-a, construindo sentido sobre ela (VYGOTSKY, 
1989). 
As necessidades das crianças e seus motivos para a ação variam ao 
longo do desenvolvimento, mas a intervenção ativa da criança explorando 
possibilidades de objetos e relacionamento está sempre presente no 
movimento de constituir significados sobre eles e com eles. 
Assim, no início do desenvolvimento, a relação das crianças pequenas 
com o mundo é marcada por certas restrições situacionais e suas ações sobre 
as coisas são pontuadas pelas funções das próprias coisas, pelas condições 
nas quais as atividades ocorrem, ou seja, uma porta é para abrir, uma bola 
para jogar etc. 
As necessidades imediatas e a inteligência prática (coordenação de 
meios concretos para atingir certas finalidades) dominam a relação da criança 
pequena com o mundo. A exploração física dos objetos permite-lhe 
“compreendê-los” por meio do uso. O imediato marca a ação da criança. 
Aos poucos, surgem tendências, necessidades e desejos não realizáveis 
 
 
 26 
de forma imediata, o que gera o movimento de realizá-los de alguma forma (na 
brincadeira). De acordo com Vygotsky (1989), quando aparecem as 
necessidades que não podem ser realizadas de modo imediato e, ao mesmo 
tempo, a tendência a realizá-las imediatamente, surge a brincadeira, como 
espaço imaginário de realização dos desejos. A criação de uma situação 
imaginária é um aspecto definidor do que se pode chamar de brincadeira. 
Na brincadeira, as crianças agem sobre os objetos numa “esfera 
cognitiva” em vez de numa “esfera visual externa”, somente. Isso significa que em 
vez de os objetos terem uma força motivadora e determinadora como no início do 
desenvolvimento (uma escada é para subir, uma campainha para tocar etc.), eles 
perdem essa força e a ação da criança passa a ser guiada pelo significado que 
ela dá aos objetos. 
A criança vê um objeto mas age de maneira diferente em 
relação ao que vê. [...] A ação numa situação imaginária ensina 
a criança a dirigir seu comportamento não somente pela 
percepção imediata dos objetos ou pela situação que a afeta 
de imediato, mas pelo significado dessa situação. 
(VYGOTSKY, 1989, p. 110) 
Dessa forma, um pedaço de madeira pode se tornar um boneco, assim 
como um cabo de vassoura pode se tornar um cavalo. A ação surge das ideias, 
das intenções, da necessidade de dar sentido às coisas, de tornar presente 
algo ausente, de realizar de modo imediato algo não possível de ser realizado 
na vida concreta. 
A relação com a brincadeira é fundamental, pois possibilita que a criança 
experiencie a operação com significados, a criação de sentidos possíveis sobre 
as coisas. Na brincadeira, a criança lida principalmente com significados dos 
objetos, desligados das funções que eles costumam assumir no cotidiano (por 
exemplo, uma caneta que serve para escrever em nosso dia a dia pode 
transformar-se num avião). 
Esse movimento promove a experiência da autoria e da autonomia. A 
partir da interação com objetos da vida cotidiana, com usos marcados pelas 
regras sociais, as crianças inventam novas possibilidades de ação sobre eles, 
 
 
 27 
fazendo com que se submetam às suas vontades e necessidades. 
É importante observar que nem todo objeto serve para significar 
qualquer coisa para a criança pequena. Por exemplo, é preciso poder fazer o 
movimento de um cavalo, ser montado e cavalgado, para um objeto ser 
transformado num cavalo. Um cabo de vassoura serviria para essa finalidade 
mas, provavelmente, uma bola não serviria. Somente pouco a pouco, com o 
desenvolvimento da criança, há certo descolamento da estrutura do objeto ou da 
ação que se pode fazer com ele, na produção de seus possíveis significados. 
A brincadeira também abre espaço para a experiência da criança em 
papéis diferentes do que ela ocupa na vida real, ampliando sua experiência 
sobre si mesma e sobre o mundo, possibilitando outras visões da realidade que 
não a sua possível em sua situação concreta. A brincadeira é um espaço de 
deslocamento de seu lugar na vida cotidiana, para se colocar num lugar de 
outro. Distanciando-se de seu papel concreto e real, ela experimenta outras 
formas de ser no mundo (quando brinca de ser a professora, a princesa ou a 
bruxa, por exemplo): “o brinquedo cria na criança uma nova forma de desejos; 
ensina-a a desejar, relacionando seus desejos a um ‘eu’ fictício, ao seu papel no 
jogo” (VYGOTSKY, 1989, p. 114). 
No brincar, regras e imaginação: espaço de autonomia e autoria 
 
 
 28 
Vygotsky (1989) afirma que a característica definidora da brincadeira da 
criança é a criação de uma situação imaginária. O autor afirma que, mesmo 
nas situações de regra, há um conteúdo imaginário subjacente. 
Na verdade, para ele, as brincadeiras claramente imaginárias estão 
sempre calcadas em situações reais, ou seja, baseadas em regras de 
comportamento. Por exemplo, quando brincam de mãe e filha, de polícia e 
ladrão, ou de professora, as regras de comportamento dessas figuras da vida 
real inspiram a atuação da criança na brincadeira. As crianças desempenham 
esses papéis buscando o referencial social que possuem deles. 
É interessante notar – tal como faz Vygotsky (1989) – o que acontece 
quando duas irmãs na vida real brincam de ser irmãs (brincam do que é 
verdadeiro). Ao brincar, a criança tenta ser o que ela pensa que uma irmã 
deveria ser aos olhos dos outros (o que sempre é diferente do que ela é na 
realidade, quando envolvida no papel de irmã, de fato). Navida real, a criança 
comporta-se sem pensar que é irmã de sua irmã, sem buscar um olhar para o 
conceito de irmã. Na brincadeira, ela busca regras de comportamento, aquilo 
que faz com que o outro reconheça as duas como irmãs. Ou seja, “o que na vida 
real passa despercebido pela criança, torna-se uma regra de comportamento no 
brinquedo” (VYGOTSKY, 1989, p. 108). 
Na verdade, somente com o distanciamento é possível à criança 
perceber de uma nova forma o lugar cotidiano que ocupa, por isso o valor de 
brincar dos papéis sociais que realmente experimenta em sua vida. 
É Bakhtin (1992) quem nos alerta a respeito da importância do 
distanciamento para a produção de conhecimento. Ele se refere à produção do 
conhecimento sobre o outro, mas se pensamos na criança que está se constituindo 
subjetivamente, discernindo quem é ela e quem é o outro, conhecendo a si mesma 
também, brincar de ser filha da sua mãe, de ser irmã de sua irmã, ou amiga de suas 
amigas, permite-lhe distanciar-se do que é na realidade, lidando com o “conceito” de 
filha, irmã ou amiga. Ao voltar à vida diária, envolvida de fato nesses papéis, estará 
compreendendo-os de outra maneira. 
 
 
 29 
Por outro lado, as situações imaginárias são o espaço de reinvenção das 
regras fundamentais da vida social, organizadoras do mundo compartilhado. As 
situações imaginárias acabam funcionando como possibilidade de reflexão 
sobre as regras e reorganização delas. Nas brincadeiras, é possível viver a 
experiência da autoria (por isso as crianças “discutem” tanto, tentando negociar 
o que vale ou não nas brincadeiras, em seus jogos de bola, tabuleiro etc.). 
Nessa linha, Vygotsky (1989) também propõe que toda brincadeira 
mediada por regra possui uma situação imaginária subjacente. Por exemplo, o 
jogo de xadrez tem uma situação imaginária em sua base. Assim que somente 
uma possibilidade se cria (uma forma determinada de mover o rei, o cavalo e a 
rainha, por exemplo) várias outras são eliminadas. É como se o jogo de regras 
apresentasse em sua raiz uma série de alternativas de ação (o que marca seu 
nascimento na imaginação) e só uma tenha se cristalizado. Portanto, é possível 
pensar em uma nova possibilidade de organização, em uma nova alternativa de 
regras. 
Enfim, o autor afirma que o desenvolvimento da criança na brincadeira é 
pontuado pela passagem de uma experiência marcada pelo imaginário às 
claras, com regras ocultas, para outra na qual há uma situação de regras às 
claras e um imaginário oculto. 
Vale acrescentar que ao comportar-se no brinquedo tal qual outras 
pessoas de seu convívio, baseando-se nas regras de comportamento 
convencionadas para esses personagens, a criança é impulsionada em seu 
desenvolvimento. Vive na brincadeira ações, posturas e situações mais 
sofisticadas do que as que possui na realidade. Para Vygotsky (1989, p. 117), 
“no brinquedo é como se ela fosse maior do que na realidade”. Esse é um 
aspecto muito relevante da brincadeira no cotidiano com as crianças, pois 
podemos dizer que a brincadeira funciona tal como a instrução ou um modelo 
que um adulto oferece para a criança. A imitação (representação do modelo 
buscada pela própria criança) não é simples reprodução ou cópia, mas uma 
forma de apropriar-se das regras do mundo, tornando-as suas, de uma forma 
 
 
 30 
particular, sempre. O que a criança faz hoje com o outro, referenciada num 
modelo, amanhã fará sozinha. Assim, a brincadeira é entendida como um 
espaço de aprendizagem. 
Enfim, num texto no qual se dedica essencialmente a pensar a 
importância da atividade imaginadora, Vygotsky (1987) afirma o quanto é 
importante à qualidade das experiências reais, o acúmulo delas, no sentido de 
favorecer a imaginação. Criar o novo significa recombinar o que existe em 
novas configurações. Portanto, as experiências vividas e o universo conhecido 
são fundamentais como “matérias-primas” por meio das quais a atividade 
combinadora poderá agir. 
Assim, é fundamental entendermos o lugar criativo e potencializador de 
autonomia que tem o brincar na vida da criança, favorecendo as experiências nas 
quais elas possam transformar-se em diversos personagens, modificar a função 
das coisas, criar o novo a partir da sua relação com o que já existe, recriando 
significados cristalizados. Também é muito importante abrirmos espaço para o 
contato com o que existem, as produções culturais dos nossos tempos, a partir das 
quais as crianças terão elementos para criar as suas. 
Na brincadeira, há produção de significados, mais do que submissão às 
regras. O objeto-brinquedo funciona como possibilidade representativa, 
modificando-se pelo impacto do significado que a criança dá a ele, ganha 
função de signo (inclusive, independentemente do movimento que é possível 
fazer sobre ele – aos poucos, qualquer objeto torna-se qualquer coisa). É 
exatamente o desenvolvimento do ato de significar que nos permite dizer que a 
brincadeira prenuncia a conquista da linguagem escrita. Assim como o ato de 
brincar, o ato de escrever é uma possibilidade de criar sentidos sobre o mundo. 
 
A construção de significados no desenho e na escrita 
Na reflexão a respeito do que leva as crianças a escrever, é fundamental 
pensarmos no papel do gesto. Nas palavras de Vygotsky: “os gestos são a 
 
 
 31 
escrita no ar e signos escritos são gestos que foram fixados” (1989, p. 121). 
Os gestos podem ser entendidos como origem dos signos escritos por 
várias razões. Primeiramente, constatamos que as primeiras escritas 
pictográficas (inscrições gráficas dos homens primitivos no interior das 
cavernas) eram indicações dos objetos ou movimentos a serem representados. 
Por exemplo, o desenho de um dedo indicador em posição, para indicar o gesto 
de indicação. Além disso, como já vimos, a utilização dos objetos como 
brinquedos, inicialmente, está ligada aos gestos e movimentos que são 
possíveis com esses objetos (por exemplo, para transformar algo em um bebê 
que será ninado, é importante que o objeto possa ser colocado no colo e 
balançado, como uma trouxa de roupa ou uma almofada). 
Por fim, são nos rabiscos das crianças que podemos observar uma 
importante ligação entre os gestos, os movimentos corporais e os primeiros 
atos representativos no papel. As crianças pequenas marcam na superfície 
onde desenham os movimentos que desejam representar. Geralmente, apoiam 
o lápis sobre o papel e vão falando e fazendo com o corpo uma história que vai 
sendo ao mesmo tempo marcada. Por exemplo, podem ir dizendo “a borboleta 
 
 
 32 
subiu, subiu” (enquanto fazem linhas espirais em direção ao alto do papel) e 
“depois caiu lá do alto” (fazendo um forte risco para baixo). O traço indica o 
movimento. 
No desenho (da mesma maneira que no brinquedo, como já vimos), o 
significado está colado no gesto, a princípio. Está ligado ao imediato, ao 
presente, ao que se produz no curso de uma ação. O significado independente 
do gesto, só acontece mais tarde, quando a criança diz o que vai desenhar, 
nomeia o que vai fazer, e só depois desenha. Ela planeja e antecipa o que vai 
produzir. O desenho, então, ganha status de representação. Esse momento é 
parecido com o que acontece com a escrita, na qual a criança vai pouco a pouco 
se deslocando da designação das coisas para a representação da fala. 
Quando desenha, a criança não representa o que vê, mas o que 
conhece do mundo. Isso fica evidente na forma de raio X que seus desenhos 
apresentam. Se quer desenhar alguém em um carro, a criança pode desenhá-
lo com as pernas aparecendo dentro do veículo. Os desenhos das crianças 
designam o mundo mais do que o representam de forma fidedigna. 
Por outro lado, é importante notar que o desenho, enquanto uma 
linguagem gráfica, surge tendo como base a linguagem verbal. Geralmente, a 
criança movimenta-se, marca o movimento no papel e fala o que está fazendo, 
ao mesmo tempo. Como já dissemos,o desenho ganha a qualidade de uma 
representação quando a criança começa a dizer o que vai fazer antes de 
desenhar. A nomeação independente da ação e da fala no curso da ação 
marca um salto no sentido da possibilidade de representar o mundo no 
desenho. 
No caso da escrita acontece um processo semelhante. Inicialmente, 
quando as crianças escrevem espontaneamente, os traços que marcam no 
papel estão colados nas coisas, na qualidade dos objetos. Para escrever o 
nome de algo grande, provavelmente colocarão muitos traços (mesmo que 
ainda não grafem as letras convencionais); para escrever o nome de algo 
pequeno, colocarão poucas letras ou traços. Aos poucos, a criança percebe 
 
 
 33 
que a escrita relaciona-se com os sons da fala e não com os objetos da vida 
real. 
A conquista da escrita é o movimento de passagem do desenho das 
coisas para o desenho das palavras. No entanto, pouco a pouco, as crianças 
deixam de precisar pensar na correspondência entre som e grafia a cada 
palavra que vão escrever. Isso se torna “automático” e a dimensão significativa, 
a produção de um conteúdo na escrita toma lugar central. 
De qualquer maneira, mesmo quando as crianças estão descobrindo 
que as letras representam os sons, é importante lidar com a escrita no cotidiano 
como ato de significar. Essa é sua qualidade fundamental. 
De acordo com Vygotsky (1989), o contato com a escrita deve ser vivido 
como uma necessidade da criança e não como atividade mecânica. Trata-se 
de abrir oportunidades para experiência da representação como construção de 
significados no campo da escrita (escrever bilhetes, cartas, um livro, o nome 
num trabalho, ou seja, uso da escrita em situações de necessidade real). 
O autor propõe que 
a escrita deve ter significado para as crianças, [...] uma 
necessidade intrínseca deve ser despertada nelas e a escrita 
deve ser incorporada a uma tarefa necessária e relevante para 
a vida. Só então podemos estar certos de que ela se 
desenvolverá não como hábito de mãos e dedos, mas como 
uma nova e complexa forma de linguagem [...] o que se deve 
fazer é ensinar às crianças a linguagem escrita e não apenas a 
escrita das letras. (VYGOTSKY, 1989, p. 133) 
 
Relações entre a brincadeira, o desenho e a escrita na Educação Infantil 
No cotidiano da Educação Infantil, presentifica-se a necessidade de 
lidarmos com a dimensão técnica da escrita, o que diz respeito à produção de 
formas (das letras), mas, especialmente, é importante lidarmos com sua 
significação. 
Na verdade, trata-se de pensarmos na qualidade das experiências com a 
 
 
 34 
linguagem que produzimos no dia a dia com as crianças, entendendo não só a 
escrita como linguagem, mas o desenho e a brincadeira também. A princípio, é 
preciso compreender a experiência com o desenho e com a brincadeira como 
produção de significados que prenunciam o processo vivido no âmbito da 
linguagem escrita. 
Geralmente, a brincadeira é vivida como o tempo livre da criança, sem a 
presença e o olhar atento do professor. No entanto, se entendemos o brincar 
como ato de significação e criação, torna-se necessário potencializá-lo. Por 
exemplo, se percebemos que as crianças brincam de cachorro e dono (um 
assume a função de dono e o outro de cachorro), podemos favorecer a 
presença de objetos que possam ser as coleiras ou as comidas, ou podemos 
sugerir enredos (onde os cachorros vão passear?), ou uma pesquisa que 
amplie o conhecimento das crianças (quais tipos de cachorro existem?). 
Possibilitar a presença de objetos que possam se transformar em outras coisas 
é sempre uma perspectiva interessante para a prática. Objetos tais como 
panos, almofadas, pedaços de madeira, caixas de papelão, quando 
organizados de modo sugestivo, sugerem uma série de brincadeiras. 
Do ponto de vista do trabalho com o desenho, é fundamental valorizá-lo 
na sua força expressiva. Quando a criança faz e fala enquanto produz suas 
formas, seu movimento produtivo intensifica-se se há interlocutores, outras 
pessoas que escutem, mesmo que elas não falem diretamente para essas 
pessoas. Colocar-se ao lado, mostrar interesse, observar o caminho dos 
“rabiscos” é uma postura in- teressante do professor. 
Por outro lado, quando a criança começa a nomear, antecipar e planejar 
o que vai desenhar, é importante que haja espaço para contar o que fez depois 
de acabado, ou para planejar com um amigo um desenho coletivo. Desenhar 
uma história contada antes, ou contar uma história que desenhamos permite 
que se possa experimentar a relação entre linguagem verbal e linguagem 
gráfica. O desenho condensa significados e ao mesmo tempo permite que 
sejam guardados e retomados posteriormente (funcionam como apoio à 
 
 
 35 
memória), de forma semelhante ao que a escrita vai fazer também. Ao mesmo 
tempo, o desenho lida com símbolos subjetivos, enquanto a escrita vai 
possibilitar a produção de significados na inte- ração com símbolos arbitrários. 
À medida que tem no seu dia a dia espaço garantido para a brincadeira, a 
possibilidade de transformar objetos em brinquedos, além de espaço para o 
desenho como produção de significados, memória coletiva, forma de contar 
histórias, registrar o vivido, a criança vai podendo aproximar-se da escrita e 
experimentá-la também como expressão de vida, outra forma de expor-se e marcar 
seus desejos e ideias no mundo. 
Assim, pode aparecer a escrita no cotidiano na produção de um convite 
de aniversário de alguém, na construção de uma carta para um amigo que 
viajou, na produção de histórias (sempre tão adoradas!) e em tantas outras 
ocasiões em que se torne de fato necessária e relevante. 
Vejamos a poesia do educador italiano Loris Malaguzzi a respeito das 
possibilidades da linguagem da criança e da operação de subtração que a 
escola produz quando valoriza somente a escrita como fundamental: 
 
As cem existem! 
Loris Malaguzzi 
 
A criança é feita de cem. 
A criança tem 
cem mãos 
cem pensamentos cem 
modos de pensar 
de jogar e de falar. 
Cem sempre 
 
 
 36 
cem modos de escutar, 
as maravilhas de amar. 
Cem alegrias 
para cantar e compreender. 
Cem mundos 
para descobrir. 
Cem mundos 
para inventar. 
Cem mundos 
para sonhar. 
A criança tem 
cem linguagens 
(e depois cem cem cem), 
mas roubaram-lhe noventa e nove. 
A escola e a cultura 
lhe separam a cabeça do corpo. 
Dizem-lhe: 
De descobrir o mundo que já existe 
E de cem 
Roubaram-lhe noventa e nove 
Dizem-lhe: 
Que o jogo e o trabalho, 
A realidade e a fantasia, 
A ciência e a imaginação, 
O céu e a terra, 
A razão e o sonho, 
são coisas 
que não andam juntas. 
 
 
 37 
Dizem-lhe que as cem não existem 
A criança diz: 
Ao contrário, as cem existem. 
 
Assim, juntamente com o autor italiano, podemos dizer que é importante 
valorizarmos a construção de significados pela criança, em todas as suas 
linguagens, que são múltiplas e diversas: a modelagem, o desenho, a produção 
com sucata, a dramatização etc. A escola e a educação, quando valorizam 
sobremaneira a escrita, acabam destituindo a criança de suas formas mais 
genuínas de expressão. Aprender a ler e escrever é integrar mais recursos a 
todos os outros que já temos, na busca de interpretar o mundo e recriá-lo! 
 
DICAS DE ESTUDO 
Sugiro a leitura do livro As Cem Linguagens da Criança, de Carolyn Edwards et 
al. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 38 
Linguagem e gêneros discursivos: questões para a 
Educação Infantil 
A língua penetra na vida através dos enunciados concretos 
que a realizam, e é também através dos enunciados concretos que 
a vida penetra na língua. Mikail Bakhtin 
Considerações iniciais 
Este texto parte da relação recíproca entre linguagem e vida anunciada 
por Bakhtin e das consequências desse pressuposto para a ação pedagógica 
na Educação Infantil. Em outras palavras, a compreensão da linguagem 
enquanto espaço de enunciaçãoque se realiza numa situação comunicativa 
concreta – portanto inserida num território comum de pessoas em interação, o 
qual engloba os ditos e também os não ditos, o verbal e o extraverbal – têm 
consequências para o trabalho pedagógico pelo entendimento de que qualquer 
atividade de e com a linguagem não pode ser descontextualizada. Linguagem e 
vida se atravessam mutuamente. As esferas da vida são espaços de produção 
de linguagem, e cada enunciação atualiza-se num determinado tempo e 
espaço em que a vida circula. 
Inicialmente, discuto a concepção de linguagem e de gêneros do 
discurso a partir de algumas questões levantadas pelo linguista e filósofo da 
linguagem Mikail Bakhtin (1992a, 1992b), e depois trago algumas reflexões para 
se pensar a leitura e a escrita na Educação Infantil. 
 
Linguagem como espaço de interação humana 
Bakhtin e seus colaboradores elaboraram uma teoria enunciativo-
discursiva da linguagem. Para o autor, o produto da fala – a enunciação – é de 
natureza social. A fala se dirige, isto é, parte de alguém, numa dada situação e 
tem como intenção chegar a outro sujeito. Nesse processo é preciso que 
locutor e ouvinte, falantes de uma mesma língua, estejam integrados a uma 
situação e com lugares sociais definidos, pois não há interlocutor abstrato. Nas 
 
 
 39 
palavras do autor: 
Assim como, para observar o processo de combustão, convém 
colocar o corpo no meio atmosférico, da mesma forma, para 
observar o fenômeno da linguagem, é preciso situar os sujeito 
– emissor e receptor do som –, bem como o próprio som, no 
meio social em situações de troca social. Com efeito, é 
indispensável que locutor e ouvinte pertençam à mesma 
comunidade linguística, a uma sociedade claramente 
organizada. E mais, é indispensável que esses dois indivíduos 
estejam integrados na unicidade da situação social imediata, 
quer dizer, que tenham uma relação de pessoa para pessoa 
num terreno bem definido. (BAKHTIN, 1992, p. 70) 
 
A linguagem supõe uma situação de troca social. São sujeitos em 
interação que produzem enunciados concretos que, por sua vez, são 
determinados pelas condições reais de enunciação – a situação social mais 
imediata, incluindo os gestos, a entoação, vontades, afetos, ditos e não ditos – 
e também o horizonte social definido – o contexto social mais amplo 
responsável pela criação ideológica de um grupo social, numa determinada 
época. O enunciado é de “natureza constitutivamente social, histórica e, por 
isso, liga-se a enunciações anteriores e a enunciações posteriores produzindo e 
fazendo circular discursos” (BRAIT, 2005, p. 68). 
A linguagem também constitui a consciência porque permite pensar as 
ações e a si própria e só é possível graças ao auditório social que existe dentro 
e fora de cada um. Para Bakhtin, “o mundo interior e a reflexão de cada 
indivíduo têm um auditório social próprio bem estabelecido em cuja atmosfera se 
constroem suas deduções interiores, suas motivações, apreciações etc.” (1992, 
p. 112). 
São muitas as vozes que vão constituindo a consciência do sujeito. No 
processo interativo, a palavra do outro vai sendo internalizada tornando-se, 
gradativamente, a palavra própria do sujeito. Por sua vez, os enunciados se 
dirigem e os sujeitos em interação podem falar de muitos lugares, assumindo 
vozes distintas. A linguagem é polifônica porque se abre à possibilidade de 
diferentes vozes se colocarem em relação mútua, e porque toda compreensão é 
 
 
 40 
uma réplica – na relação entre as diferentes vozes se instaura o dialogismo. A 
linguagem é também dialógica. 
A palavra, por sua vez, por ser um acontecimento que se atualiza em 
cada enunciação, comporta muitos sentidos: 
O sentido da palavra é totalmente determinado pelo seu 
contexto. Há tantas significações possíveis quantos contextos 
possíveis. No entanto, nem por isso a palavra deixa de ser una. 
Ela não se desagrega em tantas palavras quantos forem os 
contextos nos quais ela pode se inserir. (BAKHTIN, 1992, p. 
106) 
Para Bakhtin, a polissemia da palavra vai para além dos significados 
dicionarizáveis, que dão uma unicidade à palavra e permitem que falantes de 
uma mesma língua partilhem uma comunidade linguística. São os contextos de 
enunciação que abrem a palavra à produção de sentido. Uma mesma palavra 
pronunciada em contextos diferentes ganha sentido diferente dependendo da 
situação, dos interlocutores, do acento apreciativo, do tom de voz, do gestual 
etc. 
Locutor e ouvinte articulam seus discursos conforme os desejos, as 
intenções, o conteúdo, o interlocutor, as situações. As relações interativas 
produzem discursos. Bakhtin, analisando a polifonia e o dialogismo no 
romance, dá uma outra versão ao quadro tipológico das criações literárias 
introduzindo o conceito de gênero discursivo que será abordado a seguir. 
 
Gêneros do discurso 
Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que 
sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua. 
Não é de se surpreender que o caráter e os modos dessa 
utilização sejam tão variados como as próprias esferas da 
atividade humana. [...] Qualquer enunciado considerado 
isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização 
da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de 
enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do 
discurso. [...] 
A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, 
 
 
 41 
pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e 
cada esfera dessa atividade comporta um repertório de 
gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à 
medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais 
complexa. (BAKHTIN, 1992, p. 278-279) 
Sujeitos em interação verbal, nas suas diferentes esferas de atividades 
produzem discursos também variados. Uma esfera caracteriza-se por ser um 
espaço social de experiências partilhadas que definem tipos relativamente 
estáveis de enunciados: os gêneros do discurso. Estes, por sua vez, se 
caracterizam pelo conteúdo temático, estilo da linguagem e construção 
composicional. No processo de interação verbal, o sujeito escolhe um gênero – 
o possível entre os que ele conhece – para atingir a sua intenção comunicativa. 
O sujeito não cria o gênero: eles são dados pelo contexto social e são 
escolhidos e utilizados conforme as necessidades da temática, o conjunto de 
participantes e as intenções comunicativas. O gênero é prescritivo, o sujeito não 
o cria. Mesmo considerando o caráter criativo dos enunciados, eles não são 
combinações inteiramente livres dos elementos da língua. O gênero é 
organizador das enunciações porque já tem minimamente definidos o 
tratamento do conteúdo; o tratamento comunicativo e o tratamento linguístico. 
“Falamos em gêneros e aprender a falar é aprender a estruturar enunciados e 
a pressentir o gênero na fala do outro, desde as primeiras falas ouvidas” (AMO- 
RIM, 2001, p. 112). 
No processo de socialização, as crianças vão ampliando 
progressivamente as suas esferas sociais e, consequentemente, vão tendo a 
oportunidade de ir se apropriando dos discursos que circulam em cada uma. 
Na medida em que fazem uso dos diferentes gêneros, respondendo às 
demandas sociais, muitas ampliações poderão se suceder. O maior ou menor 
grau de familiaridade com interlocutores e com a temática, a maior ou menor 
contextualização, a complexidade da temática, a extensão dos textos etc., tudo 
isso vai determinar as ampliações. Nesse sentido, a escola, como esfera social 
na qual circula inúmeros textos, se constitui como um importante lugar de 
produção, recepção e ampliação discursivas. 
 
 
 42 
Cabe ressaltar que o conceito bakhtiniano de gênero discursivo permite 
uma extensão às formações discursivas não restritas à palavra falada ou 
impressa, o que abre essa compreensão a outras linguagens e codificações, à 
pluralidade de sistemas de signos da cultura e também ao hibridismo de 
gêneros.É minha intenção nesse texto, porém, abordar os gêneros produzidos 
em situações de uso da linguagem oral e da linguagem escrita, como veremos 
a seguir. 
 
Gêneros primários e gêneros secundários 
Bakhtin distingue gêneros primários – que “se constituíram em 
circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea” – e gêneros 
secundários – que “aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural, 
mais complexa e re- lativamente mais evoluída, principalmente escrita artística, 
científica, sociopolítica“ (1992, p. 281). No seu processo e formação, os gêneros 
secundários absorvem e transmutam os gêneros primários que, por sua vez, ao 
se tornarem componentes dos gêneros secundários, transformam-se também. 
Vejamos a seguir um trecho da história da Branca de Neve, dos irmãos 
Grimm como exemplo dessa transmutação: 
Há muito tempo, num reino distante, viviam um rei, uma rainha 
e sua filhinha, a princesa Branca de Neve. Sua pele era branca 
como a neve, os lábios vermelhos como o sangue e os cabelos 
pretos como o ébano. 
Um dia, a rainha ficou muito doente e morreu. O rei, sentindo-
se muito sozinho, casou-se novamente. O que ninguém sabia é 
que a nova rainha era uma feiticeira cruel, invejosa e muito 
vaidosa. Ela possuía um espelho mágico para o qual 
perguntava todos os dias: 
•Espelho, espelho meu! Há no mundo alguém mais bela do 
que eu? 
•És a mais bela de todas as mulheres, minha rainha! – 
respondia ele. 
 
 
 
 43 
Nesse pequeno trecho é possível observar, por exemplo, a forma 
condensada como o relato escrito enumera os personagens e suas 
características, como ocorre o emprego dos pronomes (sentindo-se, para o 
qual), como a fala do narrador se sucede à do personagem e, especialmente, 
como o diálogo das personagens é bem distinto de uma conversa do cotidiano. 
O discurso direto nessa história não é uma transcrição de um diálogo, ele é uma 
elaboração da linguagem escrita, com a presença de rima (meu-eu) tratamento 
literário dado ao vocativo (espelho, espelho meu!), entre outros. 
Um outro exemplo são as cenas do filme Central do Brasil, de Walter 
Salles, em que os adultos analfabetos ditam cartas para a personagem Dora 
escrever. Ao ditarem, aquelas pessoas fazem uso de estrutura textual típica do 
gênero epistolar. Para ditar as cartas, o locutor elabora o seu discurso para ser 
escrito: as cartas apresentam uma saudação ao remetente, logo após 
anunciam as intenções do locutor, as informações e notícias que querem dar ao 
leitor e fazem perguntas ao interlocutor com a mesma intenção comunicativa, 
depois fecham com a despedida e a assinatura. Algumas chegam a usar 
expressões só empregadas na escrita como venho por meio desta. O fato das 
cartas serem oralizadas não destitui os textos das transmutações feitas aos 
diálogos cotidianos para se tornarem uma comunicação escrita. 
Para Bakhtin, não se pode entender a natureza dos enunciados sem se 
levar em conta as inter-relações entre os gêneros primário e o secundário. 
Numa sociedade letrada, os gêneros secundários perpassam a oralidade e 
vice-versa; há uma influência recíproca pela circularidade entre as diferentes 
manifestações culturais e discursivas. Textos escritos são oralizados e textos 
tipicamente orais são transpostos para a escrita. Oralidade e escrita se 
interrelacionam e são até mesmo indissociáveis na sociedade grafocêntrica. 
Embora gêneros primários e secundários sofram influências mútuas, podemos 
pensar em características de cada um e fazer 
comparações entre eles. Vejamos algumas: 
 
 
 
 44 
Características dos gêneros 
Gêneros primários Gêneros secundários 
Controlados diretamente pela situação. Mantém uma certa autonomia em relação 
ao contexto imediato. 
 
A regulação se dá na e pela 
própria ação de linguagem. 
O contexto é linguisticamente criado pelo texto 
exigindo a criação de instrumentos linguísticos 
reguladores – regras convencionadas – que garantam 
a coerência interna do texto. 
Acontecem no nível real com o qual a 
criança é confrontada nas múltiplas práticas 
de linguagem cotidiana. 
Acontecem no nível linguístico. Exigem um maior ou 
menor grau de explicitação, de formalidade, de 
planejamento do discurso. 
 
Acontecem na comunicação verbal 
espontânea. 
São formações complexas porque é elaborações da 
comunicação cultural organizada em sistemas 
específicos, como a arte, a filosofia, a ciência, a 
política. 
Cabe sempre lembrar que os gêneros discursivos estão vinculados a 
enunciados concretos que se manifestam nas interações sociais. São as 
possibilidades de uso da língua – seja oral ou escrita – que vai permitir a 
diferenciação e a apropriação dos diferentes gêneros. Ou seja, é no interior das 
práticas sociais, contextualizados e exercendo funções enunciativas, que os 
diferentes gêneros se colocam aos sujeitos. Na medida em que as esferas sociais 
se alargam, também aumentam a demanda por produção e recepção de 
discursos. Nesse processo há diferenças entre as possibilidades de circulação 
das crianças, seja pelos limites e possibilidades de cada faixa etária, seja pelo 
acesso às diferentes manifestações culturais e seu grau de elaboração, bem 
como das práticas discursivas que as acompanham. 
 
 
 
 
 45 
Educação Infantil: textos, suportes, contextos e práticas dos gêneros 
discursivos 
Os enunciados das crianças (orais e escritos) são formas concretas de 
realização da língua e, simultaneamente, a vida que atravessa a língua. As 
condições, situações, práticas, usos, funções e significações da linguagem 
escrita são contextuais, se modificam historicamente e se colocam de forma 
diferente para cada sujeito e seu grupo. 
As interações com enunciados de discursos de diferentes naturezas 
possibilitam apropriações também diversas. É a participação da criança em 
situações de utilização da língua que vai permitir a apropriação e o uso. É no 
contato da criança com a língua escrita que elas vão estabelecendo relações e 
observando que as diferenças entre as línguas oral e escrita dizem respeito às 
condições de produção do discurso como, por exemplo, de que a comunicação 
oral acontece no imediato e local enquanto a escrita permanece no tempo, 
ganha outros espaços e tem regras convencionadas, o contexto da enunciação 
determina o grau de explicitação textual, mas, por sua vez, o nível de 
formalidade vai exigir um maior ou menor planejamento do que se diz etc. 
Mesmo estando imersas na cultura letrada, o domínio da escrita – um sistema 
cultural complexo – depende dos processos de interação e da mediação de 
outros indivíduos, o que incluiu a própria intervenção pedagógica. As crianças 
levantam inúmeras hipóteses sobre esse elemento da cultura e é na troca com 
pessoas mais experientes e que detêm maior conhecimento do que elas sobre 
a língua escrita que vão podendo obter informações, questionar suas hipóteses, 
reformulá-las, buscar soluções, entender e usar regras e convenções etc. 
Cabem então algumas questões para se pensar um trabalho de leitura e 
escrita em Educação Infantil: em quais esferas sociais as crianças circulam? 
Que gêneros discursivos primários e secundários estão presentes nessas 
esferas? Quais os que não fazem parte, mas que podem passar a fazer? Que 
situações comunicativas reais podem favorecer a apropriação de diferentes 
gêneros discursivos? Que textos interessam as crianças? Como eles se tornam 
espaços de interação verbal? 
 
 
 46 
Além dessas questões é importante que desde a Educação Infantil haja 
uma reflexão sobre o lugar da escola no processo de produção, recepção e 
apropriação de gêneros discursivos. Pois na escola os textos não têm apenas a 
função enunciativa, mas são também objetos de aprendizagem. Além dos 
gêneros produzidos na esfera escolar – listas de materiais e de atividades, 
enunciados de atividades, definições, textos de diferentes áreas de 
conhecimento, livro didático, boletins e

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