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FUNDAMENTOS TEÓRICOS DO PENSAMENTO MATEMÁTICO 2 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .............................................................................................. 4 RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS ........................................................................ 7 PROBLEMAS DE APLICAÇÃO ........................................................................ 11 SOBRE A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS ........................................................ 20 A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE NÚMERO ................................................... 22 MATERIAIS QUE PODEM SER UTILIZADOS PARA AS OPERAÇÕES DE CLASSIFICAÇÃO E SERIAÇÃO ...................................................................... 28 CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO ........................................................ 38 ABSTRAÇÃO EMPÍRICA E ABSTRAÇÃO REFLEXIVA - ABSTRAÇÃO EMPÍRICA ......................................................................................................................... 41 O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL ......................................................................................................... 47 DISCUSSÃO DE PROCESSOS E DESENVOLVIMEN- TO HISTÓRICO DE ALGORITMOS DE ALGUMAS OPERAÇÕES FUNDAMENTAIS .................................................. 61 IDEIAS DAS QUATRO OPERAÇÕES FUNDAMENTAIS ................................ 72 COMPREENSÃO DOS NÚMEROS RACIONAIS: FRAÇÕES ................................ 84 OS DECIMAIS .................................................................................................... 98 A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO GEOMÉTRICO - ALGUNS FATOS HISTÓRICOS ................................................................................................. 112 SENTIDO DAS MEDIDAS .............................................................................. 126 ÁREA E PERÍMETRO .................................................................................... 138 O PENSAMENTO ALGÉBRICO ..................................................................... 147 CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA PROPORCIONALIDADE ...................... 161 INTRODUÇÃO À ESTATÍSTICA ....................................................................... 175 3 AVALIAÇÃO EM MATEMÁTICA .................................................................... 187 APRENDER SEM MEDO: O RELACIONAMENTO AFETIVO ENTRE AQUELE QUE ENSINA E AQUELE QUE APRENDE ................................................... 204 A LINGUAGEM MATEMÁTICA E OS (DES)ENCONTROS COM A LINGUAGEM COTIDIANA ............................................................................. 214 OS PROBLEMAS DA SOLUÇÃO: DIFICULDADES COM A METODOLOGIA DA “RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS” ........................................................... 228 TEXTO COMPLEMENTAR .............................................................................. 237 A GEOMETRIA PLANA E A GEOMETRIA ESPACIAL: O QUE VEMOS E O QUE VIVEMOS ....................................................................................................................... 240 POR QUE (–1) X (–1) = 1?: OPERAÇÕES COM OS NÚMEROS INTEIROS ....... 250 Demonstração de (–1) x (–1) = 1 .................................................................... 256 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 262 4 Apresentação Caro Estudante Essa obra aborda diversos conteúdos matemáticos que são trabalhados nas séries iniciais do Ensino Fundamental. A intenção das autoras é fazer uma reflexão, junto aos futuros professores destas séries, de forma a possibilitar a com- preensão de conceitos e significados presentes nos referidos conteúdos. O livro é composto por vinte capítulos. O primeiro capítulo intitulado Resolução de Problemas, discute uma estratégia de ensino que é recomendado por currículos do mundo inteiro. O segundo capítulo, A Construção do Conceito de Número, apresenta as operações de classificação e seriação como fundamentais no processo de construção do conceito de número. O terceiro capítulo, Conhecimento Lógico-Matemático, define conhecimento físico, conhecimento social e finalmente o conhecimento lógico- matemático; abordam também a questão da abstração empírica e a abstração reflexiva, fatores importantes na construção de relações. O quarto capítulo, intitulado como O Desenvolvimento Histórico do Sistema de Numeração Decimal, aborda o sistema de numeração que usamos fazendo um breve relato do seu desenvolvimento histórico. O quinto capítulo, Discussão de Processos e Desenvolvimento Histórico de Algoritmos de Algumas Operações Fundamentais, mostra algumas formas de somar e multiplicar utilizadas por povos da antiguidade. O sexto capítulo, Ideias das Quatro Operações Fundamentais, chama a atenção do professor para as diferentes ideias que cada operação pode assumir fator importante na construção do conhecimento matemático. No sétimo capítulo, Compreensão dos Números Racionais: Frações 5 discute o conceito de frações e procura justificar os procedimentos algorítmicos das operações realizadas com frações. O oitavo capítulo, Os Decimais, apresenta o número com vírgula e aborda as operações fundamentais neste campo numérico. No nono capítulo A Construção do Pensamento Geométrico, são apresentados alguns elementos históricos da Geometria, apresenta esse campo da Matemática valorizando a exploração de objetos e ambientes naturais. O décimo capítulo, Sentido das Medidas, faz uma abordagem privilegiando o significado de medir, apresenta algumas unidades básicas, associando-as com a utilização no dia-a-dia. O décimo primeiro capítulo, intitulado Área e Perímetro, apresenta a diferença entre esses dois conceitos e explora a área de algumas figuras geométricas. O décimo segundo capítulo, O Pensamento Algébrico, apresenta as várias fases do desenvolvimento da álgebra e sugere caminhos para a abordagem desse conteúdo desde as séries iniciais do Ensino Fundamental. O décimo terceiro capítulo, Conceitos Fundamentais da Proporcionalidade, discute várias estratégias de resolução que podem ser utilizadas para resolução de questões que envolvem esse conteúdo. O décimo quarto capítulo, intitulado Introdução à Estatística, apresenta as fases do método estatístico assim como tabelas e gráficos, elementos essenciais na abordagem desse assunto. O décimo quinto capítulo, Avaliação em Matemática, procura fazer uma abordagem construtiva da avaliação e discute vários instrumentos de avaliação. Os cinco últimos capítulos discutem questões que, de algum modo, 6 podem dificultar o ensino-aprendizagem da Matemática. O décimo sexto capítulo Aprender sem Medo, discute o relacionamento afetivo entre aquele que ensina e aquele que aprende. O décimo sétimo capítulo, intitulado A Linguagem Matemática e os (Des) Encontros com a Linguagem Cotidiana, mostra como essas duas formas de comunicação podem ser interpretadas pelos alunos. O décimo oitavo capítulo, Os problemas da Solução, apresenta algumas dificuldades com a metodologia de “resolução de problemas”. O décimo nono capítulo, A Geometria Plana e a Geometria Espacial, apresentam problemas mais comuns encontrados por estudantes quando estudam esses conteúdos. O vigésimo e último capítulo, Por que (-1) x (-1) =1? Aborda operações com números inteiros e discute algumas dificuldades encontradas para demonstrar alguns resulta- dos nesse campo da matemática. Ao tratar das questões descritas anteriormente, o objetivo é que você, futuro professor, possa se embasar teoricamente para poder desenvolver a educação matemática na sala de aula. 7 Resolução de problemas [...] o verdadeiro prazer em estudar Matemática é o sentimentode alegria que vem da resolução de um problema – quanto mais difícil o problema, maior a satisfação. Thomas Butts Pretenderam-se tornar a Matemática útil e prazerosa, acreditamos que a resolução de problemas, uma das tendências da educação matemática, é um excelente caminho para alcançarmos esse objetivo. A resolução de problemas deve ser o ponto central de atenção do professor de Matemática e os problemas devem ser o ponto-chave para o desenvolvimento dos conteúdos curriculares. Por meio dos problemas, os estudantes podem: • Investigar e compreender os conteúdos matemáticos; • Desenvolver e aplicar estratégias para a resolução dos mesmos; • Relacionar a Matemática com situações cotidianas; • Ver a Matemática de forma atraente e desafiadora. Polya (1994) afirma que “a resolução de problemas foi a coluna vertebral da instrução matemática desde o Papiro de Rhind”. Educadores matemáticos acreditam serem necessários que os alunos se 8 tornem capazes de propor e resolver problemas, conhecer técnicas diversas, compreender as implicações matemáticas de um problema, trabalhar em grupo para resolvê-lo, aplicar ideias matemáticas a problemas abertos, acreditar na importância da resolução de problemas para a real aprendizagem da Matemática e na importância desta para a vida cotidiana. Pretende-se que os alunos aprendam a valorizar a Matemática, sentindo-se seguros em fazer Matemática e em resolver problemas de todas as categorias. Que esses alunos possam comunicar-se por meio dessa ciência, aprender a raciocinar matematicamente, formular hipóteses e argumentar a validez de uma hipótese. Resolver problemas é a razão principal de se aprender e ensinar Matemática. É por meio dessa prática que se inicia o aluno no exercício de pensar matematicamente e nas aplicações da Matemática na Educação Básica. Resolver proble- mas é o processo de reorganizar conceitos e habilidades, aplicando-os a uma nova situação, atendendo a um objetivo. Ao resolver problemas, o aluno desenvolve determinadas estratégias que, em geral, se aplicam a um grande número de situações. Dante (1995, p. 84) salienta que: Aprender a resolver problemas matemáticos deve ser o maior objetivo da instrução matemática. Certamente outros objetivos da Matemática devem ser procurados, mesmo para atingir o objetivo da competência em resolução de problemas. Desenvolver conceitos matemáticos, princípios e algoritmos através de um conhecimento significativo e habilidoso são importantes. Mas o significado principal de aprender tais conteúdos matemáticos é ser capaz de usá-los na construção das soluções das situações-problema. Ensinar a resolver problemas requer que o professor coloque os alunos frente a diferentes situações. Ele deve encorajá-los a pensar por si mesmos, a levantarem suas próprias hipóteses e a testá-las, a discutirem com seus colegas como e por que determinada estratégia resolve ou não o problema. É importante, também, que o professor considere dois fatores que desempenham papel fundamental na resolução de problemas: os conceitos e 9 as habilidades da criança para encontrar a solução. Esses fatores são construídos de acordo com o repertório de problemas previamente resolvidos, daí a importância dos alunos resolverem uma variedade de problemas. Ao propor essas questões, o professor deve estar atento aos problemas matemáticos que não têm como objetivo encontrar uma resposta numérica e, mesmo que se encontre essa resposta, é apenas um ponto intermediário nesse processo. Assim, é essencial uma interpretação ou uma análise da questão a ser resolvida. Às vezes, um problema requer simplesmente que o aluno desenvolva um sistema de organização dos dados de uma forma adequada ou que se traduza uma situação matemática em uma linguagem mecânica eficiente. Ou então o problema exige que se crie uma unidade de medida ou um instrumento de maior precisão do que os dados pelos modelos usuais de medida. O que é um problema? Saviani (1999) coloca que uma questão por si só não caracteriza um problema, mesmo que sua resposta seja desconhecida. O que caracteriza um problema é aquela questão cuja resposta, além de não ser conhecida, deseja-se conhecer. Em outras palavras, para que uma situação seja um problema, é necessário que o sujeito: • Esteja ciente dessa situação; • Esteja interessado em resolver essa situação; • Não tenha elementos necessários para proceder diretamente. Para o professor realizar um trabalho coerente com a proposta da resolução de problemas, é necessário que conheça a classificação de questões 10 matemáticas a seguir, segundo Butts (1980). Exercícios de reconhecimento Esse tipo de exercício verifica apenas se o estudante reconhece ou relembra um fato, uma definição ou um teorema. Exemplos: a) Assinale os desenhos que representam figuras planas. Resposta: 1, 4. b)Circule os números pares: 95 – 160 – 12 – 355 – 1 002 – 501 – 2 Resposta: 160, 12, 1 002, 2. Exercícios algorítmicos Podem ser resolvidos com um algoritmo específico ou executando-se um procedimento passo a passo. Exemplos: a) Arme e efetue: 32,7 + 1,34 = Resposta: 32,7 11 + 1,34 34,04 b) Resolva a seguinte equação do 1.º grau: c)y + 4 – 8y = 23 Resposta: –7 y = 23 – 4 –7 y = 19 y = 19 7 y = – 19 7 Problemas de aplicação Nessa categoria, estão os tradicionais problemas de palavras cujas soluções requerem que o estudante: • Faça a formulação simbólica do problema; • Manipule essa formulação com algoritmos ou outros procedimentos já conhecidos, para então obter a resposta. Exemplos: Resolução de problemas a) Mamãe foi à feira e gastou R$4,00 com verduras e R$5,00 com frutas. Com quanto voltou para casa se saiu com R$10,00? Resposta: 12 Estratégia 1 R$4,00 + R$5,00 = R$9,00 R$10,00 – R$9,00 = R$1,00 Estratégia 2 Chamaremos de X a quantidade de dinheiro que sobrou x + 5 + 4 = 10 x + 9 = 10 x = 10 – 9 x = 1 Ela voltou para casa com R$1,00. b) O dobro de um número somado a 7 é igual a 13. Qual é esse número? Resposta: Chamaremos o tal número de x. 2 x + 7 = 13 2 x = 13 – 7 2 x = 6 x = 6 2 x = 3 O número é 3. Problemas em aberto Um problema em aberto não contém, no enunciado, uma estratégia 13 para sua resolução. Porém, apresenta muitas vantagens, como a abordagem de diversos conteúdos matemáticos num único problema. Exemplos: A- Numa sala, com bancos de dois lugares, a diretora da escola reuniu um grupo de estudantes. Pediu que se sentassem de dois em dois nos bancos. Feito isso, sobraram 15 estudantes em pé. Para que ninguém ficasse em pé, a diretora pediu que os estudantes se sentassem de três em três nos bancos. Dessa forma, nenhum estudante ficou em pé, mas cinco bancos ficaram vazios. Finalmente, ela pediu que os meninos se sentassem de dois em dois, ocupando a metade dos bancos, e que as meninas ocupassem a outra metade dos bancos, sentando-se de três em três. Assim, nenhum estudante ficou em pé e nenhum banco ficou vazio. Quantos são os estudantes? Quantas são as meninas? Quantos são os meninos? Quantos são os bancos? Resposta: Chamaremos de x o número de bancos e de y o número de estudantes. 2 x + 15 = y 3 x – 15 = y 2 x + 15 = 3 x – 15 15 = 3x – 2x – 15 15 + 15 = x x = 30 bancos 2 x + 15 = y 2 . 30 + 15 = y 60 + 15 = y y = 75 estudantes 14 Tomemos H como meninos e M como meninas. H = 2 x 2 H = 2 . 30 2 H = 60 2 H = 30 M = 3 x 2 M = 3 . 30 2 M = 90 2 M = 45 30 meninos e 45 meninas, total de 75 alunos e 30 bancos. Resolução de problemas b) O gavião chega a um pombal e diz: • Adeus, minhas cempombas! • As pombas respondem em coro: •Cem pombas não somos nós, com mais dois tantos de nós e com 15 você, meu caro gavião, cem pássaros seremos então! Quantas pombas estão no pombal? Resposta: Estratégia 1 100 – 1 = 99 (subtraímos o gavião). 99 : 3 = 33 (dividimos por 3 porque são a quantidade de pombas mais 2 tantos, ou seja, 3). Estratégia 2 Chamaremos de x a quantidade de pombas que estamos procurando: x + 2 x + 1 = 100 3 x = 100 – 1 3 x = 99 x = 99 3 x = 33 Estão no pombal 33 pombas. É importante ressaltar que a classificação dos problemas depende também do conhecimento do resolvedor. O problema das pombas, que foi apresentado anteriormente, pode ser classificado como problema de aplicação se o resolvedor encontrar a solução utizando uma equação do primeiro grau, por exemplo; porém, se o resolvedor utilizar outra estratégia, ele pode ser considerado como um problema em aberto. 16 Situações-problema Nessa categoria não estão os problemas em si, mas situações na qual um dos passos principais é identificar o problema inerente para, num passo seguinte resolvê-lo. Outro passo importante é testar se a solução encontrada é satisfatória. Caso não seja, o problema deve ser retomado e revisto, ou um novo problema deve ser identificado, e o processo deve ter continuação até que a solução ideal se apresente. Exemplos: a) Esboce um estacionamento. b) Apresente a distribuição de alimentos para a merenda escolar de uma semana. Nota-se que as questões das duas primeiras categorias (exercícios de reconhecimento e exercícios algorítmicos) exigem muito pouco dos alunos, não permitindo a exploração dos conhecimentos que eles trazem, nem o desenvolvimento de sua criatividade. Dessa maneira, devem ser exploradas com menor intensidade, podendo ser utilizadas nos casos em que o professor deseja saber se o aluno conhece fatos específicos do conteúdo. Os problemas das três últimas categorias (problemas de aplicação, problemas em aberto e situações-problema) permitem uma desenvoltura maior dos alunos, possibilitando ao professor uma visão mais abrangente do conhecimento deles. As categorias problemas em aberto e situações-problema são as que mais possibilitam reflexões, discussões e, consequentemente, aprendizado significativo. O conjunto de problemas encontrado nos livros de Matemática não é suficientemente extenso, nem variado o bastante para dar ao aluno um conjunto adequado de questões. O professor pode complementar esses problemas com outros inventados por ele mesmo ou retirados de livros 17 paradidáticos ou periódicos da área. Assim, pode organizar seu próprio repertório, extenso e variado, com o objetivo de se preparar para o trabalho com problemas criativos e reais. Etapas para resolução de problemas Segundo Polya (1994), para se obtiver sucesso na resolução de problemas é necessário observar as seguintes etapas: 1. Compreender o problema; 2. Elaborar um plano; 3. Executar o plano; 4. Fazer a verificação ou o retrospecto. Em cada etapa, o professor pode fazer questionamentos ou considerações que ajudem os alunos na resolução dos problemas, conforme os exemplos a seguir. Compreender o problema: a) O que se pede no problema? b) Quais são os dados e as condições do problema? c) É possível fazer uma figura, um esquema ou um diagrama? d) É possível estimar a resposta? Elaborar um plano: a) Qual é o seu plano para resolver o problema? b) Que estratégia você tentará? c) Você se lembra de um problema semelhante que pode ajudá-lo a 18 resolver este? d) Tente organizar os dados em tabelas e gráficos. e) Tente resolver o problema por partes. Executar o plano: a) Execute o plano elaborado, verificando-o passo a passo. b) Efetue todos os cálculos indicados no plano. c)Execute todas as estratégias pensadas, obtendo várias maneiras de resolver o mesmo problema. Fazer retrospecto ou verificação: • Examine se a solução obtida está correta. • Existe outra maneira de resolver o problema proposto? • É possível usar o método empregado para resolver problemas semelhantes? Desse modo, em uma aula de resolução de problemas, o professor deve fazer o papel de incentivador e moderador das ideias geradas pelos alunos. Agindo assim, os alunos participam ativamente, “fazendo Matemática”, e não passivamente, “observando” a Matemática “ser feita” pelo professor. Uma grande descoberta resolve um grande problema, mas há sempre uma pitada de descoberta na resolução de qualquer problema. Este pode ser modesto, mas se desafiar a curiosidade e puser em jogo as faculdades inventivas, quem o resolver por seus próprios meios experimentará a tensão e gozará o triunfo da descoberta. Experiências tais, numa idade susceptível, poderão gerar o gosto pelo trabalho mental e deixar, por toda a vida, a sua marca na mente e no caráter. (POLYA, 1994, p. 48) 19 O professor deve apresentar aos alunos problemas desafiadores, reais e interessantes, que não sejam resolvidos diretamente por um ou mais algoritmos. É necessário, também, que seja dado um tempo razoável para que leiam e compreendam o problema, certificando-se de que foi entendido por todos. Infelizmente, uma das maiores dificuldades do aluno ao resolver um problema é o momento de leitura e compreensão do texto. Deve-se criar, entre os alunos, um clima de busca, exploração e descoberta, deixando claro que o mais importante para obter a resposta correta é pensar e trabalhar no problema durante o tempo necessário para resolvê-lo. O professor precisa trabalhar no sentido de focalizar, enfatizar e valorizar a análise do problema, os procedimentos que podem levar à solução e à revisão da solução obtida, e não, simplesmente, enfatizar a resposta correta. Acertar a resposta não é, necessariamente, o mais importante na resolução de problemas. É bom para o aluno saber o que fez e como fez, e por que sua ação foi apropriada ou não. Isso deve ser parte integrante da etapa de retrospecto e verificação da resolução. Primordialmente, devem-se incentivar os alunos a pensar. Assim, a função de orientador e facilitador da aprendizagem realizar-se-á mais facilmente, poden- do-se perceber como pensam e encaminham a solução do problema, que estratégias tentam usar, que dificuldades precisam superar etc. O professor, discretamente, pode propiciar aos alunos “ideias brilhantes”, fazendo com que se lembre de fatos e os utilizem adequadamente. É importante proporcionar ao aluno a satisfação de tê-las obtido. Alunos resolvedores de problemas se sentem seguros e, em geral, demonstram grande interesse pela Matemática. 20 Texto complementar Esquema de aula Na tendência tradicional Esquema de aula na tendência de resolução de problemas O professor explica a matéria (teoria). O professor apresenta um problema escolhido por ele ou pelo(s) aluno(s). O professor mostra exemplos. Os alunos tentam resolver o problema com o conhecimento que possuem. O professor propõe “exercícios” semelhantes aos exemplos dados para que os alunos resolvam. Quando os alunos encontram algum obstáculo (falta de algum conteúdo necessário para a resolução do problema), o professor apresenta de alguma forma, esse conteúdo. O professor (ou um aluno) resolve no quadro- de-giz os exercícios. Resolvido o problema, os alunos discutem sua solução; se necessário, com a ajuda do professor. Essa discussão envolve todos os aspectos da resolução do problema, inclusive os do conteúdo necessário. O professor propõe aos alunos outros “exercícios” já não tão semelhantes aos exemplos que ele resolveu. O professor apresenta outro problema escolhido por ele ou pelo(s) aluno(s). Sobre a resolução de problemas (BURIASCO, 1995, p. 1) Uma dasatuais grandes tendências da Educação Matemática é a resolução de problemas, assim chamada porque considera que o estudo da Matemática é resolver problemas. Segundo ela, o ensino da Matemática deve ser desenvolvido sempre partindo de problemas. Examinemos o quadro abaixo: 21 Esquema de aula na tendência tradicional Esquema de aula na tendência de resolução de problemas O professor (ou um aluno) resolve os exercícios no quadro-de-giz. O professor propõe “problemas”, se for o caso, ou mais “exercícios”. Correção dos “problemas” e dos “exercícios”. O professor começa outro assunto. De acordo com essa tendência, o prazer em estudar Matemática é a alegria de resolver um problema, de sorte que, quanto maior a dificuldade na resolução, maior a satisfação. Na proposta de ensinar Matemática por meio da resolução de problemas, uma das questões mais importantes é como apresentar um problema, de modo que os alunos: • Queiram resolvê-lo; • Compreendam e retenham o conteúdo envolvido na sua resolução. Se o estudo da Matemática é resolver problemas, então é incumbência do professor, nas aulas de Matemática, ensinar a arte de resolvê-los. DICAS DE ESTUDO Ler o livro: Didática da Resolução de Problemas de Matemática Autor: Luiz Roberto Dante. Editora: Ática. A obra explora um pouco sobre a teoria de Resolução de Problemas e depois 22 apresenta uma coletânea de problemas interessantes que podem ser trabalhados desde a pré-escola. A construção do conceito de número Os números são frequentemente utilizados no nosso dia-a-dia. Mas, afinal, o que é número? As concepções de número variam de acordo com as diferentes escolas matemáticas. Consideremos o conceito de número como resultado da síntese da operação de classificação e da operação de seriação, um número é a classe formada por todos os conjuntos que têm a mesma propriedade numérica e que ocupam um lugar numa série considerada também a partir da propriedade numérica. Assim, a classificação e a seriação se fundem no conceito de número. Essa análise nos permite compreender o processo por meio do qual as crianças constroem este conceito tão importante – o de número. A compreensão desse processo pode garantir aos professores as decisões didáticas a serem tomadas ao ensinarem seus alunos de acordo com as suas necessidades e características psicológicas. Mas o que é a operação de classificação e a de seriação? Classificação A classificação é uma operação lógica, fundamental no desenvolvimento do pensamento, de forma que sua importância não se refere apenas à sua relação com o conceito de número, pois intervém na construção de todos os conceitos que constituem a estrutura intelectual humana. Classificar é “juntar” por semelhanças e “separar” por diferenças. 23 Podemos exemplificar uma operação de classificação quando dizemos “gosto de cães”, pois estamos juntando animais que apresentam certas qualidades, separando-os de outros que não as têm – como os gatos. Outro exemplo pode ser “cidades paranaenses”. Nesse caso, estou “juntando” cidades que estão localizadas no estado do Paraná, e “separando” daquelas localizadas em outros estados. Nos dois exemplos acima, estamos classificando a partir de um universo, e esse universo já implica um ato classificatório, porque difere de outros universos que não são, no caso, nem de cães, nem de cidades paranaenses. Nessa exemplificação, o termo “separar” ou “juntar” não é de forma efetiva ou visível, mas de forma interiorizada, pois não juntamos realmente, tampouco separamos. Não realizamos o ato classificatório apenas de forma interiorizada, mas de forma efetiva, concreta, como quando separamos em uma estante livros e revistas, ou alimentos nas prateleiras da geladeira, roupas nas gavetas. A pertinência e a inclusão são dois outros tipos de relação que aparecem na classificação, além das semelhanças e diferenças. A pertinência é a relação estabelecida entre cada elemento e a classe da qual ele faz parte. A pertinência está fundamentada na semelhança. Dizemos que um elemento pertence a uma classe quando se parece com os demais elementos dessa mesma classe em função do critério de classificação adotado. A inclusão é a relação que se estabelece entre cada subclasse e a classe da qual esta é uma parte, de tal forma que se pode verificar que a classe tem mais elementos que a subclasse. Na inclusão hierárquica, compreende-se que inclui “um” em “dois”, “dois” em “três” e assim por diante. Outro exemplo de inclusão é que rosas e jasmins incluem-se na classe de flores. E qual a relação das operações de classificação e seriação e o conceito de número? 24 A classificação se fundamenta na qualidade dos objetos, ou seja, nas suas propriedades qualitativas. Adultos quando pensam no número sete, por exemplo, podem estar pensando em sete casas, sete pessoas, sete balas, ou seja, sete “qualquer coisa”, incluindo sete coisas que podem ser diferentes entre si, como um homem, uma mulher, um lápis, uma flor, uma mesa, uma régua e um gato. Ao pensar em um número, estamos fazendo classificação, ou seja, estabelecendo semelhanças e diferenças e, nesse caso, separando todos os conjuntos que têm sete elementos dos conjuntos que não têm sete elementos. No caso do número, buscamos semelhança entre os conjuntos e não entre os elementos. Juntamos os conjuntos que são equivalentes em sua propriedade numérica. Assim, não importa se há ou não semelhança qualitativa entre os elementos que constituem o conjunto, importando apenas a equivalência numérica entre os conjuntos que constituem a classe que estamos pensando – a dos infinitos conjuntos de sete elementos. A classe de todos os conjuntos de sete elementos constitui o número 7. Seriação Seriar é ordenar diferenças, estabelecer relações entre elementos que diferem em certos aspectos. A seriação, assim como a classificação, constitui aspecto importante do pensamento lógico. Normalmente, seriam os sons de acordo com o timbre, ordenando-os do mais agudo ao mais grave; cédulas de valores diferentes, de menor valor para a que vale mais; veículos com diferentes datas de produção, do mais antigo ao mais moderno etc. Podemos fazer isso na ordem crescente ou decrescente. A seriação tem como propriedades fundamentais a transitividade e a reciprocidade. Quando se estabelece uma relação entre um elemento de uma série e o seguinte e deste com o posterior, pode-se deduzir a relação entre o 25 primeiro e o último elemento dessa série. Dizemos que essa é uma relação de transitividade. Exemplo: se um veículo A é mais antigo que B, e B são mais antigos que C, então A é mais antigo que C. A conclusão pode ser feita a partir das relações que estabelecemos anteriormente. Na propriedade de reciprocidade, cada elemento de uma série tem uma relação tal com o elemento imediato que, ao inverter a ordem da comparação, tal relação também se inverte. Se A é um automóvel mais antigo do que o automóvel B, então B é um automóvel mais moderno que o A. As seriações, assim como as classificações, também podem ser realizadas de forma interiorizada. Ao seriarmos um número, o que estamos seriando? Estamos seriando classes de conjuntos, e não elementos ou conjuntos particulares, estabelecendo uma relação entre as classes de tal forma que, se ordenadas na ordem crescente, a classe do quatro estará antes da classe do cinco e esta antes da classe do seis, que por sua vez estará antes da classe do sete e assim por diante. Se ordenadas na ordem decrescente, a classe do sete estaria antes da classe do seis e esta, antes da classe do cinco etc. O conceito de número se deriva das operações lógicas de classificação e seriação, não se reduzindo apenas a uma delas. O importante é que a fusão da classificaçãoe da seriação se apresenta no caso do conceito de número. No entanto, no terreno qualitativo, não se seria e se classifica ao mesmo tempo. Segundo Piaget, (apud KAMII,1986) o número é uma construção mental. Ele é construído pela repetida adição de “1”, e com isso a adição já está incluída na construção numérica pela criança. A teoria do número, segundo o autor citado, é entendida no contexto epistemológico no qual ele trabalhou. Piaget percebeu elementos verdadeiros e não-verdadeiros tanto na corrente dos racionalistas, como na corrente dos empiristas. Para a primeira 26 corrente, a razão é mais poderosa do que a experiência sensorial; para os empiristas, o conhecimento tem sua fonte fora do indivíduo e é interiorizado por meio dos sentidos. Em seus estudos, Piaget dava importância tanto à informação sensorial como à razão, mas recaiu sobre o racionalismo. Nas suas pesquisas com crianças, sentiu-se motivado a provar a inadequabilidade do empiricismo, apresentando provas de conservação nas crianças, (por exemplo, prova de conservação numérica). Piaget é contrário à teoria que diz que o conceito de número possa ser ensinado por transmissão social (para mais detalhes, ver KAMII, 1986). Correspondência – equivalência numérica A correspondência biunívoca ou termo a termo é a operação por meio da qual se estabelece uma relação um a um entre elementos de dois ou mais conjuntos com a intenção de compará-los quantitativamente. Segundo Duhalde e Cuberes (1998), é por meio da resolução de problemas do cotidiano que se constrói o aprendizado significativo da Matemática. É dessa forma que se constrói o conceito de número. A utilidade do número está ligada aos seus aspectos de cardinalidade e de ordinalidade: • A quantidade de elementos de uma coleção se refere à cardinalidade, na qual a ação de correspondência, sem a necessidade de contagem, coloca esse conjunto em correspondência a outro conjunto; • O lugar que o número ocupa dentro de uma série ordenada se refere à ordinalidade, sendo necessária uma ordem que permite a contagem. O desenvolvimento do conceito de número pode se dar por meio da ação de contar, que tem grande importância na educação matemática das 27 crianças, sendo que, para concretizar o processo de contar, é indispensável recorrer à série numérica oral e à série numérica escrita. Muitas são as crianças que, em idade pré-escolar, contam até cem. No entanto, não descobriram que cem significa duas vezes cinquenta, um décimo de mil, dez vezes dez etc. As crianças, nessa fase, segundo as autoras citadas anteriormente, passam por três etapas: • Na primeira, a criança se expressa de forma oral; • A segunda etapa se refere aos aspectos algorítmicos da escrita – a criança descobre as regras da sucessão oral e escrita; • Na terceira, as crianças começam a construir agrupamentos de dez, percebem as regras do sistema posicional de numeração e valor posicional. As crianças, desde muito pequenas, por volta dos dois anos de idade, são capazes de contar até dois, três, ou pouco mais. No entanto, às vezes, quando prosseguem na contagem, é comum omitirem alguns números. As crianças variam nessa contagem de acordo com o meio socioeconômico e cultural no qual vivem. Certas crianças, ao contar até vinte e nove, dizem, para o próximo número, vinte e dez, e assim por diante. Se forem corrigidas, poderão continuar dizendo trinta e um, trinta e dois e sucessivamente, assim como usam dez e um, dez e dois, para os números onze e doze, respectivamente. A criança que diz que quatro é maior que três pode estar fazendo uso da série oral, percebendo que o que vem depois é sempre maior que o anterior, podendo ser capaz de comparar conjuntos próximos. A série oral também permite separar uma quantidade da outra. Quando é solicitado que separem quatro dos oito objetos de um conjunto, as crianças, normalmente, contam todos e nem sempre conseguem cumprir a tarefa, uma vez que para isso precisariam deter-se à quantidade solicitada, assinar um nome da série a cada um dos objetos e reter o processo no momento em que alcança a quantidade solicitada. 28 Às vezes, ao solicitar a uma criança que conte um conjunto de elementos, é possível que ela conte um, dois, três, e assim por diante até o último. Porém, quando são perguntados quantos são os objetos, ela inicia a contagem novamente sem dizer que são seis, por exemplo, quantificando o conjunto solicitado. Nesse caso, designa cada objeto com o nome de um número, não se dando conta do princípio de cardinalidade. Pode-se dizer que uma criança conta corretamente quando estabelece a correspondência um a um, mantém a ordem das palavras numéricas, conta cada objeto uma só vez sem omitir nenhum e considera que o último número mencionado representa a quantidade total de elementos do conjunto, independendo da ordem em que os elementos foram enumerados. Materiais que podem ser utilizados para as operações de classificação e seriação Usualmente crianças costumam colecionar pedrinhas, conchinhas, tampinhas, etc. Muitas vezes elas, naturalmente, classificam e/ou seriam algumas dessas coleções. Um dos materiais adequados para a operação de classificação são os chamados Blocos Lógicos. 29 Divulgação: Trololo. Disponível em: <http://paje.fe.usp.br/~labmat/edm321/1999/montesso/BLOCOLOGICO.jpg> Blocos lógicos As peças que constituem o material conhecido como blocos lógicos são peças com 4 características: • Cor, • Tamanho, • Espessura e • Forma geométrica. Os blocos lógicos têm peças nas cores: vermelha, amarela e azul. Elas ainda são de dois diferentes tamanhos: a grande e a pequena. Possuem duas espessuras, a grossa e a fina. Relativo às formas geométricas, o conjunto dos blocos lógicos possui peças nas formas: retangular, circular, triangular e retangular. Os blocos lógicos são constituídos de peças com esses 4 atributos: 3 cores, 2 espessuras, 2 tamanhos e 4 formas; têm num total 48 peças, pois combinados esses atributos podemos representar o número de peças por: 3 x 2 x 2 x 4 = 48 http://paje.fe.usp.br/~labmat/edm321/1999/montesso/BLOCOLOGICO.jpg http://paje.fe.usp.br/~labmat/edm321/1999/montesso/BLOCOLOGICO.jpg 30 As crianças aprendem melhor por meio de suas próprias ações e, assim, podem classificar as peças dos blocos lógicos quanto a sua cor, quanto a sua espessura, forma e tamanho. É comum observar crianças classificando, ou seja, juntando as peças que têm “cantos” e separando-as das peças circulares porque estas não têm “cantos”, isto é, daquelas que não têm vértices. As crianças devem ser estimuladas por professores ou adultos a classificar outros objetos, uma vez que a operação de classificação, assim como a operação de seriação, proporciona papel fundamental na construção do pensamento lógico, portanto, na construção do conceito de número. Outros objetos já citados também podem ser utilizados para proporcionar às crianças a condição de realizarem a operação de classificação, como: botões, pedrinhas, tampinhas etc. É importante solicitar às crianças que classifiquem objetos e depois que explique qual foi o critério que utilizaram para essa classificação. As crianças podem classificar um mesmo conjunto de objetos usando diferentes variáveis (atributos). As conchas, botões, pedrinhas etc. podem ser utilizadas para realizar seriação. Esses materiais podem ser ordenados na forma crescente ou decrescente de tamanho, aspereza, ou outra propriedade. Quando as crianças estão desenvolvendo tais atividades, têm a possibilidade de construir conhecimento social, ao aprender o nome do tipo de rochas; físico, ao sentir a aspereza, peso etc; e conhecimento lógico-matemático, ao reconhecer sua cor, por exemplo. O que professores não devem esquecer é que as crianças,ao ingressarem na escola, já construíram muitos conhecimentos, que devem ser levados em conta. A criança traz consigo conhecimentos informais e cabe à escola estabelecer relação cognitiva com esses conhecimentos previamente construídos. É papel de a escola contribuir para que a criança construa significados, faça generalizações, comparações, enfim, a escola deve ser um lugar onde a criança sinta prazer, pois lá ela tem a possibilidade de reinventar e descobrir. 31 Crianças iniciam a construção do conceito de número ainda quando bem pequenas, e na escola esse processo tem continuidade. As oportunidades de realizarem as operações de classificação e seriação ofertadas pelos professores proporcionam às crianças uma das grandes realizações que é a de contar quantidades. Sempre se observa como é enorme a alegria das crianças quando estas aprendem a ler e escrever, e não é diferente quando aprendem a contar. Acreditamos que os conhecimentos relativos à Matemática são para todos e que eles auxiliam nas relações feitas por aqueles que os construíram com os demais conhecimentos das demais áreas do conhecimento. Texto complementar Prova de conservação do número Conservação do número é a habilidade de deduzir (por meio da razão) que a quantidade da coleção permaneça a mesma quando a aparência empírica dos objetos muda 1 (INHELDER; SINCLAIR; BOVET apud KAMII, 1986). Método 1. Materiais 20 fichas vermelhas 20 fichas azuis 2. Procedimento 1 Pela descrição dada, as entrevistas podem parecer padronizadas. Cada entrevista deve ser adaptada ao assunto em particular, especial- mente com referência à compreensão dos termos usados em quantificação. 32 a) Igualdade O pesquisador coloca uma fila de 8 fichas azuis (no mínimo 7)2 e pede à criança que ponha o mesmo número de fichas vermelhas, dizendo “ponha tantas fichas vermelhas quanto as azuis que coloquei (exatamente o mesmo número, nem mais nem menos)”. A resposta da criança é registrada em seu relatório. Se necessário, colocam-se as fichas azuis e vermelhas na correspondência uma a uma e pergunta-se à criança se há igual número de fichas azuis e vermelhas. b) Conservação O pesquisador modifica a disposição diante dos olhos atentos da criança, espaçando as fichas de uma das filas ou pondo-as juntas, como mostra a figura: As próximas perguntas são: “Há o mesmo número de fichas azuis e vermelhas, ou há mais aqui (azuis) do que aqui (vermelhas)? Como você sabe?”. c) Contra-argumentação 2 Piaget se referiu a pequenos números até 4 ou 5 como “números perceptuais”, porque números pequenos como “oo” e “ooo” podem facilmente ser diferenciados numa olhada. Contudo, quando são apresentados 7 objetos é impossível distinguir “ooooooo” só por percepção. 33 • Se a criança deu a resposta certa então a pessoa diz: “Olhe como essa linha é comprida”. Outra criança disse “há mais fichas aqui porque essa fila é mais comprida”. Quem está certa, você ou a outra criança? • Se, por outro lado, a criança deu a resposta errada, a pessoa lembra-se da igualdade inicial: “Mas você não se lembra de que pusemos antes as fichas azuis em frente de cada vermelha?” Outra criança disse que há o mesmo número de vermelhas e azuis agora. Quem você acha que está certa, você ou a outra criança? Descobertas 1. No estágio I, a criança não consegue fazer um conjunto com o mesmo número. É desnecessário dizer que ela também não consegue conservar a igualdade dos dois conjuntos. Algumas crianças puseram todas as fichas vermelhas linearmente como mostra a figura (a). Elas só pararam de colocá-las porque as fichas acabaram. A figura (b) mostra a resposta melhor elaborada dentro do estágio I. As crianças que fazem isso não colocam o mesmo número, mas cuidadosamente usam as extremidades das fichas como um critério para decidir a igualdade das duas quantidades. Quando as crianças ainda não construíram as pri- meiras estruturas mentais do número, usam o melhor critério no qual puderam pensar; no caso, as extremidades das duas filas. 34 2. No estágio II, 4-5 anos de idade, a criança pode fazer um conjunto que tem o mesmo número, mas não consegue conservar a igualdade.3 Quando a pesquisadora lhe faz a pergunta sobre essa conservação ela diz, por exemplo: “Há mais vermelhas porque as azuis estão todas espremidas”. 3. No estágio III as crianças são “conservadoras”. Elas dão respostas corretas para todas as questões, não são influenciadas por contrassugestão e dão um ou mais dos seguintes argumentos para explicar por que acham que as duas filas têm a mesma quantidade: • Há o mesmo número de fichas azuis e vermelhas que antes porque não tirou nenhuma ficha, elas estão apenas amontoadas (argumento-- identidade). • Pudemos pôr todas as fichas vermelhas como estavam antes, assim não há nem mais azuis nem vermelhas (argumento-reversibilidade). • Aqui as vermelhas formam uma fila mais comprida, mas há espaço entre elas; assim, dá no mesmo (argumento-compensação). 3 As idades mencionadas são aproximadas. Variam com a estrutura cultural e educacional das crianças. 35 • Conservação não é uma coisa que se consegue da noite para o dia e entre os estágios II e III há um estágio intermediário. Crianças nesse estágio dão a resposta correta a apenas uma das perguntas – quando se faz uma fila mais comprida e subsequentemente a outra mais comprida, ou eles hesitam e/ou continuam mudando de ideia (“há mais azuis..., não, mais vermelhas,... há a mesma coisa...”). Mesmo quando estas crianças dão respostas certas, não conseguem justificá-las adequadamente. Por que é difícil para a criança a “conservação” no estágio II e por que ela consegue isso mais tarde? Para responder a essa pergunta precisamos discutir a concepção de número de Piaget no contexto da distinção que ele fez entre três tipos de conhecimentos: físico, lógico-matemático e social (convencional). Ele os classificou de acordo com suas fontes básicas e modos de estruturação. Número é um exemplo de conhecimento lógico- matemático. Discutiremos o aspecto lógico-matemático do número, primeiro comparando com o conhecimento físico e depois com o social (convencional). Conhecimento físico e lógico-matemático são os dois tipos principais de conhecimentos tidos por Piaget. Conhecimento físico é o conhecimento dos objetos na realidade externa. A cor e o peso de uma ficha são exemplos de propriedades físicas que fazem parte dos objetos e podem ser notadas pela observação. Saber que uma ficha cairá quando a jogamos no ar é também um exemplo de conhecimento físico. Conhecimento lógico-matemático, por outro lado, consiste em relacionamentos feitos pelo indivíduo. Por exemplo, quando nos mostram uma ficha vermelha e uma azul e notamos que são diferentes; essa diferença é um exemplo do fundamento do conhecimento lógico-matemático. Na verdade, podemos observar as fichas, mas a diferença entre elas não. A diferença é uma relação criada mentalmente pelo indivíduo que faz o relacionamento entre os dois objetos. A diferença não está na ficha vermelha ou na azul e se uma 36 pessoa não puser os dois objetos dentro dessa relação, a diferença não existirá para ela. Outros exemplos de relações que o indivíduo pode fazer entre as fichas: “semelhança”, “igualdade em peso” e “dois”. Tanto é certo dizer que as fichas são semelhantes como diferentes. A relação que um indivíduo faz depende dele. Sob certo ponto de vista, as fichas são diferentes e, sob outro, são semelhantes. Se o indivíduo quiser comparar peso, pode dizer que as fichas são iguais (em peso). Se ele quiser ver os objetos numericamente dirá que são “dois”. Podem-se observar as duas fichas, mas não o “2”. Número é uma relação criada mentalmente pelo indivíduo4. A criança segueadiante para construir o conhecimento lógico- matemático coordenando as simples relações que ela criou antes entre os objetos. Por exemplo, coordenando as relações “igual”, “diferente” e “mais”, a criança se torna capaz de deduzir que há mais fichas no mundo do que somente fichas vermelhas, da mesma forma que há mais animais do que vacas. Da mesma forma, coordenando a relação entre “2” e “2” ela deduz que 2 + 2 = 4 e 2 x 2 = 4. Piaget, assim, reconheceu fontes externas e internas de conhecimento. 4 Eu digo que “2” não é um bom número para ilustrar a natureza lógico-matemática do número. Piaget fez uma distinção entre números perceptuais e números. Números perceptuais são números pequenos, até 4 ou 5, que podem ser distinguidos por percepção, sem necessitar da estrutura lógico-matemática. Até alguns pássaros podem ser treinados para distinguir entre “oo” e “ooo”. Contudo, a distinção entre “ooooooo” e “oooooooo” é impossível por percepção. Números pequenos maiores do que 4 ou 5 são chamados números elementares. O trabalho de conservação descrito acima usa 7 ou 8 objetos e envolve número elementar. Embora “2” seja um número perceptual, também pode ser um número lógico-matemático para um adulto que já construiu o sistema inteiro de números lógico-matemáticos. Escolhi o número “2” nesse exemplo apesar do problema de números perceptuais porque, com 2 fichas, posso ilustrar outros relacionamentos simples, tais como “diferente”, “igual” e “igual em peso”. 37 A fonte do conhecimento físico (assim como social) e “em parte”,5 externa ao indivíduo. A fonte de conhecimento lógico-matemático, ao contrário, é interna. Essa afirmação será esclarecida pela discussão sobre dois tipos de abstração através dos quais a criança constrói o conhecimento físico e lógico-matemático. DICAS DE ESTUDO Ler o livro: A Criança e o Número. Autora: Constance Kamii. Editora: Papirus. A construção do conceito de número A autora apresenta uma análise fundamentada na teoria de Piaget sobre as relações da criança com o número. 5 Meu motivo para dizer “em parte” se torna claro quando discuto os termos abstração empírica e reflexiva. 38 Conhecimento lógico-matemático As crianças adquirem o conhecimento lógico-matemático por um processo de construção, ação, de dentro para fora. Esse processo não se dá por internalização, de fora para dentro, e, segundo Piaget (apud KAMII,1995), não se dá por transmissão social. Piaget distingue três tipos de conhecimentos para que se compreenda melhor o conhecimento lógico-matemático. Conhecimento físico Refere-se aos objetos do mundo exterior. As propriedades físicas de um objeto, como um botão: sua cor e seu peso são conhecimentos empíricos, adquiridos por meio da observação. Saber que esse botão pode cair de suas mãos ao soltá-lo, também é um exemplo de conhecimento físico. Kamii (1995) afirma que a fonte do conhecimento físico está apenas em parte nos objetos, porque, mesmo para ler uma cor de um objeto, faz-se necessária uma estrutura lógico-matemática. Para distinguir a cor vermelha num objeto, precisa-se de uma estrutura que faça pensar nas demais cores, e delas distinguir o vermelho. Conhecimento social Segundo Kamii e Declark (1986), o Natal, dia 25 de dezembro, é 39 exemplo de um conhecimento social, pois é apenas uma das convenções estabelecidas socialmente. Uma cadeira chamar-se “cadeira” também é exemplo de conhecimento social. A característica principal do conhecimento social, segundo o epistemólogo Jean Piaget, “é que sua natureza é preponderantemente arbitrária” (KAMII, 1995, p. 21). Arbitrário, porque alguns povos o comemoram, enquanto outros não. Portanto, não há qualquer relação de natureza física ou lógico-matemática entre o objeto e a sua denominação. Conhecimentos como estes são passados pela transmissão de uma pessoa para outra ou entre pessoas de diferentes gerações. Para construir conhecimentos sobre o mundo físico, uma criança precisa de estrutura lógico-matemática, necessitando também dessa estrutura para adquirir conhecimentos sociais. Não poderíamos pensar em Natal sem classificá-lo em relação aos demais dias do ano. Outro exemplo de construção social, citado por Kamii, é a distinção que as crianças fazem ao usar certas palavras, pois aprendem, pela trans- missão social, que não são socialmente aceitas e, portanto, não devem usá-las. Conhecimento lógico-matemático Na concepção de Piaget, diferentemente dos outros conhecimentos, o conhecimento lógico-matemático consiste em relações criadas pelo sujeito. Ele exemplifica esse conhecimento com a diferença constatada quando nos deparamos com duas contas, uma vermelha e outra azul. Essa diferença é criada mentalmente quando o indivíduo relaciona os objetos. A diferença não está na conta vermelha nem na azul. Ele percebe a diferença porque as coloca uma em relação à outra. Pode-se dizer que essas duas contas são “parecidas”, se for levado em consideração seu peso. Porém, também é possível dizer que são “diferentes”, se forem consideradas as cores das contas. Tanto é correto dizer que elas são parecidas quanto que são diferentes, dependendo das relações estabelecidas 40 pelos sujeitos. Se o objetivo é numérico, observa-se que são “duas”, e número é uma relação criada mentalmente pelo indivíduo. Para Piaget (apud GARDNER, 1994), todo conhecimento e, em particular, o conhecimento lógico-matemático, deriva das nossas ações sobre o mundo. A base para todas as formas lógico-matemáticas de inteligência depende inicialmente da manipulação de objetos. No entanto, essas ações também se realizam mentalmente e são internalizadas depois de algum tempo. O objetivo das pesquisas de Jean Piaget (1896-1980), em Psicologia do Desen- volvimento e Epistemologia Genética, segundo Brito e Garcia (2001), foram o de verificar o desenvolvimento do conhecimento. Piaget descreveu o desenvolvimento cognitivo em termos lógico-matemáticos, utilizando um método clínico e crítico. Observaram, em situações experimentais e ambientes naturais, sujeitos desde a infância até a adolescência. Com seus estudos, Piaget percebeu que o conheci- mento se desenvolve mediante uma construção progressiva das estruturas lógicas, embora a lógica e a forma de pensar da criança e do adulto sejam diferentes. Todo seu estudo tem origem em pressupostos biológicos bem determinados, que se relacionam com os conceitos de adaptação, organização, formação de estrutura e a tendência de autorregulação dos seres vivos. O estudo não foi apenas uma analogia entre o desenvolvimento biológico e o desenvolvimento cognitivo. Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo se produz por meio da adaptação dos organismos ao meio. O autor utiliza o termo “invariantes” para os processos constantes encontrados durante o desenvolvimento, ou seja, para a adaptação e a organização. Devido à tendência biológica dos seres vivos à autorregulação, são desenvolvidos certos mecanismos adaptativos envolvendo novas organizações, que levam a uma mudança interna, além das novas interações com o ambiente, chamadas de assimilação e acomodação. A assimilação é o processo por meio do qual os esquemas internos são aplicados sobre o objeto. Esse objeto passa a ser conhecido pelo indivíduo somente quando for assimilado por um ou mais esquemas. A 41 acomodação consiste na modificação dos esquemas internos como resultado de uma experiência ativa com os objetos, levando em conta qualidades particulares destes. Não apenas Piaget mas também outros teóricos da cognição alegam que entre o meio e as respostas do indivíduo existem estruturas que determinam os comportamentos deste. Esquemas, operações e estruturas são conceitos estabelecidos por Piaget seguindo essa mesma linha. Sãoesses três elementos que, quando mudam, despregam-se e se reorganizam durante o desenvolvimento, dando origem às nossas possibilidades intelectuais. Piaget descreveu a sequência das etapas pelas quais os seres humanos passam durante seu desenvolvimento cognitivo. Essas etapas seguem as mesmas sequências em todos os seres, embora não se deem necessariamente na mesma faixa etária. Uma nova forma de organização cognitiva, ou seja, nova estrutura implica numa mudança de etapa e também maior equilíbrio – forma superior de adaptação. Abstração empírica e abstração reflexiva - Abstração empírica Para Piaget, a abstração de número é muito diferente da abstração de cor dos objetos, chamada por ele de abstração empírica ou simples. Para a abstração de número, usou o termo abstração reflexiva. Na abstração empírica, a criança se concentra numa certa propriedade do objeto e ignora as demais. Ao centrar-se na cor, acaba deixando de lado peso, material do qual é feito etc. Abstração reflexiva ou construtiva A abstração reflexiva, diferentemente da abstração empírica, envolve a construção de uma relação entre objetos. Relações não têm uma existência na realidade externa. A abstração reflexiva é uma construção verdadeira feita pela 42 mente, e não uma concentração sobre um determinado objeto. No entanto, na realidade psicológica da criança, uma não existe sem a outra. A relação de “diferente” não existe se a criança não observar diferentes propriedades nos objetos. O mesmo acontece com a relação “cinco”, que não poderia ser construída se a criança pensasse que objetos separados se comportam como gotas de água que juntas formam um todo novamente. Como dito anteriormente, a construção do conhecimento físico só é possível porque a criança possui uma estrutura lógico-matemática que possibilita novas observações em relação ao conhecimento que ela já tem. Para uma criança reconhecer que um peixe é vermelho, ela precisa reconhecer e diferenciar o vermelho de outras cores e o peixe de outros objetos. Portanto, para que ela seja capaz de “ler” fatos da realidade externa, precisa de estrutura lógico-matemática construída pela abstração reflexiva ou construtiva. A abstração reflexiva não se manifesta independente da abstração empírica no período sensório-motor e pré-operacional. Mais tarde, isso se torna possível se ela construir o número por abstração reflexiva, podendo operar com números e fazer 3 + 3 e 3 x 2 também por abstração reflexiva. Os dois tipos de abstrações até agora apresentados podem parecer sem grande importância enquanto uma criança está aprendendo números pequenos e até dez. No entanto, quando ela aprende números como 999 e 1 000 quando já não dispõe desses números de objetos ou fotografias, a situação fica mais difícil. Assim, por meio de abstração reflexiva, a criança constrói relações, números são aprendidos, e então pode entender números bem maiores, apesar de não tê-los visto antes. O ensino da Matemática, ao longo dos anos, vem priorizando os conhecimentos físicos e sociais, deixando um pouco de lado o conhecimento lógico-matemático, cuja fonte é interna. Considera-se que para aprender numeração, bastam observar quantidades e escrever os numerais correspondentes, repetidas vezes. O conhecimento lógico-matemático 43 evolui quanto mais relações o indivíduo consegue coordenar. No caso do número, é necessária a coordenação das relações de ordenação mentalmente. Por outro lado, as pesquisas mostram quanto conhecimento matemático que a criança traz para a escola acaba não sendo aproveitado, pelo professor, para fazê-la avançar. Muitas vezes, professores têm em sala alunos que trabalham vendendo balas ou frutas, acostumados a calcular, que esquecem sua experiência no momento de fazer exercícios mecânicos. Por inexperiência, os adultos se esquecem de que a Matemática, como a linguagem, são construções humanas de muitos anos. E é com um ambiente propício à reflexão que o aluno será capaz de tirar melhor proveito das aulas. Para o conhecimento lógico-matemático, são grandes as vantagens do jogo em grupo, na sala de aula, tanto do industrializado como do produzido artesanalmente, e uma atividade lúdica e agradável normalmente sempre será bem-vinda para as crianças. Muitos professores concordam em utilizar o jogo, mas apenas para lazer, depois de terminados os chamados “trabalhos de aula”, esquecendo-se de seu lado educativo. O jogo • Propicia diversificação na abordagem dos diferentes assuntos. Há vários jogos envolvendo números e as quatro operações matemáticas, possibilitando diversas maneiras de interagir com esses objetos do conhecimento. • Estimula o pensamento, uma vez que para participar não basta estar presente, mas estar atento às situações que se renovam a cada momento. Embora a criança apresente um comportamento mais individualista, não deixa de ajudar os amigos, mesmo querendo chegar sempre em primeiro lugar, enquanto que as maiores procuram estratégias cada vez mais elaboradas para vencer. 44 • Promove a socialização a partir das regras, mesmo as mais simples, destinadas a crianças com menos experiência. Durante o jogo acontecem discussões, debates, troca de ideias, confronto de opiniões, numa verdadeira situação de interação, e tomam-se decisões que colaboram para a construção do conhecimento. • Permite avanços na construção do número, sempre que envolve quantidades variadas, contando-as, comparando-as, ordenando-as, estabelecendo correspondência, identificando suas formas de representação e fazendo operações. • Em alguns casos, obriga ao registro de pontos, permitindo que os alunos encontrem a melhor forma de elaborá-lo, demonstrando todo o conhecimento que possuem. Texto complementar Os Blocos Lógicos 45 Os Blocos Lógicos, material pedagógico geralmente feito de madeira, são compostos por 48 peças com as seguintes especificações: 46 DICAS DE ESTUDO Divulgação Vozes. Ler o livro: Blocos Lógicos. Autora: Ursula Marianne Simons. Editora: Vozes. A autora apresenta muitos exercícios com os Blocos Lógicos que estimulam a verbalização e a argumentação lógica da criança. 47 O desenvolvimento histórico do sistema de numeração decimal http://www.matematicando.net.br/wp-content/uploads/2015/11/hist%C3%B3ria-da-matematica.gif Houve um tempo em que o homem não sabia contar e, ainda hoje, algumas tribos indígenas contam com apenas dois nomes de números. Eles utilizam dois-um para expressar o três e dois-dois para expressar o quatro. Quando querem expressar muitos, apontam para sua cabeça como sinal de inúmeros, tal qual é o número de fios de cabelo da cabeça. A ideia de número não é concebida como abstração, e é, portanto, para eles bastante confusa. Tribos como essas não percebem que conjuntos de, por exemplo, cinco cavalos, cinco flechas, cinco peixes apresentam uma característica comum, que é “ser cinco”. O homem de épocas remotas apenas percebia o espaço ocupado pelos seres e objetos vizinhos e, por isso, estabelecia diferença entre a unidade, o par e muitos. O um e o dois foram os primeiros conceitos numéricos concebidos pelo homem. Segundo Ifrah (1989), o um se referia ao homem ativo e sua obra de criação; o dois, ao feminino, ao masculino e também à simetria aparente do corpo humano. Outros significados eram atribuídos a esses dois números usados nas sociedades primitivas. Inúmeras civilizações retratam, por meio de sua língua e escrita, as limitações primitivas da contagem. O significado dos números um, dois e três quase sempre se referiam ao singular, a um par e a muitos, respectivamente, 48 como já mencionado anteriormente. Estudos do comportamento humano demonstram que, no desenvolvimento da criança,encontram-se essas etapas do desenvolvimento da inteligência da humanidade; portanto, a criança, inicialmente, também percebe apenas o um, os dois e a pluralidade. Embora contar seja um atributo exclusivo do ser humano, pesquisas mostram que é possível notar o senso numérico de certos pássaros, como é o caso do corvo, o qual demonstra a percepção de até quatro objetos. Não é difícil constatar que, quando o homem se depara com uma quantidade de objetos, esta é rapidamente percebida se não ultrapassar três ou quatro itens. Quando ultrapassa, o homem precisa fazer a contagem, porque nossa visão global não distingue, num golpe de vista, quantidades maiores. Dependendo da posição que os objetos são colocados, podem-se perceber outras quantidades, mas nunca muito maiores do que quatro objetos. Várias civilizações, ao representarem quantidades, faziam traços verticais, círculos, pontos e outros sinais. Algumas delas juntavam para formar grupos de três unidades. No entanto, quando houve a influência dos cinco dedos da mão, os agrupamentos passaram a ser de cinco em cinco. Esses agrupamentos eram de um traço vertical para o um, dois para os dois, três para os três, quatro para os quatro; e quatro traços verticais e um horizontal cortando-os, para indicar cinco unidades. Para o dez, usavam dois grupos da representação utilizada para o cinco. Ifrah (1989) afirma que mais uma vez fica clara a ideia de que a percepção do homem não vai além do número quatro. A correspondência termo a termo auxiliou na contagem. O princípio da correspondência das pedrinhas para cada ovelha utilizadas pelos pastores, o rosário de contas para auxiliar as pessoas a fazerem as orações, os entalhes 49 na madeira para os carneiros e nós na corda já eram demonstrações do emprego da correspondência biunívoca. Eram utilizadas, também, partes do corpo para expressar quantidades durante a contagem, como dedo, pulso, cotovelo, ombro etc. Essas civilizações podem desconhecer um determinado número; no entanto, são capazes de representar a quantidade correspondente quando se deparam com situações que exigem essa prática. Alguns indígenas conseguiram chegar a números relativamente elevados, mesmo sem o conhecimento deles, porque utilizavam a associação de partes do corpo e objetos concretos. Exemplo: peles de animais e partes do corpo que, numa combinação, expressavam números maiores. Nesses últimos exemplos, já não se estava mais utilizando correspondência termo a termo, prosseguindo assim um desenvolvimento na forma de contar e representar a contagem por meio de agrupamentos. A invenção da base Foi a partir da distinção entre o número cardinal e o número ordinal que o homem fez a abstração dos números. Contas, conchas, pedrinhas etc. deixaram de serem simples instrumentos materiais para serem símbolos numéricos. A seguir, o homem passou a conceber conjuntos mais extensos e, dessa forma, deparou-se com outras e novas dificuldades, pois para representar números maiores não era possível multiplicar indefinidamente pedras, nós nas cordas etc. Dedos e outras partes do corpo não eram suficientes para representar quantidades extensivas. Surge, então, a ideia de bases, uma forma fácil de representar os números. Base 10 Muito diferentes dos pastores primitivos, os pastores da África Ocidental, não muito tempo atrás, contava o rebanho colocando uma concha num fio de lã 50 branca até o décimo animal do rebanho. Quando chegavam ao décimo, desmanchavam esse colar de conchas e colocavam uma concha num fio de lã azul. Isso se relaciona com a ideia de dezena. Recomeçavam, a partir daí, a colocar uma concha para cada animal na lã branca novamente, até atingir o vigésimo animal. Quando isso acontecia, desfaziam esse colar e colocavam a segunda concha no fio de lã azul. Procediam assim até obter dez conchas no fio de lã azul. Então, desfaziam esse colar e colocavam uma concha num fio de lã vermelha (centena). Dessa maneira, podemos perceber que a forma de raciocinar desses pastores era muito diferente da forma dos pastores primitivos. A ideia básica está na utilização de agrupamentos por dezenas e centenas. Assim, cada concha colocada no fio de lã branca representava uma unidade, cada concha colocada no fio de lã azul representava dez unidades (dezena) e cada concha colocada no fio de lã vermelha representava cem unidades, o que equivale a dez dezenas, ou uma centena, técnica essa, hoje, chamada de emprego da base dez. São várias as línguas que, para designar os números superiores a dez, utilizam-se da composição correspondente a dez-um dez-dois, dez-três e assim sucessivamente, até o número dezenove. Para o vinte, utilizam dois-dez; para os trinta, três-dez, até chegar ao noventa. Para o número duzentos usam dois- cem etc. Atualmente, utilizamos o sistema de numeração indo-arábico, de base dez. Os símbolos empregados por esse sistema são 1, 2, 3, 4, 5,6, 7, 8, 9 e 0. Os nove primeiros símbolos representam às unidades e o último a ideia de ausência. É por isso que dez é representado por 10, o que representa uma dezena e zero unidade. Vejamos outros exemplos: • Quinze é representado por 15, um grupo de 10 (ou uma dezena) e mais cinco unidades. 51 • Trinta e oito é representado por 38, três grupos de 10 (ou três dezenas) e mais oito unidades. 3 dezenas = 10 + 10 + 10 = 30 30 + 8 = 38 • Noventa e nove é representado por 99, nove grupos de 10 (ou nove dezenas) e mais nove unidades. 9 dezenas = 10 + 10 + 10 + 10 + 10 + 10 + 10 + 10 + 10 = 90 90 + 9 = 99 Se acrescentarmos 1 à quantidade 99, temos que utilizar mais uma ordem: 100. • Cem é representado por 100, um grupo de grupo de 10 (ou uma centena). • Cento e quarenta e seis são representados por 146, um grupo de grupo de 10 (ou uma centena), mais quatro grupos de 10 (ou quatro dezenas) e seis unidades. 1 centena = 100 4 dezenas = 10 + 10 + 10 + 10 = 40 100 + 40 + 6 = 146 Essa mesma ideia está presente quando utilizamos outras ordens. Segundo Ifrah (1989, p. 59), “foram mesmo os dez dedos que impuseram ao homem a ideia de grupos por feixes de dez”. O autor afirma que, se a natureza tivesse feito o homem com seis dedos em cada mão, por certo a base utilizada hoje seria a base doze; ou se tivéssemos quatro dedos em cada mão, como é o caso das rãs, nosso sistema de numeração seria fundado na base oito. Algumas civilizações tiveram sistemas de numeração fundados em 52 outras bases, como é o caso do sistema sexagesimal dos babilônios; da base vintesimal dos iorubas, da Nigéria, de alguns povos da África Central e outros; da contagem duodecimal (12) dos sumérios etc. Desses povos, ainda restam nos nossos dias vestígios de seus sistemas de numeração, como é o caso da medida de tempo – em horas, minutos, segundos – e das medidas de arcos e ângulos – em graus, minutos e segundos. Sumérios e depois babilônios utilizaram a base sessenta. Não se conhece a real origem desse sistema de numeração; no entanto, segundo alguns historiadores, essa base foi usada em função do número de dias do ano ser, aproximadamente, 360, dando origem à divisão do círculo em 360º, que poderia ser dividido em seis partes iguais, fazendo coincidir a mesma medida para o arco correspondente ao sexto do círculo e à medida do seu raio. Outra possibilidade da origem da base sessenta vem da possível combinação das doze falanges dos dedos da mão direita e os cinco dedos da mão esquerda, mas não se tem confirmação dessa hipótese. Em uma ou outra base, a descoberta fundamental do princípio de base representou grande importância na história das civilizações, favorecendo inúmeras criações, invenções e revoluções em diversos campos, como na economia, em trocas comerciais etc. A invenção dos algarismos denominados arábicos foi um dos grandes acontecimentosna história da humanidade, comparado ao domínio do fogo. Segundo Ifrah (1989), a escrita e a invenção desses algarismos contribuíram para modificações na existência humana. A invenção dos algarismos, segundo o mesmo autor, Surgiu para permitir uma notação perfeitamente coerente de todos os números e para oferecer a qualquer um (mesmo aos espíritos mais fechados à aritmética) a possibilidade de efetuar qualquer tipo de cálculo sem ter de recorrer a acessórios como a mão, contador mecânico ou a tábua de contar. (1989, p. 131) Vale lembrar que a invenção do zero, muito mais tarde, tornou realizáveis cálculos que até então não eram possíveis de ser feitos. 53 A humanidade já tinha passado por diferentes experiências para tentar representar e manipular os números, antes de chegar aos algarismos que vieram a ser tão eficazes – os algarismos arábicos. Antes do emprego de tais algarismos, o homem utilizou marcas em placas de argila mole, em que diferentes sinais representavam diferentes ordens de seus sistemas de numeração. Placas com esses registros, chamadas calculi, foram encontradas em muitos sítios arqueológicos do Oriente Próximo. No entanto, essa forma de representação ainda era precária e precisava ser aprimorada. Muitas formas, usando sistema de base, foram empregadas pelas civilizações ao longo da história. Algumas civilizações utilizaram-se do sistema de numeração não posicional, o que levava a não importar a posição dos símbolos para representar um número, como é o caso da civilização egípcia. Mais tarde (séculos IX-VIII A.C.), gregos e romanos desenvolveram seus sistemas de numeração bem mais evoluídos, mas ainda complicados quando se pretendia operar com tais representações. O sistema romano era regido pelo princípio da adição, pois sua justaposição de símbolos implicava na soma dos valores correspondentes a esses símbolos. Posteriormente, os romanos acabaram complicando o seu sistema de numeração, quando introduziram a regra segundo a qual todo signo numérico colocado à esquerda de um algarismo de valor superior era dele retirado. Por exemplo, o quatro era expresso por IV, ou seja, cinco menos um (princípio da subtração). A pouca praticidade do sistema romano o fez ficar em plano inferior ao sistema que surgiu muito tempo depois, na Índia. O aparecimento do zero Dos três povos que descobriram o princípio de posição – babilônios chineses e maias, utilizando uma quantidade bem menor de símbolos – apenas os babilônios e os maias inventaram o zero. Mas esse novo símbolo ainda não 54 vinha representar a ausência de unidades. Fez-se, então, com que esses três sistemas posicionais permanecessem impróprios à prática das operações aritméticas. Foi na Índia, por volta do século V D.C., que nasceu o ancestral do sistema de numeração praticado hoje. Foi proclamado pelos árabes, mas surgiu no norte da Índia. Essa civilização já utilizava os nove primeiros algarismos, que correspondem hoje a 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, desde o século III A.C., que, erradamente, denominamos arábicos. Até que se chegasse ao sistema tal como é hoje, houve muito desenvolvimento. Existiu época em que, para expressarem números grandes, eles os exprimiam por extenso, o que os ajudou a descobrir o princípio posicional e o zero. Diferentemente do que fazemos hoje, para três mil, setecentos e nove, escreviam: nava sapata sata Ca trisahasra (nove setecentos e três mil). Para as potências de dez, escrevia- se o seguinte: 10 – dasa, 100 – sata, 1 000 – sahasra, 10 000 – ayuta Assim, para escrever 51 636, escreviam 6, 3 dasa, 6 sata, 1 sahasra, 5 ayuta. Porém, não era suficiente, e novos avanços eram necessários. Foi então que astrônomos e matemáticos, para escrever 7 629, passaram a expressar-se por meio de um enunciado do gênero “nove, dois, seis, sete”, e essa numeração oral os fez perceber uma escrita posicional, que representa 9 + 2 x 10 + 6 x 100 + 7 x 1 000. Assim “um, um” representava uma unidade e uma dezena – o 11 de hoje. Ao expressar o número 205, perceberam que não bastava dizer cinco, dois. Dessa maneira, começaram a utilizar a palavra sunya, que quer dizer vazio. Dessa forma, 205 eram enunciados da seguinte forma: cinco, vazio, dois, pois como maias e babilônios, haviam acabado de inventar o zero. Isso se deu por volta do século V desta era. Para as unidades de 1 a 9, dispunham de algarismos distintos e independentes e já conheciam o princípio de posição e também o zero. Como 55 os números eram expressos em sânscrito, língua hindu, precisavam agora ser representados apenas por símbolos. Esse sistema de numeração foi expandido além das fronteiras da Índia e, devido ao comércio de seda, especiarias e marfim com a China atingiram outros povos. Sábios, que também eram poetas, buscou na natureza e na mitologia inspiração para os símbolos, que podem enumerar grandes listas de significados para cada um deles. Assim, as tábuas numéricas ou astronômicas eram guardadas na memória com maior segurança. A forma gráfica dos algarismos hindus ficou ainda, durante muitos séculos, pouco precisa, e copistas cometiam erros ao transcrever certos símbolos. Foi então que o ritmo das palavras-símbolo em forma de verso ajudou a eliminar os erros da transcrição. Por outro lado, esses símbolos foram ganhando maior definição e, aos poucos, chegou ao que hoje toda a humanidade utiliza. Texto complementar A lenda de Sessa (IFRAH, 1989, p. 288-292) Para provar a seus contemporâneos que um monarca, por mais poderoso que seja não é nada sem seus súditos, um brâmane hindu, chamado Sessa, inventou um dia o jogo de xadrez. Quando esse jogo foi apresentado ao rei das Índias, este ficou tão maravilhado com a sua engenhosidade e a grande variedade de suas combinações que mandou chamar o brâmane para recompensá-lo pessoalmente: • Quero recompensar-te por tua extraordinária invenção – disse o rei. • Escolhe tu mesmo a recompensa e a receberás imediatamente. Sou suficientemente rico para realizar teu desejo mais absurdo. 56 O sacerdote pediu que o rei lhe desse um pouco de tempo para pensar em sua resposta. E, no dia seguinte, espantou a todos com a incrível modéstia de seu pedido. • Meu bom soberano – exclamou ele – queria que me désseis a quantidade de trigo necessária para encher as 64 casas de meu tabuleiro. Um grão para a primeira, dois para a segunda, quatro para a terceira, oito para a quarta, dezesseis para a quinta, e assim por diante. Em resumo, queria que fosse colocado em cada casa o dobro de grãos que na casa precedente. • Não acredito que seja tão tolo a ponto de me fazer um pedido tão modesto! – exclamou o rei, surpreso. – Poderias ofender-me com um pedido tão indigno de minha benevolência e tão desprezível diante do que eu poderia oferecer-te. Mas que seja! Se for este o teu desejo, meus servidores trarão teu saco de trigo antes do cair da noite. O brâmane sorriu e deixou o palácio. À tarde, o soberano se lembrou da promessa e se informou com seu ministro para saber se o louco Sessa tinha tomado posse de sua magra recompensa. • Soberano – disse o alto dignitário –, vossas ordens estão sendo executadas. Os matemáticos de vossa augusta corte estão determinando o número de grãos que devem ser dados ao sacerdote. O semblante do rei se obscureceu. Ele não estava habituado a uma execção tão morosa de suas ordens. À noite, antes de se deitar, o rei insistiu uma vez mais para saber se o brâmane já recebera seu saco. • Ó rei – disse o ministro, hesitante –, os matemáticos ainda não chegaram ao fim de suas operações. Estão trabalhando sem descanso e esperam terminar sua tarefa antes do amanhecer. 57 É preciso notar que os cálculos se revelaram muito mais longos do que se pensava. Mas o rei não quis saber de nada, e ordenou que o problema
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