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Apresentação geral do grupo Os anelídeos formam um grande grupo de invertebrados vermiformes triblásticos e celomados. Com os artrópodes e os moluscos, constituem um dos grupos de protostomados mais bemsucedidos. Abundantes e muito diversificados em todos os tipos de habitats marinhos, os anelídeos também estão representados em ambientes de água doce e terrestres. São conhecidas mais de 15.000 espécies, mas este número deve ser apenas um pálido reflexo da diversidade total do grupo. Estimase que, no futuro, este número seja, no mínimo, duas vezes maior, tendo em vista a frequência com que novas espécies são descobertas. Este fato se deve aos hábitos crípticos de muitas espécies e à escassez de estudos taxonômicos e de inventários da biodiversidade em diferentes tipos de ambientes, principalmente marinhos. Há desde formas intersticiais, com menos de 1 mm de comprimento, a grandes minhocas terrestres, bem como alguns poliquetas marinhos, com mais de 3 m. A maioria dos táxons é de vida livre, com hábitos errantes ou sedentários, mas há também espécies comensais, mutualistas e até mesmo ecto e endoparasitas. Conforme o próprio nome indica (do latim annulus = “anel”), os anelídeos caracterizamse por apresentar o corpo dividido em “anéis”, ou segmentos, que se repetem sucessivas vezes ao longo do corpo. Assim, a extremidade anterior dos anelídeos apresenta um prostômio e um peristômio, ambos formando uma “cabeça”. Na extremidade posterior encontrase o pigídio, região na qual geralmente se localiza o ânus (Figura 19.1). Entre o peristômio e o pigídio há um número muito variável de segmentos, de menos de uma dezena a diversas centenas, denominados metâmeros, que formam a quase totalidade do corpo destes animais. Cada metâmero possui unidades independentes do celoma e de alguns dos sistemas de funcionamento do corpo, por exemplo, nervoso, circulatório, muscular e excretor (Figura 19.2). Todos os metâmeros têm origem a partir de uma pequena região da larva trocófora, conhecida como zona segmentar ou zona de crescimento, localizada em posição imediatamente anterior ao pigídio (Figura 19.3). Desse modo, novos metâmeros são produzidos a partir da extremidade posterior do animal e, quanto mais anterior for um metâmero, mais antigo ele é. Esse padrão de crescimento a partir da porção posterior do corpo denominase crescimento teloblástico, característica compartilhada por anelídeos e artrópodes, embora atualmente se acredite ter tido origem independente nestes dois grupos. Prostômio, peristômio e pigídio não são metâmeros verdadeiros, uma vez que já estão presentes no momento da eclosão da larva, sendo que os dois primeiros se originam da zona présegmentar da trocófora, enquanto o último se origina da zona póssegmentar (Figura 19.3). A sucessiva repetição de estruturas internas e externas ao longo do corpo é conhecida como homologia seriada, termo que se aplica a estruturas corporais com as mesmas origens, em relação à genética e ao desenvolvimento, e aparecem repetidamente durante a ontogenia de um organismo. Em anelídeos, esta homologia seriada resulta em metameria e implica também a compartimentalização do celoma. Quando os segmentos são todos iguais ao longo do corpo, ou, pelo menos, muito semelhantes entre si (Figuras 19.4 A, 19.5 e 19.6), a metameria é homônoma, ou seja, há uma relação de homonomia. Por outro lado, quando os metâmeros são diferentes, com regiões especializadas ao longo do corpo (Figuras 19.7 A e 19.10 A), a metameria é heterônoma, isto é, há uma relação de heteronomia. A maioria dos zoólogos compartilha a teoria de que os anelídeos originaramse no ambiente marinho e o corpo vermiforme e metamerizado lhes possibilitou cavar e deslocarse entre os grãos de areia do sedimento, propiciando a exploração deste nicho e gerando uma extraordinária irradiação adaptativa, responsável pela imensa variedade de formas que existem atualmente. Ao longo da história evolutiva do grupo, diversas linhagens se especializaram e outros hábitos de vida surgiram, diferentes doancestral, o que propiciou a conquista de ambientes como o de substratos consolidados e, até mesmo, em alguns poucos poliquetas, o pelágico. Além do marinho, o grupo também se expandiu para os ambientes de água doce e terrestre úmido. Esta irradiação adaptativa também está refletida na morfologia externa, resultando na grande variedade de formas corporais encontradas atualmente neste grupo. As diversas linhagens passaram por diferentes especializações da metameria e dos sistemas internos a ela associados (principalmente circulatório, excretor e nervoso), com frequentes reversões a uma condição ancestral. Por causa disto, há, atualmente, diferentes pontos de vista sobre qual destas linhagens representaria mais proximamente a condição ancestral. Diferentes estudos filogenéticos morfológicos e/ou moleculares têm obtido resultados bastante discrepantes entre si, por vezes diametralmente opostos, de maneira que as relações filogenéticas entre os diversos grupos de anelídeos, bem como destes com os demais filos de invertebrados protostomados, ainda são alvos de extensos debates. Figura 19.1 Aspecto geral dos principais grupos de Annelida. A. Polychaeta. B. Oligochaeta. C. Hirudinomorpha.* Figura 19.2 Parede do corpo, organização interna e segmentação de um anelídeo, com base em Oligochaeta. Note a compartimentalização do celoma e as unidades independentes de alguns sistemas corporais. Figura 19.3 Correlação entre as regiões do corpo de uma larva trocófora típica de Polychaeta e um adulto. Note a zona de crescimento teloblástico. De maneira generalizada, os anelídeos são divididos em dois grandes grupos, Polychaeta e Clitellata, este último subdividido em Oligochaeta, que corresponde às minhocas, e Hirudinomorpha, que são as sanguessugas (Figura 19.1). Os poliquetas são animais principalmente marinhos, embora algumas famílias tenham representantes de água doce e até algumas raras espécies que vivem em ambientes terrestres úmidos. Seu comprimento pode variar desde menos de 1 mm, em espécies intersticiais e algumas de água doce, até mais de 3 m, como o eunicídeo Eunice sebastiani, espécie endêmica do Brasil (Figura 19.5 A), e Riftia pachyptila, siboglinídeo bastante comum e abundante em fontes hidrotermais, cujo comprimento pode alcançar mais de 2 m. Observase grande variedade de formas e hábitos de vida e duas grandes linhagens podem ser reconhecidas, os errantes e os sedentários. Entretanto, estes subgrupos, estabelecidos exclusivamente com finalidades didáticas, refletem adaptações com relação aos hábitos de vida e não são linhagens evolutivas propriamente ditas. De maneira geral, como os próprios nomes indicam, os errantes (Figuras 19.4 a 19.6) se deslocam ativamente pelo substrato, enquanto os sedentários são menos ativos (Figuras 19.7 a 19.11) e podem viver em tubos ou em galerias por eles construídos, embora frequentemente sejam capazes de abandonálos sob condições adversas, buscando outros locais para se instalar. Os errantes apresentam estruturas sensoriais e locomotoras mais diversificadas e evidentes em relação aos sedentários, tais como antenas na cabeça e cirros ao longo do corpo, de maneira que a morfologia externa pode ser diagnóstica para o hábito de vida do animal. Figura 19.4 Diversidade de Polychaeta (Palpata, Aciculata, Nereididae). Nereis riisei, de hábito errante, segmentação homônoma, cabeça diferenciada e diversos apêndices sensoriais. É predador, possui um par de poderosas mandíbulas e diversos dentículos quitinosos (paragnatas) que auxiliam na captura e trituração do alimento.A. Animal inteiro, com a faringe evertida. B. Detalhe da faringe evertida, vista dorsal. C. Detalhe da faringe evertida, vista ventral. (Imagens de Tatiana Menchini Steiner.) Figura 19.5 Poliquetas de hábito errante e segmentação homônoma. A. Eunice sebastiani (Palpata, Aciculata, Eunicidae), espécie endêmica do Brasil, com detalhe da região anterior. (Imagem de Edmundo Ferraz Nonato.) B. Polinoídeo (Palpata, Aciculata, Polynoidae), animal inteiro em vista dorsal e detalhe de uma escama. Note a cabeça bem diferenciada, com palpos, antenas e cirros peristomiais. (Imagem de Alvaro Esteves Migotto.) (A figura A encontrase reproduzida em cores no Encarte.) Figura 19.6 Poliquetas de hábito errante, segmentação homônoma, cabeça diferenciada, diversos apêndices sensoriais e cirros peristomiais, sendo, estes últimos, indicações da fusão de segmentos ao peristômio. A. Nereis sp. (Palpata, Aciculata, Nereididae), com a faringe invertida e recolhida para dentro do corpo. Note os dois pares de grandes ocelos. (Imagem de Tatiana Menchini Steiner.) B. Hesione sp. (Palpata, Aciculata, Hesionidae). Observe os cirros peristomiais. (Imagem de Gabriel Sousa Conzo Monteiro.) (Esta figura encontrase reproduzida em cores no Encarte.) Figura 19.7 Diversidade de Polychaeta (Palpata, Canalipalpata, Chaetopteridae). Chaetopterus sp., de hábito sedentário e exemplo de segmentação heterônoma. A. Animal inteiro. B. Posição das aberturas do tubo que se projetam acima da superfície do sedimento na região entremarés de uma praia arenolamosa. C. Tubo pergaminhoso em forma de U, completo, com detalhe das aberturas. D. Animal posicionado dentro do tubo, durante o comportamento alimentar (como filtrador de suspensão, este animal elabora, na região anterior, uma cesta de muco para filtrar a água que entrará por uma das aberturas do tubo e reter as partículas alimentares). (Imagens de Antonia Cecília Zacagnini Amaral.) Figura 19.8 Poliqueta de hábito sedentário (Scolecida, Maldanidae). Note a boca ventral, a ausência de uma cabeça diferenciada, a fusão do prostômio e peristômio dorsalmente, bem como ausência de apêndices prostomiais e parapódios. (Imagem de Tatiana Menchini Steiner.) Figura 19.9 Poliqueta tubícola, de hábito sedentário (Palpata, Canalipalpata, Sabellidae). Branchiomma luctuosum, espécie colorida e vistosa, não possui uma cabeça diferenciada, o prostômio está modificado em uma coroa de tentáculos (radíolos), utilizados na alimentação e respiração, enquanto o peristômio forma um colar na base desta coroa. Note o sulco da goteira fecal. (Imagem de Alvaro Esteves Migotto.) (Esta figura encontrase reproduzida em cores no Encarte.) Figura 19.10 Poliqueta tubícola, com hábito sedentário e segmentação heterônoma (Palpata, Canalipalpata, Sabellariidae). Phragmatopoma caudata não possui uma cabeça diferenciada e o prostômio e peristômio estão fundidos com alguns segmentos anteriores. Note o rígido opérculo que fecha a abertura do tubo produzido pelo animal. A. Região anterior, com brânquias ao longo do corpo e tentáculos bucais elásticos e não retráteis, que são utilizados para a alimentação. (Imagem de Tatiana Menchini Steiner.) B. Detalhe das aberturas dos tubos construídos com grãos de areia e com arranjo semelhante a favos de mel. (Imagem de Antonia Cecília Zacagnini Amaral.) C. Recife arenoso da região entremarés da Praia da Fazenda, Ubatuba, SP. (Imagem de Alvaro Esteves Migotto.) As minhocas e as sanguessugas são reunidas em Clitellata devido à existência do clitelo (Figuras 19.1 e 19.12), o qual está relacionado com a reprodução. A forma corporal, diferentemente dos poliquetas, é bastante uniforme dentro de cada um destes grupos. Antenas, cirros e quaisquer outros tipos de projeções da parede do corpo estão ausentes na maioria das espécies, exceto algumas que têm projeções no prostômio ou brânquias ao longo do corpo ou na região posterior (Figuras 19.12, 19.13 e 19.14. Assim como entre os poliquetas, o comprimento nos oligoquetas pode variar desde poucos milímetros até 3 m, como a minhoca gigante australiana, Megascolides australis e Martiodrilus crassus (do Equador) que, embora alcance 1,5 m de comprimento, pode ter cerca de 5 cm de diâmetro e pesar mais de 500 gramas. Possuem o corpo cilíndrico, com prostômio, peristômio e pigídio bastante reduzidos e um número variável de metâmeros (Figuras 19.12 e 19.13). Exceto pelo clitelo, os oligoquetas apresentam segmentação homônoma, não havendo qualquer outra regionalização ao longo do corpo. Figura 19.11 Poliqueta tubícola com hábito sedentário (Palpata, Canalipalpata, Terebellidae). A. Região anterior do animal, vista lateral. Note a ausência de uma cabeça diferenciada, as brânquias arborescentes e os tentáculos bucais elásticos concentrados na região anterior. (Imagem de Tatiana Menchini Steiner.) B. Corte transversal de um tentáculo com ciliação que possibilita o deslizamento sobre o substrato e posterior adesão das partículas selecionadas. C. Porção de um tentáculo mostrando o sulco longitudinal, que é formado para condução das partículas alimentares até a boca. D. As partículas envolvidas em muco são recolhidas pelos lábios e conduzidas até a boca. E. Posição do animal dentro do substrato, lançando seus tentáculos sobre a superfície do sedimento. (A figura A encontrase reproduzida em cores no Encarte.) Figura 19.12 Diversidade de Oligochaeta (Haplotaxina, Lumbricina). Morfologia externa de representantes terrestres, com segmentação homônoma. A. Lumbricus sp. (Lumbricidae), em vista ventral, com destaque às aberturas externas do corpo. B. Andiodrilus sp. (Glossoscolecidae), com sua longa projeção prostomial. Note o clitelo mais próximo da região anterior. C. Andiodrilus icomi (Glossoscolecidae), com detalhe da projeção prostomial retrátil. D. Minhoca da família Lumbricidae, com detalhe do clitelo e das cerdas. Figura 19.13 Diversidade de Oligochaeta (Haplotaxina, Tubificina). Morfologia externa de representantes aquáticos. A. Branchiura sp. (Tubificidae), com corpo ligeiramente heterônomo e brânquias digitiformes na região posterior. B. Stylaria sp. (Naididae), com ocelos e projeção prostomial eversível. C. Tubifex sp. (Tubificidae) reúne diversas espécies características de ambientes estagnados, que projetam a região posterior do corpo para fora de seu tubo como estratégia para respiração. D e E. Ripistes parasita (Naididae) – D. Animal inteiro em seu tubo, coletando partículas alimentares por meio da movimentação das longas cerdas dorsais da região anterior, revestidas com muco; E. Recolhendo com a boca o alimento aderido às cerdas. F. Dero sawayai possui brânquias caudais retráteis dentro de uma fossa ▶ branquial e pode fixar seu tubo, que é produzido com muco e partículas coletadas no ambiente ao redor, em plantas aquáticas. G. Região posterior de Aulophorus tridentatus, com brânquias digitiformes ao redor do ânus. Figura 19.14 Diversidade de Hirudinomorpha (Rhynchobdellida, Ozobranchidae). Ozobranchus sp. é parasita de répteis, como crocodilos e tartarugas, além de pelicanos. Note as brânquias ramificadas, as ventosas anterior e posterior, ocelos e ânus dorsal. (Imagem de Alvaro Esteves Migotto.) (Esta figura encontrase reproduzida em cores no Encarte.) Já os hirudíneos são altamente modificados em relação ao anelídeo ancestral e apresentam o corpo fortemente achatado dorsoventralmente (Figuras 19.14 e 19.15) e com número fixo de segmentos, embora a metameria se encontre mascarada externamente por anelações secundárias. A segmentação é heterônoma, por apresentarem prostômio, peristômio e pigídio fundidos com alguns segmentos (Figura 19.1), sendo o corpo dividido em ventosa anterior, tronco e ventosa posterior. Estes anelídeos nunca são tão pequenos ou tão grandes quanto muitos poliquetas e oligoquetas,já que os menores têm cerca de 1 cm de comprimento e os maiores podem alcançar até 45 cm. Morfologia externa Polychaeta Os poliquetas compreendem a maioria dos anelídeos e formam um grupo bastante diversificado, com um corpo variando entre cilíndrico, em secção transversal, a moderadamente achatado na região ventral, havendo inúmeras exceções para praticamente todos os padrões generalizados, descritos na sequência. De acordo com a classificação adotada para Polychaeta neste volume, há dois agrupamentos principais, os Scolecida e Palpata. Os Palpata contêm dois grandes grupos internos, os Aciculata e os Canalipalpata. Há formas escavadoras, habitantes de galerias construídas em substratos inconsolidados, bem como formas intersticiais (Figura 19.16), com segmentação homônoma e praticamente sem especializações ao longo do corpo. Muitas destas formas encontramse no grupo dos Scolecida e alguns se assemelham muito aos próprios oligoquetas, como Capitellidae (Figura 19.17) e Questidae. Existem também os poliquetas mais típicos, os quais são subdivididos em errantes e sedentários, de acordo com o modo de vida. Ao contrário dos Scolecida, a região anterior do corpo nestes grupos geralmente é bem desenvolvida e são frequentes as expansões cirriformes ao longo do corpo, principalmente nos errantes. Padrões elaborados de pigmentação também são comuns, havendo espécies bastante coloridas e vistosas (Figuras 19.5 B, 19.9 e 19.18). De maneira bastante generalizada, e com numerosas exceções, os poliquetas Scolecida e os errantes tendem a apresentar segmentação homônoma (Figuras 19.4 A, 19.5 e 19.6), enquanto os sedentários tendem a ser heterônomos (Figuras 19.7 A e 19.10 A), de maneira que o tipo de segmentação também está diretamente relacionado com o modo de vida. A cabeça é formada pelo prostômio e peristômio, que podem estar fundidos ou entre si ou a um número variável de segmentos anteriores. Os errantes apresentam tipicamente uma cabeça bem diferenciada, com palpos, antenas, cirros e, frequentemente, olhos ou ocelos (Figuras 19.4, 19.5 B e 19.6). Tais estruturas, geralmente bem desenvolvidas, têm função sensorial, mas também podem participar do processo de tomada e ingestão de alimento. Como se deslocam ativamente pelo substrato, todo o corpo está em contato com o ambiente, de maneira que as estruturas sensoriais, bem como respiratórias e excretoras, na maior parte das vezes são bem desenvolvidas e igualmente distribuídas. Em muitos sedentários não há uma cabeça típica diferenciada e é frequente o prostômio e peristômio estarem modificados em longos tentáculos, lábios ou outras estruturas utilizadas na alimentação, respiração e formação do tubo (Figuras 19.9, 19.10 e 19.11 A). É natural que as estruturas sensoriais, respiratórias e excretoras destes poliquetas estejam concentradas nesta região, pois geralmente encontramse reclusos em tubos e galerias e apenas a parte anterior do corpo está em contato direto com a água do mar e com o ambiente ao redor, por meio de uma abertura do tubo ou da galeria. A boca está localizada ventralmente entre o prostômio e o peristômio, ou no próprio peristômio (Figuras 19.8 e 19.19 A). Dorsalmente, também entre o prostômio e o peristômio, há um par de órgãos nucais, com funções quimiossensoriais, que foi considerada a única sinapomorfia em Polychaeta (Figura 19.18 A). O nome “Polychaeta” faz menção à existência de muitas cerdas (do grego, poly = “muito”; chaeta = “cerda”), embora haja muitos animais com poucas cerdas e mesmo alguns completamente aquetas (sem cerdas), como, por exemplo, o policirrídeo marinho Hauchiella, o histriobdelídeo de água doce Stratiodrilus (Figura 19.82) e pequenos Dovilleidae, como Neotenotrocha, entre outras espécies. A ausência de cerdas é uma característica marcante entre os poliquetas intersticiais, como Polygordius, e é resultado de uma adaptação ao ambiente (Figura 19.16 C a E), como será abordado em seguida. Ao contrário dos oligoquetas, as cerdas da maioria dos poliquetas não emergem diretamente da parede do corpo, mas de lobos carnosos situados lateralmente, chamados de parapódios, os quais variam em tamanho, estrutura e função entre as diferentes famílias (Figura 19.20). São tipicamente bilobados, ou seja, divididos em dois lobos ou ramos (= birremes), sendo um dorsal, o notopódio, e outro ventral, o neuropódio. Tanto o notopódio quanto o neuropódio apresentam feixes de cerdas a eles associados, as notocerdas e as neurocerdas, respectivamente, bem como cirros sensoriais, o cirro dorsal e o cirro ventral (Figuras 19.20 a 19.22). Os parapódios podem exercer funções de locomoção, proteção, ancoragem dentro do tubo ou da galeria e trocas gasosas. Da mesma maneira, além da função sensorial, os cirros, principalmente os dorsais, são capazes de desempenhar outras funções, como a respiratória. Os segmentos do corpo que são providos de cerdas, com ou sem parapódios, também podem ser denominados de setígeros. Figura 19.15 Diversidade de Hirudinomorpha, com as características ventosas anterior e posterior. A. Piscicola geometra (Rhynchobdellida, Piscicolidae), parasita de peixes, em repouso, à direita, e em atividade de caça, à esquerda. B. Pontobdella muricata (Rhynchobdellida, Piscicolidae), também parasita de peixes, em posição de repouso. C. Haemadipsa picta (Arhynchobdellida, Haemadipsidae), hematófaga terrestre, posicionada sobre uma folha, aguardando a passagem de um hospedeiro de sangue quente. D. Placobdella ornata (Rhynchobdellida, Glossiphoniidae) é parasita dos tecidos ósseos de tartarugas de água doce. E. Placobdella parasitica (Rhynchobdellida, Glossiphoniidae), parasita de cágados, sugam o sangue da concavidade das pernas e caudas, local onde as garras do hospedeiro não alcançam. F. Piscicola sp. (Rhynchobdellida, Piscicolidae), parasita de peixes. G. Trachelobdella sp. (Rhynchobdellida, Piscicolidae), parasita de peixes. Figura 19.16 Diversidade de poliquetas intersticiais, com destaque à segmentação homônoma e ao celoma geralmente sem septos e cerdas. A. Protodrilus cordeiroi (Palpata, Canalipalpata) dispõe de poucas cerdas e se locomove por rastejamento, por meio de uma banda ventral ciliada. B. Saccocirrus gabriellae (Palpata, Canalipalpata) possui papilas adesivas na região posterior, cujas secreções possibilitam a fixação temporária em grãos de areia, enquanto se locomovem. C a E. Polygordius sp. (Palpata, Canalipalpata) possui pouca ou quase nenhuma segmentação, não há parapódios nem cerdas – C. Animal inteiro; D. Detalhe da região anterior; E. Pigídio, com detalhe do círculo de glândulas adesivas. F. Esquema, em corte longitudinal, de Dinophilus sp. (Palpata, Aciculata). Note a porção ventral ciliada, utilizada para locomoção. (Imagens de Maikon Di Domenico.) Figura 19.17 Diversidade de Polychaeta (Scolecida, Capitellidae). A. Heteromastus sp., com prostômio reduzido e cerdas que se projetam diretamente da parede do corpo, sem parapódios. Note a pequena faringe evertida. (Imagem de Tatiana Menchini Steiner.) B. Notomastus sp., comedor de depósito não seletivo, locomovese por contrações peristálticas enquanto everte a faringe para alimentarse. Figura 19.18 Diversidade de Polychaeta (Palpata, Aciculata). Hermodice sp., espécie colorida e chamativa, conhecida popularmente como vermedefogo, que pode ser encontrada embaixo de pequenos blocos rochosos ou em corais. A. Região anterior do corpo, em vista dorsal. Note a carúncula, que sustenta o par de órgãos nucais – e as cerdas brancas, compostas de carbonato de cálcio. B. Detalhe das brânquias dorsais vermelhas e arborescentes. (Imagens de Alvaro Esteves Migotto.) (Esta figura encontrase reproduzida em cores no Encarte.) Figura 19.19 Diversidade de Polychaeta (Palpata,Aciculata, Onuphidae). A. Diopatra sp. – poliqueta errante e predador. Note as almofadas ventrais dos parapódios, que produzem muco para a produção de tubos, e a diversidade de estruturas sensoriais e de alimentação. (Imagem de Tatiana Menchini Steiner.) B. Porção anterior do tubo (chaminé) de um indivíduo de Diopatra sp. na região entremarés de uma praia arenosa, ornamentado com materiais coletados no ambiente. C. Aglomerado de tubos de Diopatra sp., construídos com a fixação de pequenas conchas disponíveis no ambiente ao redor. (Imagens B e C de Antonia Cecília Zacagnini Amaral.) (As figuras A e B encontramse reproduzidas em cores no Encarte.) Figura 19.20 Diversidade de parapódios em Polychaeta. A. Glycera dibranchiata; B. Platynereis dumerilii. C. Sigalionidae. D. Diopatra sp. E. Scoletoma tetraura. F. Sabella pavonina. G. Phylo foetida; H. Arenicola loveni. ac = acícula; br = brânquias; cd = cirro dorsal; cv = cirro ventral; ne = neuropódio; no = notopódio. Figura 19.21 Parede do corpo e organização interna em Polychaeta. Corte transversal do corpo de Nereididae. Note a ampla cavidade celômica e a localização dos parapódios em relação à parede do corpo. (Imagem de Tatiana Menchini Steiner.) Figura 19.22 A e B. Glycinde multidens (Palpata, Aciculata) – A. Com hábito alimentar raptorial, everte a longa faringe munida de dentículos quitinosos na extremidade, além de papilas, que irão auxiliar na condução e digestão do alimento; B. Diversidade de papilas encontradas ao redor da faringe (setas). C. Região anterior do corpo de Goniada littorea com parapódios unirremes e notopódio reduzido ao cirro dorsal. cd = cirro dorsal; cv = cirro ventral. (A a C – microscopia eletrônica de varredura.) (Imagens de Tatiana Menchini Steiner.) Tipicamente, os poliquetas Aciculata apresentam parapódios birremes bem desenvolvidos, com ambos os lobos bastante conspícuos (Figura 19.20 A a C). Todavia, em várias linhagens ocorreram reduções do notopódio e das estruturas associadas, por vezes assumindo uma condição secundariamente unirreme, como nos silídeos, onufídeos e lumbrinerídeos (Figuras 19.20 D e E e 19.22 C), por exemplo. Nestes casos, os cirros dorsais persistem, mas os lobos notopodiais e as notocerdas desaparecem completamente, exceto em períodos reprodutivos quando algumas espécies podem apresentar longos feixes de notocerdas natatórias. Já os Scolecida e os Canalipalpata tendem a apresentar lobos parapodiais reduzidos, por vezes praticamente inconspícuos (Figuras 19.8, 19.20 F a H e 19.23 A), consequência do hábito de vida destes animais, uma vez que expansões laterais do corpo muito desenvolvidas dificultariam a movimentação dentro de tubos e galerias. Porém, em alguns grupos, como Cossuridae e Cirratulidae (Figura 19.24 C), os parapódios estão ausentes. Nestes, ambos os feixes de cerdas estão presentes, mas, como os lobos parapodiais são muito reduzidos, as cerdas parecem emergir diretamente da parede do corpo. Cirros dorsais e ventrais encontramse geralmente ausentes, no entanto, em diversos grupos há brânquias distribuídas ao longo do corpo, como em Orbiniidae (Figura 19.20 G), Arenicolidae (Figura 19.20 H) e Cirratulidae (Figura 19.24 C), entre outros. Figura 19.23 A. Parapódios de Streblosoma porchatensis (Terebellidae), com ramos notopodiais e neuropodiais. Note o feixe de uncini (em forma de um semicírculo alongado). B. Detalhe do semicírculo de uncini do neuropódio de S. porchatensis. C. Feixe de uncini do neuropódio de Nicolea uspiana (Terebellidae). ne = neuropódio; no = notopódio. (A a C – microscopia eletrônica de varredura.) (Imagens de João Miguel de Matos Nogueira, André Rinaldo Senna Garraffoni e Tarsila Montrezoro Alves.) Figura 19.24 Diversidade de Polychaeta (Palpata, Canalipalpata, Cirratulidae). A. Região anterior de um cirratulídeo. Note o prostômio, as brânquias e os tentáculos alimentares ou palpos. (Imagem de Tatiana Menchini Steiner.) B. Cirriformia filigera, com hábito alimentar detritívoro seletivo, projeta os palpos acima da superfície e finas partículas alimentares são aderidas, sendo posteriormente retraídos para dentro do substrato e levados até a boca. Note as longas brânquias elásticas ao longo do corpo, que também se projetam acima do substrato. C. Parapódios de Tharyx filibranchia, mostrando a inserção dorsal do filamento branquial e a projeção das cerdas a partir de curtos lobos notopodiais e neuropodiais.(A figura A encontrase reproduzida em cores no Encarte.) Nos diversos agrupamentos de Polychaeta o neuropódio pode estar reduzido a uma estrutura glandular que produz muco utilizado para a construção de tubos. Por vezes, somente o cirro ventral se modifica, formando uma almofada glandular, como nos onufídeos e eunicídeos, e que também está relacionada com a produção de muco para a construção de tubos (Figura 19.19 A). As cerdas de poliquetas estão fixadas por músculos no lado interno e convexo da epiderme, de maneira que podem ser protraídas ou retraídas para dentro do corpo. São compostas de quitina e com coloração que varia do amareloclaro a diferentes tons de marrom, até o preto. Na Ordem Amphinomida, elas são brancas, pois sua composição é de carbonato de cálcio (Figura 19.18 A). Assumem formas extremamente variadas e, de maneira bastante generalizada, podem ser divididas em dois tipos: cerdas simples, quando formadas por uma única peça, ou compostas, quando apresentam duas ou mais peças articuladas entre si (Figura 19.25). As cerdas compostas são subdivididas, de maneira generalizada, em espinígeras e falcígeras, dependendo se peça distal é alongada e pontiaguda, ou recurvada e falciforme, respectivamente. Já as cerdas simples podem apresentar uma grande diversidade de formatos (Figuras 19.25 C a F, 19.25 I a P e 19.26 A). As mais simples e mais comuns entre os poliquetas são as capilares, que são longas, cilíndricas e estreitas (Figura 19.25 A). Há também cerdas em forma de espinhos mais robustos (Figura 19.25 K) e peças mais curtas, denteadas, os uncini (plural; singular = uncinus) em forma de ganchos (Figura 19.25 M a P). As cerdas podem se projetar em conjunto (Figura 19.26 C), em um único feixe noto ou neuropodial, que podem conter algumas cerdas ou até mais de cem, ou então, apenas um ou dois ganchos podem estar presentes em um dos ramos (Figura 19.26 B). As cerdas simples são encontradas em todos os grupos de poliquetas, enquanto as compostas só estão presentes em formas errantes e em alguns poucos sedentários, como Acrocirridae, Flabelligeridae e Sternaspidae. Apesar dessa grande variedade de formatos, ainda se conhece pouco a respeito das funções específicas de cada tipo de cerda e quais as pressões de seleção que levaram à evolução de tamanha diversidade de formas. A função mais frequente das cerdas está relacionada com a locomoção. Estudos demonstram que as cerdas compostas ou articuladas são importantes para a locomoção de poliquetas errantes, mas o seu exato mecanismo de ação não é conhecido e ainda vem sendo estudado. Cerdas com muitos dentes também podem aumentar o atrito, evitando deslizamentos indesejáveis. Já os uncini têm a função de ancoragem na parede interna dos tubos e são encontrados em algumas famílias de poliquetas sedentários (Figura 19.23). Em Flabelligeridae, cerdas modificadas na região anterior auxiliam a recolher o alimento. Podem também agir na defesa (como ocorre com as cerdas ocas, calcáreas e com substâncias tóxicas dos Amphinomidae), auxiliar a perfurar substratos duros (como alguns espionídeos) ou a cavarem em areia ou lama, formando galerias. No táxon Aciculata, também estão presentes, inseridas nos parapódios, cerdas modificadas, mais robustas, denominadas de acículas (Figuras 19.20A a E, 19.21, 19.25 H e 19.26 B), que atuam na sustentação dos lobos parapodiais e servem de ponto de inserção para a musculatura responsável pela movimentação dos parapódios (Figura 19.21 B). O corpo termina no pigídio, o qual pode ser um anel simples, sem ornamentação, ou apresentar cirros pigidiais ou anais (Figura 19.27 B) ou papilas arredondadas a digitiformes ao redor do ânus, também com função sensorial. No ofelídeo Armandia agilis o pigídio é prolongado em um tubo cilíndrico, com diversos cirros (Figura 19.28 B). Figura 19.25 Diversidade de cerdas em Polychaeta. A. Capilares e limbadas. B. Compostas falcígeras e espinígeras. C e D. Forqueadas. E. Pectinada. F. Acompanhante, à esquerda, e broadly hooded, à direita. G. Modificada em pálea (em Chrysopetalidae). H. Uma acícula isolada e um feixe de acículas de um parapódio de Diopatra. I. Gancho de Orbniidae. J. Ganchos neuropodiais de Eunicida. K e L. Ganchos notopodiais de Goniadidae. M. Uncinus neuropodial de Maldanidae. N a P. Uncini neuropodiais de Terebellidae. Figura 19.26 Diversidade de cerdas em Polychaeta. A. Feixe com cerdas simples de Diopatra sp., do tipo capilar (ao fundo) e pectinada (à frente, em forma de pente). B. Neuropódio de Diopatra sp. com dois ganchos substituindo o feixe inferior de cerdas neuropodiais. Note a acícula de sustentação do parapódio. C. Cerdas compostas espinígeras de Glycinde multidens, projetandose em feixe. (A a C – microscopia eletrônica de varredura.) (Imagens de Tatiana Menchini Steiner.) Figura 19.27 Diversidade de Polychaeta (Palpata, Aciculata, Eunicidae). A. Região anterior de Eunice rubra. Note a diversidade de estruturas sensoriais, bem como o prostômio e peristômio bem definidos. B. Região posterior do corpo de E. rubra, com pigídio ornamentado por cirros pigidiais com função sensorial. Note os parapódios com brânquias filiformes. C. Região anterior, vista ventral, de Marphysa formosa, com hábito alimentar raptorial, mostrando as maxilas e mandíbulas quitinosas protraídas, as quais são utilizadas na tomada de alimento. (Microscopia eletrônica de varredura.) D e E. Retração e protração, respectivamente, do conjunto de maxilas de ■ Marphysa sp., com destaque à movimentação do órgão bucal muscular eversível. F. Conjunto de maxilas de Nematonereis hebes. G. Par de mandíbulas de N. hebes. (Imagens de Tatiana Menchini Steiner.) (As figuras A e B encontramse reproduzidas em cores no Encarte.) Figura 19.28 Diversidade de Polychaeta (Scolecida, Opheliidae). A. Região anterior de um ofelídeo. Note a localização do par de órgãos nucais e a ampla faringe evertida. (Imagem de Edmundo Ferraz Nonato.) B. Região posterior de Armandia sp., com o característico pigídio prolongado em um tubo anal com cirros sensoriais na extremidade. (Imagem de Tatiana Menchini Steiner.) Tubo Uma das características mais notáveis entre os poliquetas é a habilidade, em diferentes linhagens, de produzirem tubos. Além de proporcionar abrigo e proteção contra predadores, podem servir como camuflagem e esconderijo para a captura de presas. Em geral, são mais longos e/ou mais largos que seus habitantes, além de serem arredondados ou achatados em corte transversal, podendo ser abertos em uma ou ambas as extremidades e, ao menos uma delas, mantémse em contato com a água. Há poliquetas que dependem totalmente do tubo e vivem nele por toda a vida. Apesar da habilidade notável de produzirem tubos e da grande dependência destes por muitas espécies, para poliquetas não é aplicável o termo séssil, expressão atribuída a organismos que vivem fixos, sem capacidade de locomoção, como cracas, corais e ostras. No caso dos poliquetas (e também oligoquetas, como será mostrado a seguir), o tubo é uma estrutura construída pelo animal e não uma estrutura corpórea fixada ao substrato, já que todas as espécies que o produzem são capazes de se movimentar livremente dentro dele. Assim, o termo mais apropriado para estes organismos é sedentário. Algumas espécies são incapazes de produzir outro tubo se forem desalojadas, porém muitas podem abandonálo caso sintamse ameaçadas, tendo habilidade para construílo novamente. Todos os poliquetas movimentamse livremente dentro dele e não há uma íntima correlação entre a morfologia geral do tubo e o modo de vida do animal. Dessa maneira, entre os errantes e sedentários há uma infinidade de variações na aparência morfológica dos tubos, bem como na estrutura, composição e no tipo de material coletado do ambiente ao redor que, por vezes, é incorporado a essas construções. Em geral, glândulas mucosas, localizadas na região anterior ou ao longo da face ventral do corpo, ou ainda nos parapódios (Figura 19.19 A), produzem um muco que, em contato com a água do mar, solidificase e possibilita ao animal efetuar desde a simples contenção das paredes de uma galeria escavada no sedimento, por meio da produção de uma fina camada de muco (como em Capitellidae), até a construção de tubos flexíveis, de aspecto pergaminhoso e com paredes grossas (como em Chaetopteridae e Onuphidae), ou, então, duros e calcários (como em Serpulidae). Diversos são os materiais incorporados ao tubo, dependendo do ambiente em que vivem, variando desde lama misturada ao muco secretado, como em maldanídeos e alguns poucos sabelídeos que vivem enterrados, até grãos de areia, como em sabelariídeos e pectinariídeos. Podem utilizar também algas, detritos vegetais, pequenas conchas, pedras, partes duras de outros animais (Figuras 19.19 B e C, 19.29 A e 19.30 D) e também pequenos materiais descartados no ambiente pelo homem, por exemplo, anéis de latas de refrigerantes, pedaços de barbantes, plásticos, entre outros, como verificado em diversas espécies da família Onuphidae. Os materiais incorporados podem ser coletados de maneira aleatória pelo animal, ou mediante critérios, como o tipo, o tamanho, a forma e o local onde serão colocados, como em muitos onufídeos e pectinariídeos. Espécies de Diopatra, da família Onuphidae, embora errantes, vivem enterradas na areia ou lama em praias costeiras do Brasil, dentro de tubos com aspecto pergaminhoso e paredes grossas, especialmente no terço anterior, o qual se conecta com a superfície do sedimento. Geralmente, é muito longo e há uma porção que se projeta acima da superfície, denominada de chaminé e que é adornada com material coletado aleatoriamente no ambiente praial (Figura 19.19 B e C). O tubo proporciona abrigo e esconderijo e, por meio de tocaia, o animal captura presas que passam nos arredores. Se o animal é perturbado ou tem seu tubo arrancado (geralmente, apenas a parte superior, mais grossa, se destaca), ele rapidamente escapa para porções mais profundas de seu abrigo e, caso seja desalojado, movese para outra região da praia e novo tubo é construído. Diopatra tridentata, frequente em ambientes arenolamosos em diferentes profundidades da plataforma continental no Brasil, constrói um tubo, externamente anelado, apenas com partículas de areia e lama misturadas com o muco que produz (Figura 19.30 B). Já o onufídeo Hyalinoecia, encontrado em profundidades maiores que 20 m, elabora um tubo transparente, composto somente por camadas de secreções que produz, resultando em uma estrutura com forma e consistência semelhante ao cálamo da pena de uma ave (Figura 19.30 C). E na extremidade que se conecta à superfície, o animal produz pequenas lamelas oblíquas sobrepostas que evitam que sedimento fino penetre dentro do tubo, mas possibilitam a projeção da região anterior do corpo para fora. O onufídeo Anchinothria, que ocorre em zonas abissais, também produz um tubo transparente, fino, flexível e achatado,em cujas laterais são adicionadas apenas carapaças duras de outros animais e que tenham formato alongado e estreito. Do mesmo modo, o tubícola Owenia constrói um tubo com pequenas conchas e fragmentos calcários de outros animais, ou então utiliza grãos de areia (dependendo de qual material estiver disponível no ambiente), ajustandoos de maneira imbricada, como telhas em um telhado, fazendo com que a construção seja resistente, mas tenha grande flexibilidade (Figura 19.29 A). Figura 19.29 Diversidade de Polychaeta (Palpata, Canalipalpata, Oweniidae). Owenia sp. A. Tubo formado com fragmentos de conchas ou partes duras de outros organismos, com arranjo semelhante ao de telhas em um telhado, conferindolhe flexibilidade. (Imagem de Tatiana Menchini Steiner.) B. Região anterior do corpo, mostrando a heteronomia dos segmentos, bem como a localização da coroa, utilizada na tomada de alimento. (Imagem de Gabriel Sousa Conzo Monteiro.) C. Detalhe da coroa membranosa que recolhe partículas em suspensão, conduzindoas até a boca por meio de sulcos ciliados. (Imagem de Tatiana Menchini Steiner.) (As figuras A e B encontram se reproduzidas em cores no Encarte.) Algumas espécies de sabelariídeos, que vivem em tubos construídos com grãos de areia e firmemente cimentados sobre substratos duros, são conhecidas por formarem recifes de areia, resultantes do agrupamento dos tubos de centenas de milhares de indivíduos. Phragmatopoma caudata, com ampla distribuição no Brasil, forma extensos recifes arenosos na região entremarés de praias (Figura 19.10 B e C), onde os tubos são sobrepostos com arranjo semelhante a favos de mel. Para construílos, selecionam apenas os grãos de areia mais finos, obtidos da água das ondas que batem nas pedras. Pelo fato de os recifes permanecerem expostos ao sol por longos períodos, estes animais fecham aabertura do tubo com uma estrutura quitinosa, o opérculo, que tem forma de escudo e é formado pelas cerdas notopodiais de alguns segmentos anteriores que estão fundidos com a cabeça (Figura 19.10 A). Quando há grandes extensões desse tipo de recife, o perfil sedimentológico da praia pode sofrer alteração, ou seja, alguns tamanhos de grãos de areia ficam indisponíveis, pois os poliquetas retiram, em larga escala, os mais finos. Figura 19.30 Tubos de Polychaeta. A. Spiochaetopterus nonatoi, com seu tubo transparente e anelado. (Imagem de Helio Soares Junior.) B. Porção mediana de um tubo anelado externamente, formado por muco aglutinado com grãos de areia e lama, de Diopatra tridentata. C. Tubo transparente de Hyalinoecia sp., composto apenas por camadas de muco produzidas pelo animal. D. Tubo de Nothria bentophyla, construído com carapaças duras de outros organismos. (Imagens B, C e D de Tatiana Menchini Steiner.) (As figuras C e D encontramse reproduzidas em cores no Encarte.) Os pectinariídeos, que produzem um tubo com o formato de cone de sorvete, cuja extremidade posterior, mais estreita, projetase acima da superfície de substratos inconsolidados, vivem enterrados com a cabeça para baixo, em virtude de seu hábito alimentar. O tubo é composto de uma camada única de grãos de areia cuidadosamente selecionados por tamanho, os quais são aglutinados com muco e encaixados lado a lado. (Figura 19.81 A e B). Em locais com diferentes cores de grãos, o tubo se assemelha a vitrais coloridos, verdadeiras obras de arte. O tubo branco, duro e calcário dos serpulídeos (Figura 19.31 B), frequentemente observados em pedras, aderidos a algas, conchas de moluscos e outros substratos, principalmente consolidados, é formado com uma mistura de cristais de carbonato de cálcio (calcita ou aragonita) em uma matriz de mucopolissacarídeo, que o poliqueta secreta por meio de glândulas especializadas do colarinho peristomial (Figura 19.31 A). O animal apoia o colarinho na borda do tubo, girando ao seu redor, de maneira que as abas do colarinho moldam os cordões de muco (Figura 19.55 C e D), formando um tubo impermeável que possibilita ao animal resistir à dessecação. Serpulídeos de costões rochosos conseguem suportar a redução da umidade nos períodos de maré baixa com a água que fica retida dentro do tubo, sendo que o fechamento deste ocorre por meio de uma estrutura corporal radiolar calcária ou quitinosa, denominada de opérculo, que tampa a abertura do tubo quando o animal se retrai para o interior do mesmo (Figura 19.31 A e B). A habilidade de construir tubos impermeáveis, que podem apresentar diversos tipos de ornamentações importantes para a identificação das espécies, possibilitou a esses poliquetas ocupar com sucesso este ambiente. Se desalojados, os serpulídeos são incapazes de construir novos tubos, enquanto os sabelídeos, grupo muito próximo filogeneticamente, constroem tubos (Figura 19.31 C) muito rapidamente, sendo possível observar em poucos minutos a formação de tubos mucosos transparentes, produzidos por secreções não apenas dos sacos ventrais, localizados na base da coroa radiolar (ou coroa branquial) (Figura 19.55 C e D), mas também de escudos glandulares encontrados ao longo de toda a superfície ventral do corpo. Figura 19.31 Diversidade de Polychaeta (Palpata, Canalipalpata, Sabellida). A. Região anterior do corpo de Hydroides sp. (Serpulidae), com seus radíolos, opérculo e colarinho peristomial. co = colarinho peristomial. (Microscopia eletrônica de varredura.) B. Vermiliopsis zibrowii (Serpulidae) dentro de seu tubo calcário produzido por meio da deposição de cordões de muco moldados pelo colarinho peristomial. (Imagens A e B de João Miguel de Matos Nogueira, Adriano Abbud.) C. Sabella sp., com seu tubo formado com muco e grãos de areia e lama. (Imagem de Alvaro Esteves Migotto.) (As figuras B e C encontramse reproduzidas em cores no Encarte.) ▶ ■ Os siboglinídeos, em geral, constroem tubos proteicoquitinosos, eretos e abertos em ambas as extremidades, os quais podem estar fixados ao sedimento, ou a conchas, madeiras e outras superfícies duras do fundo dos oceanos (Figura 19.32 A). Lamellibrachia luymesi, que vive em profundidades entre 500 e 800 m no Golfo do México, locomovese livremente dentro de tubos que podem alcançar mais de 3 m de comprimento. Segundo estimativas, estes animais crescem vagarosamente e podem viver mais de 250 anos. Em quetopterídeos, a cutícula do corpo é muito fina e o espesso tubo que secretam tem estrutura química idêntica a ela. Pergaminhoso e opaco, o tubo de Chaetopterus apresenta a forma de U, com extremidades mais afiladas e bastante quitinosas, ambas projetandose acima da superfície da areia, enquanto a porção mediana, mais larga, permanece enterrada no sedimento (Figura 19.7 B a D). Clitellata Oligochaeta A extremidade anterior dos oligoquetas apresenta um prostômio muito reduzido, seguido do peristômio, formando a cabeça (Figura 19.33), e, em seguida, um corpo bastante uniforme, de secção transversal geralmente cilíndrica, com segmentação homônoma (Figuras 19.1, 19.12 e 19.13). O prostômio pequeno varia em tamanho e pode ser tão inconspícuo, chegando ao ponto de ser indistinguível. A maneira como o prostômio e o peristômio estão ligados difere entre as espécies. Ambos podem estar fundidos em uma única estrutura (zigolobo), ou separados por um sulco visível, neste caso, são reconhecidos outros quatro tipos de ligação entre os dois: prolobo, proepilobo, epilobo (Figura 19.33) e tanilobo. De qualquer modo, às vezes, o prostômio está contraído, assim como os primeiros 1 a 3 segmentos, que se invaginam para dentro da cavidade bucal. Os oligoquetas são hermafroditas simultâneos, geralmente com testículos pareados e ovários abrindose para o exterior por poros genitais. Há também locais de armazenamento dos gametas masculinos doparceiro, as espermatecas. Todos estes orifícios situamse ventralmente na porção anterior do corpo (Figura 19.12 A). Em geral, os gonóporos masculinos encontramse em posição posterior ao clitelo, enquanto os gonóporos femininos e as aberturas das espermatecas obrigatoriamente devem localizarse no próprio clitelo, ou serem anteriores a este. Frequentemente, há papilas copulatórias associadas. Entretanto, não há quaisquer tipos de apêndices na cabeça e ao longo do corpo, tais como antenas e cirros, mas podem ocorrer projeções prostomiais, como no tubificídeo Stylaria (Figura 19.13 B), que podem ser retráteis, como em Andiodrilus (Figura 19.12 B e C). Nas espécies aquáticas podem ocorrer brânquias na região posterior do corpo, como em Branchiura e Dero (Figura 19.13 A, F e G), o que torna o corpo destes oligoquetas ligeiramente heterônomo. Os segmentos variam em largura, geralmente sendo mais largos nas regiões anterior e clitelar. Figura 19.32 Diversidade de Polychaeta (Palpata, Canalipalpata, Siboglinidae). A. Esquema do tubo de Ridgeia, de natureza proteico quitinosa, que pode ser fixado a conchas ou em outras superfícies duras. B. Pogonóforo generalizado, mostrando a heteronomia do corpo. Note o opistossoma, região na qual há cavidades celômicas, assim como septos e cerdas. C. Esquema da anatomia interna de um vestimentífero. D. Esquema da anatomia interna de um frenulado. O clitelo é uma porção expandida da epiderme, uma cintura glandular localizada ao redor de um número variável de segmentos, sempre mais próximos da região anterior (Figura 19.12). Na maioria das espécies o clitelo é conspícuo ao longo de toda a vida, mas, em algumas, ele é evidente somente em períodos reprodutivos. Nas espécies aquáticas tende a ser menos desenvolvido e, por vezes, tem a espessura de apenas uma camada de células, enquanto nas terrestres é geralmente mais espesso e bem notável, com várias camadas de células. ■ Além dos gonóporos e das aberturas das espermatecas, as minhocas terrestres também apresentam poros intersegmentares dorsais ao longo de todo o corpo, controlados por esfíncteres musculares, por meio dos quais é exsudado fluido celômico. Este fluido é importante para manter a umidade do tegumento em espécies terrestres, essencial para que ocorram as trocas gasosas, além de também desempenhar funções de defesa. As minhocas, por exemplo, quando perturbadas, podem contrair rapidamente a musculatura segmentar e relaxar os esfíncteres dos poros dorsais, expelindo jatos de fluido celômico que, no caso de algumas espécies gigantes, podem alcançar a distância de alguns centímetros. O nome “Oligochaeta” também deriva do grego e alude à existência de poucas cerdas (oligo = “pouco”; chaeta = “cerda”). Nos oligoquetas não há parapódios e as cerdas, de composição e produção similar à encontrada em poliquetas, emergem diretamente da parede do corpo (Figuras 19.13 A e B e 19.33). Em muitos grupos, há quatro feixes laterais de cerdas em cada segmento, que são homólogos aos feixes em poliquetas, dois notopodiais e dois neuropodiais (Figura 19.34 C e D). Geralmente, as cerdas ocorrem em todos os segmentos, mas em diversas espécies podem estar ausentes em segmentos mais anteriores ou estarem presentes somente em determinados segmentos. Estão ausentes no prostômio, peristômio e pigídio. Em muitas espécies, há duas cerdas por feixe, mas este número pode ser maior, dentro de certos limites, até em torno de 25 cerdas. Em outras espécies, um número maior de cerdas é distribuído em um cinturão, no meio do segmento, formando dois semicírculos ligeiramente separados nas linhas medianas dorsal e ventral (Figura 19.34 E). As cerdas de oligoquetas são menos diversificadas do que as de poliquetas. Há somente cerdas simples, em forma de haste, capilares longas, sigmoides ou ganchos curtos, forqueados ou bidentados (Figura 19.35). Constituemse em um dos principais caracteres taxonômicos externos e têm sido utilizados como caráter específico em alguns grupos. As minhocas terrestres constroem galerias no sedimento, revestindoas com o material que é defecado, junto ao muco produzido. Dessa maneira, a capacidade de produção de muco para contenção das paredes de uma galeria também ocorre neste grupo. Diversas espécies aquáticas produzem e vivem dentro de tubos, mais simples quando comparados aos poliquetas, construídos com o muco que produzem, juntamente com partículas de lama, areia e outros materiais obtidos no ambiente (Figura 19.13 C, E e F). O pigídio dos oligoquetas é um anel simples, no qual se encontra o ânus, e são raros os apêndices pigidiais. Nas espécies comensais de Aspidodrilus, a porção posterior do corpo forma um tipo de ventosa longa e achatada, utilizada para se fixar em outros vermes. Em Aulophorus, há brânquias retráteis e projeções pigidiais não retráteis, denominadas de palpos. Em Dero, também há projeções branquiais localizadas no pigídio, dentro de fossas branquiais (Figura 19.13 F e G). Hirudinomorpha Parece não haver dúvidas de que as sanguessugas são o grupo mais derivado de anelídeos. Estes animais são tão modificados em relação ao padrão do anelídeo ancestral que a natureza anelidiana não foi prontamente reconhecida pelos primeiros zoólogos. Por outro lado, apesar das sanguessugas verdadeiras (Euhirudinea) serem notavelmente uniformes em relação a praticamente todas as suas características, há alguns táxons remanescentes que permitem acompanhar a história evolutiva do grupo, ilustrando etapas intermediárias ao longo de sua linha evolutiva. Figura 19.33 Extremidade anterior da minhocavermelhadacalifórnia, Lumbricus rubellus (Haplotaxida, Lumbricina), que tem ligação do prostômio e peristômio do tipo epilobo aberto. Note o corpo com metameria do tipo homônoma, prostômio bastante reduzido, sem apêndices prostomiais, parapódios ausentes e poucas cerdas. (Imagem de Tatiana Menchini Steiner.) (Esta figura encontrase reproduzida em cores no Encarte.) Ao contrário de poliquetas e oligoquetas, o nome Hirudinomorpha não faz menção a qualquer característica da morfologia destes animais. Em vez disso, ele se refere à famosa sanguessuga europeia Hirudo medicinalis, bastante utilizada no passado como tratamento para muitas doenças e, atualmente, continua sendo aplicada em alguns casos na medicina. As sanguessugas apresentam o corpo fortemente achatado dorsoventralmente, possuem uma ventosa anterior, seguida por um corpo uniforme, terminando em uma ventosa posterior (Figuras 19.1, 19.14, 19.15 e 19.36). Ambas as ventosas são formadas por vários segmentos fundidos. A ventosa anterior, ou oral, é formada pelo prostômio, peristômio e quatro segmentos anteriores. A boca localizase ventralmente, no interior da ventosa e, na superfície dorsal desta, são frequentes a presença de ocelos (Figura 19.36). O corpo apresenta numerosas anelações externas, mas estas não refletem o número verdadeiro de segmentos, e sim correspondem a anelações secundárias dos metâmeros. De maneira similar, o pigídio participa da constituição da ventosa posterior, fundido com os últimos segmentos do corpo. Entretanto, o ânus não se localiza no interior da ventosa, mas dorsalmente a ela (Figuras 19.15 e 19.36). Todas as sanguessugas verdadeiras apresentam exatamente o mesmo número de metâmeros, embora haja discordância se o total é de 33 ou 34 segmentos, dada a dificuldade em diferenciar o prostômio e o peristômio dos primeiros segmentos, em virtude da fusão destes na ventosa anterior. Também há divergências emrelação à existência do peristômio, que alguns zoólogos consideram ausente no grupo. Para os propósitosdeste livro, foi considerado que estes animais apresentam 34 segmentos (Figura 19.36), divididos em: ventosa anterior (do prostômio ao segmento IV), tronco (segmentos V – XXVII), ventosa posterior (do segmento XXVIII ao pigídio). O tronco, por sua vez, é dividido em três outras regiões, embora as mesmas não sejam sempre discerníveis, pois o clitelo só é conspícuo em períodos reprodutivos: região préclitelar (segmentos V – VIII), região clitelar (segmentos IX – XI), região pósclitelar (segmentos XII – XXVII). Figura 19.34 Parede do corpo e organização interna em Oligochaeta. A. Corte transversal do corpo de Glossoscolex giganteus (Haplotaxida, Lumbricina), com detalhe do tiflossole, que aumenta a superfície de absorção do intestino. B. Corte transversal do corpo da minhoca terrestre Lumbricus rubellus (Haplotaxida, Lumbricina). Note o vaso subneural e os nervos segmentares. C. Esquema, em corte transversal, do corpo de uma minhoca terrestre (o lado esquerdo destaca a presença de um nefrídio completo, com nefrostômio, túbulos nefridiais e nefridióporo; o lado direito mostra a posição e projeção das cerdas notopodiais e neuropodiais e o amplo celoma). No destaque, uma porção da epiderme, com a posição das células secretoras, fotorreceptoras e sensoriais. D. Esquema com a distribuição dos feixes notopodiais e neuropodiais em uma minhoca Lumbricidae. E. Esquema do cinturão de cerdas que ocorre em cada segmento do corpo de diversos oligoquetas terrestres. per = peritônio; mc = musculatura circular; vd = vaso dorsal; ml = musculatura longitudinal; ti = tiflossole; ne = nefrídio; li = lúmen intestinal; vv = vaso ventral; cn = cordão nervoso ventral; ce = cerda; vsn = vaso subneural; ns = nervo segmentar. (Imagens de Tatiana Menchini Steiner.) (As figuras A e B encontramse reproduzidas em cores no Encarte.) Figura 19.35 Diversidade de cerdas em Oligochaeta. A e B. Capilares. C a G. Aciculares. H a J. Sigmoides. As cerdas estão completamente ausentes em todos os Euhirudinea, bem como quaisquer tipos de apêndices ao longo do tronco, exceto por brânquias ramificadas nos ozobranquídeos (Figura 19.14). São frequentes os padrões de coloração vistosos, com bandas pigmentadas repetindose ao longo do tronco (Figura 19.15 A, D e E). Em alguns casos, tais padrões podem denunciar a metameria, por meio de bandas coloridas que se repetem na posição dos metâmeros originais. Além da pigmentação, a metameria original também é perceptível externamente pela repetição dos nefridióporos ao longo do tronco (Figura 19.36). As sanguessugas também são hermafroditas, mas, ao contrário dos oligoquetas, ocorre protandria. Os gonóporos são únicos para cada sistema reprodutor e estão situados medianoventralmente, sendo o masculino no segmento X e o feminino, no XI (Figura 19.36). Alguns táxons recentes ilustram, de maneira bastante didática, etapas intermediárias das transformações ocorridas no grupo. Assim, os Branchiobdellida, cuja posição filogenética é controversa, sendo considerados hirudíneos por alguns autores e um grupo à parte por outros, apresentam apenas 15 segmentos, mas possuem as ventosas anterior e posterior (Figura 19.37 C e E). Por outro lado, Acanthobdella peledina, único representante vivo dos Acanthobdellida, possui um total de 30 segmentos, sendo os cinco primeiros com cerdas recurvadas, e não apresenta a ventosa anterior, apenas a posterior (Figura 19.37 A, B e C). Figura 19.36 Representação esquemática da morfologia externa do corpo de uma sanguessuga Euhirudinea (Hirudinomorpha). A. Vista ventral. Note as aberturas do corpo. B. Vistal dorsal. Observe os diversos pares de ocelos e a abertura do ânus. Números romanos representam segmentos verdadeiros e números arábicos, as anelações superficiais. Figura 19.37 Diversidade de Hirudinomorpha. A, B e D. Acanthobdella peledina (Acanthobdellidea, Acanthobdellida), que adere sua ventosa posterior à pele de peixes de água doce – A. Esquema da organização interna, mostrando a presença da ventosa posterior, o intestino sem cecos, o corpo com 30 segmentos e o ânus dorsal; B. Morfologia externa, com destaque das anelações secundárias e da ventosa posterior; D. Detalhe da região anterior, com a presença de cerdas recurvadas (ganchos) nos primeiros cinco segmentos, ampla ▶ cavidade celômica interna e septos intersegmentares. C e E. Branchiobdellida – C. Magmatodrilus sp., em vista dorsal, possui menos de 1 cm e fixase em crustáceos de água doce, principalmente lagostins. Os números indicam os segmentos do corpo; E. Anatomia interna, em vista lateral, com duas ventosas e o corpo com 15 segmentos. Funcionamento geral Sustentação A parede do corpo dos anelídeos tipicamente apresenta uma cutícula secretada por uma epiderme glandular, que em sua forma mais simples consiste em uma camada de células cúbicas e prismáticas (Figuras 19.2 e 19.38 A). A cutícula é composta principalmente por fibrilas de colágeno dispostas em camadas entrecruzadas, sendo que esta distribuição faz com que seja iridescente sob a luminosidade. Porém, tratase de uma membrana transparente, acelular, mais ou menos espessa (bastante fina ou até mesmo ausente em muitos poliquetas sedentários), com a função de promover certa proteção e facilitar a absorção de nutrientes e oxigênio do ambiente. A epiderme apresenta muitas células glandulares secretoras de muco para a proteção da porção externa do corpo e outras responsáveis pela produção de secreções para a construção de tubos e galerias. Existem também células sensoriais (Figura 19.34 C). Abaixo da epiderme há a lâmina basal, seguida das camadas de musculatura circular e longitudinal, nesta ordem, e, finalmente, um fino peritônio, revestindo uma ampla cavidade celômica, na maioria dos táxons (Figuras 19.2, 19.21 B e 19.34 C). Atravessando todas estas camadas e alcançando a epiderme, há uma rede de vasos capilares, as comissuras sanguíneas, que desempenham importante papel nas trocas gasosas. Apenas nos Hirudinomorpha há uma espessa camada de derme abaixo da epiderme, como consequência das peculiares transformações morfológicas que ocorreram neste grupo. As cerdas são estruturas compostas por βquitina (exceto as cerdas calcárias dos Amphinomida) e podem ter uma pequena porcentagem de constituintes inorgânicos. Elas são secretadas dentro de folículos formados por células epidérmicas, em cuja base há uma célula basal, o quetoblasto, que, em conjunto, produzem a medula e o córtex da cerda, e é no folículo que ela se fixa. Um saco setígero (Figura 19.38) é composto por diversos folículos e algumas células ectodérmicas com funções desconhecidas. A haste da cerda já produzida se projeta além da superfície e a sua movimentação é efetuada por músculos subepidérmicos conectados às células dos folículos do saco setígero, ou seja, não há qualquer musculatura intrínseca à cerda. Entre os segmentos, geralmente há septos peritoniais separando o celoma de um metâmero daqueles dos segmentos imediatamente anterior e posterior (Figura 19.2), mas o grau de desenvolvimento destes septos é altamente variável, desde completamente fechados em anelídeos que cavam mais ativamente, como as minhocas, a totalmente ausentes, como em muitos poliquetas de hábito sedentário, que vivem dentro de tubos, ou intersticiais, que caminham por entre os grãos de areia. Cada septo é formado por uma parede dupla de peritônio, composta pelo peritônio de um segmento, associado ao do segmento seguinte, ou precedente, com uma camada de tecido conjuntivo entre eles. Em anelídeos com septos completos, há pequenas aberturas, os esfíncteres, para regular o fluxo de fluido celômico entreos segmentos. Nas sanguessugas os septos são totalmente ausentes e a perda da segmentação interna ocorreu devido à ocupação do celoma por outros tecidos (Figuras 19.39 e 19.40). Figura 19.38 Formação das cerdas em Annelida, exemplificado pelos Oligochaeta. A. Corte transversal da parede do corpo de Lumbricus terrestris, com as camadas musculares e o detalhe de um saco setígero com uma cerda já formada, sua musculatura protratora associada e outra nova cerda em formação. Note a epiderme com células cúbicas. (Imagem de Tatiana Menchini Steiner.) B. Esquema que mostra a formação de uma cerda, com base em Pheretima sp., a partir do saco setígero. Observe a musculatura associada à cerda, que executa os movimentos de protração e retração. cf = cerda em formação; cut = cutícula; ec = epitélio celômico; ep = epiderme; mc = musculatura circular; ml = musculatura longitudinal; mpc = músculo protrator da cerda; mrc = músculo retrator da cerda; ss = saco setígero. (A figura A encontrase reproduzida em cores no Encarte.) Além disso, o peritônio, na linha mediana, forma uma estrutura de parede peritonial dupla, o mesentério, cujas camadas separamse apenas para envolver os vasos sanguíneos longitudinais (dorsal, ventral e, em muitas minhocas, subneural), o trato digestório e o tubo nervoso (Figura 19.2). Desta maneira, os mesentérios são semelhantes aos septos intersegmentares descritos anteriormente, exceto por não apresentarem a camada intermediária de tecido conjuntivo, ou a terem bastante reduzida em comparação com os septos. Portanto, não apenas o celoma de um metâmero pode ser completamente isolado dos demais metâmeros, em anelídeos com septos completos, mas também as metades direita e esquerda podem estar isoladas uma da outra. Além de os mesentérios sustentarem os órgãos internos e conseguirem mantêlos na devida posição em cada segmento, esta divisão do celoma entre as metades direita e esquerda proporciona uma resposta da musculatura segmentar muito mais efetiva e possibilita diferenças no comportamento da musculatura de cada lado do corpo. Assim, esta musculatura, agindo contra o esqueleto hidrostático, gerado pelo fluido celômico, proporciona um recurso muito eficiente na locomoção de poliquetas cavadores de fundos inconsolidados, que constroem as galerias onde vivem, por meio de movimentos peristálticos do corpo, gerados a cada segmento. O peritônio é um mesotélio, ou seja, um epitélio de origem mesodérmica, cuja superfície voltada para a parede do corpo apresenta células epiteliomusculares derivadas da própria musculatura longitudinal. Tais células podem, em regiões localizadas, formar músculos adicionais, como ocorre nos septos intersegmentares e nos mesentérios, nos esfíncteres, que comunicam o celoma entre dois segmentos consecutivos, ou entre as câmaras direita e esquerda do celoma de um mesmo segmento, bem como ao redor de vasos sanguíneos e do tubo digestório. A superfície voltada para o celoma é ciliada e o constante batimento destes cílios promove a circulação do fluido celômico. Além disso, as células peritoniais também formam as gametogônias em diversos grupos de anelídeos sem órgãos reprodutivos diferenciados e podem também dar origem a outros tecidos especializados, como o tecido cloragógeno de oligoquetas e alguns hirudíneos, e o tecido botrioidal, característico dos demais hirudíneos. Além de atuar como esqueleto hidrostático, o fluido celômico apresenta celomócitos responsáveis pela defesa do organismo e pelo transporte de oxigênio. Nos anelídeos com septos completos o fluido celômico encontrase limitado em cada câmara celômica, mas, naqueles com septos incompletos, ou sem septos, este fluido circula ao longo do corpo inteiro, ou, no mínimo, em uma ampla região, de maneira que ele pode também acumular funções circulatórias. Neste caso, frequentemente acontece a redução ou até o completo desaparecimento do sistema hemal. Entre os diferentes grupos de anelídeos atuais, ocorrem variações na espessura da cutícula, no desenvolvimento da epiderme e da derme conjuntiva, no grau de desenvolvimento dos septos e mesentérios, e na musculatura corporal. ■ Polychaeta Os poliquetas apresentam cutícula fina, embora de espessura variável, epiderme formada por uma única camada de células, seguida das musculaturas circular e longitudinal, sendo esta última, muitas vezes, dividida em quatro potentes feixes, dois dorsolaterais e dois ventrolaterais (Figura 19.20). Além destes, há também a musculatura parapodial, ou oblíqua, formada por feixes que se estendem da linha medianoventral aos parapódios e são responsáveis pela movimentação destes últimos (Figura 19.20). Também, em cada lobo parapodial há uma musculatura interna, responsável pela protração e retração das cerdas. Músculos que auxiliam na protração e retração das brânquias e da faringe também são encontrados. A musculatura circular tende a ser reduzida nos poliquetas que se locomovem por rastejamento, enquanto a longitudinal, comparativamente, é mais desenvolvida. Já em diversas espécies cavadoras, a musculatura circular é bem desenvolvida. Os músculos responsáveis pelos movimentos parapodiais são particularmente bem desenvolvidos em espécies que rastejam e nadam. Figura 19.39 Secção transversal do corpo de um Hirudinomorpha. A. Corte histológico de uma sanguessuga arrincobdélida, mostrando a parede do corpo e a organização interna. Note a ocupação do celoma por diferentes tecidos e também a ausência de parapódios e cerdas. (Imagem de Tatiana Menchini Steiner.) B. Esquema da organização interna do corpo da sanguessuga arrincobdélida Hirudo sp. Note a substituição do sistema circulatório original por canais celômicos. (A figura A encontrase reproduzida em cores no Encarte.) ■ Figura 19.40 Parede do corpo de Hirudinomorpha. A. Corte histológico de uma sanguessuga arrincobdélida. Note as diferentes camadas musculares, a epiderme com densa presença de células glandulares e o preenchimento do espaço celômico por outros tecidos. (Imagem de Tatiana Menchini Steiner.) B. Esquema da parede do corpo de Hirudo sp. (A figura A encontrase reproduzida em cores no Encarte.) A cavidade celômica da maioria dos poliquetas é muito ampla e há grande variação no grau de desenvolvimento dos septos intersegmentares. De maneira bastante generalizada, os escolécidos, assim como os errantes que adotaram o hábito de cavar galerias em substratos inconsolidados, possuem septos incompletos, aspecto importante para a locomoção por escavação. Já em outros errantes e alguns sedentários, entretanto, os septos podem até ser ausentes, de maneira que o fluido celômico circula por uma ampla região do corpo. Em alguns grupos, como nos Terebelliformia, há um único septo ao longo de todo o corpo, a membrana gular, geralmente entre os segmentos IV e V, isolando a região anterior, responsável pelos processos fisiológicos destes animais, como respiração e excreção, da parte posterior, responsável pela maturação e liberação de gametas. Clitellata Oligochaeta A cavidade celômica de oligoquetas, em geral, é bastante ampla, como em poliquetas, e a parede do corpo também é semelhante, com as mesmas camadas: uma cutícula de espessura variável, produzida pela epiderme, que se apoia em uma membrana basal, seguida das camadas musculares circular e longitudinal, sendo esta última revestida internamente pelo peritônio (Figura 19.34 A a C). A epiderme, nas espécies terrestres, dispõe de um grande número de células glandulares mais altas e cúbicas e as camadas musculares são mais desenvolvidas. Este aumento da função glandular é consequência da respiração cutânea dos representantes terrestres, de maneira que o tegumento deve permanecer constantemente úmido para realizaras trocas gasosas. Além disto, o muco secretado também é utilizado para revestimento das galerias que estes animais constroem e habitam. As diferenças entre poliquetas e oligoquetas em relação ao padrão de distribuição dos feixes musculares refletem o modo de locomoção adotado por estes grupos. O peritônio dos oligoquetas apresenta a mesma estrutura daquele dos poliquetas, mas, nos mesentérios dos segmentos a partir da região mediana do corpo, ocorre a diferenciação de um tecido especializado, o tecido cloragógeno, com funções de armazenamento de nutrientes e também relacionado com a excreção. Este tecido forma uma camada que varia do amarelo ao castanhoclaro e envolve o vaso sanguíneo dorsal e o intestino, principalmente em seu lado dorsal (Figura 19.34 C). Hirudinomorpha A parede do corpo de sanguessugas é notavelmente diferente daquelas dos demais anelídeos. A cutícula é muito fina, quase inconspícua, enquanto a epiderme, composta também por uma única camada de células, é ainda mais glandular do que a de oligoquetas, com grandes células glandulares mucosas, cujos corpos celulares expandidos encontramse frequentemente aprofundados na derme conjuntiva, abrindose para o exterior por meio de ductos longos e finos (Figuras 19.39 e 19.40). A derme é bastante desenvolvida, ao contrário do que ocorre nos demais anelídeos, e ocupa grande parte do interior do corpo das sanguessugas, preenchendo os espaços entre as complexas bandas musculares. A musculatura circular é uma fina camada, enquanto a longitudinal é bem mais desenvolvida e tem a forma de pacotes independentes, com feixes que se estendem pelo interior do corpo (Figuras 19.39 e 19.40). Entre as musculaturas circular e longitudinal, há feixes de musculatura diagonal ou oblíqua, responsáveis pelos movimentos de torção das sanguessugas ▶ ■ (Figura 19.40 B). Atravessando todo o corpo destes animais, do dorso ao ventre, existem diversos feixes isolados de musculatura dorsoventral, que conferem às sanguessugas o aspecto achatado característico (Figuras 19.39 B e 19.40). Ao contrário dos demais grupos de anelídeos, o corpo das sanguessugas não apresenta uma cavidade celômica típica. Com um tecido conjuntivo fibroso, ou parênquima, bastante desenvolvido e feixes musculares que se entrecruzam internamente, essa cavidade foi grandemente reduzida. Como não há septos nem mesentérios para dividir o celoma em compartimentos, a reduzida cavidade celômica fica restrita a quatro canais longitudinais principais, os quais atravessam todo o corpo, e canais secundários intercomunicantes (Figura 19.39 B). Estes espaços celômicos participam diretamente do processo de circulação dos nutrientes. Ainda em decorrência da redução do celoma, o tubo nervoso também está inserido no interior do canal celômico ventral (Figura 19.39). O mesotélio celômico produz um tecido que se acumula ao redor dos canais celômicos, semelhante a um mesênquima, formado por grandes células de armazenagem de nutrientes, denominado de tecido cloragógeno nos rincobdélidos e tecido botrioidal nos arrincobdélidos (Figuras 19.39 e 19.40). A presença desse tecido bastante desenvolvido reduz ainda mais o espaço celômico, especialmente na família Hirudinidae. O aspecto achatado do corpo, associado à grande redução do celoma e ao corpo internamente preenchido pela derme e pelo mesênquima, fez com que as sanguessugas fossem inicialmente consideradas como Platyhelminthes, antes que a ligação com os demais anelídeos fosse devidamente estabelecida. Da mesma maneira que ocorre com a morfologia externa do corpo, também em relação à anatomia interna há táxons que ilustram etapas intermediárias da história evolutiva da linhagem das sanguessugas. Desse modo, os Branchiobdellida apresentam septos intersegmentares na região mediana do corpo (Figura 19.37 E) e sistema hemal semelhante ao descrito para poliquetas e oligoquetas. Acanthobdella peledina tem amplas cavidades celômicas, com septos intersegmentares e cerdas, restritas aos primeiros cinco segmentos (Figura 19.37 A, B e D). Movimento Apesar de haver uma variedade relativamente grande de estratégias locomotoras em anelídeos, praticamente todas utilizam o princípio da ação antagônica das musculaturas circular e longitudinal, contra um esqueleto hidrostático fornecido pelo fluido celômico ou contra um denso corpo mole, por vezes com a participação de estruturas acessórias, tais como parapódios, cerdas e ventosas. Mas há algumas exceções, como os movimentos serpenteantes de muitos poliquetas, nos quais a musculatura circular tem função bastante reduzida, ou ainda a natação de alguns poliquetas, que se dá principalmente por ondulações dos lobos parapodiais membranosos, por exemplo. Qualquer corpo preenchido por um fluido mantém, obrigatoriamente, o próprio volume constante, independentemente da deformação que possa ocorrer em sua superfície. Desta maneira, a contração da musculatura circular da parede do corpo de anelídeos ao redor de uma câmara celômica, por sincronia oposta, leva à distensão da musculatura longitudinal e viceversa. Assim, em espécies com septos completos, o alcance das ondas musculares é restrito a um segmento, o que possibilita o controle maior de cada compartimento em particular (Figura 19.41). Em animais com septos incompletos e amplo celoma, mais segmentos participam de cada onda muscular, mas o princípio envolvido é o mesmo, culminando no caso de sanguessugas e muitos poliquetas que não apresentam septos e a ação da musculatura atua simultaneamente sobre todo o corpo do animal. As diferentes estratégias locomotoras verificadas em anelídeos estão diretamente relacionadas com o hábito de vida desses animais. Qualquer que seja o mecanismo adotado, são capazes de reverter a direção do movimento se encontrarem obstáculos em seu caminho. Polychaeta Os parapódios e as cerdas de poliquetas têm importante função na locomoção, qualquer que seja a estratégia adotada. Nas linhagens de poliquetas que adquiriram secundariamente a condição de parapódios unirremes, a redução foi sempre dos notopódios, nunca dos neuropódios, uma vez que estes é que entram em contato com o substrato. Todavia, é importante ressaltar que os parapódios não são apêndices sobre os quais há um apoio para andar, como nos artrópodes, exceto em casos raros. Em vez disso, funcionam de maneira similar a remos, “empurrando” o substrato para que o animal se mova na direção contrária, no caso dos errantes, ou projetando as cerdas de encontro ao tubo ou à parede da galeria para dar a tração que possibilita o movimento, no caso dos sedentários. Da mesma maneira, as cerdas podem apenas se projetar de encontro ao substrato ou às paredes dos tubos e das galerias para prover ancoragem e tração, pois não têm musculatura intrínseca que lhes dê condições de realizar qualquer outro tipo de movimento. Figura 19.41 Movimento em Annelida. Demonstração da eficiência da segmentação no movimento de escavação peristáltica. A onda de escavação peristáltica é sustentada, nos vermes segmentados, com menos envolvimento muscular e menos esforço em geral, do que nos vermes não segmentados, devido à pressão hídrica máxima (Pmáx) estar localizada em poucos segmentos ao longo do corpo. Esta eficiência pode ser uma das explicações para a grande irradiação dos anelídeos. Em vermes não segmentados, há mais esforço muscular, tendo em vista que o celoma não é compartimentalizado. Pmín = pressão hídrica mínima. Um modo de locomoção bastante estudado entre os poliquetas errantes é o serpenteante, realizado por meio de ondulações em forma de “S”, que ocorre, principalmente, em formas com septos e mesentérios completos. Neste tipo de locomoção, as forças musculares
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