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Lisa Parkinson Mediação Familiar Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 1 Título Lisa Parkinson - Mediação Familiar Autoria Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios | Ministério da Justiça Editora Agora Comunicação Design Gráfico AcPrint Produção Gráfica AcPrint Tiragem 500 exemplares 1.ª edição Março de 2008 Depósito Legal ____________ ISBN 978-989-8024-10-7 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 2 Lisa Parkinson Mediação Familiar Ministério da Justiça Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios Março de 2008 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 3 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 4 ÍNDICE NOTAS DE ABERTURA............................................................................................................................................ 7 Filipe Lobo d’Avila Director do Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios......................................................................... 9 Juan Carlos Vezzulla Presidente do Conselho Científico do Instituto de Mediação e Arbitragem de Portugal ......................... 11 Capítulo I – Mediação e conflito ....................................................................................................................... 15 Capítulo II – Diferentes modelos de mediação familiar .................................................................... 39 Capítulo III – Comprometer ambas as partes na mediação........................................................... 69 Capítulo IV – Linguagem e técnicas de comunicação ....................................................................... 101 Capítulo V – Iniciar a mediação....................................................................................................................... 125 Capítulo VI – Crianças, adolescentes e mediação familiar ............................................................ 149 Capítulo VII – Gerir desequilíbrios de poder em mediação ........................................................ 183 Capítulo VIII – Estratégias para situações de impasse...................................................................... 207 Capítulo IX – O futuro da mediação familiar......................................................................................... 237 Sinopse da Mediação Familiar em Portugal .............................................................................................. 263 Bibliografia....................................................................................................................................................................... 267 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 5 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 6 NOTAS DE ABERTURA Filipe Lobo d’Avila Juan Carlos Vezzulla Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 7 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 8 Filipe Lobo d’Avila Director do Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios As primeiras linhas deste texto são dedicadas para expressar o sincero agradecimento à autora, Lisa Parkinson, pelo consentimento prestado para a tradução e edição desta obra em Portugal. Anteriormente, o Ministério da Justiça já tinha beneficiado da sua prestimosa colaboração, disponibilidade e ensinamentos, quer por ocasião da realização da IV Conferência Meios Alternativos de Litígios, quer com a publicação do artigo A formação de mediadores familiares no Reino Unido, na NewsletterDGAE nº4, de Dezembro de 2004. Lisa Parkinson é uma personalidade altamente conceituada e de reconhecido mérito internacional na área da mediação familiar, quer como mediadora familiar quer como formadora de mediadores familiares, com mais de 25 anos de experiência. Esta iniciativa editorial para além de prosseguir a missão e atribuições do Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios, encontra justificação na total ausência de monografias nacionais versando a temática da mediação familiar e assume particular relevo no momento propício em que se assume como objectivo para 2008, o alargamento do Sistema de Mediação Familiar a todo o território nacional. A obra que agora se publica espelha a experiência e reflexão da autora ao longo da sua extensa prática como mediadora familiar. O livro começa por abordar os conceitos básicos de mediação e do conflito, por apresentar diferentes modelos de mediação familiar, para de seguida explanar diversas técnicas de mediação familiar, como por exemplo: 1) Comprometer ambas as partes no processo de mediação familiar; 2) Gerir desequilíbrios de poder em mediação; 3) Aplicar estratégias para situações de impasse. A obra termina com um capítulo sobre o futuro da mediação, onde se expõe de forma breve a situação da mediação familiar na Europa, com referência ao recurso à mediação em situações de disputas internacionais de filhos e a diferentes 9 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 9 tipos de mediação (com deficientes, em situação de cuidados com idosos e em contendas de heranças). Menciona, ainda, redes informáticas sobre mediação e diferentes facetas do papel do mediador. Pelo exposto consideramos que esta obra é indispensável para qualquer interessado na temática da mediação familiar. Com a perspectiva de enriquecer a presente publicação apresentamos no final uma sinopse da mediação familiar em Portugal. Por último, resta-nos, uma vez mais, agradecer o fantástico e generoso contributo da Lisa. O nosso muito obrigado. 10 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 10 Juan Carlos Vezzulla Presidente do Conselho Científico do Instituto de Mediação e Arbitragem de Portugal Quando Lisa me pediu para redigir a introdução à edição portuguesa de seu livro tive lembranças que me ligavam a ela e a Portugal. Lembranças de trabalhos e encontros que começam no ano 2000, na III Conferência do Fórum Mundial de Mediação, na Sardenha, em Itália. A partir desse Congresso começámos a trabalhar juntos no Conselho de Administração dessa entidade internacional. Casualmente, nesse mesmo ano fui convidado pelo Ministério da Justiça português, através da recém criada Direcção-Geral da Administração Extrajudicial, para participar na I Conferência RAL. Desde então Lisa, Portugal e eu continuamos unidos. A mediação familiar tem sido o nosso eixo de união e a nossa paixão comum. Hoje em dia é dificil dar uma definição do que é uma família, pois as grandes transformações sociais, psicológicas e legais vividas leva-nos a considerar questões impensáveis até hà poucos anos a trás. Os laços de sangue, ponto de partida para falar de família no passado, assim como a rígida distribuição de funções entre os seus membros já não são mais indicadores fundamentais da família. Famílias monoparentais, homossexuais e a crescente quantidade de casais que optam por não ter filhos, dão conta de novas composições familiares. Mas fundamentalmente a passagem do exercício absoluto do poder paternal a uma salutar e democrática participação de todos os membros na tomada de decisões demonstra claramente a enorme evolução e a mudança vivida em poucos anos. Legalmente o Direito de Família passou também por transformações muito significativas, de espaço privado, onde o pai era dono da mulher e dos filhos, à situação actual onde mulheres, crianças e adolescentes gozam de direitos especiais que levam a que seja exercida uma tutela pública quando esses direitos não são atendidos. Tanto a comunidade que deve denúnciar a miníma suspeita do desrespeito desses direitos, quanto o Estado que com a criação de espaços especiais atende os casos de violência doméstica, na protecção dos seus membros, cuidam do exercício desses direitos com uma tutela especial. 11 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 11 Todas estas característicasexigem logicamente uma abordagem diferente dos conflitos familiares que acompanhe os novos direitos e o sistema relacional mais respeitoso e cooperativo, onde as necessidades e desejos de todos são tomados em consideração na hora de decidir. Se o patriarcado correspondia ao sistema judicial de decisões impositivas, o novo modelo de interacção corresponde sem dúvidas à mediação e ao seu sistema de autodeterminação na base da cooperação, do respeito e fundamentalmente da responsabilidade. Pioneira da mediação familiar em Europa, uma das fundadoras do Fórum Mundial de Mediação e também do Fórum Europeu de Mediação Familiar, Lisa manteve sempre uma permanente exigência por acompanhar as mudanças das famílias e assim poder, pelo seu trabalho, oferecer mais no atendimento das demandas da sociedade. A publicação desta obra é sem dúvida um grande acontecimento para todos os mediadores de Portugal e dos outros países de língua portuguesa por várias razões: Primeiro porque este livro resume os anos de experiência de trabalho com famílias na Grã-Bretanha e noutros países onde Lisa desenvolveu a sua actividade de mediadora familiar; Segundo porque, pioneira na Europa, Lisa Parkinson soube dar à mediação familiar a sua verdadeira dimensão e função humanas, pela abordagem que faz dos conflitos entre os cônjuges e entre os pais e os filhos, nessa difícil, mas misteriosamente atraente vida familiar; Terceiro porque Lisa expressa os seus conhecimentos, experiências e técnicas com uma grande humildade e simplicidade, como se toda essa difícil função de ser mediador familiar fosse a sua forma natural e espontânea de auxiliar as famílias a entenderem e resolverem os seus conflitos; Quarto porque incorpora as contribuições das diversas escolas de mediação e contribui ela própria com técnicas e procedimentos sem se enaltecer, nem se colocar numa posição de possuidora da verdade que exclui outros conceitos ou práticas. Este livro é o reflexo da sua experiência, teórica e prática, que tem demonstrado excelentes resultados. 12 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 12 Mas, o aspecto mais importante que me levou a aceitar o convite de Lisa para escre- ver esta introdução foi ela própria: Lisa Parkinson que é uma das pessoas mais admi- ráveis que se possa conhecer. Sensível, perceptiva, respeitosa e com uma capacidade pedagógica ímpar, está sempre disposta a acolher, a compreender e a contribuir coope- rativamente em todas as circunstâncias com todas as pessoas com as quais se relaciona. Por termos participado juntos em tarefas científicas, pedagógicas e institucionais posso dizer que se aprende com ela tanto nas aulas quanto na vida quotidiana, na informalidade. Ler o seu livro é como estar a ouvi-la nas suas aulas. Em Portugal, o nosso trabalho em conjunto tem passado pela capacitação em mediação familiar dos mediadores de conflitos e pela orientação de seminários vocacionados para os mediadores de família, como formação complementar. Com toda essa experiência não tenho dúvidas de que a publicação deste livro revela-se imprescindível para os que trabalham os conflitos familiares por ser um dos manuais que melhor define e delimita a abordagem da mediação. Finalmente e por tudo o aqui foi expressado considero importante destacar os méritos do Ministério da Justiça, através do Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios por terem escolhido este texto para integrar a sua colecção de publicações. O meu reconhecimento a Lisa Parkinson por ter escrito este manual e autorizar sua publicação em português, ao Ministério da Justiça, aos mediadores de família que com tanto esforço trabalham, a maioria deles, desinteressadamente para oferecer à população o melhor serviço, porque graças a vós a mediação familiar esta viva em Portugal e pode assim receber uma obra desta importância científica e profissional. Unindo esforços esperemos que os leitores desta obra se convençam da grande função da mediação na abordagem dos conflitos familiares e sua transcendência pacificadora e emancipadora nas comunidades e divulgue estes conceitos para implantar a cultura da mediação definitivamente em Portugal. Por todo isso, escrever esta nota de introdução ao livro de Lisa Parkinson tem sido para mim muito gratificante e representa uma grande honra. 13 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 13 14 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 14 Capítulo I MEDIAÇÃO E CONFLITO A necessidade urgente de encontrar meios pacíficos para resolver conflitos e diferendos Conflitos violentos e actos de destruição maciça constituem tremendas ameaças para a sobrevivência da nossa sociedade e do meio em que ela se desenvolve no século XXI. Conflitos violentos dão origem a receios profundos e causam enorme sofrimento. E, dado que os conflitos são tão perigosos, as reacções biológicas aos conflitos e às agressões são normais em todos os animais, incluindo os humanos. Muitas das reacções são do tipo “lutar ou morrer”. Muitos animais evitam instintiva- mente o conflito directo, submetendo-se ao indivíduo ou ao grupo que reconhecem como o mais forte. As sociedades humanas elaboraram maneiras mais sofisticadas para tentar resolver os conflitos, incluindo a negociação e a mediação, mas muitas vezes falham na sua utilização. As reacções aos conflitos nas chamadas “sociedades desen- volvidas” são frequentemente primitivas e as consequências geralmente desastrosas. Acresce que o conflito em si não é nem positivo nem negativo, é uma força natural necessária para crescer e mudar. A vida sem conflitos seria estática. O importante é ver se, e como é o conflito gerido. Se o conflito for gerido cuidadosamente, não precisa de ser destrutivo. Não precisa de destruir indivíduos ou comunidades, nem o relacionamento entre eles. A energia que é produzida num conflito pode ser canalizada construtivamente em vez de destrutivamente. Quando os conflitos são resolvidos duma forma integradora em vez de se optar pela via da disputa, as relações podem ser mantidas e até reforçadas. Com boa vontade por parte das facções litigiosas, as percepções e as atitudes duns para com os outros podem ser diferentes. A atmosfera modificada de abertura, de escuta e de cooperação pode irradiar deles para outros membros da sua família ou comunidade. De acordo com o ensinamento Budista, 15 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 15 podemos aprender que “a maior parte do nosso tempo é gasta a analisar diferenças. Concentremo-nos agora em semelhanças, no que existe de comum entre … opositores antagónicos …Procurem o que os une em vez do que os separa … procurem esta relação e serão mais amáveis com cada um dos parceiros” (Juiz Christmas Humphreys, 1984, pág. 158). A mediação oferece meios positivos para resolver disputas e para gerir conflitos. Na mediação, o mediador assume uma posição central e equilibrada entre os participantes. A partir dessa posição central, o mediador pode ajudá-los a canalizar e a conciliar as suas energias procurando encontrar soluções em vez de se hostilizarem, recusando ou aceitando compromissos que deixam bastante a desejar. Como definir mediação A palavra “mediação” deriva do latim “medius, medium”, que significa “no meio”. Mediação é um “processo de colaboração para a resolução de conflitos” no qual duas ou mais partes em litígio são ajudadas por uma ou mais terceiras partes imparciais (mediadores) com o fim de comunicarem entre elas e de chegarem à sua própria solução, mutuamente aceite, acerca da forma como resolver os problemas em disputa. Os mediadores ajudam as partes a explorar as opções disponíveis e, se possível, a atingir decisões que satisfaçam os interesses de todos os envolvidos. Os participantes são ajudados a chegar às suaspróprias decisões voluntariamente e com conhecimento de causa, sem ameaças ou pressões uns dos outros e sem directivas por parte do mediador. Quando a solução proposta tem consequências legais, é-lhes normalmente recomendado obterem separadamente um parecer jurídico independente antes de se esforçarem por formalizar o seu consenso por meio dum acordo legalmente vinculativo. A mediação é entendida internacionalmente como o termo genérico que cobre diversas formas de intervenção usadas para resolver disputas de múltipla natureza – civil e comercial, vizinhança e comunidade, alojamento, divórcio e outros tipos de disputas familiares, saúde, educação, emprego, sistema de justiça criminal e disputas do foro internacional. A palavra mediation é usada com apenas variações menores de ortografia e pronúncia em inglês, francês, alemão, italiano, espanhol e português. A mediação é largamente utilizada através do mundo inteiro, desde a Europa e América do Norte à Austrália e Nova Zelândia, China e Japão. Nos países de língua espanhola e portuguesa, o uso da mediação desenvolveu-se rapidamente. Multiplicam-se as trocas internacionais entre mediadores através de literatura, relatórios de investigação, conferências e Internet. 16 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 16 Mediação – origens e desenvolvimento A mediação é vista muitas vezes como um novo processo, embora na verdade ela tenha um longo legado em civilizações e culturas muito diferentes. Na antiga China, Confúcio incentivou as pessoas a usar a mediação em vez de recorrer aos tribunais. No século V a.C., Confúcio chamou a atenção para o facto do sistema litigioso ser susceptível de deixar as partes cheias de azedume e incapazes de colaborarem umas com as outras. Recomendou que, em vez de irem a tribunal, as partes deviam encontrar-se com um pacificador neutro que as ajudaria a conseguirem um entendimento. Os antropólogos, por seu lado, têm documentado a tradição existente em muitas partes de África de convocar uma assembleia na qual os anciãos tribais mais respeitados são solicitados para ajudarem a resolver as disputas entre indivíduos, famílias ou aldeias. Conhecem-se muitos exemplos de mediação desde tempos recuados em comunidades na Europa e na América do Norte. Entre os deveres dum chefe índio Cheyenne contava-se o de actuar como pacificador e mediador para resolver quaisquer querelas que surgissem no acampamento. Os antigos Quakers usavam a mediação como o meio preferido para resolver disputas conjugais e comerciais. Em Inglaterra, na década de 1860, foram criados os primeiros Conselhos de Conciliação para ajudar a resolver contendas em certas indústrias. Há uma longa tradição de mediação nas comunidades judaicas. A Comunidade Judaica Americana de Nova Iorque fundou o Conselho Judaico de Conciliação para promover a resolução consensual de disputas. Em cada esfera de actividade a mediação tem sido utilizada de diversas formas para facilitar a comunicação e para ajudar as partes em litígio a chegar a decisões consensuais. O uso da mediação tornou-se mais formal em muitos sectores – em matérias laborais, na indústria e no comércio, na saúde e educação e no sistema de justiça criminal, nomeadamente com a introdução de uma justiça restaurativa entre vítima e ofensor. A mediação comunitária é usada para resolver disputas entre vizinhos no que se refere a limites de propriedade, ruído ou utilização de bens comuns, e problemas entre senhorios e inquilinos. A nível internacional, os mediadores podem ser chamados para ajudar a resolver disputas entre diversos países ou comunidades. Foram mediadores que ajudaram a conseguir o acordo negociado entre Israel e a Palestina em Janeiro de 1997 sobre a retirada das forças de Israel da zona ocidental da cidade de Hebron. Ainda que as esperanças de paz no Médio 17 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 17 Oriente se tivessem esfumado, isso não significava que o diálogo devesse cessar – pelo contrário, devia ser continuado com renovada energia e determinação para encontrar soluções pacíficas. Nelson Mandela, o anterior presidente da África do Sul, talvez tenha sido o mediador internacional mais aclamado. Em Julho de 2000, Nelson Mandela usou as suas qualidades de mediador na ruinosa contenda que se verificou no interior da África do Sul a propósito da causa da SIDA, mostrando aos cientistas e aos políticos a urgência de trabalhar em conjunto numa luta contra uma doença que estava a devastar a África. O Prémio Nobel da Paz de 2000 foi concedido ao Presidente da Coreia do Sul, Kim Dae Jung, pelo seu infatigável trabalho no sentido de resolver o conflito e promover a paz entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. Desde a sua eleição como Presidente, Kim Dae Jung melhorou extraordinariamente as relações entre os dois países através da sua política de congregar 70 milhões de coreanos. Nalguns países, a mediação é o caminho normal para resolver disputas, chegando mesmo a ser obrigatório. A moderna China, com mais de um bilião de habitantes, tem cerca de um milhão de mediadores. Existem mediadores praticamente em toda a parte, e as disputas no seio das famílias, das comunidades ou nos locais de trabalho são normalmente resolvidas por mediação (Cloke, 1987). Os mediadores chineses e japoneses possuem autoridade, e espera-se que defendam os valores morais, que reprovem a maldade e a injustiça duma das partes e que louvem a outra por agir correctamente. As partes em litígio devem, supostamente, resolver as suas diferenças duma maneira responsável e pacífica para o bem da família e da sociedade como um todo. Esta abordagem paternalista é aceite tanto na China como no Japão, países em que a ênfase posta em preceitos e persuasão morais parece funcionar bem. Em contrapartida, a mediação é vista noutros países como um meio de capacitar as partes para tomarem as suas próprias decisões e estabelecer os seus próprios acordos. Muitos países criaram legislação e procedimentos que autorizam os tribunais a remeter processos para mediação e que encorajam as decisões pré-judiciais. A Austrália foi um dos primeiros países a elaborar uma legislação no sentido de usar a mediação em disputas de âmbito familiar (Family Law Act of Australia, 1975). A legislação na Austrália é anterior à formulação dos serviços de mediação para famílias. Na Inglaterra e no País de Gales, a Lei da Família de 1996 foi baseada em vinte anos de iniciativas locais voluntárias para assegurar serviços de mediação familiar. 18 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 18 Benefícios da mediação versus processos litigiosos A comparação entre mediação e processos litigiosos tem tendência a apresentar a mediação como a “boa” solução e os processos litigiosos como “os maus da fita”. Este julgamento simplista não é justo para nenhum dos sistemas. A mediação nem sempre é adequada nem possível, e mesmo que o seja, não é seguro que conduza a um acordo. A mediação tem limitações e os resultados finais variam de caso para caso. Há muitos casos em que a via judicial deve ser usada em vez de (ou em conjunto com) a mediação. Muitos tribunais actuam nos dias de hoje segundo processos orientados para conseguir um acordo. Contudo, as partes em disputa, que se arriscam a ser envolvidas em procedimentos judiciais demorados e adversos têm o direito de saber as diferenças entre processos litigiosos e mediação, de modo a poderem fazer uma escolha com conhecimento de causa e estando cientes de que os processos litigiosos envolvem custos emocionais e financeiros. Processos litigiosos Mediação As partes são tratadas como adversários As partes são estimuladas a procura interesses mútuos As questões são definidas pelos advogados As partes explicam as questões pelas suasrecorrendo a termos legais próprias palavras Os advogados actuam como defensores Os participantes falam e escutam-se um ao outro do seu cliente As posições radicalizam-se, afastando As diferenças são reduzidas, estabelecem-se pontes ainda mais os casais Os processos estão sujeitos a regras legais formais Os processos são informais, confidenciais e flexíveis Os processos duram normalmente muito Os acordos podem ser atingidos rapidamente tempo e sofrem atrasos As partes confiam nos seus advogados Os participantes explicam as suas necessidades A atenção está centrada em danos A atenção está centrada na procura de soluções e ofensas do passado futuras Os estados de conflito e de tensão O conflito resolvido e a tensão diminui são prolongados Dificuldade em considerar diferentes alternativas Pondera todas as opções disponíveis Os custos são elevados para os litigantes Os custos legais podem ser reduzidos ou evitados e para o Estado As decisões são impostas pela autoridade judicial A tomada de decisão é participada As decisões impostas têm menos probabilidades As decisões consensuais têm maiores de subsistirem probabilidades de perdurarem 19 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 19 RAD – Resolução Adequada de Disputas1 A mediação é um dos processos do grupo – que inclui ainda a negociação e a arbitragem –, em que se procura chegar a um acordo. Estes processos encontram-se genericamente agrupados sob o título de Resolução Alternativa de Disputas (RAD). Neste contexto, entende-se Alternativa como uma opção aos processos judiciais. Mas parece mais correcto designá-los por Resolução Adequada de Disputas do que por Alternativa, uma vez que negociação e mediação são frequentemente usadas em conjugação com processos judiciais, muito mais do que como um substituto. Negociação, arbitragem, conciliação e mediação – o que os diferencia? A negociação directa é um processo bilateral no qual as partes negoceiam directamente entre si, sem pedirem a outras pessoas para conduzir ou acompanhar as suas negociações. Em casos de separação ou de divórcio, muitos casais elaboram eles próprios grande parte do acordo, embora possam eventualmente precisar de ratificar essas resoluções por um tribunal ou por uma autoridade administrativa. NEGOCIAÇÃO DIRECTA Negociação indirecta através de representantes: É muitas vezes difícil para as partes negociarem directamente quando o seu relacionamento foi fragmentado. De modo idêntico, também a comunicação fica muitas vezes afectada. A tendência consiste em utilizar o serviço de advogados. Um grande número de acordos é obtido por negociação através de representantes legais. Os advogados experientes com conhecimento em negociação resolvem a maior parte dos seus casos por esse método, e só raramente recorrem à via 20 1 ADR – Appropriate Dispute Resolution João Susana Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 20 judicial. Se, porém, as negociações falharem, há sempre a possibilidade de nomear advogados para representar cada uma das partes em tribunal. NEGOCIAÇÃO ATRAVÉS DE ADVOGADOS Arbitragem: Quando as partes envolvidas numa disputa decidem recorrer à arbitragem, pedem a um especialista independente ou a um painel de especialistas independentes para tomar ou recomendar uma decisão. A decisão do árbitro tem força executiva, mas pode acontecer que seja apenas dada a título de recomen- dação. A audição é privada e as partes podem decidir aspectos formais, como por exemplo, a gravação dos debates. As partes têm normalmente representação legal na audição. Mediação familiar O termo mediação familiar é usado na Europa preferencialmente ao termo mediação de divórcio, que é correntemente utilizado nos Estados Unidos. A mediação de divórcio não é relevante para o enorme número de casais que vivem juntos sem estarem casados. Além disso, só dá uma mensagem unilateral, por se apresentar como a favor do divórcio e do lado do parceiro que inicia o divórcio. A ênfase sobre a palavra família é muito importante por outras razões. Há muitos tipos de litígios envolvendo famílias – por exemplo disputas pais-filhos, adopção, cuidado dos idosos, questões de heranças – que não implicam soluções de separação ou divórcio. A mediação pode ser utilizada entre os pais e um adolescente que tenha saído de casa, entre irmãos que podem não concordar se um dos pais idosos deve ir para um lar, ou entre a primeira e a segunda esposa e os possíveis filhos de ambos os matrimónios envolvidos numa disputa de herança. A utilização mais corrente da mediação familiar verifica-se em casos de separação ou de divórcio, em que os pais são ajudados a manter o seu papel de pais, e ao mesmo tempo a separarem as suas preocupações conjuntas como pais, da raiva e tristeza de terminarem o seu relacionamento enquanto casal. Os pais 21 João Advogado do João SusanaAdvogado da Susana Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 21 são ajudados a concentrarem-se nas necessidades e sentimentos individuais dos seus filhos, e a construírem planos para os mesmos. Desde que haja acordo entre os pais, outros membros da família, como padrastos/madrastas, avós ou filhos podem ser incluídos no processo de mediação. Trata-se dum processo para famílias em transição duma estrutura familiar para outra: os seus objectivos consistem em facilitar a comunicação, tomar decisões cooperativos e renegociar o relacionamento. A mediação familiar tem sido definido como “um processo no qual uma terceira pessoa imparcial ajuda os que estão envolvidos numa ruptura familiar, e em especial, casais em vias de separação ou de divórcio, a comunicar melhor entre eles e a atingir de comum acordo e com base em informação adequada as suas próprias decisões sobre alguma ou todas as questões relativas a separação, divórcio, filhos, finanças ou propriedades (Colégio de Mediadores Familiares do Reino Unido, Código de Procedimentos, 1995) MEDIAÇÃO Os princípios fundamentais da mediação familiar Os princípios e limites da mediação são determinados para definir a sua identidade única, para preservar a sua integridade e para salvaguardar aqueles que a utilizam. Esses princípios e fronteiras diferenciam a mediação conduzida por mediadores qualificados de práticas informais de mediação que são muitas vezes prestadas por um amigo comum ou por um parente de confiança. 22 João Susana Mediador Discussão à volta da mesa Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 22 De forma sumária os princípios fundamentais são: 1. Participação voluntária (obrigatória nalguns países) 2. Imparcialidade do mediador (designada por vezes por “neutralidade”) 3. Denúncia, por parte do mediador, de qualquer conflito de interesses 4. Capacitar as partes para tomarem as suas próprias decisões mediante esclarecimentos 5. Respeito pelos indivíduos e pela diversidade cultural 6. Segurança pessoal – protecção contra riscos 7. Confidencialidade, sujeita a certas limitações 8. Privilégios legais 9. Atenção focada no futuro, e não no passado 10. Maior ênfase nos interesses comuns do que nos individuais 11. Ter em consideração os interesses de todos os envolvidos, incluindo os filhos 12. Competência do mediador 1. Participação voluntária O termo “mediação compulsiva” é geralmente encarado como uma expressão contraditória. Há uma diferença importante entre propor a participação numa reunião de esclarecimento e uma mediação compulsiva. Na reunião preliminar de informação o mediador explica as vantagens da mediação familiar como um processo voluntário: os que nela tomam parte precisam de participar livremente, sem serem forçados e sem terem medo. Devem ter a liberdade de abandonar a mediação em qualquer fase da mesma. Por seu lado, o mediador podetambém dar por terminada a mediação se a mesma deixar de ser útil ou não se vislumbrar qualquer possibilidade de progresso. 2. Neutralidade e imparcialidade Um mediador é muitas vezes referido como uma terceira parte neutra. Mas o termo “neutralidade” é susceptível de assumir sentidos diversos. Por exemplo, significa “imparcialidade” na medida em que o mediador não é parte interessada. Em segundo lugar, neutralidade pode querer dizer que o mediador não tem qualquer interesse material ou pessoal no resultado do processo de mediação. 23 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 23 Imparcialidade pode também envolver o conceito de “equidistância”, significando que o mediador presta igual atenção a todos os participantes e gere o processo duma maneira equilibrada e imparcial. Muitos mediadores consideram-se imparciais, mas reconhecem que não conseguem ser neutros. Os mediadores não podem ser neutros se a neutralidade significar que eles não trazem valores e não exercem qualquer influência no processo de mediação. Qualquer terceira parte está obrigada moralmente a influenciar não apenas a maneira como as partes negoceiam, mas também o próprio conteúdo das suas negociações. Os mediadores intervêm selectivamente com formas que podem sugerir ou reforçar certos valores. Há uma continuidade entre a facilitação “pura”, não dirigida pelos mediadores, e as intervenções pró-activas. Os mediadores poderão encontrar-se em diferentes estados evolutivos neste percurso contínuo, mas todos se consideram como mediadores. A formação profissional dos mediadores pode influenciar o seu entendimento do que significa na prática neutralidade e imparcialidade. Mediadores com uma experiência jurídica podem ver a neutralidade e a imparcialidade em termos de princípios legais e em estrita conformidade com a lei. Mediadores treinados em disciplinas de saúde mental estarão menos inclinados a considerar-se neutros e mais dispostos a definir imparcialidade em termos de manutenção de equidistâncias. Mediadores treinados em ciências humanas podem estar também mais conscientes da influência potencial dos seus valores pessoais e profissionais e dos seus próprios condicionalismos. Existe igualmente alguma controvérsia sobre se os mediadores desempenham algum papel como educadores, para explicarem aos pais o que os filhos precisam em processos de separação e de divórcio (ver capítulo 6). Os mediadores que pensam que sabem melhor do que os pais o que é melhor para os seus filhos – ou que aconselham as partes sobre o que seria uma solução financeira correcta – estão nitidamente a ultrapassar as fronteiras do papel do mediador. 3. Denúncia, por parte do mediador, de qualquer conflito de interesses Os Códigos Profissionais de Conduta para mediação podem indicar que, nos casos em que o mediador tem um conhecimento prévio e/ou uma relação prévia profissional ou social com alguma ou com ambas as partes, não deve aceitar a mediação. Deve ser nomeado outro mediador, mesmo que as partes não tenham nenhuma objecção contra o primeiro nome, pois podem não fazer ideia da 24 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 24 influência potencial do conhecimento prévio do mediador ou da relação com um deles. O envolvimento prévio como um consultor jurídico é incompatível com a imparcialidade que se exige a um mediador, que não pode ser influenciado por quaisquer conhecimentos ou impressões prévias. Em muitas situações, a regra do conflito de interesses é evidente. Deveria ser óbvio que um advogado que esteja a trabalhar presentemente para uma das partes não pode actuar como um mediador imparcial. Deveria ser, também, óbvio que um advogado que defendeu uma das partes num divórcio anterior não deveria assumir o papel de mediador, porque inevitavelmente essa situação seria influente na mediação. A Law Society of England and Wales publicou um Código de Procedimentos para a Mediação Familiar (1999) no qual se indica que a mediação não se deveria realizar “se o mediador ou um membro da sua empresa tiver trabalhado para qualquer das partes mesmo em questões não relacionadas com a mediação, salvo se tal tiver sido comunicado às partes, e que estas consintam” (s.3.4.3). 4. Capacitação dos participantes na tomada esclarecida de decisões A capacitação é um princípio fundamental da mediação. Tal como a neutralidade, a capacitação tem um certo número de significados. Por um lado, há capacitação por partilha de conhecimento. Os mediadores ajudam as partes a tomarem as suas próprias decisões, baseadas em informação e ponderação. Os mediadores explicam que o pleno conhecimento da situação financeira é indispensável em mediação, em todas as suas vertentes, e encorajam o fornecimento completo da informação e documentação, de maneira a que os debates e as decisões sejam baseadas no facto de que ambas as partes tenham recebido e tomado em consideração toda a informação pertinente. É pedido aos participantes que assinem um Termo de Consentimento da Mediação2, no qual se comprometem a fornecer diversas informações, entre as quais informação financeira. O mediador ajuda-os a obter a informação e os documentos que lhes permitirão chegar a um acordo com pleno conhecimento de causa. Eles podem ser aconselhados a esclarecerem com os seus consultores jurídicos sobre as revelações feitas pela outra parte e a obterem conselho 25 2 Nota do editor – O Termo de Consentimento da Mediação é um documento em que as partes assumem voluntariamente um processo de mediação e aceitam as regras estipuladas. Em Portugal este documento é assinado pelas partes e pelo mediador. Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 25 sobre se é necessário realizar mais averiguações desse foro. A mediação deve cessar se uma das partes se recusar a fornecer informações ou se fornecer informações que se verifiquem ser deliberadamente incompletas ou falsas. Ao colectar e partilhar informação, e ao explorar diversas opções, os mediadores dão também informações e possibilitam aos participantes o alargamento do seu leque de opções. As informações prestadas pelo mediador podem eventualmente abrir novas possibilidades de que o casal desconhecia anteriormente. A informação deve ser verificável e prestada duma forma equilibrada. Outro aspecto da capacitação deve ser a protecção contra pressões. Os mediadores não devem permitir que um dos participantes pressionasse o outro, nem o mediador deve dar conselhos ou orientar os participantes num determinado sentido, por exemplo, sugestionar a decisão que o tribunal poderia tomar. No Termo de Consentimento da Mediação é explícito que o resultado da mediação não é vinculativo para os participantes. Se houver consequências legais ou financeiras, as partes devem ter uma oportunidade para serem aconselhadas separada e independentemente, antes de se comprometerem com o acordo que eles consideram legalmente vinculativo. Os mediadores podem até alertar para os perigos dum acordo prematuro que poderia prejudicar uma ou ambas as partes em relação ao acordo final. Se, pelo contrário, se atingir um acordo numa matéria cuja natureza não requer nenhum parecer legal independente ou não precisa de mais nenhum outro parecer, os participantes poderão decidir chegar a acordo, na condição de que compreendam perfeitamente os seus termos e consequências. 5. Respeito pelos indivíduos e pela diversidade cultural Os mediadores procuram assegurar que todos os participantes sejam tratados com respeito e que pessoas de quaisquer raças ou culturas sejam tratadas com idêntico respeito. Os mediadores precisam de treino e de recursos adicionais para mediação com culturas diferentes. A mediação deve estar disponível para todos os casais, casados ou solteiros, em qualquer fase de separação ou de divórcioe para parentes noutros tipos de litígios. Deve ser acessível a todas as famílias de acordo com uma política de oportunidades idênticas. Devem ser atendidas necessidades especiais, tais como o acesso para deficientes motores e o atendimento apropriado para quem tenha problemas auditivos. 26 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 26 6. Segurança pessoal e protecção contra riscos É indispensável realizar uma triagem prévia com cada um dos participantes. Nos casos em que houver receios ou perigos de violência ou dano, os mediadores devem considerar seriamente se a mediação deve ir avante, e, no caso positivo, em que circunstâncias e condições. Os mediadores devem assegurar-se de que cada participante toma parte na mediação de livre vontade, sem receios de violência ou intimidação. Quando a mediação estiver em curso devem ser tomadas medidas apropriadas para garantir a existência de áreas de espera separadas e, se aconselhável, realizar reuniões separadas com cada parte. Se uma das partes recear violência ou dano durante uma reunião, ele ou ela deve ter a liberdade de abandonar a sala de mediação e o edifício antes da saída da outra parte, a fim de reduzir qualquer receio ou risco de ser atacado ou seguido. Os mediadores devem ser capazes de reconhecer diferentes desequilíbrios de poder que afectem o processo de mediação, e de tomar medidas apropriadas para gerir esses desequilíbrios, tais como o estabelecimento das regras de jogo, a partilha de informação e a identificação da necessidade de aconselhamento jurídico ou outro (ver capítulo 7). Se não for possível gerir adequadamente esses desequilíbrios, ou se houver intimidação, linguagem ou comportamento abusivo, o mediador deverá explicar que a mediação terá de ser cancelada se os participantes não forem capazes de cumprir as regras básicas acordadas no Termo de Consentimento da Mediação. Se os participantes continuarem a tratar-se sem respeito, o mediador deve suspender ou terminar a mediação. Crianças em risco Quando uma criança ou qualquer outra pessoa estiver em risco dum dano significativo, o mediador deve, na medida do possível, analisar com as partes os procedimentos que devem ser tomados. Se uma criança estiver a sofrer ou em risco de sofrer um dano grave, os pais ou outros responsáveis devem ser alertados para procurar ajuda adequada. No Termo de Consentimento da Mediação explicita-se claramente que em tais circunstâncias a confidencialidade deve ser quebrada e que o mediador deve entrar em contacto com o profissional que preste essa ajuda adequada e tomar as medidas que sejam necessárias para proteger a criança ou a outra pessoa que se encontra ou que se julga encontrar em risco. 27 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 27 7. Confidencialidade Os mediadores comprometem-se a não divulgar informação a nenhuma outra pessoa ou órgão sem obter o consentimento por escrito de todos os participantes, excepto quando a lei e/ou o seu Código Processual impuserem uma obrigação derrogatória de revelação. Os participantes devem ser esclarecidos, verbalmente ou por escrito, que a confidencialidade da mediação não é absoluta. 8. O privilégio legal próprio da mediação Os tribunais ingleses apoiaram durante muito tempo a existência dum privilégio legal relacionado com declarações e comunicações em que as partes estão a negociar com a finalidade de conseguir uma reconciliação. Este privilégio está baseado no princípio de que há um interesse público em permitir que as possibilidades de reconciliação sejam exploradas, sem risco de que nenhuma das partes seja prejudicada em procedimentos judiciais subsequentes, em resultado de ter havido uma tentativa de reconciliação. O privilégio legal relacionado com tentativas para facilitar a reconciliação foi ampliado para abranger também o processo de mediação, em que o mediador ajuda as partes a solucionar um conflito. A única excepção, feita pelos tribunais ingleses, verifica-se nos casos em que as declarações produzidas no processo de mediação indicam que uma criança se pode encontrar num risco de gravidade significativo. Nessas circunstâncias, o tribunal pode derrogar o privilégio legal relacionado com a mediação. 9. Focalização no futuro O litígio tem tendência a centrar-se sobre os erros e ofensas passadas. A mediação foca o presente e o futuro, muitas vezes sem se deter na história passada. Muitos participantes encontram um enorme alívio em ser ajudados a olhar para a frente, em vez de olhar para trás. Informação sobre o passado poderá ser necessária quando for directamente relevante para as decisões correntes e para o planeamento futuro. 28 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 28 10. Maior ênfase em interesses mútuos do que nos individuais Os mediadores ajudam as partes a reconhecer os seus interesses e preocupações mútuas e a chegarem a decisões que incorporam essas preocupações partilhadas, em vez de insistirem em argumentos baseados nos seus direitos. Em linguagem de mediação, as partes são ajudadas a chegar a soluções de “ganha-ganha”, em que todos ganham, e não de “ganha-perde”, em que um perde para o outro. 11. Tomada em consideração das necessidades de todos os interessados, incluindo os filhos Os mediadores ajudam os pais a ter em consideração as necessidades e os sentimentos dos seus filhos, bem como, os seus próprios. Não está no papel do mediador aconselhar os pais sobre os melhores interesses dum filho em particular. Os mediadores ajudam os pais a considerar a posição, as necessidades e os sentimentos de cada um dos filhos, ao procurarem soluções para eles que sirvam também para todos os que estão envolvidos (capítulo 6). 12. Competência do mediador Os mediadores deveriam mediar em assuntos em que estejam treinados e sejam competentes para mediar. Eles precisam de ter em consideração a complexidade dos casos e se os mesmos se enquadram na sua competência de mediadores. Se o mediador não tiver a experiência e o conhecimento necessário para os assuntos em causa, a mediação deveria ser passada para um mediador devidamente qualificado. Na Inglaterra e no País de Gales, os mediadores registados oficialmente devem passar com aprovação a uma Avaliação de Competência baseada num conjunto de casos concretos de mediações anteriores, antes de poderem realizar mediações familiares subsidiadas por fundos públicos (capítulo 9). Em que se distingue a mediação familiar do aconselhamento e da terapia? Os mediadores familiares são muitas vezes treinados e experientes como conselheiros, psicólogos, assistentes sociais e terapeutas familiares. O conhecimento 29 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 29 e a experiência adquiridos na sua profissão de origem são extremamente válidos. É, contudo, essencial distinguir entre o papel do mediador familiar e outras funções com que poderia ser confundido. Os clientes da mediação têm o direito de que não lhes sejam dados nem aconselhamento nem terapia que eles não pediram e que, eventualmente, não necessitam. Um mediador familiar não é nem um conselheiro nem um terapeuta familiar. A comparação que se segue pode ajudar a identificar as diferenças. Diferenças entre conselheiros familiares e mediadores familiares Conselheiros familiares Mediadores familiares Podem aconselhar apenas uma das partes Comprometem ambas as partes desde o início A reconciliação pode ser um objectivo Separam os factos das especulações O processo não tem ligação ao processo legal O processo complementa o processo legal O processo muitas vezes é iniciado O processo normalmente é iniciado com um sem contrato escrito contrato escrito O processo pode ser a longo prazo O processo normalmente é a curto prazo Concentram-se na história pessoal e familiarConcentram-se mais no presente e no futuro e nas experiências passadas como uma do que no passado chave para o presente Concentram-se em sentimentos e nos aspectos Concentram-se em aspectos práticos e complicadas das relações na tomada de decisões As perspectivas e as necessidades dos adultos As relações pais-filhos constituem a constituem a principal preocupação principal preocupação Proporcionam informação sobre o aconselhamento Proporcionam informação sobre a mediação Procuram aumentar o esclarecimento pessoal Procuram ajudar as partes a atingir um acordo Podem usar teorias psicanalíticas Recorrem às teorias do conflito e da mediação Procuram sobretudo auxiliar Podem ter uma postura mais intervencionista A relação entre cliente e conselheiro pode Procuram capacitar as partes e aumentar a envolver alguma dependência durante sua autonomia algum tempo O processo termina muitas vezes sem Prepara um Memorando de Entendimento / um acordo escrito Acordo 30 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 30 Diferenças entre terapeutas familiares e mediadores familiares Terapeutas familiares Mediadores familiares Orientados para o tratamento Não orientados para o tratamento Trabalham frequentemente com Trabalham em processos de separação e “famílias intactas” divórcio Incluem crianças desde o início Raramente há crianças implicadas desde o início Trabalham normalmente sem qualquer Iniciam o processo com a assinatura do contrato escrito Termo de Consentimento Não tem nenhuma ligação com o processo legal Tem ligação ao processo legal A comunicação não está estruturada, Facilitam a comunicação duma forma observam como comunicam estruturada para garantir uma os membros da família participação equilibrada Acento tónico nos processos familiares Dão relevo às questões inter-pessoais Têm em consideração os problemas subjacentes Dão relevo a questões manifestas e situações por resolver Transmitem mensagens em vez de informações Dão informações “neutras” Desenvolvem hipóteses para explicar Ajudam as partes a negociar eficazmente face o funcionamento familiar ao surgimento de várias hipóteses Em sala com ecrã de visão unidireccional o Trabalham em conjunto e a comunicação diálogo entre os terapeutas não é ouvido é aberta em situação de co-mediação pela família Podem dar instruções paradoxais sem explicar Analisam e combinam tarefas com as partes as razões Trabalham estrategicamente em matérias que Ajudam fundamentalmente pais a concordarem envolvem membros da família sobre como falar e como consultar os seus filhos Terminam muitas vezes sem um acordo escrito Preparam um Memorando de Entendimento Muitos advogados de família na Grã-Bretanha e nalguns outros países europeus, como a Dinamarca, a Alemanha e a Holanda, especializaram-se em mediação. Muitas vezes a formação é multidisciplinar e pode usar um modelo de co-mediação. Contudo, um único advogado mediador pode encontrar dificuldades em passar de funções inerentes a um consultor jurídico para funções inerentes a um mediador, especialmente se têm o hábito de aconselhar. Como mediador, o advogado tem de aprender a facilitar a tomada de decisões pelas partes e de aprender como prestar informações importantes duma maneira neutra e não-impositiva. Dar informações em mediação exige um jeito especial. 31 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 31 Corre-se o risco de se desviar do papel de mediador por se tornar – ou parecer que se torna – mais apoiante duma das partes do que da outra. A informação que é prestada em mediação é fornecida duma maneira diferente e para um fim diferente da informação que os advogados dão aos seus clientes. Um experiente advogado familiar e mediador na Escócia explica esta nuance da seguinte forma: “Como jurista você pode ser mais directivo, partidário e táctico, ao passo que como advogado mediador a prestação de informação é feita dum modo neutro, imparcial e o processo é baseado em total abertura em vez de preocupações estratégicas” (Dick, 1996, at p.4). Diferenças entre consultores jurídicos e mediadores familiares Consultores jurídicos Mediadores familiares Trabalham dentro da disciplina da lei Multidisciplinares Aconselham o seu cliente individualmente Imparciais, sem tomar partido, ajuda equilibrada O processo inicia-se frequentemente com As partes são convidadas a indicar as suas uma história do litígio necessidades Aconselham no quadro dos direitos legais Concentram-se em interesses e preocupações mútuas A informação financeira é coligida e permutada A informação financeira obtida é partilhada no formalmente entre advogados interior do processo de mediação Usam terminologia jurídica Usam linguagem corrente Ocupam-se das ofensas aos seus clientes Concentram-se nas soluções presentes e futuras Sem formação na gestão de processos psicológicos Com formação gestão de conflitos Baseiam-se no relato dos acontecimentos feito Analisam em conjunto, com ambos os pais, a pelos seus clientes e nas suas ideias acerca situação dos seus filhos. Os filhos podem das questões relacionadas com os filhos participar Aconselham os clientes sobre o melhor Exploram opções, não-directivas caminho a seguir Negoceiam com “o outro lado” por Os participantes negoceiam em reuniões e correspondência frente-a-frente Redigem requerimentos ao tribunal Normalmente não redigem documentos legais 32 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 32 A Estrutura da Mediação Familiar A teoria da mediação Os mediadores precisam duma teoria para fornecer uma explicação e um quadro de trabalho coerente para a sua actividade. A teoria contém os valores básicos da mediação. A prática da mediação está alicerçada em crenças e valores sobre pessoas e conflitos. Os valores e as crenças moldam as nossas respostas aos clientes de 33 Funções de gestão: – processo e estrutura – desequilibrios de poderes – partilha de informação Define soluções Recolhe informação Explora opções Minuta propostas Conhecimentos de base necessários para: – fazer perguntas relevantes – prestar informação adequada – analisar os dados financeiros – saber quando deve consultar especialistas PR INC ÍPI OS E V ALO RE S AP TID ÕE S P R O C E SS O S Co mu nic açã o a ber ta Cap aci tar as par tes Im par cia l, e qu ilib rad o Ce ntr ada no fut uro Nã o-d ire ctiv a Cen trad a n as nec ess ida des dos filh os Est imu lar a c oo per açã o Nã o t em for ça exe cut iva C o m p ro m is so , re co n h ec im en to d e au to ri d ad e Fo rm u la çã o d e p er gu n ta s ap ro p ri ad as C la ri fi ca çã o , d ef in iç ão d e p ri o ri d ad es R ef o rm u la çã o , co n ve rg ên ci a G es tã o d e d es eq u ilí b ri o s d e p o d er es N eg o ci aç ão Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 33 mediação, influenciando o que fazemos e o que dizemos. Em 1973, um psicólogo social, Morton Deutsch, publicou a sua teoria sobre a natureza dos conflitos humanos e o uso construtivo duma terceira parte na resolução de conflitos (Deutsch, 1973). Estas teorias positivas são extremamente importantes, mas têm limitações na prática. Durante a separação ou o divórcio, algumas pessoas conseguem manter-se calmas, racionais e razoáveis. Mas há muitas que sentem emoções tão intensas que durante um período de tempo podem ficar impedidas de falar ou de actuar razoavelmente. Uma teoria de mediação baseada em negociaçãoe resolução de problemas por via cooperativa causa uma dicotomia entre conflito e cooperação que é demasiado simplista. Em casos em que a mediação não conduz a um acordo, não significa que a mediação foi necessariamente um falhanço: talvez tenha aberto uma porta que permita comunicar, o que pode ser mais importante para um casal do que concluir um acordo. A finalidade da mediação – decidir disputas ou resolver conflitos? Os mediadores familiares têm experiências profissionais variadas, particularmente nos ramos de ciências jurídicas e humanas. A sua conceptualização da mediação depende em grande parte de quem faz a mediação e de como definem o seu papel. Os mediadores com uma experiência jurídica têm tendência a definir a mediação como um processo contratual e não-terapêutico. Os mediadores com uma experiência nas áreas da psicologia ou da terapia estão mais inclinados a defini-la como um processo de gestão de conflitos e põem grande ênfase na melhoria da comunicação. As palavras disputa e conflito são normalmente consideradas como sinónimas, mas na verdade não o são. As Disputas são explícitas, e ao decidir a sua disputa, os litigantes podem aceitar condições que envolvem um compromisso ou uma concessão. Poder- se-á conseguir um acordo porque ambas as partes reconhecem que ele é necessário, mas as suas atitudes, uma em relação à outra, podem continuar a ser hostis e pode acontecer que não voltem a comunicar. O Conflito, por outro lado, pode ser manifesto ou escondido. Não se procura necessariamente atingir um acordo. A mediação procura ajudar as partes a conseguir decisões consensuais e a resolver disputas. Poderá também ajudá-las a resolver os seus conflitos. Mas é irrealista esperar que um breve processo resolva a profunda raiva e dor duma relação destroçada. Um parceiro que se sinta abandonado e traído pode levar anos até que, emocionalmente, se sinta em condições de tratar dum divórcio ou duma separação. Alguns nunca conseguem. A mediação não oferece nem aconselhamento nem psicoterapia. Apesar disso o 34 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 34 processo de trabalhar tendo em vista uma decisão em certas matérias permite a alguns casais ouvirem-se um ao outro, talvez pela primeira vez. Ao fazerem-no percebem que as suas percepções e atitudes se alteram radicalmente. Numa das extremidades deste espectro, é possível conseguir um acordo sem modificar atitudes e sem apagar o ódio; na outra extremidade, alguns casais parecem experimentar uma espécie de catarse em que passam de violentas recriminações a um relacionamento diferente, construído em cooperação e verdade. Portanto, uma das diferenças entre mediadores familiares e as teorias que seguem é saber se pretendem resolver disputas por meio dum acordo concreto, ou se procuram ajudar os participantes a resolver os conflitos psicológicos e emocionais que estão subjacentes às suas disputas. Entre essas duas possibilidades, a prática é substancialmente diferente, ainda que os vários objectivos não sejam necessariamente incompatíveis. Muitos mediadores acabam por os misturar de alguma maneira (capítulo 2). Turbulência, gestão da mudança e mediação com famílias em mudança A teoria da mediação precisa de explicar a dinâmica do processo, qualquer que seja a conclusão. Precisamos duma teoria para explicar como é que de facto a mediação funciona, em oposição a como devia funcionar. A turbulência e a dinâmica dos fluidos oferecem uma metáfora e uma teoria para o processo de mediação familiar, independentemente do seu resultado final. Há uma história acerca do teórico de Física Quântica, Werner Heisenberg3, no seu leito de morte. Heisenberg disse que teria duas perguntas para pôr a Deus: porquê a relatividade e porquê a turbulência. Aparentemente, acrescentou: “Sinceramente, eu penso que Ele talvez tenha uma resposta para a primeira pergunta”. (Gleick, 1987, p. 121). Os mediadores que vêem os efeitos destrutivos dos conflitos maritais e conjugais talvez estejam também inclinados a perguntar “Porquê o conflito?”. Conflito, em separação e divórcio, encaixa-se perfeitamente na definição científica de turbulência: “O que é turbulência? É uma confusão de desordem a todos os escalões, pequenos redemoinhos no interior de grandes redemoinhos. É instável. É altamente dissipador, significando que a turbulência escoa energia e cria lentidão de reacções” (Gleick, p 122). O conflito em processo de divórcio dissipa energias e cria arrastamentos, 35 3 Nota do editor: Werner Heisenberg é um reputado físico do século XX, que se dedicou à física quântica. Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 35 exactamente como uma corrente de ar turbulenta por cima da asa dum avião cria uma travagem e anula o impulso ascensional. O conflito em si não é necessariamente destrutivo. Pode produzir uma mudança positiva e crescimento. Mas, falando em termos científicos, uma superfície rugosa gasta imensa energia. Separar casais que se batem por uma mudança ou que tentam manter o status quo contra a ameaça de mudança, representa um enorme consumo de energia. Mas a energia é gasta muitas vezes em puro desperdício e duma forma contraproducente: para atacar, para meter medo ou para conflituar um com o outro. Os mediadores têm de ajudar os casais a conservar o máximo da sua energia quanto possível, de modo a que eles consigam caminhar para a frente e “subir”. Em vez de dissipar as suas reservas de energia, os casais em vias de separação devem ter a preocupação de encontrar meios que lhes permitam conjugar esforços nalgumas áreas embora isso não se verifique noutras. Não se trata de modo nenhum duma tarefa fácil. Como os que trabalham com casais em vias de divórcio bem sabem, o movimento é nitidamente flutuante, para cima e para baixo, para trás e para a frente, por vezes com um fim em vista, mas na maior parte dos casos caótico. Esta realidade dum movimento irregular em vez dum movimento suave, com pontas e depressões repentinas, é familiar à maioria dos mediadores. A turbulência é causada por forças estáveis interagindo com forças instáveis. Na turbulência que se verifica quando as relações no interior dum casal são quebradas, há muitas vezes uma luta, uma vez que a tentativa de aumentar a instabilidade se sobrepõe aos esforços para manter alguma estabilidade. Nessa luta, a energia pode ser usada para gerar ainda mais turbulência, ou pode ser orientada com o fim de controlar a turbulência. Os mediadores procuram ajudar os casais a usar a sua energia construtivamente em vez de destrutivamente, para gerir as dinâmicas da mudança. Quando a turbulência assenta no fundo, volta-se a ganhar a estabilidade. Outra característica da turbulência que é altamente relevante para a mediação consiste no facto da turbulência produzir resultados imprevisíveis e altamente variáveis designados pelos cientistas como “efeitos de tensão superficial”. Os efeitos de tensão superficial são tipicamente minúsculos, “micro” efeitos (pensar nos flocos de neve, todos diferentes uns dos outros), que os cientistas julgaram serem demasiadamente pequenos para serem significativos. Contudo, as novas ideias sobre a teoria do caos levou-os a olhar de novo para os efeitos de tensão superficial e para a maneira como acontecem. Para sua surpresa, os cientistas descobriram que pequenas modificações 36 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 36 nos efeitos de tensão superficial “provaram ser infinitamente sensíveis à estrutura molecular duma substância em vias de solidificação” (Gleick, p 311). O significado desta descoberta para a mediação consiste no convencimento de que mesmo pequenas modificações nos efeitos da tensão superficial podem influenciar o desenvolvimento de novos modelos e estruturas familiares mais profundamente doque aquilo que seria previsível. A nova estrutura duma família em vias de divórcio pode ser ainda maleável e as relações podem ser ainda ambivalentes e flexíveis: ainda não solidificaram. Uma crise familiar, quando forças instáveis interagem com maior poder do que forças estáveis, cria oportunidades únicas para mudança e crescimento. O tempo certo da intervenção é importante: a fase em que os mediadores são envolvidos afecta o nível e a gestão da turbulência. As intervenções numa fase inicial são normalmente mais influentes do que as mais tardias, quando os modelos ou estruturas disfuncionais talvez já tenham sido adoptados e resistam a alterações. A teoria do caos A teoria do caos oferece alguns conhecimentos a mediadores familiares que se perguntam porque é que seguindo os mesmos passos e procedimentos quando trabalham com casais em vias de separação os resultados são tão diferentes. A teoria do caos é uma ciência da natureza global dos sistemas. Conseguiu agrupar pensadores de origens diversas que anteriormente tinham estado totalmente separados. Os primeiros cientistas do caos reconheciam amostras, especialmente amostras que aparecessem em diferentes escalas ao mesmo tempo. Nos anos 70, cientistas dos Estados Unidos e da Europa começaram em número crescente a chegar à conclusão de que, ainda que os físicos tivessem estabelecido alguns princípios para explicar as leis da natureza, eles ainda não dominavam as forças que produzem modelos desordenados do tempo, turbulência na água e oscilações no coração e no cérebro. A face irregular da natureza, a sua face descontínua e errática, continua a ser profundamente enigmática. Mas na década de 1970 alguns cientistas começaram a procurar ligações entre ordem e desordem. Edward Lorenz, um cientista do Instituto de Tecnologia da Massachusetts, encontrou no seu estudo de modelos de tempo que existiam modelos vulgares sobre tempo, subida e descida de pressão, correntes de ar mudando de norte e de sul. Mas a repetição nunca era idêntica. Os modelos mostravam grandes e imprevisíveis variações. Utilizando praticamente o mesmo ponto de partida, dois modelos 37 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 37 semelhantes de tempo podiam crescer cada vez mais de formas diferentes até que desaparecesse qualquer semelhança. O que é que causaria as diferenças? Partia-se do princípio de que se conheciam bem objectos como os fluidos que podiam ser mais facilmente medidos do que a atmosfera. Contudo, não era bem assim. Gleick (1987) tomou o exemplo de dois pedaços de espuma a cair sobre uma queda de água e assentando no fundo lado a lado. “O que pode pensar sobre a distância a que se encontravam um do outro à superfície? Nada. No que se refere à física corrente, Deus pode muito bem ter tomado todas essas moléculas de água … e tê-las misturado pessoalmente” (pág 8). Casais à beira do divórcio podem estar profundamente separados, ou podem estar muito perto um do outro. Mesmo que fosse possível medir a variação da distância entre eles, essa medida não constituiria uma previsão segura da distância que iria verificar-se entre eles no fim do processo de mediação. Há muitas correntes durante o caminho que podem alterar o rumo de cada um dos parceiros. Os cientistas que estudam variações imprevisíveis perceberam gradualmente que variações muito pequenas dos factores iniciais podem conduzir a uma enorme diferença na forma final das coisas. Em sistemas meteorológicos, Lorenz traduz esta ideia no que é conhecido pela forma semi-jocosa de Efeito Borboleta: a noção de que uma borboleta batendo as asas hoje em Pequim poderia ter como consequência tempestades em Nova Iorque no próximo mês. Se Lorenz se tivesse limitado ao Efeito Borboleta – uma imagem dum movimento minúsculo, frágil, capaz de ter conse- quências a grande distância mas inteiramente ao acaso – ele não nos teria ajudado muito. Mas o seu trabalho mostrou que uma cadeia de acontecimentos tem pontos críticos de viragem, em que pequenas intervenções podem exercer grande influência. Esta nova ciência da teoria do caos evoluiu como “uma ciência de processos mais do que de estados, do “tornando-se” mais do que do “sendo” (Gleick, 1987, p.5). Também a mediação é uma ciência de processos mais do que de estados, do “tornando-se” mais do que do”sendo”. 38 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 38 Capítulo II DIFERENTES MODELOS DE MEDIAÇÃO FAMILIAR Muitos mediadores familiares foram treinados segundo um modelo particular de mediação e podem não estar familiarizados com outras abordagens. Um dos mais conhecidos é o modelo de resolução de problemas ou modelo orientado para acordos, baseado no sistema de Negociação de Princípios elaborado por Fisher e Ury (1981). 1. Mediação orientada para o acordo Uma das principais características da mediação orientada para o acordo é a sua focagem em interesses mais do que em posições. Uma posição é uma declaração duma solução preferida por uma das partes. O anúncio duma posição implica normalmente elementos estratégicos, tais como acusação, exagero, insistência nos seus direitos e recusa de que a outra parte tem os mesmos direitos. Em contrapartida, um interesse é uma necessidade ou objectivo fundamental que é preciso atingir. Pedir uma proporção fixa de activos de capital é um exemplo duma posição, ao passo que a necessidade de dinheiro suficiente para proporcionar alojamento conveniente é um exemplo dum interesse. Por exemplo, um casal pode estar em desacordo sobre a quantia que cada um deles deve receber. Como pais, eles podem ter um interesse comum em assegurar estabilidade para as suas crianças e evitar que mudem de escola, se possível. Em mediação orientada para acordo, as partes são primeiramente convidadas a apresentar as suas respectivas posições. O mediador procura identificar e perceber os interesses que servem de suporte a estas posições e ajudar as partes a reconhecer que talvez tenham interesses e necessidades comuns, apesar de 39 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 39 estarem em conflito. Os interesses mútuos muitas vezes não só são concretos, como por exemplo a necessidade de alojamento, mas são também necessidades psicológicas, como por exemplo a manutenção do respeito e do amor-próprio. O mediador ajuda as partes a procurar soluções integradoras, em que ambos ganhem, que vão ao encontro de tantas necessidades comuns quanto possível seguindo a conhecida expressão: o mediador é “brando com as pessoas e duro com o problema”. Comprometer as partes numa via de resolução do problema permite-lhes trabalhar em conjunto no sentido do acordo, em vez de perderem tempo e energias numa competição destrutiva. Esta via de resolução do problema está fortemente alicerçada em técnicas de negociação e de discussão. É provável que o mediador utilize raciocínios a partir do lado esquerdo do cérebro, caracterizado como sendo linear, lógico, analítico, racional e orientado para realizar tarefas. Ao usar as técnicas da negociação de princípios, o mediador procura: • Separar as pessoas do problema • Focalizar as pessoas nos seus interesses mais do que nas posições • Criar opções de ganhos mútuos A mediação orientada para um acordo inclui uma série de fases. Um modelo simples de quatro fases seria o seguinte: 1. Definição das questões Os participantes explicam as suas posições 2. Pesquisa dos factos Recolha e partilha de informação 3. Exploração das opções Análise das necessidades, das preocupações e das consequências 4. Obtenção de acordos Negociação para um resultado mutuamente aceitável O conceito de MAAN – a Melhor Alternativa para um Acordo Negociado – e do seu oposto PAAN – a Pior Alternativa para um Acordo Negociado – são usados como balizas que servempara medir o acordo proposto. Haynes, uma conhecida autoridade em mediação orientada para o acordo, definiu a fase final da negociação como a fase em que “são feitas propostas e contrapropostas, são sugeridas negociações, são mudadas posições e se conquista um acordo” (Haynes, 1981 p.4). 40 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 40 Quando a tónica é posta no interesse e não em posições, podem-se explorar variados caminhos para encontrar esses interesses e podem surgir áreas de entendimento. O processo pode correr muito bem quando houver interesses mútuos e/ou motivações para resolver os problemas. Deve-se contudo ter presente que as mediações em que se procura o acordo se apoiam num certo número de suposições. Parte-se do princípio que os participantes estão: * Motivados para chegar a um acordo * Capazes de pensar racionalmente * Razoavelmente esclarecidos sobre os diferendos que é preciso resolver * Capazes de explicar e defender as suas posições * Capazes de negociar * Capazes de reconhecer ou aceitar uma solução aceitável Muitos advogados mediadores preferem mediações orientadas para o acordo a outros modelos porque as soluções são medidas em termos de resultados concretos e porque os advogados têm tendência a sentirem-se mais à vontade num papel activo ou mesmo de orientação. Na mediação orientada para o acordo, o mediador pode exercer um poder considerável. Corre-se o risco de retirar poder a uma ou a ambas as partes em vez de lhes conferir poder, e o mediador pode ver-se confrontado com dilemas para resolver questões de se e como conferir poder à parte mais fraca. Há também riscos que os mediadores que estão muito ansiosos por chegar a resultados correm, em exercer acção junto das partes para a sua solução preferencial, em vez de utilizarem o tempo para construir um acordo mutuamente satisfatório com as duas partes (ver capítulo 8 sobre o uso de poder pelo mediador). A tónica está normalmente em conseguir resultados concretos e soluções práticas. As partes podem ser convidadas a expressar os seus sentimentos no início, mas espera-se que os mesmos sejam postos de lado depois disso. Ora tal não é possível para muita gente, especialmente em separações e divórcios. A mediação orientada para o acordo não foi concebida para famílias. Foi adaptada a partir da mediação comercial e civil. Se os sentimentos não forem suficientemente reconhecidos e se não se conceder tempo suficiente para considerar e renegociar as relações familiares, pode bem acontecer que se chegue a um acordo sem os pais terem trabalhado as decisões nem as disposições que têm em conta tanto as necessidades dos filhos como as suas próprias. 41 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 41 2. Mediação transformativa A mediação orientada para o acordo é apropriada para certos tipos de conflitos. Contudo, em separação e divórcio, muitas pessoas não estão preparadas nem são capazes de negociar duma maneira calma e racional. Estão muitas vezes tão oprimidas por emoções fortes que não conseguem pensar com clareza. Muitos mediadores familiares, especialmente os de formação em aconselhamento e terapia, acham que a mediação orientada para o acordo leva os mediadores a tomarem demasiado controlo do processo e a envolverem-se na resolução dos problemas para além do razoável. A metodologia desenvolvida por Bush e Folger (1994), que eles designaram por mediação transformativa, deixa a condução aos participantes enquanto o mediador se limita a seguir, em vez de limitar os participantes a seguirem a orientação do mediador. Concentra-se em falar e ouvir, e encoraja uma visão refrescante – literal e metaforicamente. Quando há uma visão refrescante e compreensão com o coração, o quadro pode ser completamente alterado. Ouvir e escutar são componentes fundamentais – escuta atenta pelo mediador e possibilidade das partes se ouvirem e se compreenderem uma à outra. A primeira premissa desta abordagem consiste em que a mediação tem a potencialidade de gerar efeitos transformativos que são altamente benéficos para as partes e para a sociedade. A segunda premissa é que a mediação só tem potencial para gerar estes efeitos transformativos na medida em que o mediador introduz um sistema mental e métodos práticos conducentes à realização dos dois objectivos- chave: capacitação e sensibilização. A capacitação incita à autodeterminação e autonomia, aumentando a capacidade das pessoas de verem com clareza a sua situação e de tomarem decisões por si próprias. A sensibilização envolve a capacidade dos participantes reconhecerem os sentimentos e perspectivas recíprocos e serem mais sensíveis às necessidades da outra parte. Os mediadores transformativos ajudam- nos a melhorar o entendimento mútuo, de maneira que é possível reconhecer as necessidades de cada um com mais empatia do que anteriormente. Folger e Bush (1996) identificaram dez pontos fundamentais da mediação transformativa: 1. Compromisso para a capacitação e sensibilização como o principal obje- ctivo do processo e os aspectos mais importantes do papel do mediador. 42 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 42 2. Deixar a responsabilidade do resultado para as partes – “é a sua decisão”. 3. Recusar conscientemente criticar as apreciações e decisões das partes – “as partes sabem melhor”. 4. Ter um olhar optimista sobre a competência e a motivação das partes. Os mediadores transformativos têm uma atitude positiva sobre a boa-fé e a decência, quaisquer que sejam as aparências. Em vez de rotular as pessoas como intrinsecamente desleixadas, fracas ou manipuláveis, o mediador vê as partes, mesmo nos seus piores momentos, como temporariamente enfraquecidas, na defensiva ou absortas. 5. Permitir e responder às manifestações de emoção, não deixando às partes apenas alguns momentos para tornarem conhecidos os seus sentimentos, de modo a que estes sejam deixados de lado e seja possível centrarem-se nas questões essenciais. Os mediadores transformativos estimulam as partes a descreverem as suas emoções e os acontecimentos que as causaram, a fim de promover o entendimento e a partilha de perspectivas. 6. Permitir e explorar a incerteza das partes: a sua falta de clareza deveria ser vista como positiva e não como negativa. Se os mediadores assumirem que compreendem a situação e as necessidades de cada parte numa fase inicial da mediação, eles arriscam-se a bloquear uma fase importante de fluidez e de ambivalência. Mais do que desenvolver uma hipótese que orienta num certo sentido, é preferível que os mediadores mantenham um saudável sentido de incerteza, de modo que eles continuem a formular perguntas em vez de estabelecer conclusões. 7. Manter-se centrado no aqui e agora da interacção conflitual: “a acção está na sala”. Em vez de tentar resolver problemas, o mediador concentra-se em afirmações específicas à medida que forem feitas, tentando descobrir os pontos precisos em que as partes estão confusas, não se sentem compreendidas, ou não se entenderam uma à outra. Quando os mediadores se dão conta deste tipo de problemas, eles moderam a discussão e usam o tempo para esclarecer, comunicar e reconhecer. 8. Reagir às declarações das partes sobre acontecimentos passados: “discutir o passado tem valor para o presente”. Normalmente os mediadores incitam as partes a concentrarem-se no futuro, não no passado. Mas Folger e Bush, pelo contrário, sustentam que se a história do conflito for encarada como um mal que deve ser esquecido, perder-se-ão oportunidades importantes para 43 Miolo_17X24.qxp 3/4/08 3:11 PM Page 43 conferir capacitação e sensibilização. A revisão do passado pode revelar escolhas que foram feitas, opções que foi possível tomar e pontos-chave de inflexão. Rever o
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