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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Psiquiatria TRANSTORNOS PSICÓTICOS Introdução: Os transtornos psicóticos caracterizam-se por alucinações, delírios, discurso desorganizado e comportamento desorganizado ou catatônico. A presença de sintomas psicóticos pode estar associada a transtornos psicóticos, como esquizofrenia, a transtornos de humor, como depressão e mania, a abuso de substâncias, como álcool e drogas, e a síndromes orgânicas (delirium). Os transtornos psicóticos mais comuns na prática clínica são: - Esquizofrenia. - Transtorno esquizofreniforme. - Transtorno esquizoafetivo. - Transtorno delirante. - Transtorno psicótico breve. - Transtorno psicótico devido a uma condição médica geral. - Transtorno psicótico induzido por uso de substância. Esquizofrenia: A esquizofrenia é um transtorno que caracteriza-se por alteração do pensamento (delírios) e da sensopercepção (alucinações) e por afeto embotado ou inadequado. Geralmente, há preservação da consciência e da cognição do paciente. Entretanto, ao longo do curso da doença, pode haver o desenvolvimento de deficiência cognitiva. A evolução da esquizofrenia pode ser contínua, com sintomas persistentes e deterioração progressiva, ou episódica, com períodos de exacerbação alternados por períodos de remissão completa ou incompleta dos sintomas da doença. O diagnóstico de esquizofrenia não deve ser realizado em pacientes com doença cerebral ou em abstinência/intoxicação por determinada substância. A esquizofrenia é uma doença que causa desorganização de diferentes processos mentais, tais como afeto, comportamento, discurso, pensamento e sensopercepção. O paciente esquizofrênico é aquele que representa o estereótipo do “louco” na sociedade. Durante a história, a esquizofrenia já foi descrita por Emil Kraepelin como demência precoce, estando associada a curso crônico e deteriorante com prejuízo das funções cognitivas e comportamentais, além da presença de alucinações e delírios, e por Eugen Bleuler como a fragmentação do pensamento, com os sintomas fundamentais de associação/dissociação do pensamento, afeto embotado, autismo e ambivalência, associados à presença de alucinações e delírios. A prevalência da esquizofrenia é de aproximadamente 1% na população. A doença geralmente inicia antes dos 25 anos de idade, acomete todas as classes sociais e apresenta prevalência equivalente entre homens e mulheres. Entretanto, a esquizofrenia manifesta-se mais precocemente em homens e apresenta maior gravidade em homens, estando associada a maior prejuízo cognitivo e a pior prognóstico. O pico de incidência da doença em homens é de 10-25 anos de idade e em mulheres é de 25-35 anos de idade. Além disso, a esquizofrenia é extremamente rara antes dos 10 anos de idade e após os 60 anos de idade, estando associada a pior prognóstico nesta faixa etária. A doença que inicia após os 45 anos de idade é denominada esquizofrenia de início tardio. Aproximadamente 80% dos pacientes esquizofrênicos apresentam comorbidades clínicas associadas e geralmente não diagnosticadas. A esquizofrenia é mais frequente em indivíduos nascidos entre o final do inverno e o início da primavera. O abuso de substâncias, como álcool e drogas (ex. maconha e tabaco), pode atuar como fator desencadeante da doença em indivíduos geneticamente predispostos. Os pacientes esquizofrênicos frequentemente vivem em situação de rua. Nos EUA, aproximadamente 15-45% dos moradores de rua são esquizofrênicos. O desenvolvimento da esquizofrenia é influenciado por fatores genéticos e ambientais. Atualmente, sabe-se que a taxa de concordância para esquizofrenia é de 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 aproximadamente 50% em gêmeos monozigóticos, indicando a importância de fatores genéticos para o desenvolvimento da doença. A idade materna avançada, a idade paterna avançada e a presença de mutações genéticas em alguns alelos associam-se a aumento do risco de esquizofrenia. Embora a maioria dos pacientes esquizofrênicos não tenha história familiar positiva, sabe-se que a presença de história familiar de esquizofrenia aumenta em 10 vezes o risco de esquizofrenia em comparação à população geral. A fisiopatologia da esquizofrenia é desconhecida. Entretanto, sabe-se que a doença está associada à atividade do neurotransmissor dopamina no SNC. Acredita-se que os pacientes esquizofrênicos apresentam hiperatividade dopaminérgica, com liberação excessiva de dopamina, excesso de receptores dopaminérgicos e/ou hipersensibilidade de receptores dopaminérgicos. O início da doença pode ser abrupto ou insidioso, mas a maioria dos pacientes apresenta fase prodrômica, caracterizada por desenvolvimento lento e gradual de sinais e/ou sintomas, como isolamento/retraimento social, perda do interesse por escola e/ou trabalho, deterioração da higiene e dos cuidados pessoais, comportamento incomum e ataques de raiva. A apresentação clínica da esquizofrenia classifica-se em sintomas positivos e sintomas negativos. A maioria dos pacientes esquizofrênicos apresenta evolução episódica, com períodos de exacerbação dos sintomas positivos alternados por períodos de remissão dos sintomas positivos. Entretanto, os sintomas negativos permanecem presentes entre os episódios de sintomas positivos. Os sintomas negativos também podem estar presentes na fase prodrômica, antes do diagnóstico da esquizofrenia. Os principais sintomas positivos da esquizofrenia são: - Alucinações, principalmente auditivas e visuais. - Delírios, principalmente de perseguição, grandeza, ciúmes, etc. - Alterações no curso e na forma do pensamento (desagregação, incoerência, prolixidade). - Comportamento desorganizado e bizarro. - Agitação psicomotora. - Negligência do autocuidado. - Catatonia. Os principais sintomas negativos da esquizofrenia são: - Apatia. - Anedonia. - Embotamento afetivo. - Isolamento/retraimento social. - Pobreza do conteúdo da fala e do pensamento. - Diminuição da iniciativa e da vontade. Os sintomas positivos da esquizofrenia são mais facilmente solucionados com o uso de antipsicóticos, enquanto os sintomas negativos da esquizofrenia comumente são refratários ao uso de antipsicóticos. À medida que o paciente esquizofrênico envelhece, os sintomas positivos diminuem e tornam-se menos graves (diminuição da atividade dopaminérgica no SNC), mas os sintomas negativos pioram. Aproximadamente 5-6% dos pacientes esquizofrênicos morrem por suicídio e aproximadamente 20% tentam suicídio. O comportamento suicida ocorre, às vezes, em resposta ao comando de alucinações auditivas e/ou visuais para prejudicar a si mesmo ou a outros. O risco de suicídio permanece alto ao longo de todo o curso da doença, embora seja maior em homens jovens em uso de substâncias de abuso. Além disso, o risco de suicídio também é maior em pacientes com sintomas depressivos, após um episódio psicótico ou após a alta hospitalar. O diagnóstico da esquizofrenia baseia-se exclusivamente em anamnese psiquiátrica e exame do estado mental. Os critérios diagnósticos de esquizofrenia, segundo o DSM-5, exigem a presença de ≥ 2 sintomas da doença, incluindo alucinações ou delírios, por, no mínimo, 6 meses (entre exacerbações e remissões). 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Os principais diagnósticos diferenciais de esquizofrenia são: - Transtorno depressivo maior ou transtorno de humor bipolar com características psicóticas ou catatônicas. - Transtorno esquizoafetivo. - Transtorno esquizofreniforme. - Transtorno psicótico breve. - Transtorno delirante. Quanto ao prognóstico, após 5-10 anos de doença, apenas 10-20% dos pacientes com esquizofrenia apresentam desfechos positivos. Aproximadamente 50% dos pacientes esquizofrênicos evoluem com internações hospitalares de repetição,maior exacerbação dos sintomas, depressão e aumento do risco de suicídio. O curso clínico da doença nem sempre é deteriorante. Aproximadamente 20-30% dos pacientes são capazes de ter uma vida relativamente normal, mas aproximadamente 40-60% dos pacientes apresentam comprometimento funcional significativo durante toda a vida. A esquizofrenia classifica-se, segundo o CID-10, em 5 subtipos: - Esquizofrenia paranoide: caracteriza-se por presença de delírios, principalmente de perseguição e de referência, associados a alucinações, principalmente auditivas. - Esquizofrenia hebefrênica: também denominada esquizofrenia desorganizada; caracteriza-se por presença de afeto embotado ou inadequado (ex. risadas imotivadas), comportamento desorganizado, irresponsável e imprevisível, fala e pensamento desorganizados e incoerentes, isolamento/retraimento social, ausência de autocuidado; mais comum em adolescentes e adultos jovens (< 25 anos de idade). - Esquizofrenia catatônica: caracteriza-se por presença de distúrbio psicomotor, que varia desde hipercinesia e excitação até hipocinesia, estupor, rigidez postural e negativismo; geralmente, o paciente apresenta mutismo e flexibilidade cérea, podendo permanecer por horas na posição em que foi colocado por outra pessoa. 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Esquizofrenia indiferenciada: doença que preenche os critérios diagnósticos de esquizofrenia, mas que não apresenta sintomas predominantes que permitem classificar a doença em algum subtipo específico. - Esquizofrenia residual: forma avançada de esquizofrenia que caracteriza-se por ausência de sintomas positivos e presença de sintomas negativos, como embotamento afetivo, isolamento/retraimento social, hipoatividade, lentidão psicomotora, apatia, avolia, pobreza da fala e do pensamento, ausência de autocuidado, etc. O tratamento da esquizofrenia baseia-se em tratamento da psicose aguda, ou seja, dos sintomas positivos (agitação psicomotora, alucinações, delírios) por meio de antipsicóticos típicos, como clorpromazina e haloperidol, e tratamento de manutenção, inclusive dos sintomas negativos (embotamento afetivo, isolamento social) por meio de antipsicóticos atípicos, como clozapina, olanzapina, quetiapina e risperidona. Para o manejo da agitação psicomotora grave, recomenda-se o uso de benzodiazepínicos. Aproximadamente 40-50% dos pacientes esquizofrênicos interrompem o tratamento antipsicótico em 1-2 anos, aumentando em 5 vezes o risco de recaída, com retorno dos sintomas positivos (psicose aguda) e piora dos sintomas negativos. As recaídas podem ocorrer mesmo em pacientes que estão em tratamento, mas são mais frequentes em pacientes que não estão em tratamento. Transtorno Esquizofreniforme: O transtorno esquizofreniforme é um transtorno psicótico agudo caracterizado por presença de sintomas equivalentes aos da esquizofrenia, mas com duração mínima de 1 mês e duração máxima de 6 meses. O transtorno apresenta instalação rápida, sem a presença de fase prodrômica longa e sem causar prejuízo funcional significativo. Os principais sintomas do transtorno esquizofreniforme são alucinações, delírios, discurso desorganizado, comportamento desorganizado ou catatônico e sintomas negativos (avolia, embotamento afetivo, etc). Transtorno Esquizoafetivo: O transtorno esquizoafetivo é um transtorno psicótico caracterizado por período ininterrupto de doença com presença de sintomas de esquizofrenia e presença de transtorno de humor (episódio depressivo maior, episódio maníaco ou episódio misto) concomitantemente. Além disso, neste mesmo período ininterrupto de doença, deve haver a presença de alucinações e/ou delírios por período de, no mínimo, 2 semanas, na ausência de transtornos de humor. A prevalência do transtorno esquizoafetivo ao longo da vida é de < 1%. A doença manifesta-se de forma mais precoce em homens e de forma mais tardia em mulheres e classifica-se em subtipo bipolar, caracterizado por presença de, no mínimo, 1 episódio maníaco ou misto, associado ou não a episódios depressivos maiores, e subtipo depressivo, caracterizado apenas por episódios depressivos maiores. O subtipo bipolar apresenta prevalência equivalente em homens e mulheres, mas o subtipo depressivo apresenta maior prevalência em mulheres. Geralmente, o transtorno esquizoafetivo apresenta prognóstico mais favorável que a esquizofrenia. Transtorno Delirante: O transtorno delirante é um transtorno psicótico caracterizado por presença de 1 ou mais delírios não bizarros com duração de, no mínimo, 1 mês. Exceto por impacto direto dos delírios, não há prejuízo funcional significativo do indivíduo. Além dos delírios, 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 não há nenhum outro sintoma psicótico associado ao transtorno, ou seja, o comportamento do indivíduo não é bizarro ou desorganizado, não há alucinações e, em geral, não observa-se avolia, embotamento afetivo ou isolamento/retraimento social, possibilitando excluir o diagnóstico diferencial de esquizofrenia. O transtorno delirante classifica-se, quanto ao tema principal do delírio, nos seguintes tipos: - Ciumento: delírios de que o cônjuge/parceiro é infiel. - Erotomaníaco: delírios de que outra pessoa, geralmente em situação de maior status social, está apaixonada pelo indivíduo. - Grandioso: delírios de grande valor, poder, identidade, conhecimento e/ou de relação especial com uma divindade ou uma pessoa famosa. - Persecutório: delírios de que o indivíduo, ou alguém próximo a ele, está sendo perseguido ou maldosamente tratado. - Somático: delírios de que o indivíduo tem algum defeito físico ou alguma doença. - Misto: delírios com características de mais de 1 dos tipos anteriores, mas sem predomínio de nenhum deles. - Não especificado. Transtorno Psicótico Breve: O transtorno psicótico breve é um transtorno psicótico agudo e transitório caracterizado por presença de 1 ou mais sintomas psicóticos positivos (alucinações, delírios, discurso desorganizado, comportamento desorganizado ou catatônico) com duração mínima de 1 dia e duração máxima de 1 mês e remissão completa dos sintomas com retorno ao nível de funcionamento pré- mórbido. O transtorno não é mais bem explicado por transtorno esquizofreniforme ou transtorno esquizoafetivo. O transtorno psicótico breve pode ser classificado, quanto ao seu fator desencadeante, em: - Pós-evento (com fatores estressores acentuados): quando os sintomas psicóticos manifestam-se em resposta a eventos que, isoladamente ou em conjunto, seriam estressantes demais para praticamente qualquer pessoa em circunstâncias semelhantes na cultura do indivíduo. - Pós-ausência (sem fatores estressores acentuados): quando os sintomas psicóticos não manifestam-se logo após ou em resposta a eventos que, isoladamente ou em conjunto, seriam estressantes demais para praticamente qualquer pessoa em circunstâncias semelhantes na cultura do indivíduo. - Pós-parto: quando os sintomas psicóticos manifestam-se em até 4 semanas após o parto. O transtorno psicótico breve apresenta maior prevalência em mulheres e é mais comum em indivíduos jovens.
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