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Teologia da Revelação Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Paulo Sérgio Lopes Gonçalves Revisão Textual: Prof. Me Luciano Vieira Francisco A Revelação na Contemporaneidade (II) • Introdução; • Revelação e Libertação; • Revelação Libertadora; • Revelação Cristã e Pós-Modernidade; • Revelação na Pós-Modernidade; • Considerações Finais. • Re� etir teologicamente sobre a revelação na contemporaneidade; • Tecer a re� exão teológica sobre a relação da revelação com a libertação dos pobres e com a pós-modernidade. OBJETIVOS DE APRENDIZADO A Revelação na Contemporaneidade (II) Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam- bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE A Revelação na Contemporaneidade (II) Introdução Nesta Unidade daremos continuidade à reflexão teológica sobre a revelação na contemporaneidade, tomando dois temas assaz atuais: a libertação dos pobres e a pós-modernidade. A tomada desses temas está justificada em função da relevância que têm assumido na teologia fundamental, na Era contemporânea, tanto para apontar hermeneuticamente a contextualização da fé revelada, quanto para apon- tar a sua universalidade. O tema da libertação dos pobres é próprio da teologia da libertação latino-ameri- cana e caribenha, configurada em 1971 por Gustavo Gutiérrez em sua obra Teología de la liberación (1971). Trata-se de um substrato teológico que surgiu na esteira da theologia mundi do Concílio Vaticano II, que se desenvolveu e consolidou-se como um sistema teológico (GONÇALVES, 1997), abrindo-se para novos investimentos temáticos e epistemológicos. A Revelação aparece aqui profundamente relacionada aos dois lugares de onde se produz teologia: o lugar epistêmico, que é a fé; e o lugar social, onde estão os pobres. O desafio é pensar a revelação a partir do lugar dos pobres em articulação com a fé, realizando a passagem do particular ao universal, da história para a escatologia, assumindo a pobreza como elemento da espiritualidade emergente e da própria experiência da revelação divina que o ser humano realiza. O tema da pós-modernidade é pertinente e relevante porque parece apresentar a superação da modernidade, mas diferentemente disso, o conceito corresponde a uma situação paradoxal de descontinuidade e continuidade da modernidade. Nesse sentido, o conceito de pós-modernidade é analisado em dois âmbitos, o da Filosofia e das Ciências Sociais, cujos resultados convergem no paradoxo supracitado, seja na ontologia do espírito pós-moderno, seja no comportamento das pessoas em ter- mos de configuração social e antropológica. A teologia fundamental emerge pen- sando a revelação mediante a filosofia em perspectiva hermenêutica e ética – novo nome da metafísica – ou propriamente a partir de um pensiero debole (VATTIMO, 2002) – pensamento fraco – e de um espírito de Ciências Sociais marcado pela “razão sensível” (MAFFESOLI, 2005). Diante do exposto urge o desafio de pensarmos revelação anterior desses te- mas, levando a cabo a respectiva conceituação epistemológica e a reflexão teoló- gica emergente. Revelação e Libertação Teologia da Libertação Latino-Americana e Caribenha Ainda que o tema da libertação faça parte da tradição cristã, a sua entrada na teologia ocorre de maneira explícita, na Era contemporânea, mediante a teologia da libertação. Esse complexo teórico surgiu a partir da theologia mundi, formula- da no Concílio Vaticano II, que recepcionou um processo de renovação teológica 8 9 ocorrido no século XX, em que emergiram as viradas hermenêutica e antropológi- ca (GONÇALVES, 2010), das quais valorizou-se a categoria “história” para servir de lugar onde se faz teologia. Esse movimento possibilitou mudanças epistemológi- cas para produzir teologia, até então servindo-se da mediação da filosofia, especial- mente em sua metafísica do ser, para servir-se da vertente ontológico-hermenêutica e das Ciências Humanas, apresentando, assim, grande novidade epistemológica. A partir desse clima teológico deixado pelo Concílio, em que a teologia poderia ser produzida em diálogo com novas vertentes filosóficas e com as Ciências Hu- manas, compreendidas também como novas mediações, eis que Gustavo Gutiérrez (1990), teólogo peruano, compreendia que a teologia, concebida como sabedoria e reflexão crítica, não poderia permanecer com um substrato metafísico, desvincu- lado da realidade do homem, mas teria de assumir novas mediações para efetivar um novo modo de fazer teologia. Por isso, compreendeu que seria necessário que a fé – originada da experiência da revelação presente na Escritura, na tradição e nas experiências não escritas que o homem faz de Deus – fosse conceituada como lugar epistêmico e que a história fosse assumida como espaço onde se faz teologia. Mas pensar em história como lugar para fazer teologia seria vago se não houvesse uma concretude desse espaço. Tal realidade concreta é o lugar dos pobres, os quais foram compreendidos imediatamente em uma tríplice dimensão: econômico-social, espiritualidade e com- promissada com os pobres. Na primeira, a pobreza é a carência de meios econômicos e sociais para viver e sobreviver; é ainda um produto da injustiça social e de um sistema que oprime as pessoas, gerando exclusão e morte antes do tempo. Inclui-se aqui também a po- breza concebida nos âmbitos étnico, cultural, etário e de gênero. Assim, os pobres são os oprimidos econômica e socialmente, os negros e indígenas oprimidos cul- turalmente, as mulheres que sofrem o machismo uxoricida, as crianças e os idosos que são discriminados e marginalizados na sociedade. Na segunda, a pobreza é estado de espírito, um jeito de ser com as marcas do despojamento, desprendimento, da simplicidade e humildade no jeito mesmo de viver. Desse modo, ser pobre é uma maneira de olhar o mundo, de aproximar-se das pessoas, empenhar-se pela justiça em todas as suas dimensões, de cuidar dos doentes, corrigir pessoas, rezar, alegrar-se com a vida de outrem. Na terceira, ser pobre é comprometer-se com os pobres mediante a compai- xão – que é sentir o sofrimento e a dor do outro –, a solidariedade nas relações interpessoais e na inserção social, a denúncia contra as injustiças sociais, o anúncio da liberdade elibertação, o empenho por uma política que prime pelo bem co- mum e tantas outras ações que beneficiem a edificação da fraternidade universal (GUTIÉRREZ, 1990). A articulação entre fé cristã e pobres propiciou a produção da teologia em pers- pectiva da libertação, concebida como histórica e escatológica, imanente e trans- cendente. Trata-se, então, de uma teologia da libertação integral, cujo método é 9 UNIDADE A Revelação na Contemporaneidade (II) indutivo, parte da realidade dos pobres e constitui-se de um “espírito ortorpáxico”, em que teoria e práxis estão profundamente articuladas uma com a outra. Esse método exige mediações, o que levou o teólogo peruano a apoiar a filosofia her- menêutica e social e as Ciências Humanas, especialmente a Sociologia. Tanto a Filosofia Social quanto a Sociologia apreendidas por Gustavo Gutiérrez tiveram a preponderância do marxismo, não em sua formulação ateística, mas em sua poten- cialidade analítica da realidade, para inferir a pobreza como fruto de um processo social conflitivo (GONÇALVES, 2007). Essa nova apropriação filosófica e científica propiciou que teólogos que assu- missem perspectiva libertadora na formulação de seu respectivo complexo teórico também se preocupassem com a epistemologia teológica. Disso resulta o livro Teología desde la práxis de la liberación (1973), de Hugo Assmann, em que chamou a teologia da libertação de teologia política latino-americana, seguindo a esteira da nova teologia política produzida por Johann Baptist Metz (1997). Esse teólogo também se utilizava da mediação filosófica e sociológica do marxismo para dar-se conta do conflito social que assolava o Continente latino-americano. Juan Luis Segundo também se preocupou com a epistemologia teológica, debruçando- -se sobre o círculo hermenêutico para apresentar a relação entre teoria e práxis, fé e ideologia e a afirmação de uma teologia libertada para ser eficaz teologia da libertação (SEGUNDO, 1976). A sistematização do método da teologia da libertação ocorreu na tese de Dou- torado de Clovis Boff, intitulada Teologia e prática (1978), em que a teologia da libertação é constituída de três mediações: sócio-analítica, hermenêutica e teórico- -prática. Desse modo, fazer teologia exige analisar a realidade histórica e social do homem, avaliá-la à luz da palavra de Deus revelada na Escritura e transmitida na tradição, e realizar práticas contundentes de transformação da realidade humana. Acompanhando a produção acerca da epistemologia teológica, encontramos os tratados teológicos efetuados em perspectiva libertadora, havendo, então, uma cristopráxis da libertação, uma eclesiologia que traz à tona uma igreja dos pobres, uma Antropologia teológica da libertação, um Deus libertador da revelação, uma Trindade que é modelo de comunhão, uma pneumatologia libertadora. Não obs- tante, as tensões ocorridas com a Congregação para a Doutrina da Fé, que emitiu a instrução Libertatis nuntius (1984) para alertar quanto ao uso da mediação do marxismo, assim como a instrução Libertatis conscientia (1986) para apresentar, em conformidade com a Doutrina Social da Igreja, a sua compreensão sobre li- berdade e libertação, elaborou-se um projeto sistemático de teologia da libertação. Trata-se da coleção Teologia e libertação que se originou para ser uma espécie de Suma Teológica Libertadora, projetada para ser constituída de 57 volumes, mas que por razões eclesiásticas e epistemológicas, teve 29 volumes publicados entre o período de 1984 a 1994. Por isso, em 1990 foram publicados dois tomos da obra Mysterium liberationis, organizada por Jon Sobriño e Ignacio Ellacurría, cuja pretensão era resumir a supramencionada coleção e servir de síntese da Suma Teológica Libertadora. 10 11 Configurou-se, então, um projeto sistemático da teologia da libertação, configu- rado em quatro grandes blocos: epistemologia teológica, Deus – Trindade, Cristo e Espírito – Igreja – Eclesiologia fundamental, ministérios, sacramentária, evange- lização e martírio – e ser humano – Antropologia teológica fundamental, teologia da criação e escatologia libertadora – firmando esse complexo teológico no corpus theologicus universalis (GONÇALVES, 2010, p. 57-94). A partir desse sistema teológico consolidado surgiram novos investimentos epis- temológicos, dos quais destacamos a relação entre teologia e economia, a ecologia e o pluralismo religioso. Assim, desenvolveu-se uma crítica teológica à “idolatria do mercado” (ASSMANN; HINKELAMMERT, 1989), uma teologia ecológica liberta- dora e uma teologia libertadora do pluralismo religioso, em que foram valoradas as religiões afro-americanas e ameríndias, além de se elaborar uma teologia efeti- vamente inculturada. É dessa configuração do complexo teológico libertador que refletimos a revelação cristã. Revelação Libertadora A reflexão teológica sobre a revelação cristã em perspectiva libertadora con- sidera, antes de tudo, o caráter histórico da revelação, assentado na cristologia fundamental, em que se realça a articulação entre o Jesus histórico e o Cristo da fé. Dessa cristologia surge a Trindade, Deus que é comunhão de pessoas divinas, o Espírito que é sempre ação divina libertadora, o novo ser humano, a nova criação e uma Igreja pobre, com os pobres e dos pobres. Para compreender a revelação em perspectiva libertadora (SEGUNDO, 1976), torna-se necessário que se entenda a “pedagogia divina da revelação” presente na Escritura e na própria Tradição da fé cristã. Nesse sentido, Deus se revela sen- sibilizado pela situação dos “hebreus” então escravos no Egito, tendo Ouvido o seu clamor, Sentido a sua aflição e Decidido descer para libertá-los e conduzi-los a uma terra boa de leite e mel. Desse modo, a Revelação se efetiva na aliança entre Deus e Israel, que não tinha identidade e ora a possui na terra e descendência. Por isso, a Revelação se manifesta nos profetas em sua palavra viva, cortante e eficaz, sempre em contraposição à idolatria de Israel e, por conseguinte, o abandono ao Deus libertador. Por que a idolatria é um problema sério na aliança entre Deus e Israel? Ex pl or Porque o ídolo não fala, não enxerga, não escuta ou se move por poder próprio, mas apenas e tão somente pelo poder que lhe é dado pelo devoto. Um grande exemplo veterotestamentário de idolatria é o bezerro de ouro (Ex, 32), que fora fa- bricado por mãos humanas e cultuado mediante sacrifícios e holocaustos realizados 11 UNIDADE A Revelação na Contemporaneidade (II) por seres humanos. A idolatria religiosa gerou a idolatria política, presente na perda da identidade nacional em função das alianças internacionais efetuadas em Israel. Foi produzida também a idolatria econômica mediante o trabalho escravo, a cobrança de altos impostos. A crítica profética é Revelação divina por meio de uma palavra que promete a destruição dos ídolos, interpela o povo de volta – shub – à aliança – berit. Essa palavra profética já se manifesta simultaneamente como promessa e cumprimento, algo visualizado em alguns momentos históricos do povo da Bíblia, tais como a ele- vação de Ezequias para a condição de rei a fim de fazer justiça ao órfão e à viúva, o retorno do exílio da Babilônia para a terra, realizando reformas para a efetivação da justiça e do direito. A literatura sapiencial é também vista em perspectiva libertadora, de modo que a sabedoria é concebida como experiência do Deus compassivo e misericordioso, realizada na própria história do sofredor, inocente e justo injustiçado neste mundo. A Revelação é aqui um processo de misericórdia, de compaixão e solidariedade de Deus para com os pobres sofredores, mediante as ações compassivas e solidárias de quem se compromete com os pobres (GUTIÉRREZ, 1986). A literatura apoca- líptica é também relida em perspectiva libertadora, pois a esperança dos pobres, que são sofredores e marginalizados, é motor que ativa a resistência e utopia pela libertação e por uma sociedade fraterna e justa.No Novo Testamento, Jesus Cristo é concebido como plenitude da Revelação, por meio da historicidade da Salvação que trouxe. Essa historicidade está visualiza- da na sua própria prática de personalizar o Reino de Deus em suas ações. Assim, Jesus possui o cuidado para com os pobres, presentes nos marginalizados pelo sistema de impureza – cegos, coxos, mulher hemorroíssa, surdos –, incluindo-os no sistema e demonstrando misericórdia para com os quais. Acolhe os pecadores e publicanos, mostrando-lhes a possibilidade de sua salvação, em função da respecti- va conversão, historicizada na busca da partilha e fraternidade. As suas controvér- sias com os fariseus e saduceus se constituem em uma fortíssima crítica ao sistema social e religioso que propicia a discriminação de diversas categorias de pessoas, em um desmascaramento do fundamentalismo jurídico e religioso e um intenso chamado a viver, de forma coerente, a fé professada, como forma de superar a hipocrisia e falsidade. Até mesmo o juízo divino em Jesus é historicamente libertador, pois se salva quem cuida daqueles que têm fome e sede, de quem está preso, nu, doente, in- justiçado (Mt, 25:31-46). Por isso, são bem-aventurados os pobres em espírito, isto é, os que têm disposição em humilhar-se para servir e amar quem sofre, que tem carências de meios de sobrevivência e que não têm onde inclinar a cabeça. São bem-aventurados ainda os puros de coração e os mansos que são sempre pacifistas, contrários à violência e apregoam a fraternidade e justiça. Ainda são bem-aventurados os que se empenham pela justiça – econômica, social, política, moral – e os que são perseguidos por causa de Jesus, de seu Reino. 12 13 Do evento da Revelação de Jesus Cristo surgiu a Igreja, por ação do Espírito Santo e por decisão dos apóstolos, com a finalidade de evangelizar mediante o anúncio da Salvação e de seu testemunho na celebração do batismo e da ceia do Senhor, na oração e realização do bem comum, mantendo sempre a alegria e unidade entre os seguidores de Jesus. Disso resulta a memória do povo cristão em modo comunitário de viver, partilhando a vida uns com os outros, confraternizan- do-se, desenvolvendo o anúncio do Evangelho de modo que todos os povos o com- preendam como boa notícia, e o martírio emergindo como sinal ou propriamente sacramental da práxis libertadora dos cristãos, sendo o testemunho martirológico denotativo da Jerusalém Celeste, evidente glorificação de Deus (Ap, 21). A leitura libertadora da Revelação bíblica mostra que a atualização da Revelação para a América Latina e Caribe apresenta um Deus que se manifesta a partir do lugar dos pobres; age com misericórdia por meio de sua compaixão com os que passam pelos diversos tipos de sofrimento, da efetividade da justiça, libertação da alienação e das forças opressoras. Isso acontece através das pessoas que, inspira- das pelo Espírito Santo, movimentam-se visando à transformação da realidade, realizando experiências comunitárias e de comunicação verdadeiramente dialógica. Desenvolve-se ainda uma Igreja dos Pobres, os quais em seu jeito de ser e para os pobres, possuindo as marcas da Profecia, alegria do Evangelho e do espírito das bem-aventuranças, e que ainda busca a realização da justiça, dos direitos funda- mentais da pessoa, democracia e de relações sociais fraternas. Enfim, a Revelação Cristã pensada teologicamente em perspectiva libertadora objetiva a eficácia praxística, em que os pobres são libertados da situação de opres- são; a compaixão se desenvolve como expressão da misericórdia divina; a justiça se torna realidade e o martírio acontece como forma de testemunhar Jesus Cristo e seu Reino de Fraternidade, de paz e de libertação integral. Revelação Cristã e Pós-Modernidade Preâmbulo Ao buscarmos pensar a Revelação Cristã na relação com o que é denominado pós-modernidade, defrontamo-nos com um dos grandes desafios contemporâneos à teologia. Justificamos essa afirmação pelo fato de que o conceito de pós-moder- nidade é complexo, até mesmo ambíguo e marcado por diversidade epistemológica entre os seus teóricos. Ao longo de toda a sua tradição, a teologia obteve substratos que lhe garantiram ser contemporânea de cada época histórica. Significa que a teologia, nesse novo clima cultural e filosófico, buscou renovar a sua epistemologia, não mais única e exclusivamente concentrada na metafísica do ser, mas também assumindo a perspectiva da filosofia hermenêutica, pela qual pensa filosoficamente a sociedade em diálogo com a Antropologia, Sociologia, História e outras ciências. 13 UNIDADE A Revelação na Contemporaneidade (II) A teologia assume também o caminho de diálogo com as artes, em que se desta- cam a literatura, o cinema, a pintura iconográfica e os monumentos (GONÇALVES, 2011). Além disso, há sensibilidade teológica pelas atividades de diversos grupos religiosos, nem sempre presentes nas estruturas eclesiais, mas que possuem “inte- ligência emocional” que nos remete a um pensar teológico que, metodicamente, parte do sentimento religioso e psíquico para, então, realizar a sistematização teo- lógica da fé revelada (LIBÂNIO, 2003). Conceito de Pós-Modernidade e seus Desdobramentos O conceito de pós-modernidade é filosoficamente situado na sentença de Friedrich Nietzsche (1993) de que “Deus está morto”, conforme se expressa no fragmento 125 de Gaia Ciência: Não ouviram falar de um homem louco que, na clara manhã, acendia uma lanterna, corria para o mercado e gritava incessantemente: “Procuro Deus! Procuro Deus!” – Mas, como lá estavam reunidos juntamente mui- tos daqueles que não acreditavam em Deus, provocou um grande riso. “Será que se perdeu?” Dizia um. “Perdeu-se como uma criança?” Dizia outro. “Ou está escondido? Tem medo de nós? Embarcou? Emigrou?” – Assim gritavam e riam uns para os outros. O homem louco saltou para o meio deles e trespassou-o com seu olhar. “Para onde foi Deus”, excla- mou, “vou dizer-vos! Matámo-lo – vós e eu! Todos nós somos os seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos esvaziar o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte inteiro? Que fizemos quando desligamos esta Terra do seu Sol? Para onde se move ele agora? Para onde nos movemos nós? Longe de todos os sóis? Não caímos cons- tantemente? E para trás, para os lados, para a frente, para todos os lados? Há ainda um acima e um abaixo? Não erramos como através de um nada infinito? Não nos bafeja o espaço vazio? Não arrefeceu? Não vem cada vez noite e mais noite? Não têm as lanternas de ser acesas de manhã? Não ouvimos ainda nada do barulho dos coveiros que sepultam Deus? Não cheiramos ainda nada da decomposição divina? – também os deuses se decompõem! Deus morreu! Deus permanece morto! E nós matámo-lo! Como nos consolamos, os assassinos de todos os assassinos? Aquilo que de mais sagrado e mais poderoso o mundo até agora possuía sangrou sob nossos punhais – quem nos limpa deste sangue? Com que água podería- mos purificar? Que festas expiatórias, que jogos sagrados inventar? Não é a grandeza desse ato demasiado grande para nós? Não teremos nós mesmos de nos tornar deuses, para apenas aparecermos como dignos dele? Nunca houve um ato maior e quem nascer depois de nós pertence, por causa deste ato, a uma história maior do que toda a história o foi até agora!” – Aqui silenciou-se o homem louco, e voltou a olhar para os seus auditores: também eles se silenciavam e olhavam surpresos para ele. Fi- nalmente, lançou a sua lanterna ao chão de tal modo que ela se quebrou e se apagou. “Chego demasiado cedo”, disse então ele, “ainda não chegou o meu tempo. Este acontecimento monstruoso ainda está a caminho e deambula – ainda não chegou aos ouvidos dos homens. O relâmpago e o trovão precisam de tempo, mesmo depois de terem sido feitos para 14 15 serem vistos e ouvidos. Este ato está ainda mais distante deles que os mais longínquos astros – e, no entanto, fizeram-no eles mesmos!” – Conta-se ainda que o homem loucoentrou no mesmo dia em diversas igrejas e aí cantou o seu Réquiem aeternum Deo. Expulso e interpelado, replicou sempre apenas isto: “Que são então ainda estas igrejas senão os túmulos e os mausoléus de Deus?”. (NIETZSCHE, 1993, p. 121) Essa sentença nietzschiana nos aponta um conjunto de elementos que nos permi- tem conceituar pós-modernidade. Em primeiro lugar, a “morte de Deus” é anunciada por um “homem louco”, que em meio a um mercado pronunciou tal sentença, após afirmar para um público em que muitos não acreditavam em Deus. Após risos des- ses homens, o “louco” sentenciou: “Deus está morto” e “nós o matamos”. Estaria Nietzsche preocupado com a substancialidade de Deus, para afirmar que Este não existe mais? Seguramente afirmamos que não. A preocupação tem relação com a metafísica, presente historicamente na Filosofia, com um método que a ideia se impunha à realidade, e também na Ciência Moderna, que pretendia ordenar e fazer progredir a humanidade, de modo a resolver todos os seus problemas. A crítica a essa metafísica objetivista, que explicava a ordem do mundo e homem, propiciou a necessidade de repensar a própria Filosofia, Ciência e, principalmente, o modo como o homem há de se autocompreender no mundo (GONÇALVES, 2014). Esse anúncio (ALMEIDA, 2012) possibilitou que se pensasse a respeito do “fim da religião” e a elevação áurea do antropocentrismo, tornando a “questão de Deus” periférica ou inútil ao advento de uma nova humanidade. Por isso, os valores se descentralizaram da religião, adquiriram laicidade e secularização pare- cia ser sinônimo de ateísmo. No entanto, uma releitura de Nietzsche no âmbito ontológico-hermenêutico possibilita que visualizemos um “ateísmo hermenêutico” nesse pensador, de modo que a sua reivindicação é que sejam repensados o ho- mem, mundo e Deus, com novos critérios de compreensão. Nesse sentido, fica instituído o niilismo, que nada mais é do que o processo de desconstrução e nova construção de conceitos e de visão de mundo. Um elemento importante no niilismo é que “tudo é interpretação”, o que possibilita aquela expressão de veracidade que foi colocada como verdade absoluta e irremovível. Igualmente, o niilismo propicia a “vontade de potência”, em que o homem ad- vém ao mundo, emergindo desse advento guerras e novos sistemas de vida – no caso do século XX, duas guerras mundiais e sistemas totalitários, causando densa e intensa vitimização de pessoas – e a técnica não apenas como instrumento, mas como uma “Era”, um modo de ser do homem. A técnica que adveio ao homem transformou-se em tecnologia, que propiciou transformações acerca da própria vitalidade humana. Tomemos como exemplos: a medicalização da morte, em que o homem passou a não mais morrer em casa, mas no hospital, em unidade espe- cífica; os transplantes, inicialmente de rins e posteriormente de coração e outros órgãos; a tonificação das informações mediante computadores, novas formas de telefonia, smartphones e outros meios midiáticos de comunicação. A sentença nietzschiana nos faz pensar ainda em uma espécie de “café da manhã”, em que outro dia clareia – mas não totalmente. Significa que a pós-modernidade não 15 UNIDADE A Revelação na Contemporaneidade (II) é a superação total da modernidade, porque o antropocentrismo pleno, ateísmo substancialista, a supressão da religião não se realizara. O que constatamos é que o homem não abdicou de Deus, mas ampliou a visão acerca Desse, desvinculando-o das instituições religiosas e, por conseguinte, criando a sua própria religião. Por isso, é plausível afirmar que a religião pós-moderna (GONÇALVES, 2011) é a do divino, cuja expressão pode ser concebida a partir das divindades ou semidivindades da mi- tologia, tais como Orfeu, Narciso, Hércules, Dionísio e Apolo. Com a representação de Orfeu, a religião se transforma em instância de encan- tamento, que tolhe do fiel a consciência de sua finitude, de seus limites e de sua realidade como um todo, colocando-o em uma situação de culto a algo que é irreal. Um exemplo se situa naquelas repressões que desvinculam a religião da história, a fé professada da vida das pessoas, mostrando total desinteresse pela política, pelas questões sociais, pelos direitos fundamentais dos seres humanos. A religião represen- tada na figura de Narciso, sendo aquela em que as pessoas se organizam e realizam as suas obras como expressões de si, sendo incapazes da sensibilidade à alteridade, diferença do outro em sua condição de outro. Nessa religião, o representante assume o lugar do representado, ou seja, o que se manifesta não é a divindade, mas a pes- soa ou instituição em que o narcisismo vigora. Um exemplo dessa religião pode ser tomado em algumas expressões do catolicismo, em que as celebrações litúrgicas se tornam espaços de espetáculos ao prestígio e status de algumas pessoas, não haven- do espaço à experiência do Sagrado como canal da comunhão com Deus. Com a representação de Dionísio temos uma religião festiva, em que a festa é sempre prioritária nas ações religiosas. Tal festa está também desvinculada da práxis histórica, tornando as celebrações litúrgicas isentas de historicidade efetiva em relação à vida humana e planetária. Na representação de Apolo temos a religião institucionalizada, marcada pelo rigor da Lei, das prescrições morais e afirmações dogmáticas, de modo que a festa apenas é permitida se estiver dentro das determi- nações legais, morais e dogmáticas. Na representação de Hércules temos a religião da imanência, da práxis histórica e da movimentação para a transformação da realidade. Porém, nessa religião, a espiritualidade apresenta pouca transcendência, trazendo prejuízo à formulação de uma mística de tal transformação. Não obstante, essas formulações, quer sejam distintas, relacionam-se entre si, muitas vezes de forma tensa e dinâmica, propiciando que se misturem e permitam grande ambiguidade religiosa em termos de representação social. Algo que também muito tem se manifestado em termos pós-modernos é a reli- gião divina, em que experiências religiosas confessionais efetivam ultrapassagens acerca de suas formas e denotam a experiência do Sagrado, em sua condição de experiência do Mysterium Tremendum et Fascinans. Além disso, temos as expe- riências religiosas isentas de confessionalidade de fé que se exprimem como “reli- giões do divino” à medida que ultrapassam a institucionalidade religiosa e realizam a caridade, presente na compaixão e solidariedade. A pós-modernidade (DUQUE, 2016) está marcada também pela ambiguidade aos direitos fundamentais da pessoa, pois muito se afirma sobre tais direitos – à 16 17 vida, educação, moradia, cultura – e muitos são os atos de homofobia, xenofobia, de “morte prematura”, insensibilidade ao sofrimento, negligência em relação às políticas públicas de moradia, educação e saúde. Indubitavelmente, temos ainda muitas situações de vulnerabilidade social, desrespeito à vida humana, etnocentris- mo, machismo uxoricida e tantas outras formas de exclusão de pessoas. Devemos contar ainda com a comunicação falaciosa acerca de diversas situações sociais, políticas, religiosas, econômicas e culturais, de modo que temos uma crise acerca da verdade, a ponto de podermos perguntar: o que é a verdade? E diante dessa pergunta, cuja dificuldade é imensa para responder, surge o relativismo que, inclusive, relativiza a própria vida humana, tornando-a ainda mais vulnerável. Isso explica diversos modos de conduzir ordenamentos jurídicos que estão isentos da justiça ou propriamente do “espírito do justo” (RICOEUR, 1997). Ainda no campo da comunicação, as pessoas se encontram não apenas nos es- paços convencionais, mas, sobretudo, nos espaços virtuais, transformando tanto a realidade do espaço quanto a de tempo. Estamos, assim, vivendo o “instante eterno” (MAFESSOLI, 2003), em novo ritmo, podendo cada pessoa manter relações comer- ciais, afetivas e outras de modo simultâneo, propiciando a ausência da profundidadenas próprias relações. Temos, então, uma intensa movimentação virtual, inclusive, nas relações de trabalho – até porque muitas pessoas utilizam os espaços virtuais para trabalhar institucionalmente em suas próprias casas – que modificam o estado das moradias. Em outras palavras, muitas pessoas estão a trabalhar em casa, fazendo de sua moradia não apenas o espaço de habitação, mas também de trabalho, efeti- vação de produto que lhe proporcionará sustento econômico. Outro paradoxo a ser constatado está no âmbito do cuidado com o Planeta e consumismo. Já foi percebida a necessidade de cuidar ecologicamente da Terra, concebida como “casa comum”, porém, ainda é intenso o consumo, a descarta- bilidade de produtos, poluição e outros fenômenos que marcam a crise ecológica. Então, de um lado, as pessoas são induzidas a consumir para consumar a própria presença na sociedade e, de outro, as pessoas são interpeladas à efetividade de uma ética do cuidado e realização da consciência ecológica. É interessante ainda notarmos que se intensificou o discurso sobre as questões sociais e os apelos à solidariedade com os pobres. No entanto, os pobres estão excluídos do sistema de saúde à medida que têm as suas doenças intensificadas por esperarem tanto tempo por atendimento ou até mesmo morrem em filas de hospitais e por negligência médica e/ou clínica. Em uma época em que tanto se afirma a importância da educação escolar das crianças, muitas são as que estão sem frequentar a escola. Muitos são os pobres sem casa, sem-terra e morando nas ruas, sem nenhuma perspectiva de futuro. Enquanto isso, a sociedade aumenta o seu consumo, realiza extravagâncias diversas e descarta muitas vidas mediante as suas negligências institucionais. A pós-modernidade produziu a felicidade no fragmento da vida, instante do tempo, na singularidade do indivíduo, embora se discurse sobre o todo, o tempo totus e as relações interpessoais que hão de pautar a vida humana. Por isso, po- 17 UNIDADE A Revelação na Contemporaneidade (II) demos afirmar que a palavra paradoxo propicia conceituar a pós-modernidade, sendo que, no interior das situações paradoxais, a teologia é desafiada a visualizar a Revelação Divina. Revelação na Pós-Modernidade1 Alongamo-nos no conceito de pós-modernidade e seus desdobramentos porque partimos do pressuposto de que teologicamente a Revelação está embutida no pró- prio conceito. Por que realizamos tal afirmação? Porque a sentença nietzschiana da “morte de Deus” não deixa de ser uma crítica à linguagem metafísica subjacente à teologia para mostrar a Revelação muito mais presente em conceitos metafísicos já definidos, do que nas experiências que os seres humanos fazem em suas relações e no seu modo de estar no mundo. Conforme visualizamos, o pensamento pós-moderno se caracteriza pela flexibi- lidade por não possuir expressões fixas e pela nomadologia por estar imbuída de possibilidades de mudanças. Esse modo de pensar está próximo do que denomina- mos ontologia hermenêutica, no sentido de que o ser há de ser pensado mediante um processo hermenêutico que requer abertura, diálogo entre os sujeitos envolvi- dos e articulação entre as partes que podem compor o todo, cujo espírito é sempre de abertura – logo, jamais de fechamento. De acordo com o exposto na primeira Unidade, a Revelação é a experiência da autocomunicação de Deus ao homem que, por sua vez, sendo “ouvinte da Palavra”, responde livre e responsavelmente à interpelação divina. Por concebermos a Reve- lação como um processo de comunicação, entendemos que se trata de um processo dialógico, em que Deus e homem são sujeitos que falam, escutam, cada um por sua vez, e juntos consentem com o desenvolvimento da Revelação na história. Por isso, tem validade a “maiêutica histórica” de Andrés Torres Queiruga, em que a teologia é como uma parteira, que infere na história humana, a Revelação Divina. Ao considerarmos novamente a Antropologia transcendental rahneriana e a “maiêutica histórica de Torres Queiruga”, a Revelação na pós-modernidade só pode ser concebida como encontro amoroso entre Deus e homem, efetivado na realização do amor na história humana. Nesse sentido, tem muito valor o princípio da Antropologia teológica, significativamente acentuado, como Karl Rahner, de que o homem como “imagem e semelhança de Deus” é responsável por levar a cabo a criação divina, mediante as relações inter-humanas e as relações do homem com as outras criaturas. A responsabilidade do homem na própria Revelação Divina o coloca como su- jeito da história, ao lado do próprio Deus – que é outro sujeito da história. E por ser sujeito, torna-se capaz de ter liberdade e responsabilidade para tomar as de- 1 (DUQUE, 2016; GONÇALVES, 2015) 18 19 cisões que darão fluxo à história do homem que, teologicamente, possui conota- ção escatológica e, por conseguinte, deve ser marcada pelo amor. Por isso, com precisão afirmava Karl Rahner de que a Revelação é um encontro de liberdade do homem e de Deus, mas que é Deus, o Amor que nos dedicou por princípio, quem toma a iniciativa de se autocomunicar ao homem, de interpelá-lo à comunhão. Assim, mesmo que Deus receba a resposta negativa do homem, utilizar-se-á de algum recurso para que a consciência humana, situada na história e imbuída de moralidade, tenha condições de reverter o não em sim. Esse processo é histórico, pois constitui a própria existência humana e se situa nos mecanismos contemporâ- neos da própria vida humana. Ao considerarmos o caráter pessoal da Revelação de Deus ao homem, por mais que o contexto pós-moderno esteja marcado pela virtualização das relações, a Revelação acontecerá à medida que o homem humanizar as suas relações, for capaz de desenvolver a alteridade em relação aos seres humanos, ao Planeta e Universo como um todo. Desenvolver a alteridade requer despojamento e abertura à diferença que provém do outro, cujo rosto é próprio e singular. À medida que a insensibilidade der lugar à sensibilidade às vulnerabilidades humanas, que houver a indignação com as injustiças sociais que deterioram a vida humana e planetária, eis que a Revelação será recepcionada pelo homem. Emerge aqui também a Revela- ção na experiência da compaixão, pela qual se sente o sofrimento e a dor do outro. Da compaixão emerge a solidariedade, que nada mais é do que a ajuda que uma pessoa concede gratuita e amorosamente a outrem. À medida que se tem o costu- me da solidariedade, instaura-se uma cultura da solidariedade entre as pessoas e os povos. Com compaixão e solidariedade torna-se possível construir uma “civilização do amor”, em que se garante a presença da caridade social propiciando a edifica- ção de estruturas sociais justas e fraternas, de seres humanos sensíveis, compassi- vos e solidários, capazes de viver a “alegria do Evangelho” (FRANCISCO, 2013). A sensibilidade da pessoa por outrem implica também em desenvolver a amiza- de, cujo histórico mostra o valor da confiança mútua, do respeito, da corresponsa- bilidade entre os sujeitos envolvidos. Na historicidade da Revelação Divina, Deus é amigo do homem, o que implica que quanto melhor for a amizade entre as pessoas e entre os povos, melhor plausibilidade terá a Revelação. A amizade é uma forma do amor se desenvolver nas relações inter-humanas e internacionais dos povos. A Revelação na pós-modernidade passa também pela ética do cuidado consigo, com os outros seres humanos, com o Planeta e Universo em seu todo, e com o próprio Deus. Cuidar é zelar, ter atenção, ser solícito, dedicar-se ao outro, com re- tidão e entrega amorosa. À medida que a ética do cuidado se apresenta com o seu imperativo “saber cuidar”, a Revelação Divina acontece, apresentando um Deus que cuida do ser humano, mediante a compaixão e inspiração para que a vida seja defendida e promovida em todos os seus âmbitos. Para ser eficaz e apresentar a Revelação no contexto pós-moderno, a teologia fundamental há de se servir da ontologia hermenêuticapara compreender o ho- mem pós-moderno, com as suas incursões, debilidades e potencialidades. Assumirá 19 UNIDADE A Revelação na Contemporaneidade (II) também uma linguagem nova, com a metafísica se apresentando na ética, espe- cialmente na ética do cuidado e com a iconografia, poesia e literatura em vigência para que, por meio da imagem e narrativa, apresente um Deus compassivo, mise- ricordioso, que ama o homem porque é o Amor por excelência, que se revela gra- tuitamente ao homem e a todo o Universo. Nesse sentido, a teologia fundamental suscitará a compreensão da Revelação nas tensões e na sinfonia da criação, nos dramas e nas alegrias dos seres humanos, na esperança de que “as dores de parto” da criação denotem a Revelação de um Deus que amou tanto o mundo que nos deu de presente o seu próprio Filho Unigênito. Considerações Finais Ao término desta Unidade, que é também a última da Disciplina Teologia da Revelação, queremos apenas afirmar que a Revelação Cristã não pode ser refletida isenta da historicidade e Antropologia fundamental, porque Deus se revelou plena- mente em Jesus Cristo, assumindo a história com os seus dramas, as suas tensões e potencialidades de esperança; viveu a “carne humana”. Por vontade do Pai, o Filho doou-nos o espírito para que seja a nossa inspiração e iluminação, apontando-nos o caminho da recepção à Revelação, que se situa no seguimento de Jesus e na abertura à Vontade de Deus por meio da abertura do espírito humano à alteridade presente no respeito às diferenças das culturas, religiões, pessoas e povos. Ao considerarmos a história como campo da Revelação de Deus para o homem, então toda e qualquer situação de desumanização e opressão aos seres humanos há de ser concebida como lugar privilegiado da Revelação. Por isso, a perspectiva libertadora acentua a Revelação a partir do lugar dos pobres, compreendidos em sua carência econômica e social, mas também como um estado de espírito, em que o homem é simples, humilde e comprometido compassiva e solidariamente com os pobres no combate a toda situação de opressão. No âmbito pós-moderno, a Revelação figura na situação paradoxal do homem, em suas contradições e ambiguidades, mas sempre respeitando a liberdade huma- na e instigando o homem a agir com responsabilidade de quem aceita a comunhão com Deus. Desse modo, a Revelação acontecerá na historicidade vivencial do ho- mem, em que Deus se revela como compassivo, misericordioso e efetivamente amoroso, por meio das experiências humanas de compaixão, perdão e reconcilia- ção, amor que efetiva a justiça, um mundo de fraternidade e paz. 20 21 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Teología de la liberación 40 años después CODINA. Teología de la liberación 40 años después. Balance y perspectivas. Horizonte, Belo Horizonte, MG, v. 11, n. 32, p. 1.357-1.377, 2013. Igreja e missão no contexto da pós-modernidade GONÇALVES, P. S. L. Igreja e missão no contexto da pós-modernidade. Atualidade Teológica, Rio de Janeiro, v. 22, n. 59, p. 363-389, 2018. Qual é o locus de Deus: no túmulo ou no homem: a religião à luz da fenomenologia ou ontologia hermenêutica heideggeriana. ______. Qual é o locus de Deus: no túmulo ou no homem: a religião à luz da fenomenologia ou ontologia hermenêutica heideggeriana. Numen, Juiz de Fora, MG, v. 17, n. 2, p. 223-250, 2014. A relação entre a fé cristã e os pobres na teologia da libertação ______. A relação entre a fé cristã e os pobres na teologia da libertação. Perspectiva Teológica, v. 43, n. 121, p. 315-332, 2011. 21 UNIDADE A Revelação na Contemporaneidade (II) Referências ALMEIDA, R. M. A religião na perspectiva de Nietzsche. In: GONÇALVES, P. S. L. (Org.). Um olhar filosófico sobre a religião. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2012. p. 51-76. ASSMANN, H. Teología desde la práxis de la liberación. Salamanca: Sígue- me, 1973. ______; HINKELAMMERT, F. A idolatria do mercado. Ensaio sobre economia e teologia. São Paulo: Vozes, 1989. BOFF, C. Teologia e prática. Teologia do político e suas mediações. 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