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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Otorrinolaringologia OTITE MÉDIA AGUDA Definição: A otite média aguda (OMA) é definida como a infecção aguda da orelha média, causada por vírus ou bactérias. A OMA é uma complicação comum de doenças respiratórias virais, ou seja, geralmente resulta de infecção viral das vias aéreas superiores (ex. gripes e resfriados). Epidemiologia: A otite média aguda (OMA) acomete principalmente crianças, com maior incidência entre 6 e 24 meses de idade. Aproximadamente 80% das crianças apresentam, no mínimo, 1 episódio de OMA antes dos 2 anos de idade. A OMA em crianças é mais comum em meninos, em indivíduos com malformações craniofaciais e em indivíduos com história familiar de OMA. A OMA é mais frequente em crianças, pois a anatomia da Trompa de Eustáquio em crianças caracteriza-se por presença de tuba auditiva mais curta, mais estreita e mais horizontalizada do que a tuba auditiva do adulto, favorecendo o refluxo de secreção da nasofaringe em direção à orelha média e aumentando o risco de OMA. Fatores de Risco: Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de otite média aguda (OMA) são: - Exposição a vírus respiratórios (mais comum em crianças que frequentam creches e escolas ou que têm irmãos mais velhos). - Ausência de aleitamento materno (aumenta o risco de IVAS de repetição). - Alimentação em posição de decúbito dorsal (aumenta o risco de refluxo de secreção da nasofaringe em direção à orelha média). - Refluxo gastroesofágico (aumenta o risco de refluxo de secreção da nasofaringe em direção à orelha média). - Baixo nível socioeconômico (maior incidência de IVAS). - Malformações craniofaciais (ex. fenda palatina). - Imunodeficiência primária ou secundária. - Doenças alérgicas (ex. rinite alérgica). - Obesidade. - Sexo masculino. - Tabagismo ativo ou passivo. Etiologia: Na maioria dos casos, a otite média aguda (OMA) é causada por vírus respiratórios (ex. adenovírus, rinovírus, influenza). As principais bactérias causadoras de OMA são: - Streptococcus pneumoniae (pneumococo). - Haemophilus influenzae. - Moraxella catarrhalis. A infecção bacteriana da orelha média geralmente é secundária à infecção viral da orelha média, pois as bactérias já estão presentes na mucosa das vias aéreas superiores, mas a presença de infecção e inflamação viral predispõe à proliferação bacteriana na orelha média. Assim, geralmente, há necessidade de secreção no interior da orelha média para a proliferação e a consequente infecção bacteriana da orelha média. Fisiopatologia: A otite média aguda (OMA) geralmente é secundária a infecção viral das vias aéreas superiores (ex. gripes e resfriados) ou a inflamação alérgica das vias aéreas superiores (ex. rinite alérgica). Nestas situações, a presença de inflamação e de edema da mucosa da nasofaringe e da tuba auditiva causa disfunção tubária. A disfunção tubária caracteriza-se por diminuição do transporte de ar da nasofaringe em direção à orelha média, o que resulta em pressão negativa no interior da orelha média, favorecendo a ascensão de secreção das vias aéreas superiores em direção à orelha média e a estase desta secreção no interior da cavidade timpânica. A presença de secreção contendo vírus e/ou bactérias no interior da orelha média resulta em infecção e inflamação da cavidade timpânica, que cursa com abaulamento da membrana timpânica inflamada. 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Diagnóstico: O diagnóstico de otite média aguda (OMA) é essencialmente clínico e baseia-se em anamnese e exame físico (otoscopia). Na anamnese, as principais características clínicas que sugerem o diagnóstico de OMA são: - Otalgia. - Otorreia. - Plenitude auricular. - Febre. - Sinais e sintomas de IVAS: rinorreia, espirros, congestão nasal, tosse, cefaleia. Em crianças pré-verbais, os principais achados clínicos são febre e sintomas sistêmicos indicativos de otalgia, como choro, irritabilidade, insônia, diarreia, vômitos e anorexia. Em crianças verbais, os principais achados clínicos são de IVAS seguida de otalgia. Em adultos, a OMA é rara, mas os principais achados clínicos são otalgia, otorreia, perda de audição e dor de garganta. Na otoscopia, as principais características que sugerem o diagnóstico de OMA são: - Abaulamento da membrana timpânica. - Hiperemia da membrana timpânica. - Aumento de vascularização da membrana timpânica. - Opacificação da membrana timpânica. A presença de abaulamento da membrana timpânica é mandatória para o diagnóstico de OMA. A hiperemia isolada da membrana timpânica não faz o diagnóstico de OMA, pois lactentes agitados/chorosos podem apresentar hiperemia da membrana timpânica mesmo na ausência de OMA, por exemplo. Na fase inicial da OMA, a otoscopia caracteriza-se por retração da membrana timpânica, causada por acúmulo de secreção e por pressão negativa no interior da orelha média resultante de disfunção tubária, que, posteriormente evolui para abaulamento e hiperemia da membrana timpânica, causada por infecção e inflamação da orelha média. Imagem: Otoscopia indicando a presença de abaulamento e hiperemia da membrana timpânica, que confirmam o diagnóstico de OMA. Geralmente, não há necessidade de realizar exames complementares para o diagnóstico de OMA. Entretanto, em alguns casos, pode- se realizar timpanocentese (drenagem de secreção da orelha média) com cultura da secreção para a identificação do agente causal da OMA (ex. bactéria) e timpanometria, que confirma a presença de secreção no interior da orelha média (curva tipo B). Diagnóstico Diferencial: Os principais diagnósticos diferenciais de otite média aguda (OMA) são: - Otite média secretora/serosa: também denominada otite média com efusão; geralmente assintomática; caracteriza-se por presença de líquido no interior da orelha média associada à formação de bolhas de ar e/ou nível hidroaéreo à otoscopia; a otite média secretora pode resultar de OMA ou de disfunção tubária; o tratamento baseia-se em uso de antibióticos e corticoides e, em casos refratários, em colocação de tubos de ventilação na membrana timpânica. - Miringite: também denominada miringite bolhosa; forma de otite média aguda que caracteriza-se por infecção da camada 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 externa da membrana timpânica, com formação de bolhas/vesículas na membrana timpânica. - Mastoidite: infecção da mastoide, porção do osso temporal localizada na região retroauricular; geralmente resulta de otite média aguda não tratada ou não adequadamente tratada. - Colesteatoma: tumor benigno localizado na orelha média e formado por tecido epitelial que cresce em direção à membrana timpânica. Tratamento: O tratamento da otite média aguda (OMA) viral e bacteriana baseia-se em alívio da dor por meio da administração de analgésicos, como acetaminofeno e dipirona, AINES, como ibuprofeno, e gotas otológicas analgésicas, que apresentam início de ação mais rápido que analgésicos sistêmicos para o alívio da otalgia. Além disso, o tratamento da OMA bacteriana baseia-se também em antibioticoterapia: - 1ª linha: amoxicilina VO por 10 dias OU amoxicilina + clavulanato VO por 10 dias. Em pacientes alérgicos à penicilina, indica- se o uso de macrolídeos (ex. claritromicina VO por 10 dias). - 2ª linha: cefuroxima VO por 10 dias. - 3ª linha: ceftriaxona EV ou IM por 3 dias. O paciente deve ser reavaliado em 48-72 horas após o início do tratamento, considerando a presença de febre, otalgia e queda do estado geral, além de avaliação da membrana timpânica à otoscopia. Quando o diagnóstico de OMA bacteriana é incerto em paciente > 6 meses de idade, deve-se iniciar sintomáticos e reavaliar o paciente em 48-72 horas e, apenas se houver piora clínica, iniciar antibioticoterapia. Em paciente ≤ 6 meses de idade, deve-se iniciar antibioticoterapia+ sintomáticos independentemente da causa da OMA (viral ou bacteriana). Nos casos de OMA bacteriana refratária ao tratamento com antibióticos ou que cursa com otalgia de forte intensidade, indica-se a realização de timpanocentese, que baseia- se em drenagem de secreção purulenta da orelha média por meio da realização de pequena incisão na membrana timpânica, possibilitando alívio da dor e utilização da secreção drenada para a realização de cultura, com o objetivo de iniciar antibioticoterapia específica que cubra o germe isolado. Complicações: As principais complicações da otite média aguda (OMA), todas com diagnóstico essencialmente clínico, são: - Perfuração aguda da membrana timpânica com otorreia purulenta (OMA supurada): baixa possibilidade; desenvolve- se a curto prazo; caracteriza-se por OMA bacteriana com atraso para o início da antibioticoterapia, resistência bacteriana e/ou formação de grande quantidade de secreção purulenta na orelha média, resultando em perfuração aguda da membrana timpânica e otorreia purulenta; o tratamento baseia-se em antibioticoterapia e, nos casos raros de não cicatrização espontânea da perfuração timpânica, em timpanoplastia. Imagem: Otoscopia indicando a presença de abaulamento e hiperemia da membrana timpânica associado à presença de otorreia purulenta, que confirmam o diagnóstico de OMA supurada. - Miringite ou miringite bolhosa: baixa possibilidade; desenvolve-se a curto prazo; caracteriza-se por infecção da camada externa da membrana timpânica, com formação de bolhas/vesículas na membrana timpânica; o tratamento baseia-se em antibioticoterapia. - Mastoidite aguda: baixa possibilidade; desenvolve-se a curto prazo; caracteriza-se por disseminação da secreção purulenta da orelha média em direção ao antro mastoideo e, daí, em direção às células mastoideas, podendo haver a disseminação do processo 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 infeccioso para o espaço extraósseo, com edema do tecido celular subcutâneo e hiperemia da pele na região retroauricular; o tratamento baseia-se em drenagem cirúrgica e antibioticoterapia. Imagem: Otoscopia indicando a presença de infecção da camada externa da membrana timpânica, com formação de bolha/vesícula, que confirma o diagnóstico de miringite. Imagem: Paciente com mastoidite aguda. - Otite média secretora/serosa: alta possibilidade; desenvolve-se em tempo variável; geralmente assintomática; caracteriza-se por presença de líquido no interior da orelha média associada à formação de bolhas de ar e/ou nível hidroaéreo à otoscopia; o tratamento baseia- se em uso de antibióticos e corticoides e, em casos refratários, em colocação de tubos de ventilação na membrana timpânica. - Otite média crônica com perfuração da membrana timpânica: baixa possibilidade; desenvolve-se em tempo variável; caracteriza-se por perfuração visível da membrana timpânica à otoscopia associada à otorreia recorrente e à hipoacusia; o tratamento baseia-se em timpanoplastia para a reconstrução da membrana timpânica perfurada. Imagem: Otoscopia indicando a presença de retração da membrana timpânica associada à presença de bolhas de ar, que confirmam o diagnóstico de otite média secretora. Imagem: Otoscopia indicando perfuração da membrana timpânica. Os pacientes que evoluem com OMA de repetição podem necessitar de colocação de tubo de ventilação na membrana timpânica para prevenir complicações da OMA, principalmente otite média secretora. As complicações a longo prazo das otites médias de repetição são raras. Entretanto, pacientes com OMA de repetição podem evoluir com fibrose da membrana timpânica, processo denominado timpanoesclerose. Imagem: Otoscopia indicando a presença de timpanoesclerose, processo cicatricial que cursa com calcificação da membrana timpânica. Prognóstico: Os pacientes com otite média aguda (OMA) diagnosticada e tratada adequadamente 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 apresentam excelente prognóstico. Quando a analgesia e a antibioticoterapia são iniciadas, observa-se melhora em 2-3 dias. Otite Média Secretora: A otite média secretora é definida como a presença de líquido no interior da orelha média na ausência de sinais e sintomas de infecção aguda da orelha média. A otite média secretora é muito comum em crianças, principalmente devido à alta incidência de otite média aguda e de disfunção tubária na infância. A prevalência da otite média secretora é de aproximadamente 5-15% na população, sendo mais comum em crianças com idade entre 6 meses e 4 anos. Aproximadamente 50% das crianças apresentam, no mínimo, 1 episódio de otite média secretora durante o primeiro ano de vida. A frequência de otite média secretora aumenta ainda mais em crianças com Síndrome de Down ou com fenda palatina. A incidência média de otite média secretora em crianças é de 4 episódios/ano com duração de 2-3 semanas por episódio. A otite média secretora representa a principal causa de deficiência auditiva em crianças nos países desenvolvidos. Além da deficiência auditiva, a doença também cursa com otalgia, distúrbios do sono, problemas comportamentais, distúrbios da fala e da audição e, às vezes, sinais e sintomas vestibulares. Os principais fatores de proteção ao desenvolvimento de otite média secretora são aleitamento materno, mascar chicletes (estimula a abertura da tuba auditiva e a eliminação de secreção da orelha média em direção à nasofaringe) e evitar o uso de mamadeira na posição de decúbito dorsal (previne o refluxo de secreção da nasofaringe em direção à orelha média). Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de otite média secretora são: - Tabagismo ativo ou passivo. - Frequência em creches. - Uso de chupeta. - Presença de irmãos mais velhos. - História familiar de otite média secretora. - Prematuridade. - IVAS de repetição. - Refluxo gastroesofágico. - Doenças alérgicas (ex. rinite alérgica). - Síndrome de Down. - Fenda palatina. A fisiopatologia da otite média secretora caracteriza-se por infecção de vias aéreas superiores (ex. gripes e resfriados), que cursa com inflamação e edema da mucosa da nasofaringe e da tuba auditiva, resultando em disfunção tubária, com diminuição do transporte de ar da nasofaringe em direção à orelha média, produzindo pressão negativa no interior da orelha média e causando acúmulo de secreção no interior da orelha média. O acúmulo de secreção no interior da orelha média causa inflamação e a pressão negativa no interior da orelha média causa retração da membrana timpânica. A otite média aguda (OMA) não completamente resolvida, que cursa com disfunção tubária, também pode causar o desenvolvimento de otite média secretora, devido ao acúmulo de líquido, incapaz de ser eliminado devido à disfunção tubária, no interior da orelha média. As principais causas de otite média secretora em crianças são disfunção da tuba auditiva, IVAS, rinite alérgica e resposta inflamatória após OMA. As principais causas de otite média secretora em adultos são doença dos seios paranasais, hiperplasia de adenoides e neoplasia/tumor de nasofaringe causando obstrução do orifício de abertura da tuba auditiva. Os agentes causais mais comumente associados à otite média secretora são os mesmos da OMA, ou seja, Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis, que estão presentes em aproximadamente 90% das efusões da orelha média. A otite média secretora geralmente cursa com resolução espontânea em até 3 meses. As principais complicações crônicas associadas à otite média secretora não tratada são timpanoesclerose, atrofia da membrana timpânica, retração apical da 6 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 membrana timpânica e atelectasias da membrana timpânica, que resultam em perda auditiva. O diagnóstico de otite média secretora é essencialmente clínicoe baseia-se em anamnese e exame físico (otoscopia). Na otoscopia, observa-se retração da membrana timpânica associada à presença de bolhas de ar e/ou nível hidroaéreo. Às vezes, pode-se realizar timpanometria, que demonstra a presença de timpanograma com curva do tipo B, indicativa da presença de líquido no interior da orelha média. Imagens: Otoscopias indicando a presença de retração da membrana timpânica associada à presença de bolhas de ar, que confirmam o diagnóstico de otite média secretora. O tratamento da otite média secretora com anti-histamínicos, descongestionantes nasais e corticoides tópicos intranasais é ineficaz. O tratamento com antibióticos sistêmicos e corticoides sistêmicos apresenta leve benefício. Geralmente, reavalia-se o paciente em 3 meses, pois a resolução da otite média secretora é espontânea na maioria dos casos. Em casos de otite média secretora persistente, deve-se considerar a realização de tratamento cirúrgico com adenoidectomia (hiperplasia de adenoides) e/ou timpanotomia com colocação de tubo de ventilação na membrana timpânica.
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