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FATORES DE FORMAÇÃO DO SOLO Nestor Kämpf (UFRGS), Nilton Curi (UFLA) & João José Marques (UFLA) Sumário 6.1. Introdução 6.2. Fatores de formação do solo 6.2.1. Material de origem Efeitos do material de origem na formação do solo Exemplos 6.2.2. Clima Efeitos do clima na formação do solo Paleoclimas, paleossolos e solos poligenéticos 6.2.3. Relevo Paisagem, vertentes e seus elementos Relação entre os elementos da paisagem e os processos atuantes no solo O conceito de catena e as relações solo – paisagem Processos na catena Exemplos 6.2.4. Organismos Efeitos do fator organismos na formação do solo 6.2.5. Ação humana Efeitos do fator antrópico na formação do solo 6.2.6. Tempo 2 NESTOR KÄMPF1 NILTON CURI2 JOÃO JOSÉ MARQUES3 ---------------------------------------------------------- 1/ Professor Aposentado do Departamento de Solos, Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Porto Alegre (RS). E-mail: nestorkampf@gmail.com 2/ Professor Titular do Departamento de Ciência do Solo, Universidade Federal de Lavras - UFLA. Lavras (MG). Bolsista do CNPq. E-mail: niltcuri@ufla.br 3/ Professor Associado do Departamento de Ciência do Solo, Universidade Federal de Lavras - UFLA. Lavras (MG). Bolsista do CNPq. E-mail: jmarques@ufla.br mailto:nestorkampf@gmail.com mailto:niltcuri@ufla.br mailto:jmarques@ufla.br 3 FATORES DE FORMAÇÃO DO SOLO Nestor Kämpf Nilton Curi João José Marques 6.1. INTRODUÇÃO Este capítulo enfoca o entendimento atual da formação do solo, isto é, como os fatores e processos de formação do solo influenciam na sua evolução, a qual está expressa no grau de desenvolvimento das características e propriedades de cada solo. Esse tema também é conhecido como “pedogênese” ou “gênese do solo”. A Pedologia é o ramo da Ciência do Solo que integra e quantifica a formação, a qualidade, a classificação, a extensão, a distribuição e a variabilidade espacial dos solos; os profissionais atuantes nesta área são os pedólogos (Sposito & Reginato, 1992). Por serem sistemas muito complexos, o entendimento dos solos é facilitado pelo uso de modelos e teorias. Modelos e teorias são ambos necessários para organizar o conhecimento científico e para determinar as questões ou hipóteses a serem formuladas a respeito dos solos, pois é notório que os fatos somente adquirem significado quando são investigados e organizados à luz de uma teoria (Dijkerman, 1974; Simonson, 1991). Neste contexto, solos como componentes da superfície terrestre possuem uma notável variabilidade espacial, a qual é explicada, em grande parte, pelas variações interativas dos fatores geológicos, climáticos, topográficos e bióticos, que afetam a formação do solo ao longo do tempo (Sposito & Reginato, 1992; Wilding, 2000). A origem desse conhecimento deve-se à estudos realizados no final do século XIX por V.V. Dokuchaev, na Rússia, posteriormente acrescidos e difundidos por Jenny (1941, 1980). Segundo o modelo de formação (ou gênese) do solo concebido por Dokuchaev (1883) e equacionado por Jenny (1941), os fatores ambientais definem o sistema solo em termos de variáveis que controlam as características do sistema (i.e., são variáveis de estado): os solos se formam e se desenvolvem progressivamente sob a influência dos referidos fatores ambientais. Isto originou a concepção de formação - desenvolvimento de solos: os solos se desenvolvem ao longo do tempo progredindo de estados simples a complexos, até atingirem um estado “maduro” estável em equilíbrio com o ambiente, representado esquematicamente pela transformação solo jovem solo maduro. Todavia, apesar de estabelecer relações entre os fatores de formação e o solo, a concepção “formação- desenvolvimento” não explicava as mudanças nas propriedades do solo; para tanto foi necessário incluir mecanismos responsáveis na forma dos processos atuantes: fatores e solos são causalmente ligados pelos processos pedogenéticos. 4 Desta maneira, os fatores de formação do solo condicionam a ação de um conjunto de processos, os quais atuando ao longo do tempo produzem mudanças nas propriedades do solo. Estas mudanças através do tempo representam a evolução do solo (Young, 1976). Ou seja, os solos não apenas se desenvolvem até um determinado ponto, mas (mesmo que lentamente) evoluem continuamente; não há pois uma estabilidade ou ponto de equilíbrio com o ambiente: solos são sistemas dinâmicos (ver seção 6.4). Resumindo então, as relações entre os fatores de formação e os solos são reais somente quando consideradas em conjunto com os processos pertinentes; sem esta ligação não há causalidade entre essas relações. Por isso, o estudo das relações ambiente-solo baseia- se na interação: fatores de formação do solo funcionamento (dinâmica) interno do sistema solo processos pedogenéticos específicos propriedades e características do solo funções externas dos solos (Targulian & Krasilnikov, 2007). Em acordo com esta concepção, será discutido inicialmente o modelo dos fatores de formação do solo (seção 6.2) e, no seguimento, os modelos de processos pedogenéticos (seção 6.3). Ao final do capítulo são abordados novos conceitos sobre a evolução dos solos (seção 6.4) e perspectivas de aplicação da pedogênese às necessidades da sociedade (seção 6.5). 6.2. FATORES DE FORMAÇÃO DO SOLO O paradigma dos fatores de formação do solo, também conhecido como modelo fatorial- funcional (Dokuchaev, 1883; Jenny, 1941), fornece uma estrutura conceitual para o entendimento da formação do solo. Neste modelo, os fatores ambientais clima (c), relevo (r), organismos (o), material de origem (m), e alguns fatores subsidiários não especificados (…), interagindo através do tempo (t), são as variáveis que condicionam a formação do solo (S), expressa pela equação (Jenny, 1941): S = f (c, o, r, m, t, …) (1) Apesar de fornecer uma concepção de formação do solo muito útil, o modelo fatorial tem algumas limitações: (1) não permite visualizar os processos ativos no sistema solo (ver seção 6.3); (2) não considera o caráter poligenético dos solos, decorrente da inconstância dos fatores (p.ex., variabilidade climática); e (3) a impossibilidade natural de isolar-se o efeito de um fator e manter os demais constantes, inviabiliza uma solução matemática para a equação 1, a qual é, portanto, apenas uma expressão qualitativa ou semi-quantitativa da formação do solo. Mesmo assim, dentre os diversos modelos propostos (Smeck et al., 1983; Johnson & Watson- Stenger, 1987; Wysocki et al., 2000; Hoosbeck et al., 2000; Schaetzle & Anderson, 2005), o paradigma dos fatores de formação do solo teve e mantém a maior influência no entendimento da formação do solo, no seu ensino, na sua pesquisa básica, na sua aplicação (na taxonomia e mapeamento de solos, na avaliação ambiental e outros) e na iniciação à compreensão da variabilidade dos solos. Daí a importância de conhecê-lo em mais detalhe. Para isso, cada um dos fatores de formação do solo é descrito e analisado separadamente quanto às suas características e aos prováveis efeitos nos solos. 5 6.2.1. MATERIAL DE ORIGEM A definição do material de origem do solo é um tanto vaga: é o estado inicial do sistema solo ou é o estado do sistema solo ao tempo zero de formação do solo (Jenny, 1941). Essa definição evita uma referência específica ao material situado abaixo do solo, o qual pode ou não ser o material de origem, possibilitando assim a escolha entre a rocha inalterada ou a rocha intemperizada como o material inicial do solo (Jenny, 1941). Desta maneira, o termo “material de origem” significa o material do qual o atual perfil de solo foi derivado e, por isso, só pode ser identificado por inferência (Young,1976). Em alguma profundidade abaixo do solo encontra-se a rocha inalterada pelo intemperismo e a pressuposição normal é que o mesmo tipo de rocha existia previamente no espaço atualmente ocupado pelo perfil de solo; isto é, o material de origem do solo era similar à rocha subjacente. Mas, em outras situações, o material de origem do solo consiste no material de rocha intemperizada (regolito) situado entre o solo propriamente dito e a (identificada ou presumida) rocha inalterada subjacente. Ou, então, o material de origem do solo pode ser o regolito constituído por depósitos superficiais de materiais intemperizados provenientes de outra rocha fonte, sem relação com a rocha subjacente; p.ex., depósitos coluviais de material intemperizado erodido de cotas mais elevadas, ou sedimentos (aluviais, eólicos e outros) depositados sobre material geológico diverso. Desta maneira, cabe ao pedólogo inferir em cada situação particular qual é o material de origem mais provável do solo. Na maioria dos casos o horizonte C (ou Cr), ou a camada R, representa o material de origem do solo. Outro aspecto a ser considerado são as situações, relativamente frequentes, de ausência de uniformidade (ou presença de descontinuidades) no material de origem do solo. Essas descontinuidades litológicas podem resultar de adições eólicas, variações nas condições de sedimentação de materiais aluviais, ou adições coluviais sobre materiais residuais. O reconhecimento das descontinuidades é importante para a interpretação da gênese do solo, bem como para permitir uma melhor predição do comportamento do solo ao uso agrícola e outros fins. Efeitos do material de origem na formação do solo Há três variáveis principais no material de origem que afetam os solos (Young, 1976): o grau de consolidação, a granulometria e a composição. Quanto à influência do grau de consolidação, observa-se que em materiais não consolidados (desde camadas geológicas não litificadas até depósitos superficiais aluviais, marinhos e lacustres) o desenvolvimento do perfil de solo pode ocorrer sem necessidade prévia do intemperismo da rocha ao material fino, ao contrário das rochas consolidadas (litificadas) cujo intemperismo deve preceder a formação do solo. Por sua vez, a granulometria do material de origem é a principal determinante da textura do solo, que por sua vez afeta propriedades do solo, tais como a CTC, a sorção de íons, o teor de matéria orgânica, a drenagem e a capacidade de retenção de água no solo. Por exemplo, um material que 6 consiste principalmente de grãos de quartzo com a dimensão da fração areia (2 a 0,05 mm), seja um arenito ou areias aluviais ou litorâneas, irá originar um solo arenoso mesmo sob condições de intemperismo intenso, pois o quartzo é um mineral muito resistente. Por outro lado, as rochas ígneas básicas (p.ex., basalto, gabro) devido aos baixos teores de quartzo originarão solos argilosos; enquanto que as rochas ígneas ácidas intrusivas, devido a sua granulometria grosseira (p.ex., granito porfirítico) tendem a originar solos com proporção significativa de areia grossa e cascalho. Quartzitos, devido à sua resistência à intemperização, produzem pouco resíduos, e assim os solos desenvolvidos dessa rocha tendem a ser rasos. O efeito do material de origem nas características físicas e químicas do solo é ilustrado com quatro perfis de Latossolos do Estado do Paraná, mostrando que mesmo solos altamente intemperizados tem memória do material geológico (migmatitos, arenitos, sedimentos argilosos e basaltos) do qual se originaram. No caso, observa-se uma estreita relação entre o material de origem e a granulometria (textura), a densidade e os teores de ferro e de titânio dos solos. Na seqüência arenito - migmatito - sedimentos argilosos – basalto: os teores de areia diminuem, enquanto que os teores de argila, de ferro e de titânio aumentam. A densidade do solo (Ds) decresce com o aumento do teor de argila; a densidade de partículas (Dp) é maior no Latossolo originado de basalto devido ao teor de ferro mais elevado e mostra valores próximos à Dp do quartzo nos Latossolos mais arenosos originados de migmatito e de arenito. Características químicas como o pH e o complexo sortivo dos solos não mostram relação com o material de origem, pois os Latossolos são muito intemperizados e lixiviados. Em solos com menor grau de intemperização é de se esperar uma relação mais estreita com o respectivo material de origem. Aliás, como regra a natureza do material de origem tem um efeito mais significativo em solos recém formados, diminuindo esse efeito na medida em que os solos evoluem ao longo do tempo, com a progressiva alteração dos minerais e a lixiviação dos elementos mais solúveis (Ollier & Pain, 1996). Entretanto, alguns materiais geológicos, como os quartzitos, os arenitos quartzosos e os calcários, originam solos com características dominadas pelo seu material de origem. Quando o material de origem é uma mistura de materiais geológicos pode ser muito difícil distinguir cada fonte original nas características do solo. A composição da rocha (ou do material de origem), além de influenciar a velocidade de intemperização da rocha, afeta o suprimento de elementos e a composição do solo (Young, 1976). Rochas félsicas (ricas em feldspatos e sílica) fornecem baixos teores de Ca, Mg, Fe e Mn, favorecendo a formação de caulinita e um resíduo significativo em quartzo e mica; por outro lado, rochas máficas (ricas em minerais ferromagnesianos e plagioclásios) fornecem altos teores de cátions básicos e de ferro, favorecendo a formação de esmectita em ambientes de lixiviação restrita e, de caulinita e óxidos de Fe e gibbsita em condições de intemperismo intenso. Já as rochas ultrabásicas (serpentinitos, peridotitos, dunitos) podem induzir problemas de toxicidade em solos, devido aos elevados teores de Ni, Co, Cu e Mg (Pinto & Kämpf, 1996). Entretanto, a concentração de elementos solúveis no solo irá depender do estádio de intemperismo e pedogênese alcançado; assim, mesmo sendo originados de um 7 mesmo material de origem (alteração do basalto), Chernossolos e Vertissolos contém mais cátions trocáveis (Ca, Mg, K, Na) por serem menos intemperizados e lixiviados do que Latossolos e Nitossolos, em acordo com diferenças climáticas locais. O tipo de orientação das camadas de rochas metapelíticas pobres (micaxistos e filitos) na região dos cerrados, por condicionar um regime de umidade diferenciado nos Latossolos delas desenvolvidos, exerce efeitos marcantes na pedogênese destes solos: (1) a orientação horizontalizada das camadas condiciona a gênese de Latossolos de cores amareladas, com menor grau de intemperismo-lixiviação e menor espessura do sólum; e (2) a orientação inclinada das camadas condiciona, em condições equiparáveis, a formação de Latossolos de melhor drenagem, mais intemperizados, como sólum mais espesso e cores avermelhadas (Chagas et al., 1997). Exemplos Nesta seção são apresentados alguns exemplos genéricos de possíveis efeitos do material de origem nos solos derivados, compilados de várias fontes (Buol et al., 1997; Young, 1976; Schaetzl & Anderson, 2005). O efeito de rochas sedimentares é exemplificado por sedimentos inconsolidados, calcários, arenitos e folhelhos. Sedimentos inconsolidados são um material de origem comum nas planícies. Podem ser de origem marinha principalmente nas áreas litorâneas e, de origem coluvial-aluvial nas planícies e várzeas mais internas. Geralmente são sedimentos secundários derivados de paisagens mais antigas e intemperizadas. Neste caso, os materiais podem ser ácidos com baixo conteúdo de minerais intemperizáveis, contendo principalmente caulinita e argilominerais 2:1 com hidróxi-entrecamadas, e granulometria variável. Os materiais derivados de deposição marinha tendem a ser argilosos e conter esmectita. Nos sedimentos argilosostendem a desenvolver-se Gleissolos, Vertissolos, Planossolos e Plintossolos, enquanto que nos depósitos mais arenosos tendem a ocorrer Neossolos Quartzarênicos e Argissolos. Em áreas de escudos continentais, as rochas ígneas e metamórficas estão recobertas por sedimentos muito intemperizados, cuja espessura pode alcançar vários metros. Este material provavelmente passou por vários ciclos de intemperismo e pedogênese, sendo constituído principalmente por caulinita e óxidos de Fe e de Al. O teor de ferro pode ser elevado, principalmente se houve influência de rochas básicas. Os solos aí desenvolvidos são frequentemente Latossolos e Argissolos ocupando interflúvios e sopés coluviais de vertentes longas. Nas posições de ombro e encosta, quando o ambiente é de oxi-redução, tendem a ocorrer desde Plintossolos, couraças de laterita, até Gleissolos e Organossolos. Calcários contém mais de 50% de carbonatos complementados por “impurezas” como silte, argila, quartzo, ferro e outros contaminantes. Os solos formam-se no material calcário (Neossolos Litólicos Carbonáticos) ou no resíduo remanescente da dissolução dos carbonatos pelo intemperismo. Em consequência, as características do solo estão geralmente relacionadas às impurezas presentes no calcário. Se o calcário é argiloso resultam solos argilosos e pouco permeáveis, com pH e saturação por 8 bases elevada (Luvissolos, Cambissolos, Chernossolos). Em calcários arenosos e cascalhentos formam-se solos de textura grosseira, com baixa saturação por bases. Se o calcário é rico em ferro, podem formar-se Luvissolos, Argissolos e até Latossolos. Arenitos quartzosos contém mais de 50% de partículas de areia na forma de quartzo, além de cimentantes variados (sílica, ferro e carbonatos) e minerais associados (feldspatos, micas). Os solos originados de arenitos quartzosos, em geral, têm textura grosseira, especialmente nos horizontes superficiais e alta permeabilidade; tendem a ser pobres em bases, com pouca reserva em nutrientes, especialmente sob climas úmidos onde a boa permeabilidade do material favorece a lixiviação. Os solos são profundos, exceto quando em arenitos cimentados por sílica. Em arenitos cimentados com ferro, os solos tendem a ser Argissolos e Latossolos. Arenitos arcosianos (contém 25% ou mais de feldspatos) tendem a originar solos mais argilosos (Argissolos e Latossolos) e, dependendo da taxa de lixiviação, com alta reserva em nutrientes. Folhelhos geralmente são ricos em argilominerais e feldspatos, razão pela qual os solos derivados são argilosos e geralmente pouco permeáveis, ricos em bases, com presença de esmectitas (Chernossolos vérticos, Vertissolos, Cambissolos). Rochas cristalinas félsicas são representadas por rochas ígneas ácidas (granito, granodiorito e quartzo-diorito (diferenciados pela razão volume de quartzo, feldspato alcalino e plagioclásio) e metamórficas quartzosas (gnaisses). Os granitos e gnaisses podem mostrar pequenas diferenças quanto ao grau de intemperismo devido à particularidades na sua estrutura, mas originam solos similares (Neossolos Litólicos ou Regolíticos, Cambissolos, Luvissolos, Chernossolos, Argissolos e Latossolos). Conforme a granulometria dos grãos de quartzo na rocha, os solos podem ser muito argilosos e, ou, muito cascalhentos; e, de acordo com o teor de muscovita, podem apresentar significativa reserva em potássio, mesmo quando muito intemperizados. Assim, Latossolos oxídicos de Goiás originados de materiais geológicos derivados do intemperismo de granitos e gnaisses, contém muscovita e Vermiculita com hidróxi-entrecamadas (VHE), e teores significativos de potássio total (até 15 g/kg); enquanto que Latossolos originados de gabro apresentam baixos teores de potássio total (<1 g/kg) (Kämpf, n.p.). Esses Latossolos representam uma situação onde a identificação do material de origem pode ser inferida a partir da composição mineralógica e do teor de K total do solo, já que a grande espessura do manto de intemperismo freqüentemente impede a identificação local da rocha de origem. Xistos são rochas metamórficas folhadas, ricas em mica ou clorita, com teores variáveis de quartzo, além de outros minerais intemperizáveis. Devido ao baixo teor de quartzo nos micaxistos, os solos derivados tendem a ser siltosos e menos arenosos que os de granito. Nos solos menos intemperizados predominam ilita e VHE, nos solos mais intemperizados domina a caulinita e, em solos de regiões mais secas ou menos sujeitos à lixiviação ocorrem esmectitas. Solos formados a partir de clorita-xistos tendem a ser argilosos, ricos em esmectita, podendo conter quantidades excessivas de magnésio. 9 Rochas ferromagnesianas (incluindo andesitos, dioritos, basaltos, gabros e hornblenda- gnaisses), são ricas em minerais contendo ferro e magnésio e plagioclásios cálcicos, que intemperizam rápidamente, originando solos argilosos, com predomínio de esmectita em ambientes com drenagem restrita ou com períodos de baixa pluviosidade (Chernossolos, Vertissolos, Gleissolos); e, com conteúdo significativo de caulinita e óxidos de ferro em ambientes lixiviantes e oxidantes (Latossolos, Nitossolos). Rochas ultrabásicas (peridotitos, dunitos, serpentinitos) tendem a formar solos ricos em Mg, Fe, Ni e Cr, e pobres em Ca, Al, K e Na; contém minerais como clorita, esmectita, talco, magnetita e olivina. Os solos originados nesse resíduo tendem a ser rasos, pedregosos e pobres em nutrientes (Neossolos Regolíticos, Neossolos Litólicos, Vertissolos, Cambissolos Háplicos). Convém lembrar que os exemplos de solos citados são generalizações que não eliminam a possibilidade de outras ocorrências, pois a formação de um solo também depende da interação do material de origem com os demais fatores ambientais. 6.2.2. CLIMA A ação do clima na formação do solo se dá através dos atributos climáticos, principalmente a precipitação pluviométrica (quantidade de chuvas) e a temperatura, com sua distribuição sazonal e variação diuturna; outros atributos são o vento e a orientação do declive (Young, 1976; Van Wambeke, 1992). A água no solo é o principal agente do intemperismo das rochas e da transformação dos minerais, bem como essencial para o desenvolvimento das plantas. Além disso, atua na redistribuição, adição ou remoção de materiais no interior do perfil do solo. A disponibilidade e o fluxo de água no solo determinam a velocidade da maioria dos processos de formação do solo. O efeito dos fluxos de umidade são avaliados e caracterizados como o regime de umidade do sistema, que representa as mudanças nas reservas de umidade do solo e a quantidade de água disponível para a lixiviação e o intemperismo. E, por isso, é útil na descrição do ambiente de formação do solo. Portanto, o regime de umidade do solo representa a integração dos incrementos periódicos e estacionais, das perdas (remoções), retenção e movimento da umidade no solo. Ele é descrito quantitativamente pelo balanço hídrico do solo, o qual compreende as mudanças no armazenamento de água no solo durante intervalos de tempo específicos e estima a quantidade de água disponível para a lixiviação e evapotranspiração. O balanço hídrico pode ser calculado de dados climáticos, mas preferencialmente é derivado de medições atuais do solo; ele descreve sucintamente muitos dos atributos climáticos importantes para a formação do solo e o desenvolvimento das plantas. A quantidade de umidade disponível para a lixiviação (L) é a porção da precipitação pluviométrica (P) que excede aquela perdida por evapotranspiração (ET) e aquela que satisfaz a capacidade de retenção de água do solo (CR), sendo expressa pela equação L = P – [ET CR]. Quanto 10 menores forem os intervalos de tempo utilizados no cálculo do balanço hídrico, mais reais serão as estimativas da lixiviação; todavia, na prática valores médios permitem uma avaliação satisfatória doregime de umidade do solo. Na ausência de informação sobre a CR considera-se em média um valor de 100 mm; entretanto, os valores podem variar com a granulometria, a mineralogia e o teor de MO, desde 50 mm para solos rasos e de textura arenosa, até 150 mm para solos de textura média profundos. A quantidade mínima de umidade necessária para haver lixiviação é de grande interesse na pedogênese e na hidrologia. Na hidrologia ela significa a presença ou não de recarga da água subterrânea. Na pedogênese ela significa a permanência ou remoção de componentes solúveis (p.ex., Si e bases) e, conseqüentemente, afeta o equilíbrio das reações de intemperização. Assim, p.ex., uma alta razão lixiviação/intemperismo resulta em solos distróficos e álicos, enquanto que uma razão baixa origina solos eutróficos. Quando a evapotranspiração excede a quantidade de chuvas haverá um acúmulo de sais, carbonatos, sulfatos, na superfície ou no interior do solo, favorecendo, p.ex., os processos de salinização e carbonatação (ver 6.3. - Processos pedogenéticos). O efeito da temperatura na pedogênese é principalmente indireto, pois controla a quantidade de umidade disponível para os processos de formação do solo. Por afetar a atividade da biota, a temperatura influencia a quantidade e a natureza dos resíduos orgânicos adicionados ao solo. Em geral, a velocidade das reações químicas aumenta exponencialmente com a temperatura, aproximadamente duplicando para cada 10C de elevação. Em regiões tropicais e subtropicais, a temperatura média anual do ar e do solo são muito próximas até a profundidade de 1 metro; as diferenças encontradas variam entre 0,5 e 2 C. Costa & Godoy (1962) registraram em Latossolo Vermelho Distroférrico, de Ribeirão Preto (SP), à profundidade de 1 metro, uma temperatura média anual do solo de 22,3 C em comparação à 21,8 C para o ar atmosférico (Figura 6.1). O curso diurno da temperatura do solo à diferentes profundidades, mostra que a maior oscilação ocorre nas profundidades inferiores a 30 cm, sendo praticamente constante em profundidades maiores. O vento é um agente importante no transporte e distribuição de materiais suspensos (poeiras e aerosóis) por longas distâncias. Aerosóis de sais marinhos são distribuídos do litoral para o interior dos continentes. Em muitas áreas litorâneas o contínuo e elevado suprimento de sódio pelas chuvas aumenta a dispersão dos argilominerais facilitando sua eluviação, resultando na formação de horizontes argílicos (Muhs, 1982). A orientação do declive afeta significativamente as condições microclimáticas. Devido a variações na radiação incidente, na quantidade de chuvas, na quantidade de poeiras depositadas e de outros fatores, a orientação pode resultar em diferenças significativas nos regimes de umidade, na vegetação e, em conseqüência, nas características do solo. Um aspecto importante do fator clima na formação do solo é a sua natureza cíclica e a descontinuidade nas adições. As chuvas são distribuídas em determinado número de dias, com intensidades desiguais, resultando em contínuas alterações nos gradientes de umidade do solo. 11 Efeitos do clima na formação do solo As propriedades do clima de maior significância pedogenética são a temperatura e a precipitação pluviométrica (Young, 1976). A temperatura pode ser representada adequadamente pela média anual da temperatura do ar, que não difere muito da temperatura praticamente constante do subsolo. Os parâmetros de chuva mais disponíveis são a média do total anual e a duração da estação seca; a última pode ser definida para as regiões tropicais conforme a classificação de Koeppen, como o número de meses com menos de 60 mm de chuvas. O principal efeito das chuvas é a lixiviação, a qual depende do volume de água que passa através do perfil de solo. Na ausência de dados mais precisos, esta medida pode ser estimada a partir do excesso de chuvas (totais mensais) em relação à evapotranspiração potencial. A maioria das climofunções usa como índice climático a precipitação média anual, com resultados satisfatórios para relacionar os padrões de distribuição dos solos. O clima é o fator de formação do solo que tem maior influência no teor de MO, de N, na reação (pH) e na saturação por bases do solo. Também tem efeito significativo na profundidade do solo e na textura, além de ser um dos fatores que afeta o tipo de argilomineral formado. O teor de MO aumenta e o de N diminui com o decréscimo da temperatura e o incremento das chuvas; pois, as chuvas afetam o crescimento vegetal e a temperatura afeta a velocidade de decomposição da MO. A Figura 6.2 exemplifica a relação entre o teor de C orgânico e a temperatura média anual do ar, em uma seqüência de solos no planalto do RS. A maior abundância de água para a lixiviação das bases corresponde a uma acidificação maior do solo. O Quadro 6.2 sumariza uma climosseqüência de solos originados de basalto no RS. O decréscimo da água disponível para a intemperização e lixiviação (água excedente = P-EVTp) determina as características químicas do complexo sortivo, diminuindo a acidez (Al3+ e H+) extraível, aumentando o pH, a soma e a saturação por bases, além de favorecer uma composição mais esmectítica e a preservação de plagioclásios nos Chernossolos e Vertissolos. Conforme representa a Figura 6.3, a lixiviação intensa é acompanhada por uma mudança na mineralogia dos argilominerais, de esmectita à caulinita. De fato, a formação de minerais envolve interações de clima, material de origem e drenagem do solo, que são abstraídas na Figura 6.3. O efeito da temperatura e do excesso de água na mineralogia dos óxidos de ferro (proporção de hematita e goethita) é exemplificado na Figura 6.4 (Kämpf & Schwertmann, 1983). A formação preferencial de goethita em temperaturas mais baixas e maior excesso de água deve-se ao fato dessas condições ambientais favorecerem maior acúmulo de compostos orgânicos, os quais favorecem a goethita. Por outro lado, em ambientes de temperaturas mais elevadas e menor umidade a taxa de decomposição da MO é mais rápida, o que favorece a hematita (Kämpf & Curi, 2000). 12 Quadro 6.2. Climosseqüência de solos desenvolvidos de basaltos da Formação Serra Geral, no RS: localização, cota, chuvas (P), evapotranspiração potencial (EVTp), água excedente (P-EVTp), características químicas do complexo sortivo nos horizontes A e B (ou C) e mineralogia do solo. Fonte: Brasil (1973); Kämpf (1981). Paleoclimas, paleossolos e solos poligenéticos Paleoclima é o clima de um período no passado geológico (Shaetzl & Anderson, 2005). Há inúmeras evidências de que o clima terrestre apresentou grande variação no passado geológico (Thomas, 1994; Ollier & Pain, 1996). O Quaternário (Quadro 6.6) tem sido um período de repetidas mudanças climáticas e avanços e recuos glaciais. Lençóis de gelo continental invadiram as latitudes médias do hemisfério norte várias vezes. Estes avanços e recuos foram desencadeados por variações climáticas associadas com a ciclicidade das quantidades de insolação (radiação solar) que a Terra recebeu, devido a oscilações na sua geometria orbital. Esta ciclicidade é chamada de ciclos de Milankovitch, os quais tem três componentes: o ciclo da excentricidade, o ciclo da obliqüidade, e o ciclo da precessão. O ciclo da excentricidade refere-se ao alongamento da elipse da orbita da Terra, que muda aproximadamente a cada 100.000 anos; a excentricidade modula o efeito climático dos ciclos de precessão. O ciclo da obliquidade orbital refere-se à inclinação do eixo da Terra em relação ao seu plano orbital, que varia de 22,5 a 24,5o num ciclo de 41.000 anos, sendo atualmente de 23,5o; a obliquidade modula a sazonalidade, principalmente nas altas latitudes; uma maior inclinação intensifica as estações, verão mais quente e inverno mais frio. O ciclo da precessão dos equinócios refere-se à épocado ano quando as estações ocorrem em relação à posição da Terra na sua órbita. Atualmente a Terra está mais longe do sol no inverno do hemisfério norte, mas esse tempo muda gradualmente entre 19.000 e 23.000 anos. Em resumo, as intrincadas combinações dos três ciclos produzem grandes variações cíclicas na quantidade de insolação recebida na superfície da Terra, o que presume-se dirige os ciclos glaciais. A teoria de Milankovitch indica que as glaciações ocorrem quando: (1) a distância entre a Terra e o sol é maior; (2) a excentricidade é máxima e (3) a obliquidade é baixa. Os grandes avanços glaciais são chamados de glaciações ou glaciais, enquanto que os períodos de clima mais quente entre os mesmos (quando as camadas de gelo recuam) são chamados de interglaciações ou interglaciais. Recuos menores durante grandes avanços glaciais são chamados de interestadiais, enquanto que pequenos reavanços são chamados de estadiais. Durante o período de máxima glaciação na última era de gelo, cerca de 20 mil anos atrás, o nível dos oceanos era cerca de 125 metros abaixo do atual, o qual foi estabilizado há 6.000 anos. O recuo das geleiras deixou novos materiais de origem depositados para a formação de solos no hemisfério norte. Nos trópicos e subtrópicos, livres da glaciação, os ciclos climáticos se manifestaram na forma de períodos úmidos ou secos: os períodos de menor precipitação pluviométrica coincidiram com os períodos frios e glaciais nas altas e médias latitudes, enquanto que os períodos mais úmidos coincidiram com os períodos 13 interglaciais no hemisfério norte. Segundo Hammen (2001), as mudanças climáticas no Pleistoceno tiveram um impacto considerável na Amazônia: estima-se que as temperaturas e as chuvas eram, respectivamente 5C e de 500 a 1000 mm menores. Em conseqüência, houve alterações na vazão dos rios e na sedimentação, expansões locais da vegetação de cerrrado nas porções norte e sul, mas mantendo o predomínio de floresta no glacial máximo (Mayle & Beerling, 2004). O Holoceno se caracteriza por uma grande variabilidade climática (Mayevski et al., 2004). Na Amazônia, a diminuição das chuvas no Holoceno recente provocou mudanças na vegetação, na sedimentação dos rios, incêndios florestais de origem antropogênica e a expansão local de dunas em áreas críticas; entretanto, continuou o predomínio das florestas, com sua reexpansão no Holoceno tardio acompanhando o aumento das chuvas (Hammen, 2001; Mayle & Beerling, 2004). Na Mesoamérica, o declíneo da civilização maia é atribuído à extensos períodos de secas centrados em 810, 860 e 910 AD com conseqüências catastróficas na produção agrícola (Haug et al., 2003). O conhecimento das mudanças nas condições climáticas no passado levou ao interesse em paleossolos (Retallack, 1997). Paleossolos são solos formados sob condições climáticas pretéritas (e as condições associadas de vegetação, fauna e relevo) que foram suficientemente diferentes das atuais para originar propriedades de solo diferentes e detectáveis (Reuter, 2000). Segundo Schaetzl & Anderson (2005), paleossolo é um solo formado numa paisagem no passado, com características morfológicas distintas resultantes de um ambiente de formação do solo que não existe mais no local. O processo pedogenético anterior foi alterado devido a mudanças no ambiente externo ou foi interrompido por enterramento. O termo paleossolos inclui solos enterrados, solos reliquiais ou solos fósseis. Um paleossolo (ou um horizonte componente) pode ser identificado como reliquial se persistiu na superfície da terra. Um palessolo exumado é um solo que anteriormente estava enterrado e foi reexposto por erosão do manto de cobertura. A paleopedologia consiste no estudo dos paleossolos e do ambiente em que se formaram. Assim, no sentido inverso, o interesse em paleossolos deve-se ao fato das propriedades dos solos poderem indicar as condições climáticas e outras condições ambientais durante o período de sua formação (Reuter, 2000). As características e formação de um paleossolo na Serra São José (Minas Gerais) e sua relação com os paleoclimas no sudeste do Brasil são discutidos por Silva et al. (2004). Solos que apresentam características formadas em dois ou mais períodos com condições ambientais diferentes são solos poligenéticos (Bronger & Catt, 1998). Poligênese é a condição na qual o solo é submetido à pedogênese envolvendo mais de um regime pedogenético diferente. Portanto, um solo poligenético não é necessariamente um paleossolo. Comumente é assumido que a poligênese envolve uma pedogênese sob pelo menos dois tipos diferentes de clima ou vegetação. A poligênese pode ocorrer por mudanças extrínsecas, p.ex., mudança climática, ou por mudanças intrínsecas no solo, p.ex., o desenvolvimento de um horizonte pouco permeável. Muitos ou todos os solos são poligenéticos, dependendo de como são definidos “processos contrastantes’. Um solo poligenético é um solo formado por dois ou mais processos diferentes ou contrastantes, de tal maneira que os 14 horizontes ou propriedades pedogenéticas não estão relacionadas geneticamente (Schaetzl & Anderson, 2005). 6.2.3. RELEVO O relevo é a configuração da superfície do terreno e está relacionado à distribuição espacial dos solos em todas as escalas da paisagem, da escala sub-continental à vertente individual. As relações entre o relevo e a formação do solo são muito diversificadas. Primeiro, há efeitos diretos do relevo nos processos de formação dos solos e efeitos indiretos através da influência do relevo em outros fatores ambientais. Segundo, as formas da paisagem são por sua vez influenciadas por outros fatores ambientais, principalmente a estrutura geológica (tectônica) e o clima (Thomas, 1994). Os efeitos indiretos do relevo aos solos são através do clima e da hidrologia (Young, 1976). A altitude tem uma relação direta com a temperatura, decrescendo cerca de 6C para cada 1000 metros de elevação do terreno. Disso resulta o zoneamento altitudinal do solo, que é particularmente importante com relação à acumulação de MO. Efeitos orográficos freqüentemente causam um aumento na precipitação pluviométrica com a altitude. Outro efeito refere-se à influência do relevo na posição do lençol freático (ver adiante: catena). Os efeitos diretos do relevo na distribuição dos diferentes tipos de solos podem ser abordados sob dois aspectos: (a) a relação solo-paisagem na ótica geomorfológica desenvolvida por Ruhe (1960) e outros; ou (b) a relação solo-paisagem sob o conceito de catena, desenvolvido por Milne (1935) para fins de mapeamento de solos. Paisagem, vertentes e seus elementos Os solos formam um contínuo tridimensional na paisagem. Em conseqüência, o entendimento da sua formação e distribuição requer uma compreensão da formação da paisagem. Após o estabelecimento da relação solo – paisagem de um local é possível fazer predições sobre as características dos solos. Mas, antes de discutir essas relações é necessário estabelecer algumas definições, lembrando que elas não são iguais ou integralmente aceitas por pedólogos e geomorfólogos (Vidal-Torrado et al., 2005). Uma paisagem (landscape, landform) compreende a porção da superfície terrestre abrangida numa visada única (Ruhe, 1969), tendo dimensões de 100 metros a 5 km. As paisagens são descritas segundo suas dimensões horizontais e verticais e pela forma e ângulo das vertentes que as compõem (Young, 1976). A vertente (slope) pode ser definida geometricamente como o gradiente do desvio de uma superfície da horizontal; geomorficamente é uma superfície terrestre inclinada, que pode ser definida por seu gradiente (inclinação em relação à horizontal), seu perfil (distribuição ao longo do gradiente), e seu contorno (a sua distribuição normal ao comprimento da vertente) (Ruhe & Walker, 1968). 15 Segundo Ruhe (1960), o perfil de uma vertente pode apresentarcinco elementos (ou segmentos): interflúvio (summit), ombro (shoulder), encosta (backslope), sopé (footslope) e sopé colúvio-aluvial (toeslope). Esses elementos não estão necessariamente todos presentes numa paisagem (ou vertente), podendo ocorrer tanto repetições como a ausência de alguns elementos em diferentes porções da paisagem. As definições e algumas características dos elementos da vertente são apresentadas no Quadro 6.3 e estão representados na Figura 6.5. Quadro 6.3. Definições dos elementos da vertente. Elemento da vertente Definição Interflúvio (ou topo) Porção convexa ou relativamente plana situada na porção mais elevada (divisor de águas) entre dois sistemas de drenagem. Ombro Porção convexa, normamente estreita, situada entre o interflúvio e a encosta; é a zona de transição entre esses dois segmentos. É um segmento erosional. Encosta Porção situada entre o ombro e o sopé, apresentando o declive mais acentuado na paisagem quando a face livre (escarpa, parede de rocha exposta) está ausente. A encosta pode ser subdividida em superior, média, inferior, conforme a conveniência. É um segmento erosional. Sopé (ou sopé coluvial) Porção inferior da paisagem situada entre a encosta e o sopé colúvio- aluvial; apresenta concavidade e declividade decrescente no sentido do sopé colúvio-aluvial. O sopé pode ser dividido da mesma forma que a encosta. É um segmento erosional-deposicional. Sopé colúvio-aluvial Porção inferior da paisagem situada entre o sopé e o canal de drenagem; é relativamente plana, com ligeira declividade decrescente em relação ao curso d’água, constituindo a planície de inundação (ou planície aluvial, ou várzea) do mesmo. Este segmento está presente em vales em U e ausente em vales em V. É um segmento deposicional. A pequena elevação situada entre a planície de inundação e a margem do curso d’água é o albardão (levee). Fonte: Adaptado de Ruhe (1960) Relação entre os elementos da paisagem e os processos atuantes no solo Vários pesquisadores, notadamente Ruhe (1960) e Conacher & Dalrymple (1977), procuraram relacionar processos e solos às posições na paisagem. Para exemplificar essa relação são descritos processos gerais que ocorrem nos cinco elementos da vertente (ou paisagem) e algumas propriedades de solo que podem ser esperadas em regiões úmidas. Em interflúvios com largura superior a 30 metros, grande parte da água da chuva é retida, o que faz desta superfície a mais estável da vertente. Nela predomina o movimento vertical da água no solo, exceto nas proximidades da transição ao ombro, ou então em ondulações do interflúvio, onde pode haver algum movimento lateral da água acompanhando a superfície e a subsuperfície. A retenção uniforme da água resulta em uma maior uniformidade dos solos. Em interflúvios muito amplos os solos podem ser menos bem drenados dos que nos interflúvios mais estreitos ou nas proximidades do ombro. Onde os materiais do interflúvio são muito permeáveis, os solos tendem a ser mais profundos. 16 Devido a convexidade da vertente no segmento do ombro, o escorrimento superficial é máximo, resultando numa superfície altamente erosional e relativamente instável. Dependendo do grau de declive, o movimento lateral de material do solo (cripe) pode ser um processo importante. Já o movimento subsuperficial da água geralmente é um processo muito importante nesta posição, mas não é uniforme em toda a sua largura, concentrando-se em linhas de fluxo ao longo da vertente. Nas zonas com fluxo subsuperficial concentrado (vertentes côncavas) há incremento na eluviação resultando em horizontes E (álbicos) mais espêssos. Onde a água se aproxima da superfície surgem concentrações de Fe, Mn ou CaCO3, na forma de concreções. A presença e a profundidade das zonas reduzidas no solo dependem da permeabilidade do subsolo e do grau de declive. Devido à erosão, a espessura do solo e o seu teor de MO tendem a ser menores neste segmento da paisagem. Na posição da encosta domina o processo de transporte lateral de material e de água, tanto na superfície como em subsuperfície. O transporte superficial do material pode ser na forma de fluxo, deslisamento, escorrimento ou cripe, conferindo uma relativa instabilidade à esta posição. Nas encostas relativamente suaves (vertentes lineares ou paralelas), o transporte superficial por escorrimento é uniforme, mas nas áreas cultivadas, sem vegetação protetora, a erosão em sulcos é acelerada. Uma transmissão desuniforme da água subsuperficial pode gerar uma maior variabilidade nos solos, de forma similar ao observado no ombro. Em posições da encosta onde predomina o movimento de massa, a superfície é irregular e os solos, tanto lateralmente como ao longo da vertente, apresentam grande variação na morfologia e nas propriedades físicas e químicas. Em geral, os solos nas encostas têm horizontes A menos espessos, enquanto que o horizonte B pode ser mais espesso devido a melhor drenagem, além de apresentar forte desenvolvimento da estrutura como resultado dos ciclos de umedecimento e secamento. Quando íngremes, as encostas podem apresentar afloramentos de rocha e Neossolos Litólicos ou Regolíticos, devido ao intenso fluxo superficial; nesta condição não são adequados para o cultivode lavouras, oferecendo opções para pastagem e silvicultura. Nas proximidades da base da encosta ou na transição para o sopé, o movimento subsuperficial da água pode concentrar-se próximo à superfície, produzindo freqüentes afloramentos d’água; em conseqüência, formam-se horizontes gleizados e acumulações de Fe e Mn, originando Plintossolos e Gleissolos de encosta ou de sopé. O sopé é uma zona de deposição de material coluvial (superfície deposicional) proveniente das posições vertente acima, bem como de material trazido em solução via superfície. A posição é, por isso, dominantemente deposicional e relativamente instável. O sopé apresenta uma suave concavidade onde domina o escorrimento superficial. Os afloramentos de água são comuns e a retenção de água é elevada, podendo originar solos parcialmente gleizados. Quando ocorrem canais no segmento da encosta, o sopé pode apresentar leques deposicionais encobrindo parte da superfície original. No sopé os solos tendem a apresentar maiores teores de bases, MO e, dependendo do ambiente, concreções de Fe, Mn ou de CaCO3. Os solos no sopé são geralmente muito heterogêneos devido aos depósitos coluviais originados por movimentos de massa, drenagem irregular e deposição desuniforme. A 17 drenagem pode ser menos eficiente do que nas posições mais elevadas da vertente. O horizonte A e a espessura do perfil são variáveis, mas tendem a aumentar ao longo da vertente. É comum a presença de horizontes irregulares ou descontínuos e de linhas de pedra no perfil de solo. O segmento do sopé colúvio-aluvial é instável devido a sua natureza dominantemente deposicional. Os materiais aluviais são originados à montante do vale e em parte provém de materiais coluviais do sopé e da encosta. Os sopés colúvio-aluviais são ambientes fluviais, onde ocorrem diferentes sistemas de deposição que originam materiais e superfícies distintas, como o canal do curso d’água, o albardão e a planície de inundação (Figura 6.5). Os canais são ambientes de alta energia onde são depositados materiais grosseiros; assim, a presença de zonas mais arenosas ou cascalhentas em sopés colúvio-aluviais indicam antigos canais. Nos albardões são depositados materiais grosseiros suspensos (silte e areia fina), enquanto que nas planícies de inundação são depositados materiais cada vez mais finos (silte e argila, ou só argila) à medida em que aumenta a distância em relação ao curso d’água. Os solos deste segmento são muito variáveis (Planossolos, Plintossolos, Gleissolos, Neossolos Quartzarênicos, Neossolos Flúvicos, Organossolos), refletindo inundações periódicas, canais abandonados e fontesmúltiplas de materiais. Nas partes mais baixas desse segmento, o desenvolvimento do perfil de solo pode ser mínimo (Neossolos Flúvicos) e o lençol freático elevado. Aumentando a distância em relação ao curso d’água os solos são melhor drenados e mostram características de maior desenvolvimento do perfil, como mosqueados, fragipãs, duripãs e horizontes Bt. O conceito de catena e as relações solo – paisagem As relações solo-paisagem são discutidas em função do conceito de catena (Young, 1976; Wysocki et al., 2000; Gerrard, 1981; Holliday, 2006). O conceito de catena (do latim catena, cadeia) foi estabelecido por Milne (1935) como apoio ao mapeamento de solos, explicando o padrão de solos nas paisagens como membros interligados via processos desde o interflúvio até o sopé no fundo do vale. A mudança seqüencial nos solos ao longo da vertente é atribuída à variações na drenagem subsuperficial, ao transporte diferencial e deposição de sedimentos erodidos e, à lixiviação, translocação e redeposição de materiais solúveis via superfície ou subsuperfície. Ainda, ao longo das catenas o material de origem pode ser uniforme ou não. Os processos em cada solo da catena estão relacionados aos demais solos posicionados (topograficamente) acima e abaixo. Nota: o termo toposseqüência tem sido usado como sinônimo de catena; entretanto, no seu conceito original a toposseqüência representa uma hidrosseqüência onde a mudança nas cores (vermelha, amarela, cinzenta etc.) dos solos é usada como indicadora de variação na altura do lençol freático. Processos na catena Os processos superficiais e subsuperficiais, que ocorrem nas diferentes porções da paisagem, são visualizados como linhas de fluxo de material (Figura 6.6). Estas linhas de fluxo são lineares onde o material é uniforme e as linhas de contorno são paralelas. Onde há curvatura no contorno, as linhas 18 de fluxo convergem ou divergem: vertentes com contornos côncavos condicionam linhas de fluxo convergentes, enquanto que contornos convexos condicionam linhas de fluxo divergentes (Huggett, 1975). Na maioria das paisagens o movimento e a distribuição da água são as causas primárias do deslocamento de material nas vertentes e, conseqüentemente, também são as principais causas das diferenças nos solos da catena. A precipitação pluviométrica pode seguir três vias principais na superfície terrestre: fluxo superficial, fluxo subsuperficial e infiltração com percolação profunda. A quantidade de água que segue cada uma dessas vias depende de muitas variáveis, entre as quais se incluem: a quantidade e a duração das chuvas, a topografia do terreno, a permeabilidade do solo, o material subjacente, a cobertura vegetal e a condição física da superfície do solo. O fluxo superficial da água é o processo mais óbvio e visível de distribuição da água; mas, em regiões úmidas o movimento lateral subsuperficial da água é mais importante, podendo ser saturado ou insaturado; o fluxo saturado tende a predominar nas posições côncavas próximas à base da vertente ou onde as linhas de fluxo convergem devido à mudanças no contorno (Kirkby & Chorley, 1967; Anderson & Burt, 1978). O fluxo superficial (escorrimento, runoff) é responsável pela erosão, cuja intensidade aumenta com o grau da declividade e a distância do ponto de início do escorrimento. O material erodido das partes mais altas é depositado na parte inferior da vertente, constituindo o colúvio. Este processo de erosão e redeposição resulta em solos mais rasos na parte superior da vertente e um correspondente espessamento do solo em direção às partes mais baixas. A maioria dos solos é anisotrópica (i.e., o perfil não é homogêneo nas suas características), em conseqüência da deposição desuniforme de materiais (descontinuidade litológica), de processos relacionados ao desenvolvimento do perfil (gradiente textural), ou do incremento da densidade do solo com a profundidade. A anisotropia acentua o desenvolvimento do perfil do solo e da catena por influenciar o fluxo da água de infiltração (Zaslavsky & Rogowski, 1969). Em solos com permeabilidade desuniforme há tendência da água migrar lateralmente acompanhando o declive e, da condutividade hidráulica decrescer com a profundidade do solo. Bear et al. (1968) verificaram que a condutividade hidráulica vertical no perfil de solo é sempre menor do que a paralela às camadas; em conseqüência, a tendência da água que penetra no solo é mover-se declive abaixo. Desta maneira, uma grande parte das águas da chuva deixa a paisagem como fluxo subsuperficial ao longo da superfície dos horizontes menos permeáveis ou das rochas, ou em canais de raizes ou fendas (Whipkey, 1969). Indicações e conseqüências do fluxo lateral da água são: a ocorrência de horizonte E álbico em posição declivosa, como resultado da remoção subsuperficial lateral de argila, silte fino e ferro; a presença de mosqueados e zonas de gleização alongadas no sentido do declive e de horizontes plácicos; a formação de couraças lateríticas (ferricretes) pela acumulação de ferro oxidado e precipitado em surgências (afloramentos de água) nas vertentes (ver 6.3. - laterização) (Dalsgaard et 19 al., 1981; Huggett, 1976). A percolação profunda é um processo significativo apenas em posições deprimidas da paisagem ou em materiais grossos, muito permeáveis, como cascalho e areia. Ao longo da catena, a posição e a flutuação estacional do lençol freático influencia diferentemente os solos. Comumente, no sopé colúvio-aluvial o lençol freático está na ou próximo da superfície, enquanto que na parte superior da catena o perfil de solo permanece acima do lençol freático ao longo do ano. Em conseqüência, sob climas úmidos, é comum observar-se a seqüência de solos vermelhos (p.ex., Latossolos ou Argissolos Vermelhos) ocupando os interflúvios, transicionando para solos bruno-amarelados nas encostas e sopés coluviais (p.ex., Latossolos ou Argissolos Vermelho-Amarelos ou Amarelos), passando a solos gleizados com mosqueados plínticos no final do sopé coluvial (p.ex., Plintossolos) e completamente gleizados no sopé colúvio-aluvial (p.ex., Gleissolos) (Motta & Kämpf, 1992). Enquanto na parte inferior da vertente sob clima úmido há processos de gleização (ver seção 6.3. - Processos pedogenéticos), em climas áridos pode haver salinização (ver: 6.3. - Processos pedogenéticos). Há, portanto, uma estreita relação entre a morfologia dos solos, a posição que ocupam na vertente e o nível do lençol freático. De modo geral, ao longo das catenas, o conteúdo de argila nos solos tende a aumentar do interflúvio ao sopé colúvio-aluvial. A espessura e a textura dos horizontes também variam com a posição do solo na paisagem: as tendências são da textura ser mais argilosa e a espessura do horizonte A ser maior no sopé coluvial e do horizonte B ser mais argiloso e com gradiente textural em relação ao horizonte A. Exemplos Os efeitos do relevo condicionando a drenagem, erosão e redeposição, com as conseqüentes mudanças nas características dos solos ao longo de catenas são relatados por vários autores e resumidos a seguir. Na região da Campanha do RS, em solos desenvolvidos de basalto, a seqüência de Neossolos Litólicos situados no interflúvio, Vertissolos rasos na encosta e Vertissolos glêicos no sopé, ilustra os efeitos do intemperismo e de processos erosivos identificados pelo concomitante decréscimo dos teores de caulinita e incrementos de esmectita e anortita remanescentes, associados com o aumento na espessura dos solos (Kämpf et al., 1995). Uma ocorrência freqüente é a distribuição de solos vermelhos, vermelho-amarelos, amarelos e cinzentos na paisagem, exemplificando o efeito do relevo condicionando a drenagem. Em toposseqüência de Latossolos desenvolvidos de basalto no Brasil Central, Curi & Franzmeier (1984) mostram a variação da relação goethita/goethita+ hematita (Gt/Gt+Hm) e da cor do solo com as condições de drenagem dos solos (Figura 6.7). A toposseqüência, que tem 176 metros de comprimento e um desnível de apenas 2 metros, mostra o efeito do aumento da umidade do pedoambiente favorecendo a goethita em relação à hematita. Na encosta superior apresenta um Latossolo Vermelho com matiz 2,5YR no horizonte B e uma razão Gt/(Gt+Hm) de 0,38; nas cotas intermediárias ocorrem Latossolos Vermelho-Amarelos com matiz 5YR e razão Gt/(Gt+Hm) de 0,87, enquanto que na posição de sopé o Latossolo Amarelo tem matiz 10YR e contém apenas goethita. Macedo & Bryant (1987) descrevem uma seqüência de solos com variação no nível do lençol 20 freático, em chapadão do Brasil Central. A seqüência é constituída por Latossolo Vermelho na parte central mais elevada do interflúvio, com lençol freático em profundidade superior a 3 metros, cores 2,5YR a 10R e presença de hematita e goethita, com teor de Fe em torno de 10%. Na zona de transição para o ombro ocorre Latossolo Vermelho-Amarelo com menor teor de Fe e presença de goethita até 3 metros de profundidade; na posição de ombro, onde aflora o lençol freático, ocorre Plintossolo, com matiz amarelo e cromas baixos, mosqueados plínticos e concreções. Detalhes dos efeitos do pedoambiente que explicam a distribuição dos óxidos de ferro nos estudos acima mencionados são fornecidos por Kämpf & Curi (2000). Em áreas de chapadões com vegetação de cerrado nas proximidades de Uberaba, Minas Gerais, Motta & Kämpf (1992) estudaram a evolução dos solos em uma catena derivada de sedimentos do Terciário/Quaternário em cota de 900 metros; as características gerais da catena e dos solos estão resumidas no Quadro 6.4. A catena ocupa uma extensão de 720 metros com um desnível de 12 metros, em declividade de 1,7%; o clima local é Aw (Koeppen), savana tropical com inverno seco de maio a setembro: médias de temperatura 21,5C, de chuvas 1.632 mm e de evapotranspiração potencial 1.032 mm. Os solos são identificados como Latossolos Amarelos ácricos típico e plíntico, Plintossolo Háplico ácrico litoplíntico e Gleissolo Melânico ácrico típico. Do interflúvio à encosta superior a amplitude da coloração dos solos sugere progressivos processos de xantização (amarelecimento) e plintitização nos Latossolos e, da encosta superior ao sopé, os processos de plintitização e gleização no Latossolo plíntico, Plintossolo e Gleisssolo, em conformidade com as condições de drenagem ao longo da catena (Quadro 6.4). Isso é acompanhado pela segregação de ferrro, que acentua-se dos Latossolos ao Plintossolo, com o descoramento da matriz do solo e o incremento da plintita e dos nódulos e,ou, concreções. Este descoramento da matriz é mais acentuado ainda no Gleissolo, com mosqueados de precipitações de Fe recentes no horizonte A, acompanhando a oscilação do lençol freático, além de vestígios de mosqueados avermelhados nos horizontes Cg. Além disso, todos os solos apresentam uma composição mineralógica com predomínio de gibbsita em relação à caulinita, indicando que o material foi submetido a um processo de dessilicação intensa, que acompanhou a ferralitização nos Latossolos e que, provavelmente, precedeu os processos de plintitização e de gleização atualmente vigentes nas posições de encosta (Latossolo plíntico e Plintossolo) e no sopé (Gleissolo). A ocorrência associada de goethitas com substituição em alumínio alta (até 0,33 mol/mol Al) e baixa (0,02 a 0,14 mol/mol Al) tanto no Latossolo plíntico como no Plintossolo apoiam um processo de dessilicação anterior à plintitização, pois essas substituições de Fe por Al na goethita estão relacionadas, respectivamente, à ambiente de forte dessilicação (= muito Al em solução) e baixa dessilicação ou ambiente redutor (= ambos com muito Fe e pouco Al em solução). A distribuição dos solos na catena permitiu, dessa maneira, uma reconstituição dos processos pedogenéticos passados e atuais, mostrando uma sobreposição e,ou, associação de vários processos (ferralitização, dessilicação, plintitização e redoximorfismo), que descrevem a evolução poligenética desses solos. 21 Quadro 6.4. Características de solos em transeção de catena com extensão de 720 metros e declividade de 1,7%, situada a 900 metros de altitude, em chapadão a 30 km de Uberaba (19°45’S, 47°55’W Gr.), Minas Gerais. Silva et al. (2001) descrevem a influência dos materiais de origem (rochas do Pré-Cambriano e sedimentos coluviais e aluvionares derivados) e da posição topográfica na gênese de Argissolos, Planossolos e Gleissolos situados em uma topossequência da Baixada Litorânea Fluminense (RJ). No terço superior da encosta, a superfície convexa favoreceu o processo de eluviação/iluviação, bem como a translocação de materiais, originando Argissolos Vermelho-Amarelos a partir de gnaisses leuco e mesocráticos; na seção aplainada situada no terço médio da vertente, sobre sedimentos coluvionares, dominou a perda superficial de argila na formação do gradiente textural, originando um Argissolo Amarelo. No terço inferior da encosta, sobre sedimentos colúvio-aluvionares, a concavidade da superficie e a drenagem imperfeita contribuíram para o processo de eluviação da argila, associado as condições de oxidação e redução do processo de ferrólise, resultando na formação de Planossolos Háplicos. Na porção mais baixa da paisagem, em sedimentos fluviais e coluviais, dominou o processo de gleização, originando Gleissolos Háplicos. Na situação descrita, a natureza do material de origem associada com o relevo condicionando a drenagem determinaram a ação e a intensidade dos diferentes processos pedogenéticos, e exemplificam a interação dos fatores de formação do solo. Para finalizar, a aplicação do conceito de catena tem permitido melhores predições dos processos que ocorrem em muitas situações da paisagem, facilitando o mapeamento dos diferentes tipos de solos. Ao mapear uma determinada região, o pedólogo desenvolve a habilidade de predizer a ocorrência e a distribuição dos diferentes solos. Nas etapas iniciais do delineamento dos solos no campo, freqüentemente, é usado o método de prospecção em transeções e grades para determinar os limites entre as unidades de solo. Com alguma experiência de campo é adquirido um entendimento das relações entre as propriedades dos solos e as mudanças na paisagem, permitindo estabelecer o modelo solo-paisagem adequado para o mapeamento dos solos locais. Desta maneira, o modelo solo-paisagem é elaborado de acordo com as pecularidades de cada paisagem ou região. 6.2.4. ORGANISMOS O fator organismos vivos (ou fator biótico) compreende a flora e a fauna desenvolvida no solo. Este fator permite uma breve digressão sobre “o que é ou não é solo”: um eqüivalente ao dilema do “ser ou não ser” do Hamlet de Shakespeare. Academicamente (ou filosoficamente), a ação do fator organismos no material inicial é considerada como o pré-requisito para a formação do solo (Buol et al., 1997). Neste contexto, areias eólicas litorâneas comumente na forma de dunas (ainda) não vegetadas não seriam solos. Após sua estabilização através da colonização por espécies vegetais adaptadas, havendo a formação incipiente de um horizonte A pelo acúmulo de compostos orgânicos, ter-se-ia a “transmutação” da duna em solo, sendo a partir daí possivelmente classificado como 22 Neossolo Quartzarênico. Neste exemplo a aplicação do modelo parece satisfatória. Mas, rigorosamente, o pré-requisito em questão impõe que sem a participação de organismos vivos não haveria formação de solos. A aceitação dessa exigência pode conduzir à outros extremos de interpretação, ou seja, de que uma rocha ou um telhado ou um muro de uma edificação, quando povoado por algas ou musgos seriam solos! Isso mostra que certos pressupostos muito rígidos, em lugar de manterem a “pureza” do modelo podem contribuir para uma maior indefiniçãona identificação de solos. Também é fato comum que na prática muitas vezes não é viável distinguir entre o que, academicamente, é solo e o que não é solo. Haja visto a concepção de solo bem mais simples e abrangente dos geólogos e engenheiros, para os quais todo regolito (ou qualquer material natural alterado) equivale a solo. O fato é que modelos não devem ser assumidos como dogmas, pois, alheios a modelos ou teorias, muitos materiais (mesmo na ausência de organismos vivos) tem potencial para o desenvolvimento de organismos e, conseqüentemente, podem ser tratados como solos. As vezes convém usar de bom senso para definir o que é ou não é solo. [Bom senso é como caldo de galinha, sempre faz bem!]. Após essas divagações, retornamos à descrição dos organismos vivos como fator de formação do solo. Efeitos do fator organismos na formação do solo O efeito do fator organismos no solo pode ser visualizado em várias etapas. Num estádio inicial pré-gênese do solo, líquens e musgos povoam as rochas, extraindo elementos pelo contato direto, produzindo uma alteração incipiente das rochas que serve de substrato para os colonizadores seguintes. O processo de colonização chega ao auge quando houver substrato (= solo) capaz de sustentar espécies vegetais superiores. Parte dos nutrientes retirados pelas plantas retorna ao solo através dos resíduos orgânicos. Este processo de biociclagem pode ser identificado pela maior concentração de certos elementos nos horizontes superficiais do perfil de solo. Nesta interação solo- planta, os resíduos orgânicos são metabolizados pela fauna do solo, liberando ácidos orgânicos e compostos diversos que atuam na dissolução de minerais, na complexação de elementos, na formação de agregados estruturais, assim contribuindo para o desenvolvimento do solo. Pela absorção de água, as plantas também controlam a água disponível para as reações de intemperismo, além de atuarem como cobertura protetora do solo aos processos erosivos, favorecendo o aumento da espessura do solo. Plantas podem induzir a precipitação de minerais, como por exemplo, de calcita na rizosfera, a qual também influi na oxidação de Fe e Mn com a formação dos respectivos óxidos; além disso, pela acumulação de Si nas folhas formam fitólitos de opala, e pela biociclagem de Si favorecem a formação ou preservação de argilominerais nos horizontes superficiais do solo (Lucas, 2001). Outro exemplo da importância das plantas é a diferenciação de sedimentos e solos em áreas de mangues, a qual deve-se aos efeitos da vegetação estimulando os processos pedogenéticos, como sulfurização e gleização, a acumulação de MO, além de promover a bioturbação (Ferreira et al., 2007a,b). Raizes das plantas e a 23 fauna do solo promovem a formação de macroporos que atuam como vias de fluxo preferencial da água nos solos (Franklin et al., 2007). Assim como a vegetação atua como fator de formação do solo, o solo (juntamente com o clima) é um condicionador do tipo de formação vegetal que nele se estabelece. Estudos realizados na Amazônia mostraram que a composição da vegetação, na escala de paisagem (Phillips et al., 2003) e na escala local (Poulsen et al., 2006), está relacionada às variações nas características químicas e na drenagem dos solos. Assim, desde há muito tempo, a vegetação nativa tem sido usada pelos agricultores para avaliar o potencial dos solos para agricultura. Por exemplo, no RS até quase o final da decada de 1960, as ”terras de mato” eram as preferidas para o cultivo, ficando as “terras de campo” como última opção para uso com lavouras. As áreas de campo foram incorporadas ao uso agrícola após a difusão da aplicação de corretivos da acidez e fertilizantes aos solos. O mesmo se verificou em outras regiões, como por exemplo nas áreas de cerrado do Brasil Central. Microrganismos, como bactérias, fungos, actinomicetos, bem como minhocas e térmitas, contribuem para a formação de agregados estruturais estáveis no solo, unindo partículas individuais através de secreções e micélios. Microrganismos tem significativa participação na formação de minerais, através da biomineralização (Skinner & Fitzpatrick, 1992). A bioturbação do solo é outro efeito dos organismos, principalmente de minhocas, térmitas, roedores, transferindo materiais do subsolo para a superfície e misturando horizontes. Nas regiões tropicais, a uniformidade dos perfis de solos (por exemplo, nos Latossolos) é atribuída às atividades da fauna do solo. Térmitas atuam na seleção de materiais, carregando as partículas mais finas à superfície para construção de termiteiros. A repetição milenar desse processo resulta na formação de linhas de pedras em determinada profundidade nos perfis de solos nas regiões tropicais (Ollier & Pain, 1996; Thomas, 1994; Van Wambeke, 1992). [ver 6.3 - Processos pedogenéticos - pedoturbação] 6.2.5. AÇÃO HUMANA: FATOR ANTRÓPICO As intervenções humanas no solo podem ser incluídas junto com o fator organismos (Jenny, 1941), ou, conforme já mencionado por Dokuchaev (Sokolov, 1996), destacadas como o fator antrópico (a) atuando na formação do solo (Amundson & Jenny, 1991; Effland & Pouyat, 1997; Dudal et al., 2002): S = f(a, c, o, r, m, t). As características de um solo, adquiridas lentamente (em milhares de anos) sob a influência dos fatores ambientais naturais, podem ser rápidamente (desde poucos dias a dezenas ou centenas de anos) modificadas pela ação humana. Em termos globais, esta ação vem se intensificando e ampliando ao longo do tempo. Pesquisas arqueológicas mostram que as antigas civilizações da Mesopotâmia e do México faziam uso intensivo do solo para a produção agrícola, abastecendo grandes centros urbanos. Áreas de floresta tropical mostram evidências de cultivo de milho há 2700 anos AP na Costa Rica (Horn & Kennedy, 2001). A decadência e desaparecimento destas civilizações são atribuídos em parte à degradação de seus solos agrícolas, por erosão ou 24 salinização e, por mudanças climáticas. Modernamente, as extensões de solos degradados vêm sendo continuamente ampliadas na superfície terrestre, não se restringindo aos países ditos subdesenvolvidos (Durmadov & Karpachevskii, 1996; Goudie, 1997; Wong et al., 1999). Efeitos do fator antrópico na formação do solo A ação humana em relação ao solo e ao ecossistema pode ser benéfica ou prejudicial. Sob o ponto de vista agronômico, os efeitos benéficos são geralmente avaliados em termos de alterações do solo que contribuem para incrementar a produção agrícola. O Quadro 6.5 exemplifica algumas atividades agrícolas e seu possível efeito no solo e no ambiente. Os efeitos prejudiciais colaterais são visíveis na degradação do solo e do ecossistema. Por isso, o uso do solo deve ser baseado na sua aptidão ao objetivo proposto, o que envolve uma avaliação de riscos e benefícios decorrentes da utilização pretendida. Quadro 6.5. Atividades agrícolas e seu possível efeito no solo e no ambiente. Atividade humana Efeitos no solo ou ambiente Remoção da vegetação e queimadas Perda de matéria orgânica e de nutrientes Adição de adubos orgânicos e minerais Ganho de matéria orgânica e de nutrientes Calagem Diminuição da acidez e toxidez Irrigação Mudança no regime de umidade; risco de salinização; oxi- redução Drenagem Mudança no regime de umidade; oxidação Lavração Mistura de horizontes; compactação do solo; erosão; perturbação da flora e fauna Adição de biocidas Afeta flora e fauna; poluição do solo Excessivo preparo do solo e pisoteio Compactação, erosão A atividade agrícola atual tem contribuído para melhorar as propriedades químicas do solo através da calagem e fertilização, bem como para a degradação de solos, notadamente no desgaste do horizonte A; isto pode resultar na sua reclassificação, como é o caso nas encostas basálticas do RS, onde Chernossolos Argilúvicos foram “transformados” em Luvissolose Cambissolos devido ao desaparecimento do horizonte A chernozêmico (Streck et al., 2008). Por outro lado, a distribuição fragmentada de solos chernozêmicos na Alemanha é atribuída à sua formação através do manejo agrícola pré-histórico (Kleber et al., 2003). Evidências arqueológicas mostram que o manejo inadequado do solo e da água de irrigação resultou na salinização do solo, no assoreamento de canais e cursos d’água, contribuindo para o colapso de civilizações na antiga Mesopotâmia (Jacobsen & Adams, 1958). Mais recentemente, em regiões do semi-árido do NE brasileiro, a prática da irrigação 25 sem uma drenagem eficiente da água excedente tem contribuído para a salinização de solos, inviabilizando-os para o cultivo agrícola (Santos & Hernandez, 1997). Na atualidade, os efeitos da ação humana na alteração do solo natural e na formação de um novo solo nas zonas urbanas, industriais ou submetidas à mineração, podem ser muito mais significativos do que nas atividades agrícolas normalmente praticadas em solos naturais. Nessas situações, a ação humana pode ser resumida na expressão S = f(a)m, c, r, o, t, onde o fator antrópico (a) é o principal condicionador do solo, ao qual se associam gradativamente os fatores naturais. Nos solos de áreas urbanas e industriais, é comum a presença de resíduos urbanos (plástico, MO, madeira etc.), materiais de construção (cerâmica, argamassa, concreto, metais etc.), resíduos industriais (metais, gêsso, produtos químicos etc.) (Bullock & Gregory, 1991). Nas áreas degradadas pela mineração, a legislação ambiental exige sua recuperação para um novo uso útil (agrícola, florestamento, recreação, urbano, industrial etc.), o que pode requerer a construção de um solo para possibilitar a revegetação ou outro objetivo. Na construção do solo são utilizados os materiais (horizontes A-B-C) preservados do solo original (pré-mineração), ou materiais do regolito. Nesta construção é fundamental o conhecimento dos processos de formação do solo (ver processos pedogenéticos), pois é necessário selecionar o material e usar o equipamento adequado para prevenir insucessos e evitar os altos custos de futuras práticas de mitigação. Este é um aspecto atual da aplicação dos conhecimentos da pedogênese ou gênese do solo. Segundo Eden et al. (1984), em arqueologia a ação humana é diferenciada em atividades antrópicas ou não-intencionais e atividades antropogênicas ou intencionais na formação do solo. Por exemplo, as alterações produzidas no solo por assentamentos (habitação) de longo prazo com adições casuais de resíduos domésticos (lixo), que não tem a intenção de modificar o solo são definidas como atividades antrópicas; por outro lado, cultivos intensivos de longa duração, com incorporação de materiais, ou a construção de solos, que produzem alterações intencionais no solo visando um determinado objetivo são definidas como atividades antropogênicas. Essa diferenciação arqueológica de atividades antrópicas e antropogênicas não tem sido adotada nos estudos pedológicos do solo. Ambas produzem um horizonte antrópico, que identifica um solo antrópico ou um solo antropogênico, ou taxonomicamente um solo da classe Antrossolos ou da classe Tecnossolos (WRB, 2007). Os processos decorrentes da atividade humana na formação do solo são tratados no item antrossolização (ver processos pedogenéticos). O fato da extensão de solos perturbados, urbanos e antropogênicos estar aumentando continuamente, torna-os uma importante área de atuação para a Pedologia. 6.2.6. TEMPO A escala do “tempo geológico” (Quadro 6.6) pode parecer deslocada quando o assunto é a pedogênese. Entretanto, convém lembrar que os solos estão sempre se formando em determinado 26 espaço de tempo e todos os solos são igualmente afetados pelo tempo. A escala do tempo geológico permite situar a idade da formação de rochas (como futuro material de origem do solo), de eventos importantes que moldaram a superfície terrestre, bem como de formações geológicas e, ou, pedológicas com datação conhecida. Por exemplo, a formação das rochas graníticas é datada em ~700 m.a. (m.a. = milhão de anos), correspondendo ao período Pré-Cambriano, enquanto que os derrames basálticos do sul do Brasil têm idades estimadas de 110 a 130 m.a., isto é, são do período Cretáceo. O vulcanismo de fissuras precedeu a separação dos continentes (anteriormente associados no megacontinente Pangéia), iniciando sua migração devido a tectônica de placas. Durante essa migração, as mudanças de latitude da América do Sul certamente causaram alterações climáticas. Neste contexto, durante o Cretáceo iniciou-se a formação das crostas lateríticas sob clima tropical com estação seca, atingindo seu máximo no Oligoceno (Tardy, 1993). Do Mioceno ao Recente, ao serem expostas à ciclos de condições climáticas mais úmidas, as crostas lateríticas são submetidas ao desmantelamento e destruição dando origem a Latossolos (Tardy & Roquin, 1998; Horbe & Costa, 1999). [ver 6.3. Processos pedogenéticos: laterização.] No período Quaternário, que se iniciou há 1,6 m.a., houve mais de 20 grandes glaciações que cobriram a América do Norte e a Europa com gelo. A época do Holoceno teve início há 11.500 anos A.P. com o término da última época glacial no Hemisfério Norte. A partir do recuo das geleiras começou a progressiva dispersão humana promovendo uma gradativa ocupação mais intensiva dos solos, dando início ao seu uso agrícola há cerca de 9.000 anos A.P. (Roberts, 1998; Montgomery, 2007). Devido à intensidade da ação humana sobre o planeta, geólogos (das áreas de Geologia Ambiental e Geologia de Engenharia) propõem que esse fenômeno deva ser registrado na escala geológica do tempo. Uma das propostas postula que o Holoceno seja considerado a transição para o Tecnógeno (ou Quinário), período cuja característica diferenciadora seria a intervenção crescente da ação humana através de processos tecnogênicos sobre o ambiente geológico da crosta terrestre (Ter- Stepanian, 1988). Raros são os solos atualmente presentes na superfície da Terra que iniciaram sua formação antes do Cenozóico, que compreende os últimos 65 m.a. (Quadro 6.6). Isto deve-se ao fato das superfícies formadas pelos solos raramente serem estáveis por mais do que poucos milhões de anos. Muito provavelmente, as superfícies de solos mais antigas datam apenas do Plioceno, e a maioria dos solos tem seu “tempo zero” em algum lugar no Quaternário, que compreende os últimos 1,6 m.a. do Cenozóico. Assim, na escala do tempo geológico a formação dos solos atuais é um evento relativamente recente na superfície terrestre, conforme mostram as citações a seguir. Mesmo assim, na cronologia humana, os solos são recursos naturais muito lentamente renováveis. Considerando que durante a formação e o desenvolvimento dos solos ocorrem com freqüência mudanças climáticas ou eventos que promovem a erosão e redeposição de materiais geológicos e solos (ou seja, mudanças ambientais), muitos solos são poligenéticos. A intervenção humana também pode criar novos solos a 27 partir de outros solos pré-existentes ou de materiais tecnogênicos. Nessas situações, a expressão “tempo zero” é usada para indicar o início de um novo ciclo de desenvolvimento do solo. Quadro 6.6. Escala do tempo geológico e alguns eventos geológicos, biológicos e pedogenéticos. Eras Períodos Épocas Início Eventos geológicos, biológicos e pedogenéticos Quinário ou Tecnógeno Antropoceno 0,15 k.a. Ação antrópica intensa, processos antropogênicos e tecnogênicos Cenozóica Quaternário Holoceno ou Recente 11,5 k.a. Fim da era glacial no Hemisfério Norte; dispersão dos humanos; expansão da agricultura. Grande variabilidade climática: úmido/seco. Separação da ilha do Marajó; formação de Organossolos (RS); Espodossolos (rA) Pleistoceno
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