Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
EDUCAÇÃO CRISTÃ E ENSINO RELIGIOSO Professor Dr. Hermisten Maia Pereira da Costa Professora Me. Karla Seule Revisor Técnico: Lissânder Dias do Amaral GRADUAÇÃO Unicesumar C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; COSTA, Hermisten Maia Pereira da; SEULE, Karla. Educação Cristã e Ensino Religioso. Hermisten Maia Pereira da Costa; Karla Seule. Maringá-Pr.: Unicesumar, 2018. 359 p. “Graduação - EaD”. 1. Ensino. 2. Religioso . 3. Cristão 4. EaD. I. Título. CDD - 22 ed. 268 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Impresso por: Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Direção Executiva de Ensino Janes Fidélis Tomelin Direção Operacional de Ensino Kátia Coelho Direção de Operações Chrystiano Minco� Direção de Polos Próprios James Prestes Direção de Desenvolvimento Dayane Almeida Direção de Relacionamento Alessandra Baron Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila Toledo Supervisão Operacional de Ensino Luiz Arthur Sanglard Coordenador de Conteúdo Roney de Carvalho Luiz Designer Educacional Amanda Peçanha Dos Santos Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Arte Capa Arthur Cantareli Silva Editoração Ana Eliza Martins Qualidade Textual Cintia Prezoto Ferreira Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e so- lução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. Cada um de nós tem uma grande responsabilida- de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos- sos farão grande diferença no futuro. Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar assume o compromisso de democratizar o conhe- cimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros. No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi- tário Cesumar busca a integração do ensino-pes- quisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consci- ência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al- meja ser reconhecido como uma instituição uni- versitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con- solidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrati- va; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relaciona- mento permanente com os egressos, incentivan- do a educação continuada. Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu- nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con- tribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competên- cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessá- rios para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cresci- mento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das dis- cussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui- lidade e segurança sua trajetória acadêmica. A U TO RE S Professor Dr. Hermisten Maia Pereira da Costa Possui Doutorado em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2003) e Mestrado em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (1999). Possui as seguintes especializações lato sensu feitas na Universidade Presbiteriana Mackenzie: Educação (1994); Didática do Ensino Superior (1993); Administração com Ênfase em Recursos Humanos (1993); Estudos de Problemas Brasileiros (1992). Especialização em História do século XX no Brasil pela FAI (1995). Pussui graduação em Pedagogia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1993), graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1983), graduação em Teologia – Seminário Presbiteriano do Sul (1979). Atualmente, é professor do Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição; professor do Centro Universitário de Maringá e Professor Adjunto II da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Sendo professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação Andrew Jumper, São Paulo; professor visitante no Seminário Teológico Presbiteriano Rev. Manuel Ibáñez Guzmán, Santiago, Chile. Link Lattes: <http://lattes.cnpq.br/3719074080758146>. Professora Me. Karla Katherine de Souza Seule Mestre em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Especialista em Gestão Escolar pela Universidade do Centro-Oeste (UNICENTRO) e Graduada em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Tem experiência na área de História e Educação, com ênfase em: História Moderna, atuando principalmente nos seguintes temas, Império Português na Ásia, Companhia de Jesus; Ensino, atuando principalmente nos temas de Metodologias do Ensino de História, Tecnologias na Educação e Didática. Atualmente, é professora da Educação Básica no Quadro Próprio do Magistério do Estado do Paraná. Link Lattes: <http://lattes.cnpq.br/7747313264755696>. SEJA BEM-VINDO(A)! Caro(a) aluno(a), Bem-vindo à fascinante jornada da educação. Dedique-se com afinco na leitura, observação e reflexão deste livro e você mergulhará em um conteúdo que não so- mente informa e ensina, mas também desafia seu leitor a repensar seu papel como educador cristão. As palavras “Educação” e “Educar” provêm do latim “Educare”, palavra esta aparentada com ducere, “conduzir”, “levar”, e educere, “tirar de”, “retirar”, “criar”. Educare tem o sentido de “criar”, “alimentar”, “ter cuidado com”, “instruir”. O homem é um ser educável. Ninguém consegue escapar à educação, ela está em todaparte. Sendo intencional ou não, so- mos bombardeados com informações e valores que contribuem para nos dar uma nova cosmovisão e delinear o nosso comportamento, conforme a assunção consciente ou inconsciente de valores e paradigmas que reforçam ou substituem os anteriormente aprendidos, manifestando-se em nossas atitudes e uma nova perspectiva da realidade que nos circunda. O conhecimento, seja em que nível for, não ocorre num vácuo assép- tico conceitual quer seja religioso, quer filosófico, quer cultural. Por trás desse ardor pedagógico e social herdado da Reforma Protestante estava um firme fundamento teológico. Essa perspectiva amparava-se num conceito de Deus, do homem e de qual o propósito do homem nesta vida. A educação cristã, portanto, visava preparar o ser humano para melhor servir a Deus na sociedade, a fim de que Deus fosse glorificado. Este material está dividido em cinco unidades: A Unidade I, “Significado da Educação e Bases da Educação Cristã”, abordará o signi- ficado da educação no contexto da natureza humana e colocará Deus como ponto de partida do estudo da educação cristã, além de estabelecer os elementos bíbli- cos chaves para a tarefa educativa. A Unidade II, chamada de “O Poder Da Palavra De Deus”, irá fornecer referências bíblicas suficientes para evidenciar a importância prática do estudo das Escrituras. Na Unidade III, cujo título é “O Que Ensina... (Rm 12.7) – Uma Palavra Aos Professores”, o leitor poderá estabelecer um padrão de co- erência para o educador cristão que, por sua vez, assume não somente uma tarefa ou profissão, mas um chamado vocacional. A Unidade IV, “A Igreja, a Evangelização e a Educação Cristã”, traz ao leitor um olhar mais amplo e comunitário sobre o papel da educação, que se faz presente no dia a dia das comunidades cristãs locais, con- siderando seus ritos, seus costumes, sua missão evangelizadora e suas práticas de aprendizagem. Por fim, você chegará à Unidade V, de autoria da mestra Karla Kathe- rine de Souza Seule, intitulada “O Ensino Religioso enquanto uma Disciplina Laica”. Diferentemente das unidades anteriores, esta traz uma abordagem mais acadêmica sobre o contexto público da relação entre ensino religioso e Estado. Além de levar o aluno a compreender as questões históricas e contemporâneas que norteiam o APRESENTAÇÃO EDUCAÇÃO CRISTÃ E ENSINO RELIGIOSO Ensino Religioso, a autora também busca analisar a legislação educacional no que confere a implantação do Ensino Religioso nas escolas e a estabelecer os fundamentos epistemológicos da disciplina de Ensino Religioso no Brasil. Este livro tem como objetivo principal ajudar você, caro(a) aluno(a), a adentrar no campo da educação cristã e do Ensino Religioso tendo uma base bíblica e acadêmi- ca adequada para tal. Esperamos que você tenha uma grande experiência. Forte abraço! APRESENTAÇÃO SUMÁRIO 09 UNIDADE I SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO E BASES DA EDUCAÇÃO CRISTÃ 15 Introdução 16 A Finalidade Transcendente da Educação 20 O Significado da Educação 29 A Educação Cristã 69 Considerações Finais 73 Gabarito UNIDADE II O PODER DA PALAVRA DE DEUS 77 Introdução 78 A Praticidade da Palavra 101 A Utilidade da Palavra 120 Considerações Finais 125 Gabarito SUMÁRIO 10 UNIDADE III “O QUE ENSINA...” (RM 12.7) - UMA PALAVRA AOS PROFESSORES 131 Introdução 132 O Educador Cristão e sua Vocação 135 Dignidade Pessoal (At 20.31) 146 Fidelidade Doutrinatária 153 Consciência e Assunção da sua Vocação (At 20.24) 155 Prepara Sucessores (At 20.17,27,26) 158 Aprende de Cristo: o Mestre por Excelência 170 A Educação Cristã e a Depravação Total 179 Considerações Finais 184 Gabarito UNIDADE IV A IGREJA, A EVANGELIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO CRISTÃ 187 Introdução 188 A Relação entre Igreja, Evangelização e a Educação Cristã 203 Educação Cristã e Culto 220 O Culto como um Labor Inteligente 227 Considerações Finais 232 Gabarito SUMÁRIO 11 UNIDADE V O ENSINO RELIGIOSO ENQUANTO UMA DISCIPLINA LAICA 237 Introdução 238 A Sociedade Atual e o Ensino Religioso 246 A Legislação Educacional Brasileira e a Disciplina de Ensino Religioso 250 Um “Norte” para o Ensino Religioso: sua Fundamentação Epistemológica 256 O Currículo da Disciplina Escolar de Ensino Religioso 264 Metodologias e a Aplicação do Ensino Religioso nas Escolas Brasileiras 268 A Pesquisa na Teoria e na Prática do Ensino Religioso 272 Considerações Finais 276 Gabarito 277 Conclusão 278 Referências 287 Notas U N ID A D E I Professor Dr. Hermisten Maia Pereira da Costa SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO E BASES DA EDUCAÇÃO CRISTÃ Objetivos de Aprendizagem ■ Compreender o significado da educação no contexto da natureza humana. ■ Conceituar Deus como ponto de partida do estudo da educação cristã. ■ Estabelecer os elementos bíblicos chaves para a tarefa educativa. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ A Finalidade Transcendente da Educação ■ O Significado da Educação ■ A Educação Cristã Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 15 INTRODUÇÃO Olá, caro(a) aluno(a)! Seja bem-vindo(a)! Você inicia, neste momento, uma jornada inesquecível pelo estudo da edu- cação e, em especial, da educação cristã. Para isso, o primeiro passo é entender o homem como um “ser educacional”, ou seja, é aprendendo e ensinando que o ser humano desenvolve sua natureza e seu potencial como tal. A educação é um processo inacabado de construção de conhecimento e valores. Este processo é seguido por uma interiorização do que é aprendido que – se bem-sucedida –, gera transformações. Ela não só resgata e preserva experiências do passado, mas também nos estimula a fazer novas perguntas e indagações em um movimento contínuo de aprendizado. Não se engane! Há uma relação indissolúvel entre comportamento e o que você crê. Quando sabemos no que cremos, as decisões tornam-se mais fáceis. O conhecimento, seja em que nível for, não ocorre num vácuo asséptico concei- tual, quer seja religioso, quer filosófico, quer cultural. Para o professor ou estudioso da disciplina de Educação Cristã, faz-se neces- sário relacionar todo o arcabouço teórico da educação com a ação pedagógica de Deus. Desse modo, não podemos prosseguir a conversa sobre educação sem falarmos sobre Deus. Ele é um mestre por excelência! É fundamental que entendamos que a Educação Cristã não é um gueto edu- cacional ou, para falar de modo mais polido: uma visão de educação entre tantas outras. Entendemos que a Educação Cristã começa por Deus. É Ele quem pres- creve o que deseja que saibamos e nos ensina por meio de Sua Palavra, a fim de vivermos, por graça, à altura do privilégio de nossa filiação. Nesta unidade, portanto, você vai seguir o caminho que começa pela com- preensão elementar da educação e passa pela sua relação com a filosofia e, em seguida, mais especificamente com a fé cristã (inclusive, com excelentes referên- cias bíblicas). Com isso, você adquire uma gama de informações e conhecimentos que o ajudarão a seguir para a segunda Unidade. SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO E BASES DA EDUCAÇÃO CRISTÃ Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E16 A FINALIDADE TRANSCENDENTE DA EDUCAÇÃO A tarefa da educação não está em formar o homem abstrato de Platão, mas em formar uma criança de determinada nação, de determinado meio social e época – Jacques Maritain1. Ninguém contestará, pois, que a educação dos jovens deve ser um dos principais objetivos de cuidado por parte do legislador; porque todos os Estados que a desprezaram prejudicaram-se grandemente por isso – Aristóteles (384-322 a.C.)2. Nenhum sistema educacional está acima do povo que trabalha nele. Se os mestres não temem ao Senhor e não se alegram nele, o melhor detodos os sistemas educacionais falhará – Perry G. Downs3. Sabemos que o tesouro da sã doutrina é inestimável, e nada há para se temer mais do que o risco de perdê-lo – João Calvino4. Se porventura alguém tenha adquirido desde sua tenra juventude um sólido conhecimento das Escrituras, o mesmo deve considerar tal coisa como uma bênção especial da parte de Deus – João Calvino5 A Finalidade Transcendente da Educação Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 17 Nos Estados Unidos, a história do início da Tipografia se confunde com a criação de uma escolinha conhecida hoje como Universidade de Harvard6. Os puritanos foram pioneiros em ambas as iniciativas. Apenas seis anos depois de sua chegada a Massachusetts, a Corte Geral da Colônia já havia votado 400 libras para a cria- ção de uma escola ou faculdade (1636)7. O Colégio foi criado em 1636, na vila de New Town8, recebendo, posteriormente (1938), este nome (Harvard) em home- nagem ao pastor puritano John Harvard (1607-1638), que havia doado cerca de 800 libras (metade de suas propriedades) e uma biblioteca com 260 títulos per- fazendo um total de cerca de 400 volumes9. A escola recebeu outros donativos e o Estado completou o resto. A escola foi “mantida durante seus primeiros anos parcialmente pelo sacrifício de fazendeiros, que contribuíram em trigo para sus- tentar professores e alunos”10. Seis anos depois, temos a primeira turma formada. Em 1643, é publicado, em Londres, um folheto intitulado: Os Primeiros Frutos da Nova Inglaterra. Aqui temos uma espécie de histórico da instituição, acompanhado dos seus estatutos e vida cotidiana; ele é um apelo para aquisição de mais fundos. Este documento começa assim: Depois que Deus nos conduziu sãos e salvos para Nova Inglaterra, e construímos nossas casas e asseguramos o necessário para nossos meios de subsistência, edificamos locais convenientes para o culto de Deus e estabelecemos nosso Governo Civil: Depois disso, uma das coi- sas que mais ambicionávamos era incentivar o Ensino e perpetuá-lo para a Posteridade ; temendo deixar um Clero ignorante para as Igrejas, quando nossos atuais Ministros repousarem no Pó12. A ignorância era algo extremamente temido dentro do modelo educacio- nal reformado-puritano13. Para tanto, o estudo era amplo, oferecendo uma visão abrangente de todos os ramos do saber, evitando a dicotomia entre o saber religioso e não-religioso, o espiritual e o natural14. Como exemplo disso, vemos que “os estudantes ministeriais em Harvard não apenas apren- diam a ler a Bíblia na sua língua original e a expor teologia, mas também estudavam matemática, astronomia, física, botânica, química, filosofia, poe- sia, história e medicina”15. SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO E BASES DA EDUCAÇÃO CRISTÃ Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E18 A ênfase puritana foi marcante em todos os níveis educacionais, podendo ser avaliada tanto quantitativa como qualitativamente16. Seguindo a tradição da obri- gatoriedade do ensino público, conforme enfatizada por Lutero e pelos calvinistas franceses (1560)17 e holandeses (1618)18, “em 1647, o Estado de Massachussets decreta a obrigatoriedade de uma escola primária, sempre que uma povoação agrupe mais de 50 lares”19. Por trás deste ardor pedagógico e social herdado da Reforma Protestante estava um firme fundamento teológico. Essa perspectiva amparava-se num con- ceito de Deus, do homem e de qual o propósito do homem nesta vida. a) Deus é reconhecido como o Criador e Senhor de todas as coisas, sendo o doador da vida e de tudo que temos,20 a Quem devemos conhecer expe- riencialmente,21 amar, obedecer e cultuar.22 Resumindo: “O conhecimento de Deus é a genuína vida da alma [...]”23; b) O homem como “imagem e semelhança” de Deus deve ser respeitado, amado e ajudado24. Por mais indigno que ele possa nos parecer, devemos considerar: “A imagem de Deus nele é digna de dispormos a nós mesmos e nossas posses a ele”25. Por isso, “Não temos de pensar continuamente nas maldades do homem, mas, antes, darmos conta de que ele é portador da imagem de Deus”26. Essa perspectiva deverá nortear sempre a nossa consideração a respeito do ser humano27. A educação, portanto, visava preparar o ser humano para melhor servir a Deus na sociedade, a fim de que Deus fosse glorificado. A educação Reformada-Puritana não tinha um fim em si mesma, antes, era caracterizada por um propósito espe- cífico conforme definiu John Milton (1608-1674) em 1644: O objetivo da aprendizagem é corrigir as ruínas de nossos primei- ros pais, recuperando o conhecer a Deus corretamente, e a partir deste conhecimento, amá-Lo, imitá-Lo e ser como Ele, do modo mais aproximado possível, tornando nossas almas possuidoras de verdadeira virtude que, unida à graça celestial da fé, constrói a mais alta perfeição28. Na sequência: “Chamo de uma educação completa e generosa aquela que capa- cita um homem para atuar justamente, habilidosamente, magnanimamente, A Finalidade Transcendente da Educação Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 19 em todos os ofícios, tanto privados como públicos, de paz e de guerra”29. Desse modo, a educação é vista não a partir do ensino, mas do aprendizado e, de modo especial, do homem que resulta desse saber, preparado para realizar a obra que Deus lhe confiou. O saber é para viver autenticamente em comunhão com Deus, refletindo isso no cumprimento de nossos deveres religiosos, familiares, políticos e sociais, agindo no mundo de forma coerente com a nossa nova natureza30, objetivando em tudo a Glória de Deus. Para Calvino, a pergunta conde- natória de Tertuliano (c.160-c.220 A.D) à Filosofia não fazia sentido31. O Cristianismo é uma cosmovisão que parte das Escrituras para o exame de todas as facetas da realidade. Para Calvino, nenhum tipo de ensino que levasse os homens a deixa- rem de se preocupar com qualquer coisa que afetasse de maneira pro- funda a vida humana, até mesmo em suas preocupações puramente humanas, poderia de forma alguma ser cristão32. Em Gênesis 1.28, temos a seguinte diretriz do Criador: “[...] Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo o animal que rasteja pela terra”. Esse mandamento, pelo qual recebemos a delegação de dominar a terra e sujei- tá-la, tanto em seus aspectos físicos como no que diz respeito à vida biológi- ca que ela contém, tem sido chamado, por teólogos reformados do “Manda- to Cultural” recebido pelo homem. A implicação é que tal sujeição e domínio envolvem e só se tornam possíveis mediante a aquisição de conhecimentos sobre a criação que deve ser subjugada pela humanidade para a glória de Deus. Ou seja, a aquisição de conhecimentos, o envolvimento em todas as profissões e áreas de esforço intelectual e físico, da parte do homem, consti- tui-se em atividade legítima, para preenchimento da prescrição divina. Fonte: Neto (2013) SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO E BASES DA EDUCAÇÃO CRISTÃ Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E20 O SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO É evidente que todo o homem nasce apto para adquirir conhecimento das coisas: primeiro, porque é imagem de Deus. Com efeito, a imagem, se é perfeita, apresenta necessariamente os traços de seu arquétipo, ou então não será uma imagem – J. A. Comênio33. As palavras “Educação” e “Educar” provêm do latim “Educare”, palavra aparentada com ducere, “conduzir”, “levar”, e educere, “tirar de”, “retirar”, “criar”. Educare tem o sentido de “criar”, “alimentar”, “ter cuidado com”, “instruir”34. Parece-me que o termo latino é uma tradução do grego, paideu/w, “instruir”, “educar”, “formar”, “ensinar”, “formar ainteligência, o coração e o espírito de”35. A nossa palavra “pedagogo” é trans- literada do grego, paidagwgo/j e, “pedagogia”, igualmente, de paidagwgi/a.36 Na Grécia antiga, o pedagogo, (literalmente: “encarregado de meninos”, “curador”, “tutor”) era o preceptor de criança; o escravo responsável por conduzir as crianças à escola37; a ideia da palavra é de “estar junto com a criança”38. Posteriormente, a pala- vra também passou a se referir à educação de adultos e ao treinamento em geral39. Esses termos gregos tinham uma conotação moral40. A paidei/a, que na Grécia era um assunto de Estado41, referia-se tanto ao modo como à meta da educação42. A educação estava associada à segurança do estado e à socialização do indivíduo43. O Significado da Educação Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 21 O HOMEM COMO SER EDUCÁVEL44 O homem é um ser educável. Ninguém consegue escapar à educação, ela está em toda parte; sendo intencional ou não, somos bombardeados com informações e valores que contribuem para nos dar uma nova cosmovisão e delinear o nosso comportamento45, conforme a assunção consciente ou inconsciente de valores e paradigmas que reforçam ou substituem os anteriormente aprendidos, manifes- tando-se em nossas atitudes e nova perspectiva da realidade que nos circunda. Werner Jaeger (1888-1961) observa que: todo povo que atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se naturalmente inclinado à prática da educação. Ela é o princípio por meio do qual a comunidade humana conserva e transmite a sua pecu- liaridade física e espiritual [...]. A educação é uma função tão natural e universal da comunidade humana que, pela sua própria evidência, leva muito tempo a atingir a plena consciência daqueles que a rece- bem e praticam, sendo, por isso, relativamente tardio o seu primeiro vestígio na tradição literária46. Assim, podemos definir operacionalmente a educação como sendo um processo de transmissão de valores, decodificação, interiorização e transformação. A educa- ção envolve o processo de “alimentar” (educare) e de “tirar” (educere). Portanto, o “aprendiz” é sempre ativo no processo educativo, ainda que muitos sistemas tentem fazê-lo passivo. Na realidade, a atividade consciente pode e deve ser estimulada, no entanto, ainda que não seja adequadamente, o educando é sempre, de certa forma, o seu educador, aquele que de modo eficiente, ou não, faz a sua própria síntese, construindo o seu mundo simbólico valorativo, repleto de significados para si. A educação reflete valores de determinada sociedade47. A educação visa pre- parar o indivíduo para viver criativamente em sociedade, a qual, por sua vez, tem o seu modelo de homem ideal. Portanto, por trás de toda filosofia educa- cional existe uma “imagem-ideal”48 com todos os seus valores culturais, sociais, éticos e religiosos, para a qual a educação aponta de modo formal e informal. Desta forma, seguindo Durkheim (1858-1917), podemos dizer que “a educação consiste numa socialização metódica da nova geração”49. Portanto, a definição de Émile Durkheim (1858-1917), a respeito da Educação, aplica-se corretamente aqui: SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO E BASES DA EDUCAÇÃO CRISTÃ Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E22 A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as que ainda se não encontram amadurecidas para a vida social. Ela tem por objetivo suscitar e desenvolver na criança um certo número de condições físicas, intelectuais e morais que dela reclamam, seja a sociedade política, no seu conjunto, seja o meio especial a que ela se destina particularmente50. Contudo, cabe aqui uma observação: neste processo educativo, intencio- nal ou não, nada é literalmente repetido, visto que nada que é humano pode ser exaustivamente calculado. E é por isso que o homem herda, transforma e constrói a sua cultura. A cultura, por sua vez, delimita alguns aspectos de sua percepção, contudo, não o limita de forma absoluta. Ele como ser metafí- sico que é, constitui-se num profeta de Deus que fala em relação à realidade, realçando valores que ultrapassam, por exemplo, os limites de uma visão puramente materialista51. A cultura, mesmo sendo algo exterior, é, na realidade, o resultado conjunto da exteriorização do indivíduo, repleta de valores52 que refletem aspectos da essência do homem e, obviamente, de sua percepção da realidade. Portanto, a cultura reflete os valores e a fé de um povo53. “A cultura acha-se profundamente radicada no que há de mais íntimo no ser humano e tem por isso a mais alta sig- nificação para a compreensão desse ser, sua formação e desenvolvimento”54. E, como vimos no início destas anotações, a sociedade é um produto do homem! Educado... Mas, homem!... Ele constrói o mundo, projetando na realidade os seus próprios significados55. Retomando a definição operacional supra, podemos observar que há ali alguns elementos que devem ser destacados: a) Processo: educação não é algo acabado, hermético, fechado. A educação ocorre dentro de um processo dinâmico que jamais termina. b) Transmissão de Valores: educar não é apenas transmitir um conteúdo programático (por mais atualizado e edificante que ele seja), mas também experiências significativas, valores, interpretações. Creio ser importante ressaltar o fato de que esta troca é ambivalente e interagente: professor- -aluno; aluno-professor e aluno-aluno. A formação de um homem é feita pelo homem, não simplesmente por um programa. Mais do que grandes ideias, precisamos de homens dignos. O Significado da Educação Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 23 c) Interiorização: é a assimilação e acomodação de valores transmitidos e decodificados. Esses valores passam a fazer parte do nosso patrimônio cultural e moral. d) Transformação: a verdade aprendida deve ser praticada em nossa vida. A vida, como temos insistido, é, em grande parte, uma interpretação exis- tencial do mundo. Rui Barbosa (1840-1923), de outro modo, resumiu bem o sentido da educação: “Instruir é ensinar a observar, descobrir, refletir e produzir”56. Portanto, a Educação tem uma função tradicionalista, que consiste na transmissão de conhecimentos acumulados ao longo dos séculos e também deve ter uma função, digamos, revisionista-progressista, por meio da qual revisitamos o passado com novos questionamentos, repensando e reava- liando suas conclusões, estimulando novas investigações e pesquisas que se concretizarão em novas ideias e tecnologias. Ambas as funções se comple- tam num todo harmonioso57. Ainda que de passagem, devemos dedicar algumas linhas à questão da cul- tura e do “Currículo” dentro do ensino formal: A Educação e o Currículo “Currículo” é uma transliteração do latim “curriculum” que é empregado tardia- mente, sendo derivado do verbo “currere”, “correr”. “Curriculum” tem o sentido próprio de “corrida”, “carreira”; um sentido particular de “luta de carros”, “cor- rida de carros”, “lugar onde se corre”, “hipódromo”; e um sentido figurado de “campo”, “atalho”, “pequena carreira”, “corte”, “curso”58. A palavra currículo denota a compreensão de que ele não é um fim em si mesmo, é apenas um meio para atingir determinado fim. José do Prado Martins define currículo da seguinte forma: A totalidade das experiências organizadas e supervisionadas pela esco- la e que são desenvolvidas sob sua responsabilidade; experiências essas selecionadas com o objetivo de promover o desenvolvimento integral da personalidade do educando, ao mesmo tempo em que visa satisfazer às necessidades da sociedade”59. SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO E BASES DA EDUCAÇÃO CRISTÃ Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E24 Desse modo, é necessário queentendamos, que não existe currículo neutro; ele sempre estará ligado à determinada compreensão do mundo, a uma filosofia educacional que tem a sua própria cosmovisão que determinará a sua prática. A concepção da “neu- tralidade” curricular, denota uma percepção pouco ou nada “neutra” da realidade. A educação como ato político – estamos comprometidos com as necessi- dades da “pólis” – deve ter um planejamento consciente: insisto, a neutralidade inexiste!60. O planejamento é um ato moral que deve se coadunar com os obje- tivos propostos: os meios revelam meus fins! Essas definições trazem algumas questões – que em seu bojo contêm outras – que se relacionam com o nosso tema: qual o objetivo da Educação? Qual a concepção de homem que temos? De quais recursos dispomos? Que tipo de homem pretendemos “formar”? Como curiosidade, cito que, em 1987, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro fez a seguinte pergunta: “Qual será a opção do educador: repro- duzir a atual sociedade ou lutar para transformá-la?”61. Em 1657, o pastor e educador João A. Comênio (1592-1670), “Pai da Didática Moderna”, escreveu: Prometemos uma organização das escolas, através da qual [...]. Todos se formem com uma instrução não aparente, mas verdadeira, não su- perficial, mas sólida; ou seja, que o homem, enquanto animal racional, se habitue a deixar-se guiar, não pela razão dos outros, mas pela sua, e não apenas a ler livros e a entender, ou ainda a reter e a recitar de cor as opiniões dos outros, mas a penetrar por si mesmo até ao âmago das próprias coisas e a tirar delas conhecimentos genuínos e utilidade. Quanto à solidez da moral e da piedade, deve dizer-se o mesmo62. A proa e a popa da nossa Didáctica será investigar e descobrir o mé- todo segundo o qual os professores ensinem menos e os estudantes aprendam mais; nas escolas, haja menos barulho, menos enfado, me- nos trabalho inútil e mais sólido progresso; na Cristandade, haja menos trevas, menos confusão, menos dissídios, e mais luz, mais ordem, mais paz e mais tranquilidade63. As escolas são oficinas da humanidade64. Comênio tinha como um de seus princípios educacionais, “ensinar tudo a todos”65, começando desde bem cedo, já que é mais difícil reeducar o homem na vida adulta66. O Significado da Educação Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 25 PRESSUPOSTOS: DETERMINANTES DE NOSSA PERCEPÇÃO E COMPORTAMENTO Há uma relação indissolúvel entre comportamento e o que você crê. Quando sabemos no que cremos, as decisões tornam-se mais fáceis. No entanto, uma das questões difíceis de responder é: no que você crê? A resposta a essa ques- tão revelará uma série de pressupostos – conceitos implícitos em sua fala –, muitos dos quais, talvez, jamais tenham ocorrido, pelo menos de forma teó- rica, ao entrevistado. É possível que, sem percebermos, o nosso pensamento revele uma série de inconsistências e, até mesmo, excludências. O fato é que nossos conceitos, explícitos ou não, terminarão por se juntar a outros e, deste modo, sem consciência, vamos aos poucos formando uma maneira de ver o mundo67 e, conseguintemente, de avaliá-lo. Escreve Cheung: De fato, se pensarmos profundamente o suficiente, perceberemos que cada proposição simples que falamos ou cada ação que realiza- mos pressupõe uma série de princípios últimos inter-relacionados pelos quais percebemos e respondemos à realidade. Essa é nossa cosmovisão66. Essa percepção determinará, de forma intensa, o nosso comportamento na sociedade em que vivemos, tendo implicações em todas as esferas de nossa existência. A epistemologia antecede à lógica e esta, por mais coerente que seja, se partir de uma premissa equivocada, nos conduzirá a conclusões erradas e, portanto, a uma ética com fundamentos duvidosos e inconsistentes. “Uma cosmovisão contém as respostas de uma dada pessoa às questões principais da vida, quase todas com significante conteúdo filosófico. É a infraestrutura conceitual, padrões ou arranjos das crenças dessa pessoa”69. Ainda que não pretendamos ser exaustivos, podemos, inspirando-nos em Nash (1936-2006)70, dizer que a nossa cosmovisão é constituída por um conjunto de crenças que estabelecem, essencialmente, a sua distinção de outras cosmovi- sões ainda que haja no cerne de cada cosmovisão diferenças importantes, mas que não são excludentes. Vejamos algumas dessas crenças: SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO E BASES DA EDUCAÇÃO CRISTÃ Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E26 a) Deus: ainda que o nome de Deus nem sempre apareça em nossas dis- cussões, a fé em Deus envolvendo, obviamente, o conceito que temos Dele é ponto capital em qualquer cosmovisão. Deus existe? Ele se con- funde com a matéria? Há um só Deus? Ele age? É soberano? É um ser pessoal? As respostas que dermos a essas questões são cruciais para identificar a nossa cosmovisão. b) Metafísica: trata da existência e da natureza e a qualidade daquilo que é conhecido. A nossa cosmovisão determinará um tipo de compreensão de questões, tais como: todos os homens têm a mesma essência? Todo evento deve ter uma causa? Há realidade além daquilo que podemos ver? Existe um mundo espiritual? Há um propósito para o universo? Qual a relação entre Deus e o universo? c) Epistemologia: é o estudo das questões relacionadas aos problemas filosó- ficos do conhecimento. O seu objetivo é conhecer, interpretar e descrever filosoficamente os princípios essenciais que conduzem ao conhecimento científico ou, em outras palavras, “estudar a gênese e a estrutura dos conhe- cimentos científicos”71. A Epistemologia trata de questões, tais como: como conhecemos alguma coisa? É possível um conhecimento certo a respeito de alguma coisa? Os sentidos nos dão um conhecimento certo a respeito dos objetos sensíveis? Nossas percepções dos objetos sensíveis são idên- ticas a esses objetos? Qual a relação entre o intelecto e a matéria? Qual a relação entre a razão e a fé? Podemos conhecer algo sobre Deus? É o método científico o melhor método para o conhecimento? d) Ética: Lalande (1867-1963), interpretando determinada compreensão, define ética como o “Conjunto das regras de conduta admitidas numa época ou por um grupo social”72. A Ética filosófica analisa a vida virtuosa no seu valor último, e a propriedade de certas ações e estilos de vida. Ela se refere à conduta humana, às normas e princípios a que todo o homem deve ajustar seu comportamento nas relações com seus semelhantes e consigo mesmo. O filósofo moral não é apenas um cientista teórico envolvido em especu- lações abstratas, ele é alguém comprometido com a realidade, buscando soluções para os problemas práticos que nos cercam e que deram origem à pesquisa. A sua preocupação não se limita à ação certa, mas ao princí- pio que a justifica. Perguntas comuns a esta disciplina: é justo falsificar a O Significado da Educação Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 27 declaração de imposto de renda? O aborto é correto? E financiar institui- ções que, em suas pesquisas, contemplem a prática do aborto? É viável a pena de morte? A eutanásia? Há um padrão absoluto de moral ou ele é relativo a épocas, culturas e pessoas? A moralidade transcende ao lugar, época e cultura? Como distinguir o bem do mal? e) Antropologia: o conceito que temos a respeito do homem revela aspectos de nossa cosmovisão. O ser humano é apenas matéria? De que forma a morte determina o fim de nossa existência? Existe algum tipo de recom- pensa ou punição após a morte? A alma é imortal? O homem é um ser livre ou determinado por forças deterministas? Qual o propósito da vida? f) História: “A Filosofia da história é a reflexão crítica acerca da ciência his- tórica e inclui tanto elementos analíticos quantoespeculativos”73. Ela parte do princípio de que o homem é uma síntese entre o passado e o presente, tendo as suas decisões atuais relação direta com as suas experiências pre- téritas, daí algumas perguntas: o alvo da explicação histórica é predição ou meramente entendimento? Visto que escrever a história envolve seleção de material pelo historiador, um documento histórico pode ser conside- rado objetivo? A História é linear74 ou cíclica?75 Existe alguma finalidade ou um padrão que confira sentido à História? Nash parece-nos correto em sua observação: “A obtenção de maior consciência de nossa cosmovisão pessoal é uma das coisas mais importantes que podemos fazer, e compreender a cosmovisão de outros é algo essencial para o entendi- mento que os torna distintos”76. As nossas ênfases revelam não simplesmente os nossos pensamentos e valo- res, mas também aspectos da realidade como os percebemos. Como sabemos, todos trabalham com os seus pressupostos77, explícitos ou não, consistentes ou não, plenamente conscientes deles ou apenas parcialmente78. Os pressupostos se constituem na janela (quadro de referência) por meio da qual vejo a realidade; o difícil é identificar a nossa janela, ainda que sem ela nada enxerguemos79. Assim, falar sobre a nossa cosmovisão80, além de ser difícil verbalizá-la, é paradoxal- mente desnecessário. Parece que há um pacto involuntário de silêncio que aponta para um suposto conhecimento comum: todos sabemos a nossa cosmovisão. SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO E BASES DA EDUCAÇÃO CRISTÃ Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E28 Deste modo, só falamos, se falamos e quando falamos de nossa cosmovisão é para os outros, os estranhos, não iniciados em nossa forma de pensar. Sire resume bem isso: Uma cosmovisão é composta de um conjunto de pressuposições básicas, mais ou menos consistentes umas com as outras, mais ou menos ver- dadeiras. Em geral, não costumam ser questionadas por nós mesmos, raramente ou nunca são mencionadas por nossos amigos, e são apenas lembradas quando somos desafiados por um estrangeiro de outro uni- verso ideológico81. O conhecimento, seja em que nível for, não ocorre num vácuo asséptico concei- tual, quer seja religioso, quer filosófico, quer cultural82. A nossa percepção e ação fundamentam-se em nossos pressupostos, os quais sãos reforçados, transforma- dos, lapidados ou abandonados em prol de outros, conforme a nossa percepção dos “fatos”. A questão epistemológica antecede a práxis. Nash parece-nos oportuno aqui: Cosmovisões deveriam não apenas ser testadas em uma aula de filoso- fia, mas também no laboratório da vida. Uma coisa é uma cosmovisão passar no teste teórico (razão e experiência); outra é passar no teste prático. As pessoas que professam uma cosmovisão podem viver con- sistentemente em harmonia com o sistema que professam? Ou desco- briremos que elas foram forçadas a viver segundo crenças emprestadas de sistemas concorrentes? Tal descoberta, eu acho, deveria produzir mais do que embaraço83. A nossa chave epistemológica é a Escritura, portanto, a nossa cosmovisão, par- tindo de uma perspectiva assim, nos conduzirá naturalmente de volta a Deus84. A Educação Cristã, por exemplo, fundamentando-se nas Escrituras, oferece-nos um escopo do que Deus deseja de nós e nos fala qual o propósito de nossa exis- tência em todas as suas esferas85. A Educação Cristã Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 29 A EDUCAÇÃO CRISTÃ Eis a razão por que a Igreja é chamada a mãe dos crentes. E, indubita- velmente, aquele que se recusa ser filho da Igreja debalde deseja ter a Deus como seu Pai. Pois é somente através do ministério da Igreja que Deus gera filhos para si e os educa até que atravessem a adolescência e alcancem a maturidade – João Calvino86. É fundamental que entendamos que a Educação Cristã não é um gueto educa- cional ou, para falar de modo mais polido: uma visão de educação entre tantas outras. Entendemos que a Educação Cristã começa por Deus. É Ele quem pres- creve o que deseja que saibamos e nos ensina por meio de Sua Palavra, a fim de vivermos, por graça, à altura do privilégio de nossa filiação. O padrão de Deus é Ele mesmo, ou seja, a perfeição. O modelo que Deus tem para nós é o do próprio Filho. Ele tem um propósito glorioso para os Seus filhos. É o Espírito Quem nos conduz à conformidade da imagem de Cristo, que é o nosso modelo por excelência, a meta definitiva de todo povo de Deus. Pela direção do Espírito somos educados a viver como filhos87. A Educação cristã é justamente isto, sermos moldados, conduzidos à maturidade perfeita existente unicamente em Cristo Jesus88. SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO E BASES DA EDUCAÇÃO CRISTÃ Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E30 Paulo, discorrendo sobre o propósito glorioso de Deus para nós, envolvendo a ação graciosa do Deus Triúno, esboça a trajetória dos atos de Deus para conosco remontando à eternidade: “Aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8.29). Este é o sentido da santidade! “A santificação significa sermos feitos semelhantes ao Senhor Jesus Cristo, e, portanto, todos os que estão sendo santificados devem ter uma similaridade fundamental, pois todos estão se tornando cada vez mais semelhantes a Ele”89. DEUS, O MESTRE PERFEITO De acordo com Costa (2010), a Bíblia nos apresenta um Deus dono do saber e que não precisou ser ensinado, afinal não há conhecimento que não proceda d’Ele. Vemos, por meio das Escrituras, em Isaías 40.13-14: Quem guiou o Espírito do SENHOR? Ou, como seu conselheiro, o en- sinou? Com quem tomou ele conselho (#[y) (ya’ats), para que lhe desse compreensão? Quem o instruiu (dml)(lâmad) na vereda do juízo, e lhe ensinou (dml)(lâmad) sabedoria (t[d) (da’ath), e lhe mostrou o caminho de entendimento?. Na Bíblia, vemos que Deus é retratado como um professor, como podemos con- ferir em textos bíblicos, como estes: Ex 4.15; Ex 31.2-6; 35.31-35; Sl 25.4. Neles, podemos perceber Deus ensinando a Moisés a anunciar sua palavra; o Espírito Santo capacitando Bezalel e Aolidade nos dons artísticos; e o salmista pedindo que Deus o ensine sobre seus decretos (COSTA, 2010). O reformador João Calvino compara a necessidade humana do ensino do Senhor como a de Davi (1844-1856): Se Davi, porém, profeta tão distinto e dotado de uma sabedoria tão inu- sitada, era carente de instrução, o que será de nós se, em nossas aflições, Deus não dispersar de nossas mentes aquelas nuvens de escuridade que nos impedem de contemplar sua luz?90. E por falar em Davi, ele é um bom exemplo de quem busca as lições do Senhor. Como demonstra Costa (2010, p. 3), Deus: A Educação Cristã Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 31 1) Aponta (hry)(yârâh) o caminho que devemos seguir: “Bom e reto é o SENHOR, por isso, aponta o caminho aos pecadores” (Sl 25.8). 2) Guia ($rdּ)(dârak) os humildes na justiça: “Guia os humildes na justiça....” (Sl 25.9). “Guia-me na tua verdade e ensina-me, pois tu és o Deus da minha salvação, em quem eu espero todo o dia” (Sl 25.5). 3) Ensina (dml)(lâmad) aos mansos o seu caminho: “Guia os humildes na justiça e ensina aos mansos o seu caminho” (Sl 25.9). 4) Instrui (hry)(yârâh) aos que O temem, no caminho que devem escolher: “Ao homem que teme ao SENHOR, ele o instruirá no caminho que deve escolher” (Sl 25.12). Para Costa (2010), a própria atitude de obediência a Deus é fruto da sua ação pedagógica: “Agora, pois, ó Israel, ouve os estatutos e os juízos que eu vos ensino (dml)(lâmad), para os cumprirdes, para que vivais, e entreis, e possu- ais a terraque o SENHOR, Deus de vossos pais, vos dá” (Dt 4.1). Do mesmo modo: Dt 4.5,14; 5.1,31; 6.1). Deus é um mestre tão criativo que, inclusive, fez uso da música para ensi- nar sua Lei ao povo de Israel: Escrevei para vós outros este cântico e ensinai-o (dml)(lâmad) aos filhos de Israel; ponde-o na sua boca, para que este cântico me seja por tes- temunha contra os filhos de Israel. Como resultado, o próprio Moisés compôs um cântico e o ensinou (dml)(lâmad) aos filhos de Israel (Dt 31.19,22/Dt 32.1-47) (COSTA, 2010). A paciência de Deus em ensinar seu povo pode ser exemplificada no ministério profético de Isaías (c. 740 a.C.), como relata Costa (2010, p. 6-7): Deus mostra por intermédio de Isaías, que apesar da desobediên- cia de Israel em atender à mensagem, Deus enviará mestres que instruirão o povo (Is 30.20-31)91. As nações virão a Jerusalém para que Deus as ensine (Is 2.3)92. O Servo do Senhor que virá, possui a língua e os ouvidos de erudito (Is 50.4)93. Os genuínos filhos de Israel vivem na gloriosa esperança aguardando com alegria a era messiânica, quando todos serão ensinados pelo Senhor: “Todos os teus filhos serão ensinados (dwmml) (limmûd) do SENHOR; e será grande a paz de teus filhos” (Is 54.13). Por isso, o homem que na presente condição é ensinado por Deus é considerado bem-aven- turado: “Bem-aventurado o homem, SENHOR, a quem tu repre- endes, a quem ensinas (dml)(lâmad) a tua lei” (Sl 94.12). Portanto, devemos suplicar pelo ensino de Deus: “Bendito és tu, SENHOR; SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO E BASES DA EDUCAÇÃO CRISTÃ Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E32 ensina-me (dml)(lâmad) os teus preceitos” (Sl 119.12). “Eu te expus os meus caminhos, e tu me valeste; ensina-me (dml)(lâmad) os teus decretos” (Sl 119.26). (Do mesmo modo: Sl 119.64, 66, 68, 73, 108, 124, 135; 143.10). De acordo com Costa (2010), a educação que tem Deus como fonte não é ape- nas uma opção correta, mas um fundamento para toda a vida. É Deus quem diz: “Assim diz o SENHOR, o teu Redentor, o Santo de Israel: Eu sou o SENHOR, o teu Deus, que te ensina (dml)(lâmad) o que é útil e te guia pelo caminho em que deves andar” (Is 48.17). E este ensino é útil para todas as faixas etárias: “Tu me tens ensinado (dml)(lâmad), ó Deus, desde a minha mocidade; e até agora tenho anunciado as tuas maravilhas” (Sl 71.17). O MÉTODO DE DEUS E A SUA EFICÁCIA “Não sejais como o cavalo ou a mula, sem entendimento (!yb) (bîyn), os quais com freios e cabrestos são dominados; de outra sorte não te obedecem” (Sl 32.9). Se o conhecimento pertence a Deus, e Ele, como mestre por excelência, con- cede ao ser humano a capacidade de apreender esse conhecimento, podemos afirmar, também, que Deus cria e aplica meios eficazes para que essa relação edu- cativa tenha efeito sobre o mundo criado. Veremos, a seguir, alguns dos aspectos desse “método de Deus”. O Entendimento Proposto Por Deus Uma das coisas maravilhosas que Deus concedeu ao ser humano de forma bas- tante especial é a capacidade de autoconsciência, perceber a realidade, permitindo, assim, interpretar e organizar as sensações.94 Sem essa capacidade, teríamos ape- nas noção da cor verde ou amarela, perfume suave ou intenso, som fraco ou forte; contudo, não teríamos as condições de identificar determinado objeto, como por exemplo: cor de uma laranja, perfume de uma rosa, som de um vio- lino etc. Enquanto os órgãos sensoriais (paladar, olfato, tato, audição e visão) nos fornecem qualidades de sensação, a nossa percepção organiza sínteses mentais. A Educação Cristã Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 33 Aliada à percepção, temos a capacidade de discernir as coisas, o que nos permite separar, distinguir, discriminar. Chamamos isso de discernimento. A definição é um instrumento ideal para isso. Definir, segundo o sentido eti- mológico95 é delimitar. A definição procura determinar a compreensão da ideia, circunscrevendo a sua abrangência, indicando todos os seus elementos constitu- tivos. Como todo conceito possui um conteúdo, a definição nada mais é do que a determinação da natureza desse conteúdo96. A definição se propõe a nos fazer ver com maior clareza o objeto analisado, o assunto do qual tratamos. A “indefinição” acarreta uma série de omissões e equívocos97, justamente por não termos claro diante de nós o objeto do qual estamos tratando ou em que sentido nos aproximamos de cada ideia98. Algo natural ao ser humano é o desejo de entender para poder discernir a realidade, interpretando o mundo à sua volta e as situações às quais todos estamos sujeitos. As Escrituras nos falam sobre isso. Há até o lugar para preceitos que envolva o discernimento em nossa etiqueta: “Quando te assentares a comer com um governa- dor, atenta bem99 (!yb)ּ (bîyn) para aquele que está diante de ti” (Pv 23.1). Isto é, dê atenção ao governador que está diante de ti, não simplesmente à comida servida. Salomão designa de inteligente o homem com discernimento que busca a sabedoria: “A sabedoria é o alvo do inteligente (!ybּ) (bîyn), mas os olhos do insen- sato vagam pelas extremidades da terra” (Pv 17.24). O homem inteligente não se perde em distrações sem foco, sem objetivo, antes, concentra seus esforços em alcançar a sabedoria – a capacidade de utilizar bem os recursos de que dispõe –, mantendo-a diante de seus olhos. O insensato se perde em suas divagações achando, inclusive, que pode comprar a sabedoria (Pv 17.16)100. Ele também afirma que sabedoria consiste em discernir o nosso caminho: “A sabedoria do prudente é entender (!ybּ) (bîyn) o seu próprio caminho, mas a estul- tícia dos insensatos é enganadora” (Pv 14.8). Aplicando esse princípio ao campo espiritual, podemos ilustrar com Jó, que não conseguindo discernir o seu suposto pecado, pede a Deus que o faça compreender o seu erro: “Ensinai-me, e eu me calarei; dai-me a entender (!ybּ) (bîyn) em que tenho errado” (Jó 6.24). Continua: “Há iniquidade na minha língua? Não pode o meu paladar discernir (!ybּ) (bîyn) coisas perniciosas?” (Jó 6.30). SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO E BASES DA EDUCAÇÃO CRISTÃ Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E34 No Salmo 32.9, Deus usa figuras fortes para falar da obtusidade daqueles que não atentam para a Sua instrução: “Não sejais como o cavalo101 ou a mula (drp) (pered)102, sem entendimento (!ybּ) (bîyn), os quais com freios e cabrestos são domi- nados; de outra sorte não te obedecem” (Sl 32.9). Por meio de outra analogia, Deus recorre à figura de outros animais para falar da ignorância culposa do povo. Referindo-se a Israel, diz: “O boi conhece o seu pos- suidor, e o jumento (rwmx) (chămôr), o dono da sua manjedoura; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende (!ybּ) (bîyn)” (Is 1.3). Ele toma dois animais difíceis de trato: o boi e o jumento. Mostra que a obtusidade, a teimosia e a difi- culdade de condução destes animais dão-se pela sua própria natureza; no entanto, assim mesmo, eles sabem reconhecer os seus donos, aqueles que lhes alimentam. O homem, por sua vez, como coroa da criação, cedendo ao pecado perdeu total- mente o seu discernimento espiritual; já não reconhecemos nem mesmo o nosso Criador; antes,voltamos-lhe as costas e prosseguimos em outra direção103. Deus deseja que Lhe obedeçamos voluntariamente com entendimento; aliás, a nossa obediência é resultante de nosso discernimento espiritual (Sl 32.9)104. O discernimento que Deus deseja que tenhamos nada tem a ver com a glória humana. O salmista resume esta verdade: “O homem, revestido de honrarias, mas sem entendimento (!ybּ) (bîyn), é, antes, como os animais, que perecem” (Sl 49.20). Porém, o que significa “entendimento”, no texto que estamos analisando? O verbo (!ybּ) (bîyn)105 apresenta a ideia de um entendimento, fruto de umaobservação demorada, que nos permite discernir para interpretar com sabedo- ria e conduzir os nossos atos106. “O verbo se refere ao conhecimento superior à mera reunião de dados. [...] Bîn é uma capacidade de captação julgadora e per- ceptiva e é demonstrada no uso do conhecimento”107. O ENSINO SISTEMÁTICO DA LEI Uma vez que a lei escrita era superior ao rei em Israel, o rei jamais poderia tornar-se um deus ou um inovador religioso. Seu direito de governar estava subordinado à lei – John E. Hartley108. A Educação Cristã Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 35 Uma das grandes ênfases das Escrituras diz respeito à educação do povo de Deus. Ele fala insistentemente com o povo para que preserve a Sua Palavra, guardan- do-a (praticando) e ensinando aos seus descendentes. O método estabelecido por Deus, que perpassa a todos os outros, é o da “repetição” ( }n$ = “repetir”) (Shãnâ) (Dt 6.6ss). Não deixa de ser elucidativo, que o Shemá109 (“ouve”), o “credo judeu”110 – que consistia na leitura de Dt 6.4-9; 11.13-21 e Nm 15.37-41 – fosse repetido três vezes ao dia111. Jones entende corretamente a importância da repe- tição, quando diz: “A quintessência do bom ensinar é a repetição”112. A Lei de Deus envolvia toda a vida do educando; todas as suas necessidades e para sem- pre; desde a juventude até a velhice: “do berço à sepultura”. A instrução iniciava com a afirmação de que há somente um Deus: “Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR” (Dt 6.4). No Novo Testamento, Paulo instrui aos efésios: “Há somente um corpo e um Espírito, como também fos- tes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos” (Ef 4.4-6/Tg 2.19). Toda a educação cristã começa pela unicidade e essencialidade de Deus. Há somente um Deus; esse fato deve ser repetido e assimilado pelos educandos. Um princípio importante que está prescrito na Palavra é que a revelação de Deus nos foi confiada para que a conheçamos e a pratiquemos (Dt 29.29). Saber sem praticar não é saber. Deus provê os princípios, os meios e os fins. Ele mesmo, que Se dignou em nos dar a Sua Palavra, tem propósitos definidos e meios esta- belecidos para que a Sua vontade se cumpra. Ensino e aprendizado no Antigo Testamento não envolviam somente a comunicação de informação, mas também instrução na vontade de Deus e o entendimento de como viver. O professor ensinava o povo a obedecer aos mandamentos de Deus, não simplesmente a conhecê-los113. A educação judaica tem como quadro de referência a Lei, por meio da qual o povo, conforme orientação divina, é instruído a interpretar a realidade e atuar com valores definidos pelo próprio Deus. “Aprender a Lei de Deus não era algo divorciado da vida, mas antes algo que controlaria toda a vida”114. A educação se evidenciava nos aprendizes pela obediência à Lei de Deus em resposta ao SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO E BASES DA EDUCAÇÃO CRISTÃ Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E36 Seu amor. O ensino deveria ser praticado, obedecido. Esta orientação era trans- mitida repetidamente: “Também o SENHOR me ordenou, ao mesmo tempo, que vos ensinasse estatutos e juízos, para que os cumprísseis na terra a qual passais a possuir” (Dt 4.14). “Estes, pois, são os mandamentos, os estatutos e os juízos que mandou o SENHOR, teu Deus, se te ensinassem, para que os cumprisses na terra a que passas para a possuir” (Dt 6.1). O ensino deveria ser pelo exemplo e pela palavra; os mestres devem ser o exemplo vivo do que ensinam, contudo, também precisam transmitir de forma verbal o conteúdo. Não é à toa que a palavra obediência, no grego, está associada ao ouvir115. A Lei deveria estar no coração do povo: “Pois esta palavra está mui perto de ti, na tua boca e no teu coração, para a cumprires” (Dt 30.14). Daí o desejo sincero dos servos de Deus de aprenderem os Seus mandamentos, ou seja, de aprende- rem a praticar a Palavra: 7 Render-te-ei graças com integridade de coração, quando tiver aprendi- do os teus retos juízos.8 Cumprirei os teus decretos; não me desampares jamais. [...]71 Foi-me bom ter eu passado pela aflição, para que apren- desse os teus decretos. [...]73 As tuas mãos me fizeram e me afeiçoaram; ensina-me para que aprenda os teus mandamentos (Sl 119.7,8,71,73). Lloyd-Jones comenta: Vocês não guardarão realmente a Palavra se não a obedecerem. É uma palavra que não pode ser guardada só em seu intelecto; também tem que ser colocada em seu coração e em sua vontade. O homem que guar- da a Palavra de Deus é o homem cuja personalidade a está guardando, o homem que medita e se regozija nela e cujo coração se inflama por ela, e assim ele a obedece116. A Família como Base da Educação No Antigo Testamento, vemos a educação sendo amplamente praticada dentro do lar, sendo os mestres os próprios pais, os quais deveriam lembrar os man- damentos de Deus, transmitindo aos seus filhos uma herança repleta de valores morais (Gn 18.19; Ex 10.2; 12.26; 13.8; Dt 4.9-10; 6.20-21; 11.19; 32.7)117. A Educação Cristã Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 37 A família sempre desempenhou um papel fundamental dentro da educação judaica, sendo extremamente preventiva e orientadora. Mesmo dentro de um processo evo- lutivo, a educação familiar jamais foi substituída ou preterida. A educação dos filhos era algo prioritário e constante, considerando, em seu currículo, conforme vimos, os grandes feitos de Deus na história. Os filhos não foram testemunhas daqueles grandes eventos; contudo, aprenderiam por meio de seus pais aqueles fatos e o seu significado, realçando a aliança e o amor de Deus para com o Seu povo. Na instituição da Páscoa, Deus já os instrui a respeito do que aconteceria e como os pais deveriam ensinar seus filhos: Guardai, pois, isto por estatuto para vós outros e para vossos filhos, para sempre. E, uma vez dentro na terra que o SENHOR vos dará, como tem dito, observai este rito. Quando vossos filhos vos perguntarem: Que rito é este? Respondereis: É o sacrifício da Páscoa ao SENHOR, que passou por cima das casas dos filhos de Israel no Egito, quando feriu os egípcios e livrou as nossas casas. Então, o povo se inclinou e adorou” (Ex 12.24-27). Notemos que a educação judaica tinha como elemento de extrema relevância as perguntas, que certamente eram estimuladas, feitas pelos filhos aos pais ou aos sacerdotes: ■ “Quando vossos filhos vos perguntarem: Que rito é este? Respondereis [...]” (Ex 12.26); ■ “Naquele mesmo dia, contarás a teu filho, dizendo [...]” (Ex 13.8); ■ “Quando teu filho amanhã te perguntar: Que é isso? Responder-lhe-ás [...]” (Ex 13.14); ■ “Quando teu filho, no futuro, te perguntar, dizendo: Que significam os tes- temunhos, e estatutos, e juízos que o SENHOR, nosso Deus, vos ordenou? Então, dirás a teu filho [...]” (Dt 6.20,21); ■ “Passai adiante da arca do SENHOR, vosso Deus, ao meio do Jordão; e cada um levante sobre o ombro uma pedra, segundo o número das tribos dos filhos de Israel, para que isto seja por sinal entre vós; e, quando vossos filhos, no futuro, perguntarem, dizendo: Que vos significam estas pedras? então, lhes direis […]” (Js 4.5-6); ■ “As doze pedras que tiraram do Jordão, levantou-as Josué em coluna em Gilgal. E disse aos filhos de Israel: Quando, no futuro, vossos filhos per- guntarem a seus pais, dizendo: Que significam estas pedras?, fareis saber a vossos filhos, dizendo […]” (Js 4.20-21). SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO E BASES DA EDUCAÇÃO CRISTÃ Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E38 Antes de entrar na Terra Prometida, o povo é exortado porDeus por intermé- dio de Moisés, a considerar os ensinamentos de Deus transmitindo-os, também, aos seus filhos: Tão-somente guarda-te a ti mesmo e guarda bem a tua alma, que te não esqueças daquelas coisas que os teus olhos têm visto, e se não apartem do teu coração (bbl) (lêbâb) todos os dias da tua vida, e as farás saber a teus filhos e aos filhos de teus filhos. Não te esqueças do dia em que estiveste perante o SENHOR, teu Deus, em Horebe, quando o SENHOR me disse: Reúne este povo, e os farei ouvir as minhas palavras, a fim de que aprenda (dml) (lâmad) a temer-me todos os dias que na terra viver e as ensinará (dml)(lâmad) a seus filhos (Dt 4.9-10). A cada sete anos, durante a festa dos tabernáculos, a Lei deveria ser lida diante de todo povo para que aprendesse a temer ao Senhor: Ajuntai o povo, os homens, as mulheres, os meninos e o estrangeiro que está dentro da vossa cidade, para que ouçam, e aprendam (dml)(lâmad), e temam o SENHOR, vosso Deus, e cuidem de cumprir todas as palavras desta lei; para que seus filhos que não a souberem ouçam e aprendam (dml)(lâmad) a temer o SENHOR, vosso Deus, todos os dias que viverdes sobre a terra à qual ides, passando o Jordão, para a possuir (Dt 31.12-13). Deus orienta aos pais a usarem de vários meios – audível e visual –, de circuns- tâncias diferentes, de modo formal e informal – sentado, andando, à noite, pela manhã – para ensinar seus filhos a Lei, a fim de que não se esqueçam de Deus, nem de Seus atos soberanos na história. Notemos, contudo, que a Lei deveria estar primeiramente no coração dos pais; somente assim, eles poderiam cumprir com naturalidade a sua missão educativa. O ensino, as lições, as admoestações e apli- cações seriam naturais, decorrentes de um coração dominado pela Lei do Senhor. Os que amam a Deus guardam no coração a Sua Palavra (Sl 119.11): Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR. Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração (bbl) (lêbâb), de toda a tua alma e de toda a tua força. Estas palavras que, hoje, te ordeno es- tarão no teu coração (bbl) (lêbâb); tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te. Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos. E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas. Havendo-te, pois, o SENHOR, teu Deus, introduzido na terra A Educação Cristã Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 39 que, sob juramento, prometeu a teus pais, Abraão, Isaque e Jacó, te daria, grandes e boas cidades, que tu não edificaste; e casas cheias de tudo o que é bom, casas que não encheste; e poços abertos, que não abriste; vinhais e olivais, que não plantaste; e, quando comeres e te fartares, guarda-te, para que não esqueças o SENHOR, que te tirou da terra do Egito, da casa da servidão (Dt 6.4-12). “Ensinai-as (dml)(lâmad) a vossos filhos, falando delas assentados em vossa casa, e andando pelo caminho, e deitando-vos, e levantando-vos” (Dt 11.19). Primitivamente, os pais eram os professores responsáveis pela educação com- pleta de seus filhos (Pv 22.6). Posteriormente, encontramos exemplos de amas e guardiãs que cuidavam da educação de crianças. Moisés, achando pesada demais a carga de conduzir o povo de Israel, usa de uma analogia que revela a existên- cia de amas: “Concebi eu, porventura, todo este povo? Dei-o eu à luz, para que me digas: Leva-o ao teu colo, como a ama leva a criança que mama, à terra que, sob juramento, prometeste a seus pais?” (Nm 11.12). O avô de Davi, Obede, filho de Boaz e Rute, foi educado por Noemi que, ao que parece, o adotou: “Noemi tomou o menino, e o pôs no regaço, e entrou a cui- dar dele. As vizinhas lhe deram nome, dizendo: A Noemi nasceu um filho. E lhe chamaram Obede. Este é o pai de Jessé, pai de Davi” (Rt 4.16-17). Há evidências de que entre os nobres era comum a adoção de amas e tuto- res. O filho de Jônatas, Mefibosete, tinha uma ama: Jônatas, filho de Saul, tinha um filho aleijado dos pés. Era da idade de cinco anos quando de Jezreel chegaram as notícias da morte de Saul e de Jônatas; então, sua ama o tomou e fugiu; sucedeu que, apressando-se ela a fugir, ele caiu e ficou manco. Seu nome era Mefibosete (2Sm 4.4). “Jônatas, tio de Davi, era do conselho, homem sábio e escriba; Jeiel, filho de Hacmoni, atendia os filhos do rei” (1Cr 27.32). (Ver também: 2Rs 10.5; Is 49.23). O salmista Davi, depois de grande prova e livramento, escreve: “Vinde, filhos, e escutai-me; eu vos ensinarei (dml)(lâmad) o temor do SENHOR” (Sl 34.11). Restaurado por Deus após ter pecado, confessado e se arrependido, Davi propõe-se a ensinar o caminho de Deus: “Então, ensinarei (dml) (lâmad) aos transgressores os teus caminhos, e os pecadores se converterão a ti” (Sl 51.13). SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO E BASES DA EDUCAÇÃO CRISTÃ Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E40 Os Sacerdotes e Profetas como Mestres Nenhum sistema educacional está acima do povo que trabalha nele. Se os mestres não temem ao Senhor e não se alegram nele, o melhor de todos os sistemas educacionais falhará – Perry G. Downs118. A autoridade do sacerdote e do profeta como mestres era decorrente da Palavra de Deus. O ensino deveria ser avaliado pelo seu conteúdo, não simplesmente pela autoridade supostamente inerente de quem falava. A sua mensagem pode- ria variar em estilo e método – afinal, eles não eram robôs119 –, contudo, a sua origem era sempre divina: Deus é o autor e o conteúdo da mensagem. Por isso, Deus admoesta o povo quanto aos falsos profetas que, na sua louca falsidade ideológica, traziam mensagens que brotavam de seus corações e mentes peca- minosos, visando afastar o povo de sua comunhão: Quando profeta ou sonhador se levantar no meio de ti e te anunciar um sinal ou prodígio, 2 e suceder o tal sinal ou prodígio de que te houver falado, e disser: Vamos após outros deuses, que não conheceste, e sirva- mo-los, 3 não ouvirás as palavras desse profeta ou sonhador; porquanto o SENHOR, vosso Deus, vos prova, para saber se amais o SENHOR, vosso Deus, de todo o vosso coração e de toda a vossa alma. 4 Andareis após o SENHOR, vosso Deus, e a ele temereis; guardareis os seus mandamentos, ouvireis a sua voz, a ele servireis e a ele vos achegareis. 5 Esse profeta ou sonhador será morto, pois pregou rebeldia contra o SENHOR, vosso Deus, que vos tirou da terra do Egito e vos resgatou da casa da servidão, para vos apartar do caminho que vos ordenou o SENHOR, vosso Deus, para andardes nele. Assim, eliminarás o mal do meio de ti (Dt 13.1-5). Entre os judeus, as crianças cresciam e amadureciam, participando da vida de sua família, enquanto que as escolas somente surgiram no primeiro sé- culo antes de Cristo. Os meninos eram considerados adultos a partir dos treze e as meninas a partir dos doze anos de idade. Depois desta idade tinham de cumprir com todas as obrigações de qualquer israelita adulto. Fonte: Weber (1986). A Educação Cristã Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 41 Curiosamente, o hebraico bíblico não conhece a palavra “aprendiz” no que se refere à relação mestre-aluno. A razão é simples: O que o israelita individual tem que aprender a respeito da vontade de Deus não o transforma em ‘aluno’ diante do seu ‘mestre’. Isto porque, mesmo como aprendiz, o indivíduo sempre permanece uma parte do povo escolhido, entre o qual cada indivíduo descobre na Palavra divina a autoridade dAquele que o elegeu. Isto exclui qualquer possibilidade de um relacionamento discípulo-mestre entre os homens, pois até o sacerdote e o profeta ensinam com sua própria autoridade120. Nós somos, portanto, discípulo do Senhor, Aquele que nostorna erudito (Is 8.16/Is 50.4)121. Josué, diante da grande responsabilidade de suceder a Moisés, ouve deste a palavra de Deus, diante de todo o povo: Sê forte e corajoso; porque com este povo entrarás na terra que o Senhor, sob juramento, prometeu dar a teus pais; e tu os farás herdá-la. O Senhor é quem irá adiante de ti: ele será contigo, não te deixará, nem te desam- parará; não temas, nem te atemorizes (Dt 31.7-8). Posteriormente, após a morte de Moisés, Deus repete essas palavras a Josué. Lembremo-nos que Josué sabia das dificuldades que encontraria; afinal, ele labu- tou com Moisés durante toda a caminhada de quarenta anos no deserto, viu toda aquela geração que partiu do Egito – com mais de vinte anos – morrer no deserto devido à sua própria desobediência. Como bem sabemos, de todos os que saíram do Egito, apenas Josué e Calebe entraram na terra prometida. Josué conhecia o seu povo e, por certo, tinha em mente que a sua jornada não seria nada fácil, tendo como uma de suas primeiras missões, dentro de três dias, atravessar o rio Jordão (Js 1.11) e, em breve, conquis- tar a cidade de Jericó. No momento em que ele assumiu a liderança, Deus lhe diz: Tão-somente sê forte e mui corajoso, para teres o cuidado de fazer segun- do toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; dela não te desvies, nem para a direita nem para a esquerda, para que sejas bem sucedido por onde quer que andares. Não cesses de falar deste livro da lei; antes medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo a tudo quanto nele está escrito; então farás prosperar o teu caminho e serás bem suce- dido. Não to mandei eu? Sê forte e corajoso; não temas, nem te espantes, porque o Senhor teu Deus é contigo, por onde quer que andares (Js 1.7-9). SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO E BASES DA EDUCAÇÃO CRISTÃ Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E42 Sob a Palavra de Deus, Josué foi, e quando o povo se preparava para atravessar o rio Jordão, ele disse: “Santificai-vos, porque amanhã o Senhor fará maravilhas no meio de vós” (Js 3.5). Aqui está o exemplo de um homem que confiava na Palavra de Deus, tendo os seus pés firmados nela. Os princípios apresentados por Deus a Josué giram em torno da Sua Palavra: ■ Meditar no Livro da Lei; ■ Cumprir os seus preceitos; ■ Ensinar os seus mandamentos. O resultado disso, é que ele seria bem-sucedido no que realizasse. No âmbito nacional, vemos que Deus confiou, em especial, aos sacerdotes (levitas) a responsabilidade de ensinar a Lei122 – lendo-a periodicamente diante de todo o povo –, aplicando-a às necessidades de seus ouvintes (Lv 10.11; Dt 17.8- 11; 31.9-13/2Rs 12.2; 2Cr 35.3). Eles eram conhecidos como “os que tratavam da lei” (Jr 2.8). A fidelidade dos sacerdotes em cumprirem a sua missão servia, em geral, como “termômetro” para mensurar a situação espiritual do povo. Quando os sacerdotes se desviavam desse propósito, as consequências eram fatais. O cativeiro do Reino Norte (722 a.C.) está diretamente relacionado à igno- rância. Deus disse, por intermédio de Isaías: “[...] O meu povo será levado cativo, por falta de entendimento (t[d) (da’ath) [...]” (Is 5.13). (Vejam-se: 2Rs 17.13-16; Os 11.5-7). Nesse período, verificamos um grave e desolador problema na vida espiritual de Israel: os sacerdotes não ensinavam mais a Lei e o povo, ao longo dos anos, prosseguia em seu caminho de desobediência. Eles desprezaram o conhecimento de Deus e, por isso mesmo, também foram rejeitados por Deus: O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento (t[dּ)123 (da’ath). Porque tu, sacerdote, rejeitaste (sa;m’) (ma’as)124 o conhecimento (t[d) (da’ath), também eu te rejeitarei (sa;m’) (ma’as), para que não sejas sacerdote diante de mim; visto que te esqueceste da lei do teu Deus, tam- bém eu me esquecerei de teus filhos (Os 4.6). Deus, por meio de Oséias (c. 750-723)125, demonstra que o povo era a expressão viva do sacerdote, ainda que, ironicamente, por vezes, o povo o acusasse: “O teu povo é como os sacerdotes aos quais acusa [...] como é o povo, assim é o sacerdote” (Os 4.4,9)126. A Educação Cristã Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 43 Deus, em seu amor pactual e invencível, conclama o povo, por meio do profeta, ao arrependimento, a tornar-se para Ele127. Mais tarde (c. 440 a.C.), os sacerdotes continuam sendo acusados de não mais ensinarem Lei, e o povo, ao longo dos anos, prosseguia em seu caminho de desobediência. Os sacerdotes falhavam em sua função principal. Deus os adverte: “Porque os lábios do sacerdote devem guardar o conhecimento (ּt[d) (da’ath), e da sua boca devem os homens procurar a instrução, porque ele é mensageiro do SENHOR dos Exércitos” (Ml 2.7). Muitas vezes, os sacerdotes e profetas – estes que tinham a responsabili- dade de transmitir a revelação de Deus – foram infiéis para com Ele, ensinando por dinheiro, tornando-se mestres de mentiras (Is 9.14-15; Mq 3.11)128. Na rea- lidade, estes conheciam a lei, mas não a ensinavam nem a praticavam, antes, ela tornou-se um meio para o seu favorecimento pessoal, transmitindo uma men- sagem falsa (Ez 22.26,28; Sf 3.4)129. Em resumo, eles se esqueceram da lei de Deus (Os 4.6). Aqueles que assim procediam assemelhavam-se aos ídolos, que são mestres de mentiras: Que aproveita o ídolo, visto que o seu artífice o esculpiu? E a imagem de fundição, mestra (hry)(yârâh) de mentiras, para que o artífice confie na obra, fazendo ídolos mudos? 19 Ai daquele que diz à madeira: Acorda! E à pedra muda: Desperta! Pode o ídolo ensinar (hry)(yârâh)? Eis que está coberto de ouro e de prata, mas, no seu interior, não há fôlego (xwrּ) (rûach) nenhum” (Hc 2.18-19). O Antigo Testamento mostra o Espírito como onisciente (Is 40.13), onipresente (Sl 139.7) e onipotente (Is 34.16), evidenciando, assim, a impotência e inércia dos ídolos, visto que estes não têm espírito, não têm vida (Hc 2.19/Jr 10.14). Somente Deus pode conceder vitalidade, já que a vida pertence a Deus (Ez 37.14/Hc 3.2) (hfyfx) (hãyãh)130. Contudo, deve ser salientando que ainda que essa realidade esteja forte- mente presente na história de Israel, não se constitui em toda a extensão da verdade. Muitíssimos sacerdotes e profetas perseveram em ensinar com fideli- dade a Palavra de Deus (1Rs 19.18)131. A tarefa do profeta consistia em ensinar uma religião revelada. Deus mandou seus profetas para chamar o povo de volta à verdadeira observância da lei (2Rs 17.13)132. Na reforma levada a efeito por Josafá, ele providenciou para que alguns de seus príncipes se ocupassem pessoalmente do ensino da Lei em Judá e nas demais cidades: SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO E BASES DA EDUCAÇÃO CRISTÃ Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E44 No terceiro ano do seu reinado, enviou ele os seus príncipes Ben-Hail, Obadias, Zacarias, Natanael e Micaías, para ensinarem (dml)(lâmad) nas cidades de Judá; [...] Ensinaram (dml)(lâmad) em Judá, tendo con- sigo o Livro da Lei do SENHOR; percorriam todas as cidades de Judá e ensinavam (dml)(lâmad) ao povo (2Cr 17.7,9). Depois do Exílio Babilônico, o escriba Esdras, que era versado na Lei do Senhor (Ed 7.6), é descrito como alguém que “tinha disposto o coração (bbl) (lêbâb) para buscar a Lei do SENHOR, e para a cumprir, e para ensinar (dml)(lâmad) em Israel os seus estatutos e os seus juízos” (Ed 7.10). “A tarefa dos profetas era apli- car a lei à sua própria situação. Sua mensagem baseava-se na lei; eles atacavam a aplicação errada que dela se fazia”133. Portanto, o profeta é “o mensageiro de Deus aos homens”134. A profecia tem uma ligação dupla e indissolúvel. A sua fonte é a Palavra de Deus; na outra ponta, temos o seu objetivo especial: a edi- ficação da Igreja135. Um profeta será o intérprete e ministro da revelação. [...] [A]
Compartilhar