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O MITO DO HOMEM NA LUA REPRESENTACOES


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Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR 
 
O mito do Homem na Lua: representações da odisseia espacial na imprensa 
brasileira
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The myth of the Man on the Moon: representations of space odyssey in the Brazilian 
press 
 
Paloma Marcela Carvalho de Castilho
2
 
 André Azevedo da Fonseca
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Resumo: O objetivo do trabalho é analisar o imaginário veiculado na imprensa 
brasileira sobre a viagem do homem à Lua em 1969. Para isso, sob a perspectiva dos 
estudos dos imaginários e das mitologias, empregamos o método da análise documental 
em um conjunto de reportagens publicadas na revista Veja no final da década de 1960. 
Identificamos o emprego de um vocabulário carregado de mitologias para atribuir 
sentido à missão espacial, e notamos também inúmeros paralelos entre realidade e 
ficção, sobretudo a partir de comparações entre o Módulo Lunar usado na alunissagem e 
o filme “2001: Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick. Concluímos que parte do 
fascínio que se formou ao redor da conquista da Lua se relaciona à mitologia heróica 
conferida aos astronautas. Esses símbolos foram amplamente empregados na 
publicidade comercial dos mais variados bens de consumo. 
 
PALAVRAS-CHAVE: comunicação visual; imaginação social; imaginário 
tecnológico; odisseia espacial 
 
Abstract: The objective is to analyze the imagery propagated in the Brazilian press 
about the journey of man to the moon in 1969 For this, _ from the perspective of the 
imaginary and mythologies studies, we employ the method of document analysis in a 
set of articles published in the magazine Veja in end of the 1960s. We identified the use 
of a vocabulary loaded with mythologies studies to assign meaning to the space 
mission, and we also noticed many parallels between reality and fiction, mainly from 
comparisons between the real Lunar Module and the film "2001: an Odyssey in Space 
"by Stanley Kubrick. We conclude that part of the allure that has formed around the 
conquest of the moon relates to the heroic mythology afforded to astronauts. These 
symbols were widely used in commercial advertising of various consumer products. 
 
KEYWORDS: visual communication; social imagination; technological imaginary; 
space odyssey. 
 
 
 
 
 
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 Trabalho apresentado no GT 7- Fotografia, do Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e 
Imagem – ENCOI. 
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 Estudante do curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Londrina. Bolsista PIBIC/CNPQ. 
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 Orientador. Professor na Universidade Estadual de Londrina 
 
 
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Introdução 
 
O objetivo inicial do projeto de pesquisa Imaginário sobre tecnologias de 
Comunicação e Informação na imprensa brasileira era analisar o imaginário 
tecnológico expresso nas reportagens e nos anúncios publicitários da revista Veja, no 
período entre 1968 e 2013 – um objetivo muito amplo, que contemplaria os 46 anos de 
história do periódico. Devido à amplitude da pesquisa, houve a necessidade de restringi-
la para atingir o caso mais paradigmático, capaz de sintetizar a investigação e revelar a 
essência de nossos questionamentos. 
Assim, logo no início dos trabalhos, observamos que o fato mais 
impactante no imaginário tecnológico da época foi a chegada do homem à Lua e a 
consequente transformação da viagem espacial em espetáculo. Notamos também que a 
aventura lunar influenciou fortemente a publicidade e estimulou a imaginação social a 
respeito da cobertura jornalística sobre ciência e tecnologia. O sonho da conquista de 
territórios extraterrenos causou impactos na propaganda dos mais diversos produtos, de 
telefones via satélite à fábrica de máquinas de contabilidade, por exemplo. Tudo isso em 
um contexto que favorecia a emergência de uma série de mitologias políticas no pós-
guerra. 
A Guerra Fria foi um período de disputas estratégicas e conflitos 
indiretos entre as duas potências, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e 
os Estados Unidos (EUA), que representavam os sistemas políticos antagônicos: 
comunismo e capitalismo. Esse combate emergiu da Segunda Guerra Mundial e ficou 
conhecida pelo termo Guerra Fria devido ao seu caráter de guerra não-declarada: apesar 
do perigo constante, nenhuma das potências chegou a usar seu potencial bélico, pelo 
menos diretamente. (HOBSBAWM, 1995, p. 224). 
 
A peculiaridade da Guerra Fria era a de que, em termos objetivos, não existia 
perigo iminente de guerra mundial. Mais que isso: apesar da retórica 
apocalíptica de ambos os lados, mas sobretudo do lado americano, os 
governos das duas superpotências aceitaram a distribuição global de forças 
no fim da Segunda Guerra Mundial. (HOBSBAWM, 1994, p.224) 
 
 
 
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O investimento das potências em propaganda de guerra foi 
demasiadamente grande. Na década de 1950, a publicidade bélica era comum nos 
horários nobres televisivos da época. Até mesmo a música popular americana difundia 
um imaginário assustador sobre as temidas bombas nuclear e de hidrogênio. 
Contudo, a Guerra Fria também está ligada ao amplo e rápido 
desenvolvimento tecnológico das potências. Este período se caracterizou pelos avanços 
bélico e científico, devido às corridas armamentista e espacial. Os cidadãos dessa época 
viviam sobre um perigo constante de ataque atômico; porém, viram o homem descobrir 
que a Terra era azul e testemunharam a humanidade dar um grande passo na Lua. 
O cinema contribuiu decisivamente nos esforços de propaganda 
ideológica nos Estados Unidos e na União Soviética. Os americanos, mestres do cinema 
de ficção científica, não poderiam deixar de usar a sétima arte para consolidar e divulgar 
seu poderio. O longa-metragem “A conquista da Lua”, de Irving Pichel, lançado em 
1950, mostra quatro astronautas que são levados ao espaço em uma nave movida a 
energia nuclear. No enredo, a potência que antes chegar ao solo lunar dominará o 
planeta. Um diálogo que deixa explícita a ideologia do filme é quando um general, 
direcionando-se a um engenheiro, afirma: “Um foguete é uma necessidade absoluta. Se 
qualquer outra potência conseguir lançar alguém ao espaço antes de nós, não seremos 
mais os Estados Unidos”. Não é difícil imaginar o temor dos americanos quando, em 
1961, a União Soviética enviou o primeiro homem ao espaço, Yuri Gagarin, a bordo da 
Vostok 1. 
Como demonstra Carleial (1999, p.23) o impacto causado pelo sucesso 
dos soviéticos levou os EUA a uma reação rápida e exemplar: houve uma autocrítica 
implacável, cresceu a demanda popular por resultados imediatos e o governo entendeu 
que precisava se organizar. Essa reação foi batizada de “efeito Sputnik”, uma alusão ao 
nome do pioneiro satélite russo. Com isso, John F. Kennedy, o então presidente dos 
Estados Unidos, afirmou que levaria o homem à Lua até o fim da década. E cumpriu, 
quando em 1969 a primeira missão americana tripulada á Lua foi realizada. 
Ao lado dos esforços militares e científicos, observamos a criação, 
voluntária ou espontânea, de todo um imaginário para atribuir a essa empreitada uma 
dimensão heróica. Através de um discurso veiculado amplamente nos meios de 
 
 
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comunicação, tecnologia e mitologia se aliaram para impressionar a imaginação do 
planeta e legitimar a conquista da Lua. No Brasil, país que gravitava em torno da 
influência americana, esse discurso tornou-se hegemônico. Essa pesquisa procura 
analisar a disseminação deste imaginário a partir do conteúdo veiculado na revista veja, 
o periódico de maior tiragem do período. 
 
 
Materiaise métodos 
 
Esta pesquisa no campo da Comunicação e das Ciências Sociais 
Aplicadas tem caráter interdisciplinar e emprega referências da História Cultural. Para 
Darnton (1986), ao estudar a maneira como as pessoas comuns entendiam o mundo, ao 
tentar descobrir suas cosmologias, mostrar como elas organizavam a realidade em suas 
mentes e a expressavam em seus comportamentos, a História Cultural demonstra um 
nítido caráter etnográfico. Assim, o método da História Cultural começa com a premissa 
de que a expressão individual ocorre sempre dentro de um idioma geral; ou seja: os 
contemporâneos aprendem a classificar as sensações e a conceber o mundo através de 
uma estrutura de pensamento fornecida pela própria cultura. Ao historiador cultural 
cabe, portanto, “descobrir a dimensão social do pensamento”. 
Chartier (1985) aponta que um dos interessantes caminhos de pesquisa na 
História Cultural diz respeito ao estudo das “classificações, divisões e delimitações” que 
organizam a apreensão do mundo social em uma determinada época. “São esses 
esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras graças às quais o presente pode 
adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado.” Ele explica que 
as representações do mundo social são sempre determinadas pelos interesses do grupo 
que as elaboram, pois o objetivo é produzir práticas que procuram impor autoridade, 
legitimar um projeto ou justificar escolhas e condutas. “As lutas de representações têm 
tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos 
quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que 
são os seus, e o seu domínio. (CHARTIER, 1985, p. 17)” 
 
 
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Para coleta e seleção de dados, empregamos o método da análise 
documental. Para Moreira (In: DUARTE; BARROS, 2005, p.275), essa metodologia 
ajuda a delimitar o objeto da pesquisa, determinando, assim, qual ponto de vista será 
abordado. Para firmar uma interpretação mais abrangente sobre a documentação, 
realizamos a contextualização histórica, pois além da pesquisa do objeto específico, faz-
se necessária a articulação com as questões sociais e políticas daqueles tempos. 
Deste modo, selecionamos seis edições da revista Veja, entre 1968 e 
1969, que trouxeram o tema da viagem à Lua como reportagem principal. Essas edições 
foram as mais representativas para a pesquisa, tendo em vista que esse imaginário foi 
construído a partir de imagens impactantes publicadas na capa e nas páginas mais 
valorizadas da revista. Além disso, selecionamos também um conjunto de anúncios 
publicitários, dos mais diversos produtos, que procuraram vincular suas marcas ao 
imaginário espacial. Para contextualizar as reportagens, empregamos as análises de 
Hobsbawm (1994) acerca da Guerra Fria. Para compreender a construção do mito da 
viagem à Lua e seu impacto na sociedade da época, utilizamos o referencial teórico de 
Eliade (1992) e Campbell (1997). 
Como demontra Eliade (1992) a maioria daqueles que se dizem “sem-
religião” na sociedade racionalista contemporânea ainda se comporta religiosamente, 
embora não esteja consciente disso. Não se trata apenas das “superstições” ou “tabus” 
do homem moderno, que têm, segundo Eliade, uma estrutura e uma origem mágico-
religiosas. Quer tenha consciência ou não, o homem moderno carrega toda uma 
mitologia camuflada e inúmeros ritualismos degradados em sua visão de mundo. 
 
Poder-se-ia escrever uma obra inteira sobre os mitos do homem moderno, 
sobre as mitologias camufladas nos espetáculos que ele prefere, nos livros 
que lê. O cinema, esta “fábrica de sonhos”, retoma e utiliza inúmeros motivos 
míticos: a luta entre o Herói e o Monstro, os combates e as provas iniciáticas, 
as figuras e imagens exemplares: a “Donzela”, o “Herói”, a paisagem 
paradisíaca, o “Inferno” etc. (ELIADE, 1992, p. 98) 
 
Campbell (1997) também demonstra que os heróis e os feitos do mito 
mantiveram-se vivos até a época moderna. /mas na ausência de uma efetiva mitologia 
geral, os indivíduos criam o seu próprio panteão do sonho. No caso do herói, ele 
demonstra que a aventura costuma seguir um padrão universal em diversas culturas: 
 
 
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afastamento do mundo: “uma penetração em alguma fonte de poder e um retorno que 
enriquece a vida”. 
 
 
Resultados e discussões 
 
A primeira referência sobre o planejamento da viagem do Homem à Lua 
na revista Veja foi no Natal de 1968. A edição de número 16 tem na capa a seguinte 
chamada: “Natal na Lua... E na Terra”. Esse trocadilho fica em segundo plano quando 
observada a foto estampada na capa: um astronauta operando atenciosamente um painel 
de comandos luminosos. Todos os aspectos da imagem recuperam o imaginário 
futurista amplamente disseminado no cinema. Ao fundo, uma grandiosa figura do 
satélite natural da Terra vista pela janela da nave. O suficiente para chamar a atenção do 
público para o grande acontecimento da tecnologia e da ciência. 
 
Figura 01– Capa da edição 16 (25/12/1968) 
 
Fonte: Acervo online Veja 
 
Na reportagem de capa, o título, localizado ao pé da página, é “Lá se foi 
ver o homem ver a Lua”. No topo, uma linha fina descreve, em números, a magnitude 
da viagem: as 147 horas gastas para percorrer os 800 mil quilômetros, contando com a 
ajuda de 350 mil trabalhadores durante 10 anos, com um gasto de 1,2 trilhão de 
cruzeiros velhos. 
 
 
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Abaixo de toda essa apoteose numérica, duas fotografias são 
posicionadas no centro da página: uma delas mostra os três astronautas (Frank Borman, 
James Lovell e William Anders); e a outra, uma ilustração da NASA
4
 que exibe aquele 
que, segundo a legenda, seria o momento de maior perigo a ser enfrentado pelos três 
americanos: “os foguetes são ligados para tirar a nave da órbita lunar e trazê-la à Terra.” 
A próxima imagem, ao contrário das duas primeiras, ocupa grande 
espaço na página. Ela expõe o sofisticado painel de comandos da nave, com todas as 
suas luzes, alavancas e botões, numa predominância da cor vermelha. Modernidade 
antes só vista no universo cinematográfico de Stanley Kubrick em seu longa-metragem 
“2001: Uma Odisseia no Espaço”, de 1968. 
A reportagem, localizada na sessão de ciência da revista, faz uma 
analogia em seu primeiro parágrafo entre os mares e o espaço: compara a nave Apollo 8 
a um barco e a imensidão do oceano ao infinito espacial. Outro paralelo é entre o 
veículo usado na viagem e a mitologia grega: Apollo, nome dado em homenagem ao 
deus da beleza, seria uma “preparação” para as coisas belas que seriam vistas. 
A missão é tratada, na declaração do comandante Frank Borman, como 
um divisor de águas na história da paz mundial. Em um discurso que explicita o típico 
orgulho estadunidense, diz: 
 
Estamos saindo para a Lua. Eu e meus dois companheiros, James Lovell e 
William Anders, seremos os primeiros humanos a vê-la de perto. Também 
seremos os primeiros a ver a Terra como uma pequena esfera distante. Nós a 
mostraremos assim aos homens pela televisão neste Natal. E esperamos que, 
ao vê-la pequena, compacta, unida, compreendam que ela é a habitação de 
todos os homens. Que as fronteiras nacionais e as diferenças não têm mais 
sentido. Que vivemos todos numa ilha
5
. 
 
A reportagem é escrita em um tom literário, muito parecido com um livro 
de ficção científica. Adjetivos intensificam a grandiosidade da missão, na qual os 
homens estavam prontos para a “fantástica” travessia em busca da Lua. 
 
4
 National Aeronautics and Space Administration (AdministraçãoNacional da Aeronáutica e do Espaço) 
EUA. 
5
 LÁ se foi o homem ver a Lua. Veja, São Paulo, 5 dez 1968, p. 18. 
 
 
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A imagem seguinte exibe novamente o desenvolvimento tecnológico 
espacial. Uma fotografia feita pelo satélite russo Zond-6, numa distância de 3.300 
quilômetros da superfície lunar, revela parte da Lua, com suas crateras e, ao fundo, a 
Terra. A Lua que os americanos visitariam na véspera de Natal, explica a reportagem, já 
havia sido vista de longe pelos russos. Mas assim seguia a disputada corrida espacial. 
O texto continua com várias subdivisões temáticas que tratam desde as 
roupas que os homens espaciais americanos vestiam até as refeições e os problemas de 
higiene que enfrentariam durante a viajem – um verdadeiro reality show antecipado. 
Logo no início da “sub reportagem” intitulada “Lua”, os astronautas são 
comparados aos cavaleiros medievais e suas roupas às armaduras dessa época. Mais 
uma vez, são equiparados a heróis. Nas reportagens anteriores, a analogia havia sido 
feita ao mar, o que pode ser considerada uma menção da “Odisseia”, de Homero, na 
qual a personagem principal, Odisseu, enfrenta inúmeros perigos em sua interminável 
viagem marítima de volta para casa. Nesta outra notícia, a narrativa realiza uma 
comparação aos cavaleiros medievais, que, com suas armaduras, eram representados 
imbatíveis na defesa de seu reino. 
Frequentemente, os astronautas são tratados como celebridades. Coisas 
triviais, embora curiosas, são abordadas insistentemente. Mas para reforçar a 
representação heróica, a reportagem também alerta sobre os perigos que, apesar da 
grande precisão científica da época, poderiam acontecer: como por exemplo, um 
pequeno erro na desaceleração poderia deixar a nave perdida no espaço, ou até mesmo 
explodir, o que culminaria na morte da tripulação. 
Antes mesmo da nave Apollo 8 partir, a especulação e a ansiedade sobre 
as próximas naves da missão Apollo já começaram: Roberto Pereira, o enviado especial 
a Cabo Kennedy (centro da efervescência espacial) foi apurar sobre a Apollo 9 e a 
Apollo 10 que seriam as primeiras naves a carregar o Módulo Lunar, veículo que 
permitiria a futura descida dos dois americanos na Lua. Esses equipamentos fariam a 
preparação para o grande show da Apollo 11, nave que levaria, de fato, o homem à Lua. 
Na edição de número dezessete, de 1º de janeiro de 1969, a primeira logo 
após a grande viagem, a chamada de que o futuro havia começado vinha na capa. Uma 
 
 
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justaposição de fotografias mostrava o homem de Neanderthal, datado de 33.000 a. C. e 
o astronauta norte americano James Lovell com a sua “armadura” espacial. 
 
Figura 02– Capa da edição 17 (01/01/1969) 
 
Fonte: Acervo online revista Veja 
 
A reportagem de capa anuncia: “Veja quem chegou de repente: o futuro”. 
A linha fina apresenta uma alusão explícita ao mito sagrado da criação: “Sábado, 
primeiro dia após a viagem à Lua, os astronautas descansaram.” E novamente, no 
primeiro parágrafo da reportagem: “três homens saíram da Terra pela primeira vez; 
viajaram sete dias e seis noites no céu, viram a Lua, voltaram.”. Essas frases sugerem 
claramente uma relação com a criação divina do mundo, na qual após seis dias e seis 
noites, Deus considerou acabada toda a obra que havia feito e no sétimo dia descansou. 
Para Eliade (1994, p. 97), essas alusões ao sagrado, tal como vemos na linguagem das 
mídias do século XX, são resquícios da religiosidade primitiva no homem moderno. Por 
mais que este tente negar sua sacralidade, essas intuições estão intrínsecas nele. 
Naturalmente, essa religiosidade não se manifesta com os rituais do homem primitivo. 
Contudo, as mitologias “não desapareceram sem deixar vestígios: contribuíram para que 
nos tornássemos aquilo que somos hoje, fazem parte, portanto, da nossa própria 
história”. 
Ainda nesta reportagem, uma tabela com os acontecimentos científicos 
desde 1800 faz as previsões para o próximo século. No esperado ano 2000, por 
exemplo, se presumia a colonização dos planetas. 
 
 
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Após ver a Lua de perto, o Homem não parou: o novo desejo agora era 
encontrar vida em locais remotos do espaço. Na verdade, um feito sempre sonhado, 
porém considerado impossível até aquela conquista inicial. Os russos enviaram em 1969 
as naves Vênus 5 e Vênus 6, que iriam à superfície do planeta homônimo procurar vida; 
no mesmo ano, os Estados Unidos fariam algo semelhante com a nave Mariner 6, 
visando Marte. 
Outra reportagem, com conteúdo que preenche seis páginas, explicou as 
estratégias e armas das duas potências na corrida espacial. Com fotografias das naves e 
foguetes dos Estados Unidos e da União Soviética, gráficos comparando as vitórias e 
fracassos das missões de cada um dos lados da Guerra Fria mostram que, mesmo com o 
passo do homem americano na Lua, a potência soviética estava correndo atrás de uma 
conquista equivalente ao feito americano. A URSS já havia enviado um satélite artificial 
e um ser vivo a bordo de uma nave, a cadela Laika, em 1957. Mas com o gigantesco 
investimento da potência capitalista e da enorme publicidade feita das manobras 
americanas, a URSS parecia estar em segundo plano aos olhos dos ocidentais, 
aparentando uma deficiência tecnológica maior que a existente na realidade. Mas eles 
não sofriam de defasagem tecnológica: as naves e os foguetes russos eram, em alguns 
elementos, até superiores aos americanos. 
 
 
Imaginário tecnológico e consumo 
 
A publicidade aproveitou rapidamente a efervescência causada pela 
“conquista” da Lua. Com a pergunta “o que aconteceria a uma nave espacial se 
colocassem nela uma peça “quebra-galho”?” unida a uma fotografia de um foguete no 
momento do lançamento de uma nave, por exemplo, a Organização Ruf, empresa 
fabricante de máquinas de contabilidade e máquinas de datilografia, chama a atenção 
para seus produtos. Mais uma evidência de que a Lua era o centro dos olhares da época. 
 
 
 
 
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Figura 03 – Publicidade da edição 36 (14/05/1969) p.17 
 
Fonte: Acervo online revista Veja 
 
O voo da Apollo 9 foi bem-sucedido e assim, deixou o homem ainda 
mais perto de seu objetivo: a alunissagem, ou seja, o pouso na Lua. O lançamento 
ocorreu em 3 de março de 1969, levando os três astronautas: James McDivitt, Russel 
Schweickart e David Scott para um voo orbital de dez dias, com a função de testar o 
Módulo Lunar, veículo que levaria o homem a pisar na Lua. 
Alguns contratempos impuseram desafios imprevistos à jornada, tal 
como o adiamento do vôo devido a uma gripe que acometeu os três tripulantes. Fato que 
alertou os cientistas para uma disfunção que não se esperava: o desgaste do corpo 
humano. Até então, a principal preocupação era uma falha mecânica, uma pane nos 
computadores. Os enjoos e as gripes eram sinais do cansaço físico fragilizando a 
resistência dos astronautas. Contudo, a experiência no espaço provocava problemas 
inéditos ao corpo humano: 
 
“Depois de ter testado com sucesso todos os elementos mecânicos do seu 
esquema para chegar à Lua (foguete Saturno V, nave Apollo, Módulo Lunar), 
a NASA está chegando à conclusão de que a parte mais sujeita a falhas no 
programa Apollo é o homem.” 
 
Imagens fabulosas mostravam como deveria ser o voo do Módulo Lunar, 
cuja trajetória iria da nave até o solo Lunar. Interessante notar que os equipamentos 
tecnológicos da realidade da época muito se parecem com o imaginário mostrado em 
 
 
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filmes de ficção científica como em “2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley 
Kubrick, lançado em 1968, um ano antes da verdadeira viagem. 
 
Figura04 – Screenshot do filme “2001: Uma Odisseia no Espaço” 
 
Fonte: Divulgação 
 
Figura 05– Fotografia do Módulo Lunar retirada da revista Veja 
 
 Fonte: Acervo online revista Veja 
 
A primeira edição a tratar concretamente da corrida espacial no contexto 
de Guerra Fria foi publicada em 22 de janeiro de 1969. A reportagem de capa é aberta 
com o título “Jogo feito no espaço”, com o comparativo dos avanços dos EUA e URSS 
lado a lado. 
 
Figura 06 – As duas primeiras páginas da reportagem de capa da edição 20 (22/01/1969) 
 
 
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Fonte: Acervo online revista Veja 
 
A supervalorização do arsenal tecnológico dos Estados Unidos é visível 
na publicação. Frases como “Os russos demoraram para mostrar suas cartas” e “Engate 
das naves Gemini/Agena, em 1966, um a zero para os EUA” mostram que o fato de a 
URSS ter enviado o primeiro satélite, o primeiro ser vivo e o primeiro humano para o 
espaço foram ignorados em detrimento do avanço americano. 
A matéria ainda mostra uma imagem da cadela Laika e relembra que o 
animal morreu no vôo ao espaço, através da seguinte legenda “recorde, sucesso e 
vitima”. Logo abaixo, uma fotografia de um satélite chama a atenção para um feito 
americano “TV via satélite: ponto para os EUA.” 
A Apollo 10 foi o tema da edição de 21 de maio de 1969. Os três 
astronautas desse vôo, Thomas Stafford, John Young e Eugene Cernan, estampam 
sorridentes a capa, junto ao título: “No perigoso caminho da Lua”. O espaço significa 
perigo, pois não é o habitat natural do homem e não oferece as condições básicas de 
vida. Assim, qualquer erro pode transformar a imensidão negra em um túmulo. 
Entretanto, “o herói não seria herói se a morte lhe suscitasse algum terror; a primeira 
condição do heroísmo é a conciliação com o túmulo”, argumenta Campbell (1997, p. 
180). Ao enfatizar o perigo do espaço e ressaltar o heroísmo dos astronautas, portanto, a 
imprensa reforçou essa impressão na imaginação dos leitores. 
 
 
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Figura 08 – Capa da edição 37 (21/05/1969) 
 
 Fonte: Acervo online revista Veja 
 
Essa missão não levou o homem até o solo lunar; porém, somou grandes 
avanços. Durante oito dias, os três americanos fizeram diversas manobras em torno da 
Terra e da Lua. A edição de 16 de julho de 1969 traz na capa o homem se vestindo, 
enfim, para a aventura na Lua. 
 
Figura 09 – Capa da edição 45 (16/07/1969) 
 
Fonte: Acervo online revista Veja 
 
A cobertura da preparação para a viagem é vasta nessa edição, com 
reportagens sobre os detalhes das roupas e alimentos dos astronautas. Frases como 
“Sombras frias, hostis e imensas serão o único abrigo dos tímidos movimentos, 
 
 
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cuidadosamente medidos e surpreendentes, de um homem sozinho sobre o chão rude e 
estranho da Lua.” marcam o tom épico da narrativa jornalística. 
Um aspecto que chama atenção é o perfil traçado sobre os astronautas: 
fotografias das famílias ilustram as páginas que contam detalhes da vida dos três heróis 
americanos. Os heróis são representados como homens comuns que encararam uma 
aventura sobre-humana em nome da humanidade. Outra reportagem exibe mais ainda o 
conceito de heroísmo atribuído aos astronautas. Com o título “Um selecionador de 
heróis”, a matéria conta sobre a vida e as “sábias” escolhas feitas pelo chefe dos 
astronautas da NASA, Donald “Deke” Slayton. 
A edição de 23 de julho de 1969 teve uma ênfase maior, já que circulou 
três dias após a grande viagem. Com o lacônico e grandiloquente título: “Chegaram”, a 
revista anunciou, com uma foto de baixa qualidade, porém tirada no espaço, a chegada 
do homem na Lua. 
 
Figura 10 – Capa da edição 46 (23/07/1969) 
 
Fonte: Acervo online revista Veja 
 
A bandeira americana sobre o globo terrestre, usada como selo na 
reportagem, reafirma ainda mais o status de potência soberana dos Estados Unidos. A 
matéria é ilustrada com fotos de baixa qualidade, mas que, talvez exatamente pela 
impressão de veracidade, sugerem o fascínio da aventura longínqua. 
 
Figura 10 – As duas primeiras páginas da reportagem principal da edição 46 (23/07/1969) 
 
 
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Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR 
 
 
Fonte: Acervo online revista Veja 
 
Essa edição registra um conjunto de anúncios publicitários que exploram 
com mais afinco o fascínio. Desde propagandas de alimentos a televisores e empresas 
de sistema de iluminação. 
 
Figura 11: Publicidade da edição 46 (23/07/1969) 
 
Fonte: Acervo online revista Veja 
 
 
Conclusões 
 
Concluímos que a cobertura jornalística e o imaginário social construído 
pela principal revista brasileira da época a respeito da primeira viagem humana 
 
 
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Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR 
 
tripulada à Lua foram carregados de mitologias. Nas reportagens e anúncios 
publicitários, os astronautas foram idealizados como heróis em uma verdadeira odisseia 
espacial. Assim, ao lado das questões tecnológicas e ideológicas que dizem respeito à 
missão lunar, notamos a presença de uma dimensão sagrada que contribuiu para compor 
o imaginário social na imprensa. 
O homem primitivo conferia um sentido sagrado a cada ação e situação. 
Já o homem moderno teve essa religiosidade reduzida, ainda que sempre presente nas 
suas práticas cotidianas. Em outras palavras, o homem profano, queira ou não, não 
deixa de conservar os vestígios do comportamento do homem religioso, mesmo que 
esvaziado dos significados religiosos. Foi o que notamos nas reportagens. A despeito do 
racionalismo científico do século 20, observamos que a imaginação dos 
contemporâneos ainda se impressionava com as características mitológicas que 
conferiam sentido às conquistas militares e científicas do período. 
 
 
Bibliografia 
 
CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo: Cultrix, 1997. 
 
CARLEIAL, Aydano Barreto. Uma breve história da conquista espacial. 
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 7 - Outubro/1999 
 
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de 
Janeiro: Difel/Bertrand Brasil, 1985. 
 
DARNTON, Robert. O grande massacre dos gatos: e outros episódios da história 
cultural francesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1986. Apresentação. pp. XIII-XVIII. 
 
DUARTE, Jorge; BARROS, Antônio. Métodos e técnicas de pesquisa em 
Comunicação. São Paulo: Atlas, 2005. 
 
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. A essência das religiões. São Paulo: 
MartinsFontes, 1992. 
 
_______. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1994. 
 
HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das 
Letras 2, 1995