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Cultura e representações sociais APRESENTAÇÃO É de grande importância para estudantes e profissionais do campo da Educação que se consiga realizar constante reflexão sobre a prática. Com o mesmo peso, é fundamental a constante pesquisa, para que haja diálogo e aprendizagem com outros pensadores. É nessa linha que se insere esta Unidade de Aprendizagem, que propõe trazer algumas das teorias essenciais ao estudo sociológico da Educação. Nesta Unidade de Aprendizagem, estudaremos a cultura e sua relação com a escola. Você é convidado a explorar como a cultura permeia o sistema escolar, compreendendo a diversidade cultural que invade a sala de aula, e os desafios que surgem para a escola, em particular, aos professores. Para complementar este estudo, apresenta-se a Teoria das Representações Sociais como potente recurso para um exame constante da relação dos sujeitos com os artefatos culturais do contexto educacional. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever a centralidade da cultura na Educação.• Discutir a utilidade da representação social como ferramenta teórica para os desafios envolvendo cultura e escola. • Identificar as formas de lidar com a diversidade cultural no cotidiano escolar.• DESAFIO Há muito tempo, a cultura escolar se configura a partir de uma ênfase na igualdade, em detrimento de se considerar igualmente a diferença. Isto tem significado, entre outros aspectos, a hegemonia da cultura ocidental europeia na escola (seja no currículo, na didática, na arquitetura, nos tempos ou nos mais diversos elementos do cotidiano), e a ausência de outras vozes. No entanto, como se pode ler no livro-texto, este é um desafio que tem sido enfrentado. São diversos os movimentos sociais atualmente, especialmente de caráter identitário, que têm tensionado a cultura escolar consagrada, apresentando propostas das mais diversas para que os saberes populares tenham mais presença e os estereótipos (sociais, étnicos ou de gênero) sejam mais questionados. O desafio, mesmo assim, ainda é grande. A escola tem uma tradição cultural particular, associada a uma cultura de elite como referência. Esta é uma definição arbitrária, uma vez que não há lógica ou razão para esta associação, já que todas as outras culturas também apresentam seus próprios saberes e tradições. Desta forma, a escola tradicionalmente foi muito mais acessível para as pessoas que compartilham, em casa, desde o berço, a cultura da escola. As pessoas que têm outras trajetórias, além de precisarem de um esforço ainda maior, muitas vezes não conseguem encontrar sentido na escola e na cultura escolar. A escola precisa se reinventar para que estes diversos grupos culturais, que antes não estavam lá, encontrem na escola uma possibilidade de crescimento. Imagine que você começou a trabalhar como professor(a) de quinto ano em uma escola pública rural, frequentada por uma comunidade trabalhadora e de raça e etnia variada (branca, negra e indígena). Você sentiu que antes de iniciar o planejamento de seu ano, seria importante retomar alguns conceitos trabalhados em sua formação. Desta forma, você resolveu começar o planejamento com duas perguntas para si mesmo: “De quem são os conhecimentos que eu vou ensinar este ano?” “Quem se beneficia e quem é silenciado quando ensino estas coisas da forma tradicional?" Para desenvolver essas suas provacações, você resolveu estruturar sua linha de pensamento em dois tópicos: 1) Escrever um parágrafo explicando por que essas duas perguntas podem ser importantes para o planejamento. 2) Sugerir ainda uma terceira pergunta que seria importante de se fazer para si mesmo. INFOGRÁFICO As representações sociais são resultantes da interação social. No infográfico a seguir, você poderá refletir sobre a importância das representações sociais no contexto educacional. CONTEÚDO DO LIVRO Uma das questões que mais tem desafiado os professores e redefinido o cotidiano escolar, é a maneira como a escola tem sido preenchida pelas mais diversas culturas. Se em menos de 50 anos a escola quase não era acessada por grande parcela da população, atualmente, a escola é desafiada a se reorientar para dar conta de todas as novas configurações da sociedade. Talvez tenha chegado a hora da dinâmica do aprender enquanto ensina ser efetivamente incorporada em nosso cotidiano escolar. No capítulo Cultura e Representações Sociais, da obra Sociologia da Educação, você irá acompanhar como urge a necessidade de reinvenção da escola, tanto em nome de maior igualdade e menor opressão étnica, social ou de gênero, quanto em nome da efetiva aprendizagem dos alunos - para a qual é condição uma aproximação da cultura escolar às culturas das novas comunidades que a frequentam. Conteúdo: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Pablo Bes Ricardo Boklis Golbspan Cultura e representações sociais Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever a centralidade da cultura na educação. � Discutir a utilidade da representação social como ferramenta teórica para os desafios envolvendo cultura e escola. � Identificar as formas com que se pode lidar com a diversidade cultural no cotidiano escolar. Introdução É de grande importância para estudantes e profissionais do campo da educação que se consiga realizar constante reflexão sobre a prática. Também importa muito a constante pesquisa, para que haja diálogo e aprendizagem com outros pensadores da educação. É nesta linha que se insere este capítulo, que se propõe a trazer algumas das teorias mais importantes dos estudos sociológicos da educação para a conversa – centralmente, a partir do estudo da cultura e de sua relação com a escola. Neste capítulo, você vai estudar a forma como a cultura permeia a escola, explorando a diversidade cultural que “invade” a sala de aula e os desafios que surgem para a escola e, em particular, para o professor. Para complementar este estudo sobre a cultura, apresenta-se a teoria das Representações Sociais como potente recurso para um exame constante da relação dos sujeitos com os artefatos culturais do contexto educacional. A centralidade da cultura É comum escutar, em ambientes frequentados pelas classes médias, um certo saudosismo sobre as escolas públicas do passado – estas seriam de qualidade, com professoras competentes e alunos exemplares (reforce-se que tudo isso é verdade). No entanto, compara-se rapidamente à situação atual e as conclusões a que se chega são, via de regra, simplistas, até mesmo falaciosas: as professoras não são mais tão qualificadas, as famílias não estão mais preocupadas com seus filhos, as crianças de hoje em dia não têm o mesmo afinco por sucesso. Talvez este novo senso comum sobre os problemas educacionais seja um dos principais indicadores da hegemonia da visão de mundo baseada no mercado em nossa sociedade, e particularmente na educação. A complexa problemática do fracasso escolar aparece como uma questão de responsabilização individual, esforço ou mérito (as respostas rápidas da colonização do mercado), quando há questões estruturais de economia e cultura envolvidas neste novo cenário. Em primeiro lugar, é preciso perceber a revolução ocorrida nos últimos 50 anos neste país, período em que, enfim, o acesso da população à escola básica se consolidou (BITTAR; BITTAR, 2012). Hoje em dia (sem entrar neste momento nas questões importantes da permanência ou da qualidade), ainda há problemas sérios quanto ao acesso, mas a escola se tornou conside- ravelmente mais democrática em termos de acesso. Perceba-se que este novo alunado, acompanhado de sua família, corresponde ao perfil a quem a escola tradicionalmente foi um direito negado: populações majoritariamente pobres, negras, de periferia ou regiões rurais. Ou seja, a escola pública de 50 anos era boa... para quem? Atente-se, porém, que aeste incremento revolucionário no acesso, em primeiro lugar, não correspondeu incremento financeiro, além de não terem sido garantidos formação continuada, reconhecimento e remuneração de professores e professoras, uma vez que temos acompanhado ataques e uma verdadeira proletarização da carreira (APPLE, 1995). É preciso, constantemente, questionar-se sobre as razões para o pouco investimento do Estado em educação com o movimento de acesso das po- pulações pobres à escola pública e migração da classe média para a escola privada. E, em conjunto com esta questão econômica, é preciso investigar a questão cultural envolvida neste processo: qual é a cultura de referência da escola, com a qual ela estrutura todo seu sentido, e quais são as culturas em que estes “novos” grupos estão imersos desde seu nascimento? Esta pergunta será analisada neste capítulo, para que você possa refletir sobre a centralidade da cultura nos desafios que a escola precisa enfrentar nestes novos tempos. Cultura e representações sociais2 Iniciando o debate, portanto, é importante definir o que é cultura e por que olhar para esta esfera da sociedade. Neste sentido, destacam-se os Estudos Culturais, nos quais encontramos Stuart Hall, autor caribenho radicado no Reino Unido, como uma das principais referências. Para Hall (1997), que pro- voca uma verdadeira revolução no binômio base-superestrutura do marxismo, a cultura não pode ser vista como mero reflexo das relações econômicas, mas como parte igualmente constitutiva da realidade social. Desta forma, as disputas sociais, como aquela exemplificada no parágrafo acima (da qualidade da educação pública) não são explicadas somente pela economia (a diminuição do aporte financeiro para a educação pública), mas por uma disputa concreta pelos significados e visões de mundo, de tal forma que se formem consensos também em relação à cultura, articulados à economia – consensos ideológicos de que os problemas atuais seriam uma questão moral ou de esforço individual de alunos, famílias e professoras). Ainda, em um outro aspecto de centralidade da cultura, Hall (1997) propõe que se reflita sobre as identidades individuais, apontando como nossa condição de sujeito não é simplesmente “autônoma”, mas constrangida pela cultura vivida no cotidiano: O que denominamos “nossas identidades” poderia provavelmente ser melhor conceituado como as sedimentações através do tempo daquelas diferentes identificações ou posições que adotamos e procuramos “viver”, como se viessem de dentro, mas que, sem dúvida, são ocasionadas por um conjunto especial de circunstâncias, sentimentos, histórias e experi- ências únicas e peculiarmente nossas, como sujeitos individuais. Nossas identidades são, em resumo, formadas culturalmente (HALL, 1997, p. 26). A lição de Hall (1997), então, vai na direção de que não faz sentido perceber os pensamentos como meras correspondências de condição econômica – como se os sujeitos fossem marionetes a serem determinadas pelos “poderosos”. Hall (1997) ensina que sujeitos se convencem de suas ideias a partir de práticas e valores experimentados na vida. Da mesma forma, a lição vai de encon- tro a qualquer crença de que seja possível se “libertar” completamente dos constrangimentos sociais, uma vez que nossas vidas são constrangidas por influências sociais de toda sorte, todo o tempo, “saturando” nossos esquemas de significação do mundo e de nossa experiência. Toda essa inovação no pensamento social sobre a cultura e sua centralidade pode ser relacionada com a escola, aproximando-se a teorização mais geral à vivência dos professores e professoras em seu dia a dia. A escola, mais do que 3Cultura e representações sociais uma instituição vivida na cultura, tem, de acordo com Moreira e Candau (2003, p. 160), uma função social fundamental de, justamente, transmitir cultura, ao: [...] oferecer às novas gerações o que de mais significativo culturalmente produziu a humanidade. Essa afirmação suscita várias questões: Que entendemos por produções culturais significativas? Quem define os aspectos da cultura, das diferentes culturas que devem fazer parte dos conteúdos escolares? Como se têm dado as mudanças e transformações nessas seleções? Quais os aspectos que têm exercido maior influência nesses processos? Como se configuram em cada contexto concreto? Neste sentido, a escola é um local estratégico em que se legitima aquilo que é tido como cultura correta, ou mesmo como, simplesmente, “cultura” (sendo tudo mais visto como “folclore”, ou “não cultura”) (Figura 1). Em um nível ainda mais sofisticado, pode-se pensar como a escola, por mais que tenha como função “transmitir cultura”, não seja percebida (por sujeitos que compartilham da mesma cultura que a escola ensina) como um local cultural – cultura seria o que os “outros” têm, e estes sujeitos “normais” estariam na escola isoladamente pelos saberes (como se estes não fossem selecionados como válidos dentro de uma cultura). De fato, para Gimeno Sacristán (1995, p. 126), a escola constitui-se historicamente como um universo monocultural: A cultura dominante nas salas de aula é a que corresponde à visão de determinados grupos sociais; nos conteúdos escolares e nos textos apa- recem poucas vezes a cultura popular, as subculturas dos jovens, as contribuições das mulheres à sociedade, as formas de vida rurais e dos povos desfavorecidos (exceto como elementos de exotismo), o problema da fome, do desemprego ou maus tratos, o racismo e a xenofobia, as conseqüências do consumismo e muitos outros temas- problema que pa- recem “incômodos”. Consciente e inconscientemente produz um primeiro velamento que afeta os conflitos sociais que nos rodeiam cotidianamente. Como se pode perceber, os alunos de origem trabalhadora, negros, indí- genas (e toda uma série de estéticas, vocabulários, gostos, músicas que os acompanham), mesmo quando a escola fracassa com eles, ao penetrarem no universo escolar, desestabilizam sua lógica. É por isso que, para Moreira e Candau (2003, p. 161), “[...] essa nova configuração das escolas expressa-se em diferentes manifestações de mal-estar, em tensões e conflitos denunciados tanto por professoras como por estudantes [...]”. A escola, mais que a transmissora Cultura e representações sociais4 da “verdadeira cultura”, precisa ser reinventada a partir das culturas que efe- tivamente passam a constituir seu cotidiano. Ao mesmo tempo, isto não pode significar negar aos alunos o acesso aos saberes e à cultura que serão cruciais em seu sucesso na sociedade. O desafio consiste, principalmente, em entender que a forma atual não dá conta das novas tensões que se estabelecem, sendo necessário democratizar a cultura escolar justamente para garantir condições mais favoráveis para a aprendizagem. Figura 1. Provocação: seria a escola “correta” a escola correta? Fonte: studiostoks/Shutterstock.com. Representações sociais: mapeando diferenças e desigualdades na cultura escolar A problemática do fracasso escolar e sua relação com a cultura tem sido amplamente investigada por pesquisadores e pesquisadoras em educação, com o intuito de fazer avançar os conhecimentos sobre esta realidade – a fim, 5Cultura e representações sociais logicamente, de um compromisso político em minimizar ou interromper este fracasso (CANDAU, 2013). Uma das maneiras com que estas pesquisas têm avançado é através de variados estudos sobre percepções, julgamentos sociais, concepções ou outras atitudes de professores e alunos (ALVES-MAZZOTTI, 2008). De fato, há uma validade neste tipo de investigação para que se melhor compreenda não apenas a política da pedagogia, mas a pedagogia da política (GIROUX, 1983), isto é: o que afinal os sujeitos sociais que fazem a escola no cotidiano estão aprendendo sobre eles mesmos, sobre a escola e sobre o mundo. A teoria da Representação Social (RS) ajuda no sentido de complexificar este tipo de investigação. Esta é uma teoria elaborada porMoscovici (1990) e tem como fundamento uma interseção entre sociologia e psicologia. Neste sentido, todas essas percepções que poderiam, em uma leitura mais rasa, ser entendidas como estando simplesmente “na cabeça” dos indivíduos são, na teoria da RS, colocadas em relação com o contexto social. Neste sentido, como aponta Alves-Mazzotti (2008, p. 20), “[...] para que a pesquisa educacional possa ter maior impacto sobre a prática educativa, ela precisa adotar “um olhar psicossocial”, de um lado, preenchendo o sujeito social com um mundo interior, e, de outro, restituindo o sujeito individual ao mundo social [...]”. O estudo das representações sociais se propõe, justamente, a investigar como funcionam os sistemas de referência que os sujeitos utilizam para classificar pessoas e grupos e para interpretar os acontecimentos da realidade cotidiana. Vão além, as RS, das noções de opinião ou imagem que os sujeitos têm das coisas, sofisticando a conversa teórica possível de se travar sobre as percep- ções dos atores escolares. Essas noções de opinião, imagem, comentário, são associadas a uma ideia de que se trata de algo do universo externo a que o sujeito responde desde seu universo interno. Quando o sujeito faz, por outro lado, uma representação social, ele não simplesmente opina isoladamente sobre um outro objeto, mas ele reconstrói o objeto. E, ao fazê-lo, nesta interação particular, também se situa como sujeito. Em resumo, o que Moscovici (1990, p. 51) enfatiza é que as representações sociais não são apenas “[...] opiniões sobre [...]”, mas, mais do que isso, “[...] determinam o campo das comunicações possíveis, dos valores ou das ideias compartilhadas pelos grupos e regem, subsequentemente, as condutas desejáveis ou admitidas [...]”. Neste sentido, há de se observar, ainda, como as RS podem ser vistas como parte constituinte de uma cultura, não apenas como reflexos ideológicos isola- dos. Elas reformulam os objetos representados, bem como indicam aos sujeitos um lugar no mundo. Esta é uma ideia que reforça a centralidade da cultura na sociedade e que pode ajudar a entender como os sujeitos que constituem a escola (como professores e alunos) vão inventando e reinventando a escola Cultura e representações sociais6 também a partir de suas representações sociais sobre ela, sobre os sujeitos e características que a constituem e sobre o mundo. A seguir, citam-se pesquisas que apontam, justamente, pesquisas que utilizam esta teorização para analisar como tem se reconstruído a cultura escolar. Utilizando as RS na pesquisa educacional: relações com a cultura escolar Alves-Mazzotti (2008) realiza interessante levantamento de pesquisas que se utilizam da teoria das RS para investigar o campo educacional. A seguir, pode-se retomar algumas dessas pesquisas, indicando como se relacionam com novos insights para a reflexão sobre a cultura escolar. Penin (1992) problematiza a não criticidade de agentes educacionais de uma escola quanto a suas representações sobre as famílias de classes populares daquela comunidade. Ao mesmo tempo que percebem estas famílias como tendo condições de vida materiais insuficientes, exigem um assessoramento que, como suas RS indicam, sabem que elas não podem dar. O estudo ajuda a perceber como as RS podem constituir o que as famílias passam a ser na comunidade escolar, reforçando-se a noção de que a cultura “correta” na educação não é a das famílias populares. Ao investigar como meninos trabalhadores e “de rua” representam a escola, a própria Alves-Mazzotti (1994) aponta como a escola não é vista de forma positiva por nenhum dos grupos. Segundo a autora (ALVES-MAZZOTTI, 2008, p. 41-42): Embora haja menção a uma escola ideal, abstrata, que “é importante”, “ajuda a ser alguém na vida”, ao falar da escola real nenhum dos grupos tem dela uma visão que possa justificar sua ligação com o trabalho e o futuro. As professoras são retratadas como pessoas “chatas”, “grossas”, que “vivem gritando”, “não respeitam o aluno”, “não tratam todos da mesma maneira”, nem se esforçam para que ele aprenda. Mas o aspecto central na representação da escola entre os meninos trabalhadores é a desorga- nização: falta de professores, professores que faltam, alunos que fazem o que querem e a sujeira (dos prédios, das salas, dos banheiros) são os principais aspectos mencionados. Quanto aos meninos e meninas de rua, a imagem da escola real, embora menos nítida, é ainda mais negativa do que aquela apresentada pelos meninos e meninas trabalhadores. Mesmo quando se referem à escola ideal, aquela que “ajuda a ser alguém na vida”, 7Cultura e representações sociais se apressam em dizer que isso não se aplica àquela que conheceram e que ficou na memória associada a angústias e fracassos. Esta é retratada como uma escola que não os acolhe, que desconhece as necessidades e dificuldades relacionadas a sua inserção social, ou mesmo que os rejeita. Em consequência, as tarefas escolares são vistas como muito acima de suas capacidades, e às vezes como obstáculos insuperáveis. A análise apresentada demonstra como as RS dos meninos, mais do que meramente refletir, constituem suas posições sociais de sujeito como aqueles que são “incapazes” para a escola. Também estas RS reforçam a noção da escola como um local guardião de uma cultura tida como “consagrada”, à qual os alunos devem se ajustar – e não como um local público ao qual todos têm direito, e que supostamente abarcaria a diversidade de culturas populares. Ainda, estes resultados confirmam um estudo realizado por Adorno (1992), com resultados seguindo a mesma linha: [...] investigou as representações de escola através da memória de menores que cumpriam sentenças em uma instituição penal e concluiu que, para eles, a evasão escolar apresentava-se com um fato inevitável, seja pela pressão econômica, seja pela imposição de um ensino estranho ao seu universo e pelas humilhações sofridas pelo não-saber (ALVES-MAZZOTTI, 2008, p. 42). Estes exemplos, enfim, em diálogo com a teorização acima exposta, demonstram a potencialidade desta ferramenta, de uso ainda incipiente na pesquisa educacional. Para além, ainda, das consequências políticas mais de longo prazo da pesquisa científica, estes estudos servem como inspiração para o olhar e para a prática do professor e da professora em sala de aula – que são, conforme Giroux (1983), acima de tudo, intelectuais ativos na busca de uma educação mais qualificada, justa e igualitária. Como lidar com a diversidade cultural no “chão” da escola? No sentido de visualizar, ao mesmo tempo e de forma articulada, a centrali- dade da cultura, um olhar sensível para as representações sociais de sujeitos escolares e, ainda, possibilidades concretas e imediatas de ação (desde que sempre embasadas na reflexão), pode-se prestar uma atenção maior ao que os Cultura e representações sociais8 professores e professoras têm feito no “chão” da sala de aula. Para além das dúvidas e dos anseios que rodeiam o imaginário escolar em torno dos entraves e desafios culturais enfrentados atualmente, são os professores e professoras que têm, fazendo jus às suas atividades-fim, melhor ensinado como fazer. A partir de algumas conclusões de Moreira e Candau (2003), em cima de diálogos com professores de escola, apresentam-se aqui algumas possibilidades mais procedimentais para se reinventar, ainda que de maneira gradual, a escola. Uma primeira lição de Moreira e Candau (2003) seria a importância de se estabelecer um marco contextual. Neste sentido, seria importante que a escola (ou mesmo um grupo de professores ou o professor em particular) se organizasse para compreender o cenário atual de globalização e de influência neoliberal em que se encontra a escola, por exemplo, e que também pudesse estabelecer aonde quer chegar. Outra questão importante é, nas palavras de Moreira e Candau (2003, p. 166): Favorecer uma reflexão de cada educador(a) sobre a sua própria identi-dade cultural: como é capaz de descrevê-la, como tem sido construída, que referentes têm sido privilegiados e por meio de que caminhos. Temos desenvolvido várias vezes este exercício com os(as) educadores(as) e, em geral, o processo tem-se revelado muito provocador e instigante. Os níveis de autoconsciência da própria identidade cultural encontram-se, na maior parte das vezes, pouco presentes e não costumam constituir objeto de reflexão pessoal. Muitos(as) profissionais da educação nos têm afirmado, em diversos momentos, que a primeira vez em que haviam parado para pensar sobre essa temática tinha sido por ocasião dos exercícios propostos, que certamente mobilizaram memórias, emoções e experiências. Em muitos casos, os exercícios fizeram aflorar histórias de vida, fortemente dramáticas, em que as questões culturais geraram muito sofri- mento. Os relatos de discriminação e preconceito, reprimidos e silenciados por longo tempo, mostraram-se, então, particularmente fortes. Expressar-se, dizer sua palavra, tem um efeito profundamente libertador, permitindo que a experiência do “outro” se aproxime da nossa. Moreira e Candau (2003) também apontam para outra necessidade imediata, que impacta mais indiretamente a escola, porém também com grande força: a necessidade de formação universitária e continuada sobre a formação cultural brasileira. Especificamente no tema de raça, ainda é comum a narrativa da 9Cultura e representações sociais “democracia racial” no Brasil, que supõe que o racismo não existe no país, sendo urgente problematizar certos lugares comuns que ainda não foram superados. Outra indicação interessante que surge dos dois autores a partir de seu contato com professores e professoras é a possibilidade de solidariedade para com grupos culturais e étnicos. A ideia seria uma interação mais concreta e reflexiva, estimulando a entrada do povo na escola que, afinal, a ele pertence. Para expandir o debate sobre cultura e escola, vale a pena conhecer a obra de Pierre Bourdieu. Este vídeo é uma boa porta de entrada, a partir do seu conceito de “capital cultural”: https://goo.gl/Q6YbMx ADORNO, S. A socialização incompleta: os jovens delinqüentes expulsos da escola. In: HADDAD, S. (Ed.). Sociedade civil e educação. Campinas: Papirus, 1992. ALVES-MAZZOTTI, A. J. Meninos de rua: uma comparação entre imaginários. Relatório de pesquisa apresentado ao CNPq em abril de 1994. Não publicado. ALVES-MAZZOTTI, A. J. Representações sociais: aspectos teóricos e aplicações à educação. Revista Múltiplas Leituras, São Paulo, v. 1, n. 1, p.18-43, jan./jun. 2008. APPLE, M. Trabalho docente e textos: economia política das relações de classe e de gênero em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. BITTAR, M.; BITTAR, M. História da educação no Brasil: a escola pública no processo de democratização da sociedade. Acta Scientiarum Education, Maringá, v. 34, n. 2, p. 157-168, jul./dez. 2012. CANDAU, V; M. F. Construir ecossistemas educativos-reinventar a escola. In: CANDAU, V. M. (Org.). Reinventar a escola. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 11-16. GIMENO SACRISTÁN, J. Currículo e diversidade cultural. In: MOREIRA, A. F.; SILVA, T. T. (Org.). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis: Vozes, 1995. Cultura e representações sociais10 GIROUX, H. A. Theory and resistance in education: a pedagogy for the opposition. London: Heinemann, 1983. HALL, S. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo. Edu- cação & Realidade, Porto Alegre, v. 22, n. 2, p. 15-46, 1997. MOREIRA, A. F.; CANDAU, V. M. Educação escolar e cultura(s): construindo caminhos. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 23, p. 156-168, 2003. MOSCOVICI, S. Introduction: le domaine de la psychologie sociale. In: MOSCOVICI, S. (Dir.). Psychologie sociale. 2. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1990. PENIN, S. T. S. Educação básica: a construção do sucesso escolar. Em Aberto, Brasília, ano 11, n. 53, p. 3-11, jan./mar. 1992. Leituras recomendadas GILLY, M. Les représentations sociales dans le champ éducatif. In: JODELET, D. Les représentations sociales: un domaine en expansion. Paris: Presses Universitaire de France, 1989. JODELET, D. Les représentation sociales: un domaine en expansion. In: JODELET, D. Les représentations sociales: un domaine en expansion. Paris: Presses Universitaire de France, 1989. 11Cultura e representações sociais Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo: DICA DO PROFESSOR No vídeo a seguir, você poderá ver algumas perguntas feitas por professores angustiados em como lidar com novas instabilidades que fazem parte do cotidiano escolar. A partir delas, há uma discussão sobre o que é a Cultura Escolar e como é possível reinventá-la, a fim de buscar um maior sentido às comunidades escolares. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! EXERCÍCIOS 1) Tradicionalmente, de que forma a escola se relacionou com as culturas? A) Grandes professores e professoras constituíram a educação brasileira, moldando, inclusive, nossa cultura. Mais recentemente, apoiados na legislação, professores faltam e não são demitidos, resultando nas péssimas condições do ensino e, assim, do País. B) A escola se caracteriza historicamente como um universo monocultural: assume como "correta" a cultura dos grupos dominantes - passando pelos saberes, até as maneiras como se conversa, como se organiza o espaço, como se utiliza o corpo, etc. C) Enquanto a escola focalizou em conteúdo, garantindo aos esforçados seu sucesso, apesar de todas adversidades, a conversa sobre cultura nunca foi necessária. Atualmente, houve essa reorientação, e os alunos passam de ano sem saber, mas multiculturais. D) A escola sempre foi porta de entrada para a cultura e as famílias sempre procuraram conduzir seus filhos a este caminho. No entanto, com a destruição recorrente das famílias, este ciclo está cada vez mais em risco, comprometendo a educação. E) A escola pública, por seu caráter e por ser gratuita, sempre foi aberta a todos, garantindo a igualdade. Hoje em dia, apesar disso, os alunos não valorizam, não se importam com nada, bagunçam e evadem, deteriorando a qualidade e seu futuro. 2) Qual das alternativas a seguir melhor explica as instabilidades, tensões e resistências, por parte dos alunos, observadas no cotidiano escolar da atualidade? A) Muitas das novas tensões e conflitos no cotidiano escolar podem ser relacionadas com o distanciamento entre a cultura da escola e a cultura do aluno. Uma das características da cultura escolar é que ela se aproxima de um tipo de cultura particular, homogênea em termos de identidade, e associada à cultura de elite, fazendo pouco sentido para um grande grupo de alunos. B) O desinteresse pelo próprio futuro, a falta de emprenho, a cultura da esperteza e do dinheiro rápido, alinhados ao mundo do tráfico e da criminalidade, faz com que o professor tenha que conviver com criminosos em formação, ao invés de alunos. C) O desrespeito à autoridade, em uma sociedade em que não há punição, fez com que os alunos atuais mostrassem quem realmente são: não querem nada com nada. Diferente de outros países, no Brasil, os alunos não são disciplinados e trabalhadores. D) Em um mundo de tecnologias, tornou-se impossível o diálogo da escola com os alunos. A nova lógica de mobilidade e web 2.0 não combina com o ambiente escolar, que só pode funcionar de modo analógico. E) Com a falta de apoio dos pais na participação e educação dos filhos, que transferem isso para a escola, não há como a harmonia acontecer. Se os pais ajudassem, seria muito mais fácil. 3) De que maneira estudos de representações sociais podem auxiliar no entendimento de questões educacionais, como o fracasso escolar? A) As representaçõessociais são úteis para a pesquisa científica, mas pouco impactam na vida de professores ou gestores educacionais, que precisam se preocupar com o que ocorre na escola. Refletir sobre as representações que fazem sobre seus alunos ou sua comunidade escolar, por exemplo, não ajuda a pensar no que fazer na prática cotidiana. B) As representações sociais são organizações não governamentais espalhadas pelo mundo, oferecendo uma educação alternativa à escola para crianças das mais diversas idades. Elas são baseadas em percepções e opiniões, em um ambiente de intensa discussão política. C) As representações sociais são métodos para se medir opiniões ou percepções. Dessa forma, separa-se totalmente o que é próprio do sujeito e o que é próprio da sociedade, cabendo ao sujeito opinar sobre algo externo, como o fracasso escolar, que seguirá inalterado após a opinião proferida. D) As representações sociais são herança da psicologia para a educação. Dessa forma, apontam como se pode utilizar a técnica da representação com estudantes, a fim de diagnosticar suas condições psicossociais. As representações indicariam os graus de normalidade ou de déficit de cada educando, colaborando no processo. E) As representações sociais podem servir para que se entenda como realidades como o fracasso escolar são significadas e produzidas de formas particulares a partir do senso comum. Ajudam a demonstrar uma esfera cultural de produção para além da produção relacionada aos condicionamentos econômicos. 4) Qual das alternativas a seguir apresenta uma possibilidade concreta de tornar a escola um ambiente mais democrático culturalmente? A) Pode-se começar por rechaçar todos tipos de avaliações, que servem apenas para restringir as possibilidades do currículo. Devemos deixar que a avaliação dê lugar a um currículo construído somente pelo aluno, sem se importar com IDEB, ENEM ou vestibular. B) Precisamos abolir a organização da escola em turmas e disciplinas, colocando em xeque toda a ideia de escola. Dessa forma, podemos, com efeito, envolver todos os estilos e pensamentos educacionais, sem necessidade de qualquer convenção. C) O currículo da escola poderia ser revisto a partir de saberes da comunidade, ignorando os conhecimentos consagrados. Dessa forma, pode-se resistir a avaliações e trabalhar apenas o que o aluno gosta. D) O educador pode sempre repensar sua própria trajetória a partir de algumas perguntas ou exercícios - e isso pode ser feito no coletivo de professores. Estes podem retomar seus próprios históricos, perceber suas evoluções teóricas e desafios em termos de aumentar a democracia cultural da escola. E) A escola poderia passar a organizar-se em assembleias, todas as definições devem sempre ser aceitas por toda a comunidade, caso contrário, estaremos sendo autoritários. Democracia exige que tudo que ocorre na escola seja votado em reunião. 5) Qual das alternativas apresenta uma contribuição dos estudos culturais, a partir de Stuart Hall, para repensar a sociedade com um foco na cultura? A) No pensamento social, não passa mais a prevalecer, na vida das pessoas, apenas a determinação da economia em última instância – como se a posição econômica determinasse quem o sujeito é e qual é sua cultura e ideologia, de forma absoluta. Com uma centralidade na cultura, se percebe como ela, junto à economia, determina a sociedade e as formas como os sujeitos lidam com suas vidas. B) Os estudos culturais ajudam na rejeição da ideia de que a economia é importante na forma como se vive a vida. A cultura sim é importante, pois, a partir do nível cultural de cada um, é que se pode alcançar o sucesso, não a partir das condições financeiras. C) Os estudos culturais nos mostram que a única forma de superar o fracasso escolar e a opressão é através da aquisição de cultura. Assim, deve-se oferecer uma centralidade, na escola, a passeios, visitas, viagens, dando menos espaço às disciplinas tradicionais. D) A economia segue sendo a definidora da base/estrutura, estando a cultura na superestrutura. Ela é correspondente à condição econômica, reflexo natural da posição que o sujeito ocupa na lógica do modo de produção. E) Com a influência de Hall, a escola e a cultura passam a ser vistas como complementares: a escola deve ser a cultura vivida, não sendo mais necessária a envelhecida ideia de escola para os tempos atuais. NA PRÁTICA Você vai conhecer detalhes do Projeto Escola Cidadã, implementado em algumas escolas durante as décadas de 1980 e 1990. É uma forma de ver, na prática, como a cultura pode ser central no currículo escolar, aprimorando a aprendizagem. Acompanhe a seguir as quatro perspectivas que formataram o projeto na prática. SAIBA MAIS Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Desigualdades e a educação - Entrevista a Magda Soares A educadora da UFMG Magda Soares fala sobre as diferenças entre as crianças quando começam na escola com conhecimentos já adquiridos ou não, e as diferenças de salário entre os professores. Essa edição, do programa do Canal Futura, Entrevista faz parte da série sobre os desafios de ensinar em suas múltiplas linguagens apresentada pelo jornalista Antônio Gois. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Quais os desafios para a implementação da BNCC? Como levar em consideração as características de cada região ao implementar a Base Nacional Comum Curricular? Como conseguir o engajamento nas escolas? Esse é o tema da entrevista com Denis Mizne. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Uma Escola para Todos dith Rubinstein e Augusto Galery dão entrevista à Nova Escola sobre "Como construir uma escola para todos", tema do livro de Lino de Macedo e expertise dos entrevistados. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!
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