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PSICOLOGIA APLICADA AO SERVIÇO SOCIAL Fernanda Piscinin 2 SUMÁRIO 1 CONCEPÇÕES TEÓRICAS DA PSICOLOGIA: PSICANÁLISE, BEHAVIORISMO, GESTALT E PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA/HISTÓRICO-CULTURAL ............ 3 2 ANÁLISE DA PSICOLOGIA SOCIAL: DEFINIÇÕES E OBJETOS DE ESTUDOS 13 3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS .................................................................... 20 4 DEBATES SOBRE TEMAS FUNDAMENTAIS DA PSICOLOGIA SOCIAL ........ 27 5 FAMÍLIA, ESCOLA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA ...................... 35 6 PSICOLOGIA SOCIAL COMO SUPORTE AO SERVIÇO SOCIAL ................... 45 3 1 CONCEPÇÕES TEÓRICAS DA PSICOLOGIA: PSICANÁLISE, BEHAVIORISMO, GESTALT E PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA/HISTÓRICO- CULTURAL Apresentação Olá, aluno! Seja bem-vindo (a) ao estudo da psicologia e suas interfaces com os sujeitos e a realidade social! Psicologia enquanto ciência Todo mundo aqui deve ter um amigo que está sempre preparado para te ouvir quando você precisa. Muitas vezes, você já deve ter pensado que esse amigo é quase um psicólogo! Na verdade, as pessoas acreditam, baseadas no conhecimento de senso comum, que o fato de estarem disponíveis a ouvir o outro já o torna um psicólogo. Isso é um engano, pois a psicologia é muito mais ampla do que isto, ela é uma ciência que se apoia em estudos sistemáticos e tem como objeto de estudo o ser humano e seus fenômenos psicológicos. Vamos conhecer um pouco mais sobre algumas das concepções teóricas dessa ciência? Neste bloco, vamos começar a conhecer a história e o desenvolvimento da psicologia enquanto ciência, a partir do contato com algumas importantes concepções teóricas que fazem parte do campo de estudos e intervenções da psicologia. Além disso, vamos começar a refletir um pouco sobre as contribuições da psicologia à prática do assistente social. Bons estudos! 4 1.1 Psicanálise De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2018) a psicanálise, criada por Sigmund Freud (1856-1939), pode ser entendida como uma teoria, um método de investigação e uma prática profissional, que tem como objetivo conhecer o funcionamento da vida psíquica, interpretando aquilo que manifestamos a partir de ações e palavras, dando-nos a possibilidade de buscarmos autoconhecimento a partir da análise. Freud era médico, especialista em psiquiatria e começou a desenvolver seu trabalho a partir do atendimento clínico a pessoas com “problemas nervosos”. Trabalhou com Jean Martin Charcot (1825-1893) e Josef Breuer (1842-1925), médicos que contribuíram na construção do desenvolvimento de seu trabalho e investigações a respeito do inconsciente. Para Freud, esse era um conceito importante. O inconsciente é o lugar onde toda a experiência afetiva fica registrada e contribui para a determinação dos comportamentos dos indivíduos durante todas as fases do seu desenvolvimento. Para Bock, Furtado e Teixeira (2018), o indivíduo utiliza mecanismos de defesa, que são inconscientes e deformam a percepção da realidade, afastando pensamentos que possam ser dolorosos ou desorganizadores do psiquismo. Falando em psiquismo, Freud, a partir de seus estudos e intervenções, desenvolve uma teoria sobre a estrutura do aparelho psíquico, em que ele se refere a três sistemas ou instâncias psíquicas. Inicialmente, ele vai chamar de inconsciente, pré- consciente e consciente. Depois, com o amadurecimento em seus estudos, Freud modifica a teoria do aparelho psíquico e começa a trabalhar com os conceitos de id, ego e superego. O id é onde guardamos nossa energia psíquica e onde se localiza o que Freud chamou de pulsão de vida e pulsão de morte. O ego é regido pelo princípio da realidade e tem como funções básicas a percepção, a memória, os sentimentos e o pensamento. Já o superego é o local onde internalizamos proibições e limites impostos por exigências culturais e sociais. O superego tem sua origem com o complexo de Édipo. 5 O complexo de Édipo é um processo que ocorre com meninos e meninas entre 3 e 5 anos. Nessa fase, de acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2018), a mãe torna-se objeto de desejo do menino e o pai da menina. Para “ter” o pai, ou a mãe, a criança se identifica com o outro (pai ou mãe) enquanto modelo de comportamento. Nesse processo, ela passa a internalizar regras e normas sociais representadas e impostas pela figura de autoridade. Freud trabalhou em caminhos que nos ajudassem a conhecer um pouco mais da nossa vida psíquica. Os estudos e descobertas de Freud foram traduzidos em conceitos importantes que podem ser aplicados no trabalho psicanalítico, contribuindo no entendimento das relações e conflitos humanos. 1.2 Behaviorismo Behaviorismo tem origem do termo inglês behavior que significa “comportamento”. Essa concepção teórica da psicologia foi fundada pelo americano John B. Watson (1878-1958), que em um contexto em que a psicologia buscava reconhecimento como ciência, tinha como proposta a experimentação observável e mensurável do comportamento. Certos estímulos levam o organismo a dar determinadas respostas e isso ocorre porque estes se ajustam aos seus ambientes por meio de equipamentos hereditários e pela formação de hábitos, que contribuem para formar novas respostas. Watson buscava a construção de uma psicologia livre de conceitos mentalistas e de métodos subjetivos, atendendo, dessa maneira, aos objetivos da ciência que seriam de previsão e de controle (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018, p.51). 6 Apesar de Watson ter dado o primeiro passo na análise do comportamento, outros psicólogos comportamentais ficaram bastante conhecidos nessa área da psicologia. Um desses foi B. F. Skinner (1904-1990), que por meio da análise experimental do comportamento, formulou a ideia de comportamento operante, ele defendia que o comportamento poderia ser controlado pelo estímulo às respostas esperadas e tanto o comportamento reflexo como o intencional podiam ser condicionados. O comportamento operante refere-se à inter-relação sujeito- ambiente. Quando o organismo se comporta, emitindo essa ou aquela resposta, sua ação produz uma alteração ambiental, uma determinada consequência que, por sua vez, retroage sobre o sujeito alterando a probabilidade futura de ocorrência. Assim, agimos sobre o mundo em função das consequências criadas pela ação (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018, p.54). Skinner demonstrou a sua tese relacionada ao comportamento operante em um experimento dentro de uma caixa, que ficou conhecida como Caixa de Skinner. A partir dessa experiência, Skinner definiu alguns eventos consequentes ao comportamento que se pretendia obter, que podem acontecer pelo que chamamos de reforço. O Behaviorismo, assim com outras tendências teóricas da psicologia ligadas ao comportamento, vem sendo aplicadas em diversas áreas como a educação, recursos humanos em empresas, esporte, entre outras. 7 Figura 1 - Caixa de Skinner - Disponível em: https://slideplayer.com.br/slide/3504017/ Um rato foi colocado em um recipiente fechado no qual encontrava apenas uma barra. Essa barra, ao ser pressionada pelo rato, acionava um mecanismo que lhe permitia obter uma gotinha de água, encaminhada à caixa por meio de uma pequena haste. Durante a exploração da caixa, o rato pressionou a barra acidentalmente, o que lhe trouxe, pela primeira vez, uma gota de água que foi rapidamente consumida. O procedimento envolvia tornar disponível a água ao rato cada vez que a barra fosse pressionada. Depois de várias tentativas bem-sucedidas, constatou-se a alta probabilidade de que, estando em situação semelhante, o rato pressionasse a barra novamente (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018, p.54). 1.3 Gestalt A Psicologia da Gestalt, representada inicialmente por Max Wertheimer (1880- 1916),Wolfgang Köhler (1887-1967) e Kurt Koffka (1886-1941), foi fundada a partir da necessidade de entender as ações e processos humanos como uma totalidade. Na tentativa de comprovar fenômenos psicológicos a partir de uma prática científica, vários representantes da psicologia acabaram tentando traduzir alguns dos processos humanos de forma fragmentada. Nesse sentido, de acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2018), tendo suas origens na Fenomenologia, a Gestalt tem como objetivo a análise dos fenômenos como os percebemos, ou seja, como percebemos a realidade ao nosso redor, entendendo a experiência de cada pessoa e como ela é vivida. 8 Segundo Frazão e Fukumitsu (2014) dos principais conceitos trabalhados pela Gestalt é o que chamamos de awareness, que pode ser traduzida como “estar consciente de”, o que importa para a Gestalt é o aqui-agora. Como podemos ver, a percepção é um dos elementos-chave em que essa concepção teórica se apoia, pois é a partir desta que tomamos consciência do que está a nossa volta, estabelecendo uma relação chamada pela Gestalt de figura-fundo. No entanto, é importante também entendermos como cada um de nós decodifica essa realidade, pois é isso que determinará nossos comportamentos e sentimentos em relação a alguma situação. Para a Gestalt “o todo é maior do que a soma das partes” e o comportamento precisa ser estudado levando em consideração o contexto no qual o indivíduo está inserido. 1.4 Psicologia Sócio-Histórica e Psicologia Comunitária 1.4.1 Psicologia Sócio-Histórica De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2018), a Psicologia Sócio-Histórica toma como base de estudos a Psicologia Histórico-Cultural de Lev Vygotsky (1896- 1934), que propõe a possibilidade de superação das visões dicotômicas, que entendem os sujeitos a partir de uma perspectiva unilateral e naturalizada, que ele considera reducionista. Para Vygotsky a experiência pessoal se constitui no coletivo e na cultura, portanto precisa ser analisada a partir de uma perspectiva sócio-histórica, que se reproduz em um movimento dialético da realidade. Ou seja, as formas de subjetivação presentes hoje, fazem parte do movimento em que se constitui a história. Dessa forma, podemos dizer que o fundamento filosófico, teórico e metodológico adotado pela Psicologia Sócio-Histórica é o materialismo histórico dialético. Nessa perspectiva, o ser humano é um indivíduo ativo e participante da história e da sociedade, e esta última é concebida como uma construção histórica dos seres humanos que produzem sua vida material em suas atividades, por seu trabalho. Nesse sentido, as ideias, são representações da realidade material e levam em si as 9 contradições que se expressam nelas. A história é concebida como o movimento constante do fazer humano, que produz ideias (inclusive a própria psicologia) a partir da base material. É nessa relação dialética que a psicologia sócio-histórica trabalha. Afirma a materialidade, mas nega o determinismo estrutural e a ordem natural dos fenômenos, apresentando uma concepção muito profícua de que a materialidade já contém a subjetividade historicamente incrustada, o que significa que a materialidade não é física, e que a subjetividade não é ideia pura: ambas são configuradas e configuram a história pela mediação do trabalho (SAWAIA, 2014, p. 5). A atividade, a consciência, a identidade, a afetividade, a linguagem, o sentido e o significado, são algumas das categorias de análise que a Psicologia Sócio-Histórica se utiliza. De acordo com Strey et al (2013) nos ajuda a fazer uma leitura dos processos e movimentos que fazem parte das relações sociais em determinado momento histórico e dizem do processo de construção da subjetividade humana. 1.4.2 Psicologia Comunitária A Psicologia Comunitária, segundo Ornelas (1997), surge enquanto um desdobramento da Psicologia Social crítica e da necessidade de construção de uma nova atuação da psicologia, que estivesse mais atenta aos movimentos de transformação da realidade, atuando diretamente nas comunidades. Dessa forma, os psicólogos comunitários para que pudessem melhorar o estado psicológico geral dos indivíduos de determinada comunidade, precisariam entender os processos que fazem parte desta. Essa concepção teórica traz uma perspectiva política, pois a intervenção passa a ser de âmbito social e não mais individual. A Psicologia Comunitária vai se destrinchando, ao longo do tempo, em várias correntes teóricas. No contexto norte-americano, na década de 1960, podemos 10 perceber uma prática que dava ênfase a uma lógica de controle da comunidade, a partir de uma dinâmica educacional, de maior participação social do grupo segundo ORNELAS (1997). Já no contexto latino-americano, vemos emergir, a partir da década de 1970, uma prática, cuja principal característica era o compromisso com uma ação psicossocial orientada para a transformação social, tendo com base uma práxis crítica libertadora. Segundo Costa (2015) essa prática acontecia mediante o processo de fortalecimento comunitário, que demanda mobilização das potencialidades individuais e coletivas das pessoas e grupos na comunidade. Nesse processo, é de fundamental importância a construção de uma prática que envolve o compromisso, a participação e o exercício da democracia. 1.5 A associação da teoria psicológica à prática do assistente social Depois de termos conhecido um pouco de algumas das perspectivas teóricas da psicologia, podemos refletir juntos: como esse conhecimento poderá contribuir para a prática do trabalho do assistente social? A psicologia e o serviço social são profissões que trabalham de forma interdisciplinar em diferentes espaços socio-ocupacionais. Suas áreas de conhecimento podem ser complementares, possibilitando um olhar mais integral aos indivíduos e suas relações sociais, culturais, econômicas e políticas. Ambas as profissões intervêm diretamente com os sujeitos sociais, nas mais diversas situações do cotidiano. Dessa forma, a psicologia, principalmente a Psicologia Social, pode nos ajudar a compreender a construção da subjetividade dos indivíduos, a partir das relações sociais vividas por eles, entre sujeito e sociedade. A interseção entre essas duas áreas do conhecimento pode subsidiar a construção de saberes e ações que tenham como foco o compromisso social, tendo como consequência práticas voltadas para a garantia de direitos sociais, civis e políticos. 11 Conclusão Diante da apresentação dessa unidade, percebemos que a psicologia, enquanto uma ciência, baseada em objetos de estudo, métodos e metodologias, tem dimensão multifacetada. Isso nos faz constatar a existência de vários referenciais, ou seja, várias psicologias. Conhecemos um pouco de algumas concepções teóricas como Psicanálise, Behaviorismo, Gestalt, Psicologia Sócio-Histórica e Psicologia Comunitária. Vimos que cada uma delas enxerga os indivíduos e os fenômenos psicológicos de maneiras diferentes. Depois de termos conhecido um pouco mais da psicologia, refletimos sobre a possibilidade de associação da teoria psicológica à prática do assistente social. Nesse sentido, concluímos que no cotidiano do trabalho dessas duas profissões é possível uma atuação interdisciplinar, que garanta um olhar integral para os indivíduos e as relações sociais. Referências BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. 15. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. COSTA, José Fernando Andrade. “Fazer para Transformar”: a Psicologia Política das Comunidades de Maritza Montero. Revista Psicologia Política, v.15, n.33, 2015. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519- 549X2015000200003> Acesso em: 16 ago 2019 FRAZÃO, LilianMeyer; FUKUMITSU, Karina Okajima (org.) Gestalt-terapia: conceitos fundamentais. 1. Ed. São Paulo: Summus, 2014 (recurso digital). 12 ORNELAS, José. Psicologia comunitária: Origens, fundamentos e áreas de intervenção. Análise Psicológica, 3, XV, p.375-388, 1997. Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/pdf/aps/v15n3/v15n3a02.pdf> Acesso em: 16 ago 2019 SAWAIA, Bader Burihan. Transformação social: um objeto pertinente à Psicologia Social? Psicologia & Sociedade, p. 4-17, 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/psoc/v26nspe2/a02v26nspe2pdf> Acesso em: 16 ago 2019 STREY, Marlene Neves et al. Psicologia Social Contemporânea. 21.ed. Petropolis, RJ: Vozes, 2013. 13 2 ANÁLISE DA PSICOLOGIA SOCIAL: DEFINIÇÕES E OBJETOS DE ESTUDOS Apresentação Depois que conhecemos algumas das concepções teóricas da psicologia e refletimos como esse conhecimento pode contribuir para a nossa atuação como assistente social, vamos agora adentrar um pouco mais no campo de conhecimento da Psicologia Social. Para tanto, conheceremos seus objetos de estudo e maneiras de intervenção. Vamos lá? 2.1 Desenvolvimento histórico da Psicologia Social No início do século XX, momento em que a Psicologia tentava ser reconhecida enquanto ciência, muitos pesquisadores, baseados na proposta positivista de August Comte (1798-1857), acabavam caindo em uma visão reducionista do ser humano, reproduzindo uma perspectiva dicotômica que via indivíduo e sociedade de maneira separada. Diante desse quadro, a Psicologia Social inicia suas problematizações apontando para a necessidade do desenvolvimento de teorias e métodos que pudessem explicar as influências dos fatores sociais sobre os processos psicológicos dos indivíduos. Apesar de estar mais aberta a análise dessas interações, inicialmente, a Psicologia Social ainda tinha uma perspectiva adaptacionista. Essa percepção era comum entre os pesquisadores da Psicologia Social norte-americana. Lá, a Psicologia Social se desenvolveu a partir da Segunda Guerra Mundial, momento em que se tentava entender o comportamento social para a minimização de conflitos. Segundo Strey et al. (2013) psicólogos sociais trabalhavam para a alteração ou a criação de atitudes a fim de interferir nas relações grupais tornando-as mais harmônicas, promovendo a produtividade dos grupos, a partir de uma lógica de ajustamento social. 14 No entanto, ainda sim, víamos um processo de dicotomia entre indivíduos e sociedade, visto que a sociedade era colocada enquanto plano de fundo de um cenário, onde o indivíduo atuava, e desta forma procurava-se explicar o seu comportamento por "causas" internas. Essa Psicologia Social norte-americana foi criticada, principalmente por cientistas da França e Inglaterra, por ser ideológica, reprodutora dos interesses da classe dominante e construída em um contexto específico, dificultando sua aplicação em outros países, com diferentes condições histórico-sociais. Nesse sentido, segundo Strey et al. (2013), passaram a desenvolver uma Psicologia Social europeia, que tinha uma maior preocupação com o contexto social. No Brasil, existia uma forte influência da Psicologia Social norte-americana, mas que também começou a ser questionada, no momento da “Crise da Psicologia Social”, visto que sua produção não tinha consonância com os problemas sociais emergentes dos países latino-americanos. Mediante esse contexto, foi fundada, em 1980, a Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), que se propôs a construir um referencial teórico que pudesse compreender o contexto social ali vigente, perpetrados por problemas políticos e sociais. Essa Psicologia Social, segundo Torres e Neiva (2011), rompe com a dicotomia (indivíduo/sociedade) até então presente, trazendo uma perspectiva mais crítica do ser humano como produto histórico-social e, ao mesmo tempo, como construtor e transformador da sociedade onde está inserido. 2.2 A relação problema-método De acordo com Torres e Neiva (2011), podemos dizer que a Psicologia Social, a partir desse momento, propõe trabalhar tendo em vista pressupostos teóricos como o socioconstrutivismo, a análise do discurso e a psicologia marxista. Essas perspectivas pautavam o papel político da Psicologia Social e as possibilidades de intervenção para a transformação da sociedade. 15 Diante das propostas de uma Psicologia Social que atendesse as necessidades presentes no contexto latino-americano, como vimos no tópico anterior, no Brasil iniciaram-se as produções científicas, ainda marcadas por rivalidades, mas, inicialmente, com forte contribuição de Silvia Lane (1933-2006), que trouxe uma discussão com aportes da Psicologia Sócio-Histórica. Como vimos na unidade anterior, essa concepção parte do pressuposto de que o ser humano é um ser ativo, social e histórico. Também é marcante a contribuição de Martin-Baró (1942-1989), que defendia uma Psicologia Social que trabalhasse no desenvolvimento de um saber crítico da realidade. Destarte, é importante apontar que a Psicologia Social latino-americana apresenta, enquanto problema de pesquisa, a possibilidade de mudanças sociais a partir do olhar para os indivíduos, vistos em sua totalidade, e um contexto social marcado por questões sociais e políticas próprias do momento histórico e social. Dessa forma, podemos perceber o comprometimento de uma psicologia social mais crítica. Enquanto método, apresenta uma forte tendência ao materialismo histórico dialético. [...] para conhecer o ser humano, é preciso situá-lo em um momento histórico, identificar as determinações e desvendá-las. Para entender o movimento contraditório da totalidade na qual se encontram os indivíduos, deve-se partir do geral para o particular, para o processo individual de relação entre atividade e consciência. É necessário perceber o singular e seu movimento como parte do movimento geral e, ao revelar essas mediações, compreender não só o geral, mas o particular. É dessa forma que o indivíduo deve ser entendido pela Psicologia fundamentada no materialismo histórico e dialético (BOCK, FURTADO E TEIXEIRA, 2018, p. 75). 2.3 Os objetos de estudo da psicologia social Considerando os processos de mudanças presentes no contexto da Psicologia Social vividas pelas tendências norte-americana, europeia e latino-americana, podemos dizer que a Psicologia Social se debruçou em vários objetos de estudo ao longo do tempo. No entanto, vemos que a base desses estudos eram as relações dos indivíduos, entre si e com a sociedade ou cultura onde estão inseridos. 16 Para entendermos melhor, comecemos com a compreensão de que o indivíduo e sua subjetividade se constituem a partir de sua inserção na cultura. Dessa forma, podemos dizer que o ser humano é diferente de outras espécies, visto que ele desenvolve e torna cada vez mais complexa sua cultura. Esse processo, segundo Strey et al (2013), se dá a partir da aquisição da linguagem, momento em que se inicia uma organização complexa do pensamento, em que o ser humano aprende a simbolizar. No decorrer do seu desenvolvimento, o indivíduo fará contato com a cultura pertencente ao seu grupo, a partir das inter-relações sociais, aprendendo regras, valores, crenças e costumes que fazem parte da sociedade. Porém, de acordo com Strey et al. (2013) é importante pontuar que o indivíduo não absorve passivamente a cultura imposta, visto que esse processo envolve um movimento em que o indivíduo constrói a sociedade e é construído por ela. Nesse processo, a linguagem tem papel importante, por ser um produto e um instrumento social, trazendo consigo as propriedades de comunicação e significação, orientando-se no sentido da constituição da consciência dos indivíduos. Assim, a palavra reflete a origem social da consciência(STREY et al., 2013). Em síntese, nesse processo de construção contínuo da cultura é que as relações sociais vão se constituindo, contribuindo nos processos de formações de representações sociais e identidades. Mediante o exposto, podemos dizer que, ao se debruçar nos objetos de estudo aqui apresentados, a Psicologia Social busca refletir sobre o movimento de transformação do ser humano e as construções subjetivas, podendo ser pessoais e sociais, contidas no movimento da sociedade. 2.4 Intervenções da psicologia social A prática da psicologia social pode estar presente em vários contextos como consultórios, instituições de saúde, escolas, organizações públicas e/ou privadas, entre outros, e em diferentes territórios. Segundo Ferreira (2014) trabalho se dá a partir de 17 conjecturas e ações que podem envolver movimentos sociais, grupos geracionais, enfim, diferentes seguimentos socioculturais, com o objetivo de se constituir intervenções junto a projetos na área social e políticas públicas. O papel do psicólogo social, de acordo com Bock, Furtado e Teixeira: [...] é construir condições para que cada sujeito, grupo ou instituição compreenda e se aproprie de sua forma de estar no mundo e contribua nas relações que estabelece a partir de se considerar como parte ativa na transformação de si e do mundo na busca de melhores condições de vida para si e para o coletivo. (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018, p. 79) No processo de construção de intervenções da psicologia social, precisamos levar em conta as relações sociais que se constituem por meio da comunidade. Neste contexto, segundo Ferreira (2014), podemos ver a diversidade das relações de um grupo, onde as pessoas estabelecem relações dinâmicas e que se perpetuam por algo em comum. Desta maneira, é importante ressaltar que a intervenção da psicologia social deve considerar a presença ativa desses indivíduos e suas singularidades, garantindo que tenham voz e vez, no exercício da ação política. 2.5 O indivíduo e a multidão Como vimos no tópico anterior, a Psicologia Social se dedica ao estudo das relações sociais, à forma como os indivíduos as constituem e são constituídos e como estas relações podem ser vistas no âmbito da comunidade. Assim sendo, é importante problematizar aqui a forma como essas relações se dão, entendendo o papel dos indivíduos. 18 Segundo Strey et al. (2013) as relações sociais, em uma perspectiva dialética, só se dão a partir do momento que existe a ligação com um outro. Nesse sentido, para que haja transformação é necessária a transformação das relações existentes. Em vista disso, quando trabalhamos no contexto da psicologia social, precisamos levar em conta a existência de um grupo/comunidade, com propósitos comuns, e que se organize por meio destas relações sociais. Ao contrário disso, de acordo com Strey et al. (2013), teremos um amontoado de pessoas em multidão, situação em que a relação entre elas, praticamente, é inexistente, e a única coisa em comum é a figura de um chefe ou um dirigente. Dessa forma, ficaria difícil estabelecer uma dinâmica democrática, em que os indivíduos possam exercitar seu direito de participação e são respeitadas em sua autonomia. Conclusão Nessa unidade, estudamos sobre o processo de construção histórica da Psicologia Social, entendendo que esta sofreu influências de diferentes vertentes metodológicas ao longo do tempo, relacionadas às particularidades de cada contexto social, político e econômico, em momentos históricos distintos. Vimos também que a Psicologia social latino-americana se destaca nesse contexto, trazendo uma problematização mais crítica da realidade, baseada em questões políticas e econômicas que emergiam nesses países no final da década de 1970. Por conseguinte, vimos a construção de uma psicologia social apoiada em estudos que visavam entender e intervir nas relações dos indivíduos e na sociedade, apreendendo esses indivíduos enquanto seres ativos, sociais e históricos. Ao final, conhecemos um pouco das possibilidades de intervenção da psicologia social, considerando a importância da comunidade, para a construção de uma prática profissional mais democrática. 19 Referências BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. 15. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. TORRES, Claudio Vaz; NEIVA, Elaine Rabelo. Psicologia Social: principais temas e vertentes. Porto Alegre, RS: Artmed, 2011. STREY, Marlene Neves et al. Psicologia Social Contemporânea. 21.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. FERREIRA, Rita de Cássia Campos. Psicologia Social e Comunitária. Fundamentos, Intervenções e Transformações. São Paulo, SP: Érica, 2014. 20 3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Apresentação Olá, aluno! Nesta unidade estudaremos as Representações Sociais, enquanto temática importante da Psicologia Social, que permeia análises e discussões de vários autores. Conheceremos a origem desse conceito e como ele foi discutido ao longo do tempo. Propomos-nos também, a pensarmos juntos sobre como as Representações Sociais são presentes na vida cotidiana. Vamos nos aprofundar mais nessa temática? 3.1 As representações coletivas (Durkheim) Como vimos nas outras unidades, a construção da Psicologia Social passou por um longo percurso, tendo como base, diferentes vertentes teóricas. Uma grande referência foi Émile Durkheim (1858-1917), considerado fundador das Ciências Sociais. Suas teorias tiveram forte influência na construção da chamada Psicologia Social Sociológica, vertente da Psicologia Social que se desenvolveu inicialmente na Europa, em contraponto à Psicologia Social Psicológica, norte-americana. Durkheim baseia suas reflexões na relação entre indivíduo e sociedade. Para o autor é a sociedade que determina o comportamento do indivíduo e, por isso, as condutas individuais não podem ser explicadas apenas com um enfoque individual psicológico. Durkheim desenvolveu seu estudo sobre Representações Coletivas, a partir da análise da religião e dos mitos, problematizando o lugar dos símbolos na sociedade. De acordo com ele, todas as formas de conhecimento, inclusive a ciência, não são resultadas de uma construção individual e sim um produto da idealização coletiva. Para o autor, “[...] nossas categorias de pensamento e representações da realidade surgem de um fato social” (ALVARO; GARRIDO, 2006, p. 9). Nesse sentido, essas 21 construções não podem, segundo Torres e Neiva (2011), estar somente ligadas a uma consciência individual. Dessa forma, podemos dizer que as Representações Coletivas são base para a construção de ideias individuais, ou seja, o indivíduo carrega marcas de sua realidade social relacionadas aos seus vínculos sociais. Destarte, concluímos que a estrutura social reproduz representações coletivas. Os estudos de Durkheim sobre Representações Coletivas são importantes, pois acabam por influenciar o desenvolvimento da teoria de Representações Sociais, desenvolvido por Serge Moscovici, que veremos mais adiante. 3.2 As mentalidades primitivas (Lévy-Bruhl) O conceito de mentalidades primitivas foi desenvolvido por Lévy-Bruhl (1857- 1939), que, assim como Durkheim, acreditava que as representações coletivas poderiam ter influências sobre os indivíduos. No desenvolvimento de seus estudos ele apontava, diferentemente de Durkheim, que os campos de conhecimento, como a ciência moderna, não nascem da religião, enquanto pensamento primitivo. Lévy-Bruhl faz uma divisão entre mentalidade moderna construída pelo pensamento ocidental, e a mentalidade primitiva, que tem como fonte, o conhecimento místico e pré-lógico segundo Torres e Neiva (2011). Para Lévy-Bruhl o pensamento religioso não se tratava de algo rudimentar ou primitivo.O pensamento religioso para ele tinha outra lógica de funcionamento, que se baseia na explicação mística da realidade, diferente do pensamento científico. Nesse sentido, as mentalidades primitivas derivam não de uma inferioridade evolutiva, mas seria uma forma de adaptação intelectual ao contexto, de maneira a ignorar as operações lógicas ou a reflexão. Por exemplo: se um objeto cai no chão, a mentalidade moderna pode tentar explicar esse fato a partir da física. Já a mentalidade primitiva, pode dizer que existe uma condição mística para que esse objeto tenha caído, “porque Deus quis!”. 22 Dessa forma, segundo Torres e Neiva (2011), para entender o funcionamento de mentalidades primitivas, era importante conhecer como as representações coletivas aconteciam na sociedade, influenciando os indivíduos. 3.3 As representações sociais (Moscovici) Agora que conhecemos um pouco dos estudos de Durkheim e Lévy-Bruhl, vamos entender como as teorias de representações coletivas e mentalidades primitivas influenciaram a construção da teoria de representações sociais desenvolvida por Serge Moscovici (1925-2014), trazendo grande impacto para as discussões da psicologia social, ao criticar os pressupostos positivos e funcionalistas presentes nas demais teorias. Em meados da década de 1960, Moscovici começou a desenvolver a teoria das representações sociais a partir da observação de que o conhecimento científico e os termos usados pela ciência, passaram a fazer parte das falas cotidianas, nas relações sociais. No entanto, esse conhecimento era usado de forma não científica, baseado no conhecimento de senso comum. Mas o que seria o senso comum? Podemos dizer que o senso comum é aquele que orienta o conhecimento prático e influencia o comportamento dos indivíduos no cotidiano. Ele é aprendido nas interações sociais. Assim, nasceu a teoria de representações sociais que pode ser definida da seguinte forma: As representações sociais são “teorias” sobre saberes populares e do senso comum, elaboradas e compartilhadas coletivamente, com a finalidade de construir e interpretar o real. Por serem dinâmicas, levam os indivíduos a produzir comportamentos e interações com o meio, ações que, sem dúvida, modificam os dois (STREY, 2013, p. 105). 23 É importante pontuar aqui, que Moscovici teve grande influência da teoria de representações coletivas de Durkheim. Assim como ele, entendia que existe uma relação entre o coletivo e o indivíduo. No entanto, podemos dizer que ele atualiza as ideias de Durkheim, pois ele busca entender a construção dessas relações. Nesse sentido, a teoria das representações coletivas parte da análise de uma estrutura mais estática. Ao contrário, a teoria das representações sociais, tem um olhar mais dinâmico para a sociedade, visto que se propõe a analisar como essas relações se dão no cotidiano. 3.4 A formulação do conceito de representações Vamos entender então como o conceito de representações sociais foi formulado? Falamos no tópico anterior que Moscovici parte de um olhar mais dinâmico em relação à sociedade. Esse olhar garante vermos diversos aspectos que fazem parte dessa realidade social, dentro de uma dimensão histórica e transformadora, relacionando aspectos culturais, cognitivos e ideológicos. Moscovici olhava para o coletivo sem desconsiderar o indivíduo. Segundo ele, esse indivíduo, inserido na sociedade, passa a pensar de acordo com as ideias compartilhadas nesse contexto. De acordo com Strey (2013), para entendermos essa teoria, é fundamental que possamos considerar elementos como a cognição, o afeto e a ação/atitude e a relação entre eles no processo de representação social. A cognição poderia ser descrita como a capacidade de gerar imagens e conhecimento acerca da informação que chega até mim em determinado momento. Esse contato gera uma percepção que pode alterar a sensação e o afeto, tendo caráter simbólico significante. Já a ação/atitude é o posicionamento a partir do que me foi informado. 24 3.5 Núcleo central das representações sociais e manifestações na vida cotidiana Após entendermos o conceito de representações sociais, vamos entender um pouco sobre a importância desse conceito para a Psicologia Social e como suas manifestações se fazem presentes na vida cotidiana. Estudar Representações Sociais é buscar conhecer o modo como um grupo humano constrói um conjunto de saberes que expressam a identidade de um grupo social, as representações que ele forma sobre uma diversidade de objetos, tanto próximos como remotos, e principalmente o conjunto dos códigos culturais que definem, em cada momento histórico, as regras de uma comunidade. (STREY, 2013, p. 107) Dessa forma, a teoria de representações sociais pode ajudar-nos a entender a realidade e o comportamento das pessoas no cotidiano, assim como as escolhas que fazemos, problematizando questões humanas e sociais, que são, muitas vezes, naturalizadas. Nesse sentido, segundo Strey (2013), podemos dizer que o ser humano é um ser social e, esse social, não é determinante, mas constitutivo dele. Criamos as representações sociais para tornar familiar o não familiar. Ao tornarmos o estranho familiar, garantimos uma sensação de “bem-estar” a partir de um universo, que inicialmente, poderia trazer desconforto. Nesse caminho, os processos básicos geradores de representações sociais seriam a ancoragem e a objetivação, que se compoem diante do que entendemos dos Universos Retificados, que dizem respeito ao conhecimento científico, e dos Universos Consensuais, relacionados ao senso comum. [...] a ancoragem corresponde exatamente à incorporação ou à assimilação de um novo objeto em um sistema de categorias que são familiares e funcionais aos indivíduos e que lhes estão facilmente disponíveis na memória. A ancoragem permite integrar o objeto da representação em um sistema de valores próprios ao indivíduo, 25 denominando-o e classificando-o em função da inserção social desse indivíduo. Assim, um novo objeto é ancorado quando ele passa a fazer parte de um sistema de categorias já existentes, mediante alguns ajustes (TORRES; NEIVA, 2011, p.293). Já a objetivação pode ser definida como: [...] a objetivação é o processo pelo qual procuramos tornar concreto, visível, uma realidade. Procuramos aliar um conceito com uma imagem, descobrir a qualidade icônica, material, de uma ideia, ou de algo duvidoso. A imagem deixa de ser signo e passa a ser uma cópia da realidade (STREY, 2013, p.110). É importante pontuar, que esses processos acontecem e desenvolvem-se de maneira concomitante, dando sentido às representações sociais. Conclusão Nessa unidade trabalhamos o conceito de Representações Sociais, desenvolvido por Moscovici. Conhecemos também a teoria de representações coletivas de Durkheim e a teoria de mentalidades primitivas, de Lévy-Bruhl, que de alguma forma, influenciaram o trabalho de Moscovici, enquanto referência importante para a Psicologia Social. A teoria das representações sociais nos ajuda a compreender o comportamento das pessoas no cotidiano, suas relações e escolhas, percebendo que estas não podem ser naturalizadas e que, de algum modo, estão relacionadas ao lugar do ser humano 26 enquanto ser social. Nesse movimento, vimos que conhecer o saber popular é importante para a compreensão dos fenômenos sociais. Referências STREY, Marlene Neves et al. Psicologia Social Contemporânea. 21.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. TORRES, Claudio Vaz.; NEIVA, Elaine Rabelo. Psicologia Social: principais temas e vertentes. Porto Alegre, RS: Artmed, 2011. ALVARO, Jose Luis; GARRIDO, Alicia. Psicologia Social: Perspectivas Psicológicas e Sociológicas. São Paulo: McGraw-Hill, 2006.27 4 DEBATES SOBRE TEMAS FUNDAMENTAIS DA PSICOLOGIA SOCIAL Apresentação Olá, aluno! Estamos trabalhando com aspectos importantes da Psicologia Social, que nos ajudam a compreender quais os principais autores e teorias que contribuíram para o processo de construção dessa ciência. Assim, nessa unidade, vamos estudar um pouco mais dos aspectos conceituais construídos por Vygotsky, que trouxe importantes contribuições para a Psicologia Social, como vimos nas unidades anteriores. Vamos conhecer mais de perto esse estudioso e suas contribuições? 4.1 A construção social dos processos mentais superiores Lev Vygotsky (1896-1934) se dedicou a estudos voltados para a questão do desenvolvimento humano, evidenciando que os processos de aprendizagem e do próprio desenvolvimento deveriam ser olhados a partir da relação com os aspectos sociais em um processo socio-histórico e cultural. É importante lembrar que Vygotsky teve influência da abordagem do materialismo histórico dialético e buscava ver o homem na sua interação com a natureza e com o meio social. Nessa perspectiva, o homem é um ser da natureza, mas também é um ser social, capaz de transformar a natureza com a mediação de instrumentos. Ao transformar a natureza ele também se transforma, ou seja, “mudanças históricas na sociedade e na vida material, produzem modificações na natureza humana” (PALANGANA, 2001, p. 93). É partir dessa base que ele irá defender que o uso de instrumentos materiais e o uso dos signos e símbolos, de forma articulada e combinada, darão origem às funções cognitivas superiores ou processos mentais superiores. Esses processos mentais superiores são o que distinguirá o homem dos outros seres da natureza, que não criam e nem transformam a cultura. 28 A teoria de Vygotsky tem como perspectiva o homem como um sujeito total enquanto mente e corpo, organismo biológico e social, integrado em um processo histórico. A partir de pressupostos da epistemologia genética, sua concepção de desenvolvimento é concebida em função das interações sociais e respectivas relações com processos mentais superiores, que envolvem mecanismos de mediação. As relações homem-mundo não ocorrem diretamente, são mediadas por instrumentos ou signos fornecidos pela cultura (ALMEIDA, 2000, p. 64). Nesse sentido, para ele, era importante entender o papel da linguagem enquanto instrumento humano de mediação e interação com o meio e com a cultura. A partir do desenvolvimento da fala são produzidas mudanças qualitativas na estruturação cognitiva do indivíduo, agindo na estrutura do pensamento. Vygotsky defendia que as funções mentais superiores (percepção, memorização, atenção, pensamento e imaginação) são socialmente formadas e culturalmente transmitidas por meio da linguagem. Nesse processo, mesmo que o indivíduo tenha capacidade biológica de se desenvolver, isso somente será possível a partir da interação com o outro. De acordo com PALANGANA (2001), a partir dos aspectos apresentados, podemos dizer que há quatro pensamentos-chave vygotskyanos: a interação, a mediação, a internalização e a Zona de Desenvolvimento Proximal. A interação acontece por meio dos relacionamentos interpessoais, de troca com o meio. Essa interação se dá nos processos de mediação, a forma como o indivíduo irá desenvolver essa interação através de representações simbólicas e da linguagem. A partir disso, acontece a internalização, ou o momento em que a aprendizagem se completa. Já a Zona de Desenvolvimento Proximal está relacionada àquilo que já está apreendido pelo indivíduo e o que possa vir a se estabelecer enquanto aprendizagem, na aproximação com os outros mais experientes. 4.2 Inter e Intrasubjetividade 29 Agora que já entendemos como se dá a construção social dos processos mentais superiores, é interessante discutirmos o papel da realidade social na formação do sujeito individual. Como falamos anteriormente, de acordo com Vygotsky, a constituição do sujeito é permeada pela cultura e pelas interações sociais. Então como podemos pensar na formação da subjetividade a partir dessa perspectiva teórica? Para começar vamos definir subjetividade: Um sistema integrado do interno e do externo, tanto em sua dimensão social, como individual, que por sua gênese é também social... A subjetividade não é interna e nem externa: ela supõe outra representação teórica na qual o interno e o externo deixam de ser dimensões excludentes e se convertem em dimensões constitutivas de uma nova qualidade do ser: o subjetivo. Como dimensões da subjetividade ambos (o interno e o externo) se integram e desintegram de múltiplas formas no curso de seu desenvolvimento, no processo dentro do qual o que era interno pode converter-se em externo e vice-versa (GONZALEZ-REY, 1997, p. 40). A partir do exposto, podemos evidenciar que a construção da subjetividade acontece a partir de movimentos de intersubjetividade e intrasubjetividade. A linguagem e seu desenvolvimento serão responsáveis pela formação de processos mentais que determinarão o uso dos signos, ou os significados que damos para as experiências que vivenciamos. Dessa forma, aquilo que parece individual na pessoa, ou intrasubjetivo, é resultado de sua construção na relação com o outro, um coletivo, que veicula a cultura, em uma condição intersubjetiva. As características e atitudes individuais estão profundamente impregnadas nas trocas com o coletivo, é no contexto da cultura, de seus valores e da negociação de sentidos tramados pelos grupos sociais, que se constrói e se internaliza o conhecimento. Nesse processo, nos tornamos humanos na relação social com o outro e nos apropriamos dos significados sociais. No entanto, também atribuímos significados, conferindo às relações ao nosso redor um sentido pessoal. 30 4.3 O processo de socialização Podemos dizer que a experiência social começa com o nascimento. As primeiras demandas da criança são de natureza biológica, como se alimentar, se manter aquecido e seguro. Porém, essas demandas serão atendidas na relação com outros seres humanos, que irão determinar como essas necessidades serão atendidas. Por exemplo, a criança precisa se alimentar. Inicialmente, essa alimentação é provida pela mãe ou um cuidador que definirá o tipo de alimento que essa criança receberá ao longo do seu desenvolvimento e os horários. São nessas e noutras experiências que acontece o processo de socialização, ou seja, processo por meio do qual o indivíduo aprende a ser membro da sociedade. Ao se tornar social, o indivíduo passa a assimilar hábitos culturais, aprendendo-os com outros sujeitos. Nesse processo, os indivíduos passam a interiorizar regras e valores de determinada cultura e, ao apreender esse sistema nos adaptamos aos grupos dos quais fazemos parte. Como falamos no tópico anterior, esse processo de interação mediado pela linguagem também constituirá a nossa própria personalidade, e assim, vamos dando significados para as experiências que vivemos. Os processos de socialização acontecem, em um primeiro momento na infância, no meio familiar. Nessa interação, de acordo com PELAGRANA (2001), a criança passa a ter os primeiros contatos com a linguagem e começa a significar relações sociais primárias. Nesse momento, também são interiorizadas normas e valores sociais. Esse processo é chamado de socialização primária e a família é fundamental nesse processo, enquanto instituição social. Passamos também pelo que podemos chamar de socialização secundária, nesse caso, já existe o domínio da linguagem e uma interação maior do sujeito com a sociedade. Este já internalizou papéis sociais e passa a receber conhecimentos específicos que o ajudarão a compreender as relações sociais. O processo de socialização do indivíduo, segundo Pelagrana (2001), acontece por meiode mecanismos como a aprendizagem, que incidirá na interação com outros 31 indivíduos e com o meio social, a partir da mediação da linguagem; a imitação, momento em que ele irá reproduzir comportamentos e atitudes de indivíduos e grupos que fazem parte do meio onde está integrado; e a identificação, em que ele irá se identificar e reproduzir modelos de conduta social. 4.4 A construção dos significados A construção de significados para os indivíduos, como já discutimos anteriormente, de acordo com Vygotsky, acontece no movimento de integração ao mundo por meio da linguagem. Nesse processo, o ser humano vai se constituindo enquanto sujeito social, atribuindo significados aos objetos, aos seres e aos eventos que acontecem em seu meio social, dentro de um contexto histórico e cultural. Dessa forma, Vygotsky definirá o significado como: O significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito do pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer quando se trata de um fenômeno da fala ou de um fenômeno do pensamento. Uma palavra sem significado é um som vazio; o significado, portanto, é um critério da “palavra”, seu componente indispensável [...] Mas, o significado de cada palavra é uma generalização ou um conceito. E como as generalizações e os conceitos são inegavelmente atos de pensamento, podemos considerar o significado como um fenômeno do pensamento (VYGOTSKY, 1996, p. 104). A cultura irá negociar o sentido das coisas, através de representações simbólicas, da língua falada, da linguagem, que realiza a mediação entre a coisa e a compreensão da coisa, como se fosse uma tradução. Podemos usar como exemplo uma cadeira. Há um consenso dentro do contexto social em que vivemos do que seria cadeira e para o que ela serve. Essa informação, então, fica armazenada no nosso cérebro e, por meio da internalização, conseguimos abstrair o conceito de cadeira e o 32 tornamos universal. E então, cadeira não cabe apenas na palavra e passa a ter significados mais complexos, que abrangem experiências afetivas, emocionais, informativas, a partir das trocas que vamos estabelecendo nas nossas relações. 4.5 Consciência e conscientização Outro aspecto importante discutido por Vygotsky em suas pesquisas é a forma como se estabelece a consciência humana. Vygotsky, para o desenvolvimento de suas ideias, teve grande influência de movimentos revolucionários vinculados ao marxismo, que parte de uma concepção da formação dos indivíduos e da história a partir de um movimento dialético da realidade, que precisa ser apreendido dentro do contexto histórico-cultural. Para Marx e Engels: O pressuposto primeiro de toda a história humana é a existência de indivíduos concretos que, na luta pela subsistência, organizaram-se em torno do trabalho e estabeleceram relações entre si e com a natureza. O modo de produção material condiciona o processo da vida social, política e econômica. Por sua vez, a produção das ideias, das representações, do pensamento, enfim, da consciência, não está dissociada da atividade material e do intercâmbio entre os homens (PELAGRANA, 2001, s./p.). Nesse sentido, podemos entender que a consciência humana está relacionada à forma como nos inserimos nos processos da vida social, condicionados pelo modo de produção material, ou seja, a consciência é produto das relações sociais estabelecidas pelos seres humanos em determinado momento da história. Destarte, a consciência pode ser apreendida como produto subjetivo, “[...] como apropriação pelo homem do mundo objetivo se produz em um processo ativo cuja origem é a atividade sobre o mundo, a linguagem, as relações sociais” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018, p.76). 33 Sobre a consciência, podemos concluir que ela desempenha papel ativo na realização de atividades objetivas e simbólicas, tendo no trabalho, papel fundamental para o planejamento, a atuação e a transformação da realidade. “Ao analisar o desenvolvimento da consciência ou do pensamento individual, Vygotsky transpôs integralmente para a sua análise a concepção marxista de consciência social” (PELAGRANA, 2001, s. p.). No processo de internalização da consciência social é que se desenvolve a consciência individual. Já a conscientização não foi diretamente trabalhada por Vygotsky, mas é um conceito que está relacionado aos pressupostos filosóficos e epistemológicos do pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels. A conscientização pode ser entendida como um desenvolvimento crítico da tomada de consciência, que implica ação. Nesse movimento, a realidade e os processos de naturalização das relações sociais são desvelados, estimulando a reflexão e a ação dos seres humanos sobre a realidade, promovendo a transformação. A conscientização pode ser considerada um elemento antagônico à alienação, que, segundo Marx e Engels, é constituinte das relações sociais no modo de produção capitalista. A alienação bloqueia o desenvolvimento dos indivíduos no mesmo nível do crescimento das forças produtivas, mediadas pelo trabalho, no contexto das relações sociais capitalistas. Dessa forma, a conscientização se dá a partir de um processo de reflexão humana sobre a sua existência, inserindo os seres humanos na ação transformadora da realidade. Conclusão Estudamos nessa unidade temas fundamentais da psicologia social como a construção social dos processos mentais superiores, temática estudada por Vygotsky. Também vimos como acontecem os processos de inter e intrasubjetividade e o papel da realidade social na formação do sujeito individual, a importância dos processos de socialização e como, no processo de integração ao meio social, por mediação da 34 linguagem, os indivíduos vão atribuindo significados à realidade. Esse processo é dialético e garante a constituição do ser humano enquanto ser social. Por último, vimos como acontecem os processos de consciência e conscientização. Com base na teoria marxista, a consciência humana está relacionada à forma como nos inserimos nos processos da vida social, condicionados pelo modo de produção material, tendo papel ativo na realização de atividades objetivas e simbólicas. Já a conscientização pode ser entendida como um desenvolvimento crítico da tomada de consciência, que implica ação transformadora da realidade. Referências PALANGANA, Isilda Campaner. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vygotsky. São Paulo: Summus Editorial, 2001. ALMEIDA, Maria Elizabeth de. Informática e Formação de professores. Brasília: Ministério da Educação, 2000. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me002401.pdf. BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; e TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. 15. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. GONZALEZ-REY, Fernando I. Categoria “personalidade”: su significación para la psicologia social. Psicologia Revista, revista da Faculdade de Psicologia da PUC-SP, n.4, p.40, mai., 1997. VIGOTSKI, Lev. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1996. 35 5 FAMÍLIA, ESCOLA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA Apresentação Olá, aluno! Nas unidades anteriores aprendemos um pouco mais sobre o contexto da psicologia, a ampla produção da psicologia social e alguns conceitos importantes trabalhados por autores que contribuíram nessa produção, colaborando para a compreensão uma série de fatores sociais que fazem parte da construção dos indivíduos e da sociedade. Aqui vamos adentrar um pouco mais no contexto da família, da escola e dos meios de comunicação em massa, procurando entender a constituição da subjetividade no mundo contemporâneo e, consequentemente, como essas instituições sociais podem influenciar o comportamento grupal. 5.1 A constituição da subjetividade no mundocontemporâneo Para falarmos sobre a constituição da subjetividade no mundo contemporâneo é importante retomarmos esse conceito para entendermos melhor o que é a subjetividade, o principal objeto de estudo da psicologia. A subjetividade é o modo particular pelo qual nos constituímos e somos reconhecidos pelos outros, “[...] o mundo de ideias, significados e emoções construído internamente pelo sujeito a partir de suas relações sociais, de suas vivências e de sua constituição biológica; é também fonte de suas manifestações afetivas e comportamentais” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018, p. 76). A percepção de subjetividade individualizada é consequência dos processos de transformação da sociedade e o desenvolvimento das formas de produção capitalista. Nesse contexto, os seres humanos passam a ser vistos de maneira cada vez mais individualizada como consumidores e produtores individuais, livres para vender sua força de trabalho. 36 As ideias de Descartes podem ser consideradas, enquanto inauguradoras do pensamento moderno em que é presente a valorização da razão, a ideia do ser singular e a constituição da representação de algo interno ao indivíduo, ou seja, a subjetividade. Alguém já ouviu a frase: “Penso, logo existo!”? (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018). No entanto, como discutimos nas unidades anteriores, é a partir da instituição da psicologia enquanto ciência, que começamos a desenvolver estudos que pudessem nos ajudar a entender a subjetividade dos sujeitos e sua relação com o mundo social. No âmbito da psicologia social é interessante apreendermos a subjetividade atrelando-a ao conceito de identidade: A identidade compõe com a atividade e a consciência as categorias básicas do psiquismo e refere-se à compreensão que o sujeito faz sobre si mesmo. Reúne na consciência as ações, os projetos, as relações, as noções e os julgamentos sobre si. É o que permite ao sujeito saber-se único, identificar-se com o que faz e vive, reconhecer-se. Em uma noção de mundo em movimento, a identidade aparece, como metamorfose (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018, p.76). De acordo com Antonio da Costa Ciampa (2006), psicólogo social brasileiro, o primeiro passo para a construção da identidade é a diferenciação entre eu e o outro. Conforme nos relacionamos, enxergamos diferenças e similaridades com vários grupos sociais. Na unidade anterior, entendemos um pouco desse movimento a partir dos processos de socialização primária e secundária, diante das interações construídas entre o sujeito e a sociedade. Além disso, vimos também como se constituem os processos de consciência e conscientização, entendendo a forma como nos inserimos nos processos da vida social e transformamos a realidade. Segundo Strey (2013), Ciampa defenderá a ideia de metamorfose, em que a identidade é produzida em um movimento de 37 transformação contínua com a realidade, em que o sujeito transforma o mundo e é transformado por ele. Agora que entendemos sobre os conceitos de subjetividade e identidade, vamos refletir juntos: como estes processos se constituem no mundo contemporâneo? O mundo contemporâneo é marcado pela globalização e a possibilidade de acesso a informações, com o desenvolvimento da tecnologia e informatização. Alguns autores defenderão que vivemos na “sociedade da informação”, processo que leva também à transformação das relações sociais e da produção cultural. Porém, é importante pontuar que esse processo está relacionado ao desenvolvimento das forças produtivas da sociedade e, dentro do contexto capitalista contemporâneo, podemos perceber que esses movimentos representam, intrinsecamente, a resocialização dos sujeitos e a possibilidade de transformação também da sua identidade e subjetividade. Sabemos que, as características e atitudes individuais estão, profundamente, impregnadas nas trocas com o coletivo e, justamente, é ali no contexto da cultura, dos seus valores, da negociação de sentidos tramados pelos grupos sociais, que se constrói e se internaliza o que somos. Nesse sentido, podemos dizer que a construção da subjetividade no mundo contemporâneo, mediado pelas relações capitalistas, muitas vezes produz formas de sociabilidade voltadas para o individualismo grosseiro e consumo, relações essas inibidoras do pleno desenvolvimento humano. Essas relações acabam por reproduzir a ideia do ser humano como “peça de uma máquina”, tendo sua subjetividade anulada e colocada a serviço do Estado, ou de instituições burocráticas, enquanto reprodutoras da lógica do capital. 5.2 Grupos e instituições como instâncias mediadoras das relações indivíduo- sociedade Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2018), foi a partir do século XIX, na denominada Psicologia das Massas ou Psicologia das Multidões, que Gustav Le Bon (1841-1931) 38 começou a desenvolver os primeiros estudos sobre os grupos, tentando entender os fenômenos das massas e da multidão, e como estes atravessam os indivíduos. Como já vimos nessa disciplina, os processos grupais ou o processo de nos relacionarmos com os outros, com grupos sociais, são definidores de como nos compomos enquanto sujeitos históricos. É importante frisar que a transformação da sociedade acontece na relação de indivíduos com outros, nos processos de agrupamento. Essas relações e a inserção em grupos podem ocorrer de maneira consciente ou não. Assim, podemos falar da nossa inserção em grupos “espontâneos”, que podem se constituir nas relações sociais, a partir do que é comum entre as pessoas e, nos grupos organizados que também apresentam características comuns, mas resolvem se organizar para desenvolver finalidades específicas. Alguns exemplos são grupos ligados à igreja, a partidos políticos, aos sindicatos etc. Estes são formas de organização da sociedade que podem estar a serviço da transformação social ou manutenção da ordem existente. Vários autores buscaram em suas pesquisas, compreender como se dá o processo grupal e como este se caracteriza. Kurt Lewin (1890-1947), que também trouxe grandes contribuições para o desenvolvimento da psicologia, se debruçando no estudo das relações interpessoais, defendia a noção de interdependência entre pessoas membros de um grupo. Para ele, o grupo apresenta um movimento dinâmico, em que qualquer alteração individual, altera também o coletivo. Silvia Lane, ao analisar a proposta de Lewin, diz que a “[...] função do grupo é definir papéis, o que leva a definição da identidade social dos indivíduos e a garantir a sua reprodutividade social” (STREY, 2013, p. 202). Ao analisar o papel do grupo na mediação indivíduo-sociedade, Sérgio Antonio Carlos afirmará: O grupo também pode ser visto como um lugar onde as pessoas mostram suas diferenças. Onde as relações de poder estão presentes e perpassam as decisões cotidianas, onde o conflito é inerente ao processo de relações que se estabelece. Onde há uma convivência do diferente, do plural. Não como um movimento de defesa das 39 minorias, mas num movimento de cada um e de todos procurando discutir suas ideias com os outros. Num confronto de ideias, buscando conciliar apenas o conciliável, deixando claras as individualidades, o diferente. A importância de afirmar que as pessoas são diferentes, que pensam de maneira diferente porque possuem valores diferentes, mas que podem produzir juntas o seu processo grupal. Este é um embate diário das relações pessoais que trazem consigo toda uma história de vida. Relações onde estarão presentes as múltiplas determinações de cada sujeito. Determinações de classe social, de gênero, de raça e de nacionalidade. Relações que se embaterão tanto na busca consciente de uma dominação quanto de defesas inconscientes utilizadas para lutar e/ou fugir das ameaças que as novas situações -desconhecidas- lhe colocam (STREY, 2013, p. 202).É interessante marcar, como o autor coloca sobre a importância de se considerar no processo grupal, as diferenças e conflitos existentes, criados a partir da história de vida de cada um e múltiplas determinações sociais. Este processo é importante no movimento dialético presente nos grupos, em que podemos perceber uma condição de individualidade e totalidade. Destarte, é imprescindível pensar também na formação dos grupos nos processos institucionais. O processo de institucionalização regulariza e normatiza a vida cotidiana, regulando comportamentos socialmente esperados. De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2018), as normas institucionalizadas passam por um processo que definirá valores e regras sociais que ganham estatuto de verdade ao serem reproduzidas cotidianamente. Alguns exemplos de suas formas sociais visíveis são a família, a escola e a igreja que, enquanto instituições, produzem e reproduzem regras e valores que são vividos nas organizações da sociedade e fazem parte da vida dos indivíduos. Como dissemos anteriormente, essas organizações podem, em alguns momentos, estar a serviço da transformação social, em outros, a serviço da manutenção da ordem existente. 40 5.3 Comportamento antissocial: a agressão Um dos assuntos que a psicologia social se interessa por analisar é a violência enquanto comportamento atrelado às relações sociais, como produção humana. Esse tema deve ser compreendido a partir de múltiplos determinantes: históricos, demográficos, políticos, econômicos e psicossociais. Mas o que é violência? A violência é um sintoma “[...] do mal-estar nas relações humanas, da fragilidade e/ou ruptura dos laços sociais de indivíduos, [...] ao mesmo tempo, está na origem de muitas situações que causam mal-estar, insegurança coletiva, medo social [...]” (Bock; Furtado; Teixeira 2018, p. 363). A violência pode ser entendida como o uso da agressividade humana, que pode trazer prejuízos e causar sofrimento. Vamos entender de onde vem a agressividade humana? Segundo Bock, Furtado, e Teixeira (2018), de acordo com a psicanálise, a agressividade está presente na nossa constituição psíquica. É ela que nos possibilita enfrentar situações difíceis para a nossa própria sobrevivência. No entanto, a agressividade não precisa se configurar apenas de maneira destrutiva e violenta. O pensamento, a imaginação e a ação também podem estar relacionados com agressividade. Quando temos contato com a educação e mecanismos sociais como a lei, a tradição e a cultura, nós conseguimos dar outro sentido a nossa agressividade e passamos a controlá-la, podendo canalizar e transformar nossos impulsos em atividades mais positivas, como práticas esportivas, o trabalho, a produção intelectual As formas como os indivíduos lidam com sua própria agressividade e a representação desta em seu cotidiano, pode ser de maneira positiva ou negativa. A resposta está associada a uma série de fatores sociais e individuais, que dizem respeito ao meio social onde o indivíduo vive e como ele vê e se relaciona com este contexto. Nesse sentido, a família, a escola e os meios de comunicação em massa podem reproduzir e estimular tanto comportamentos violentos e antissociais, quando reproduzem e perpetuam práticas punitivas, quanto comportamentos pró-sociais, como veremos adiante. 41 5.4 Comportamento pró-social: o altruísmo O comportamento pró-social e o altruísmo podem ser caracterizados como o desejo de ajudar outra pessoa, sem benefício próprio. Dessa forma, assim como nos perguntamos por que as pessoas agem de forma antissocial e violenta umas com as outras, é importante perguntar quais os motivos que levam ao comportamento pró- social e ao altruísmo? Há diferentes vertentes teóricas que procuram explicar esse comportamento entre as pessoas. Aqui vamos recorrer, inicialmente, a psicanálise. Como dissemos no tópico anterior, para a psicanálise, seres humanos têm em sua composição psíquica a agressividade. O altruísmo então, segundo Aronson, Wilson e Akert (2018) seria uma forma de nos defendermos de nossas ansiedades e conflitos internos, a fim de lidarmos melhor com as nossas necessidades interiores, e como essas necessidades influenciam nossas relações com os outros. Podemos procurar entender o comportamento pró-social a partir da perspectiva cultural, social e histórica em que as relações humanas são concebidas e se estabelecem a partir de trocas sociais e psicológicas, de transformação e reciprocidade. No momento que interiorizamos a realidade concreta, subjetivamos, ou seja, damos significados às relações, e a externalizamos em forma de comportamentos. Desse modo, se vivemos em um contexto comunitário onde existe diálogo e partilha de saberes, com base no afeto, construímos relações mais inclusivas e, portanto, pautadas na lógica pró-social. Discutir comportamentos pró-sociais, ou até mesmo antissociais, é importante se quisermos caminhar para uma prática direcionada à mudança social. O desenvolvimento da prática democrática parte do trabalho desenvolvido a fim de promover a potencialização de indivíduos e grupos concretos. Entender o comportamento grupal é relevante nesse processo. 42 5.5 Comportamento grupal Como sinalizamos anteriormente, podemos associar o comportamento grupal às práticas institucionais reproduzidas cotidianamente pelas organizações sociais e, consequentemente, pelos indivíduos pertencentes a estas. A família, a escola e os meios de comunicação em massa têm papel relevante neste contexto, visto serem os principais meios de socialização e formação dos indivíduos, a partir dos aspectos relacionados à cultura, aos valores e comportamentos considerados aceitáveis em cada momento histórico da sociedade. Estes dispositivos (família, escola e meios de comunicação) exercem função ideológica. A ideologia, segundo Costa (2015), é a forma que nós encontramos para dar significado às nossas relações, contribuindo na sustentação e reprodução dessas. A partir da ideologia criamos juízos de valor, discriminações, estereótipos, preconceitos, e também contrapomos às qualidades. Essa ideologia pode contribuir na reprodução de relações tanto justas e éticas, como assimétricas, desiguais e injustas. Nesse último caso, podemos dizer que há relações de dominação, quando amparadas por valores discriminatórios e preconceituosos. Podem ser vistas enquanto formas de dominação, segundo Costa (2015): a dominação econômica, baseada na expropriação do trabalho de outras pessoas; a dominação política, quando as relações que se estabelecem entre pessoas e grupos não são justas, democráticas e desrespeitam os direitos de diversos sujeitos; e a dominação cultural, como racismo, patriarcalismo e institucionalismo. Contudo, é indispensável compreendermos que as formas de dominação podem influenciar o comportamento grupal, de forma a conduzir reproduções ideológicas que atendem a reprodução e manutenção do status quo. Conclusão Iniciamos esta unidade refletindo sobre a construção da subjetividade no mundo contemporâneo e como esta vem sendo mediada pelos processos de transformação 43 da sociedade marcados pela globalização, a informatização e o acesso a informações. Como dissemos, tais transformações levam também a mudanças nas relações sociais e na própria produção cultural. Esse movimento, no contexto capitalista contemporâneo, reproduz a ideia do ser humano como “peça de uma máquina”, tendo sua subjetividade anulada e colocada a serviço do Estado, ou de instituições burocráticas, enquanto reprodutoras da lógica do capital. Para entendermos melhor esse processo, estudamos aqui sobre o papel dos grupos e instituições que mediam as relações entre os indivíduos e a sociedade. Falamos também sobre os comportamentos sociais pró-sociais e antissociais, e como acompreensão destes é importante para caminhar até a prática direcionada à mudança social. Ao final, discutindo o comportamento grupal, retomamos a importância da família, da escola e dos meios de comunicação em massa, enquanto dispositivos que exercem função ideológica, visto serem os principais meios de socialização e formação dos indivíduos, a partir dos aspectos relacionados à cultura, valores e comportamentos considerados aceitáveis em cada momento histórico da sociedade. Referências ARONSON, Elliot; WILSON, Timothy D.; AKERT, Robin M. Psicologia Social. 8. Ed. - Rio de Janeiro: LTC, 2018. LANE, SILVIA & CODO, WANDERLEY (Orgs.) Psicologia Social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 1984. BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. 15. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. 44 COSTA, José Fernando Andrade. “Fazer para Transformar” a Psicologia Política das Comunidades de Maritza Montero. Revista Psicologia Política, v.15, n.33, 2015. PACHECO, Kátia Monteiro De Benedetto; DA COSTA CIAMPA, Antonio. O processo de metamorfose na identidade da pessoa com amputação. Acta Fisiátrica, v. 13, n. 3, p. 163-167, 2006. STREY, Marlene Neves (Org.) Psicologia Social Contemporânea: livro-texto. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. 45 6 PSICOLOGIA SOCIAL COMO SUPORTE AO SERVIÇO SOCIAL Apresentação Olá, aluno! Estamos chegando à última unidade desta disciplina. Aqui vamos conversar sobre como a psicologia social poderá servir de suporte para a reflexão e as práticas do Serviço Social. Para isso, nos engajamos nas diversas leituras que envolvem a relação entre o indivíduo e a sociedade, a importância da linguagem nesse processo e as possibilidades de construção do trabalho social voltado para práticas mais democráticas. 6.1 Matrizes de análise da relação indivíduo/sociedade Vários estudiosos se dedicaram a análise da relação entre indivíduo e sociedade, entre eles autores clássicos da sociologia como Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx. Estes autores contribuíram nas reflexões sobre a constituição da sociedade e sobre a maneira como os indivíduos se relacionam, influenciando também a construção do conhecimento no campo da psicologia e do serviço social. Segundo Álvaro e Garrido (2006), Émile Durkheim (1858 — 1917) defenderá que é a sociedade dita as regras das relações sociais. A partir disso, ele analisará como essa sociedade opera através do que ele chama de fatos sociais. Para Durkheim os fatos sociais são coletivos (consciência coletiva), ou seja, dizem respeito a toda uma sociedade, e não apenas a um indivíduo em particular. Por isso, esses fatos sociais também são considerados exteriores aos indivíduos. Além disso, são coercitivos, pois se impõe sobre o indivíduo de maneira obrigatória. Nesse sentido, podemos dizer que para esse autor o indivíduo só existe em relação à sociedade, ou seja, ele não age e não pensa de forma independente, sendo, constantemente, formatado pela sociedade, que é definidora das relações sociais. A integração dos membros da sociedade se concretiza em instituições, como a família, a escola, o Estado, que darão 46 sustentação, garantindo a coesão e manutenção social. É importante considerar que Durkheim parte de uma matriz positivista, e por isso tende a acreditar que a sociedade tem um movimento progressivo que respeita uma ordem natural. Max Weber (1864 — 1920) se opõe a Durkheim em vários pontos, a começar pela imparcialidade. De acordo com Álvaro e Garrido (2006), para Weber não tem como sermos imparciais ao estudarmos a sociedade. Outro ponto importante é que, diferentemente de Durkheim, Weber considera que o indivíduo cria e modifica a sociedade e não ao contrário. Normas, costumes e regras estão internalizados nos indivíduos, que, com base nisso, definem suas condutas e comportamentos, dependendo do contexto que se apresenta. De acordo com Álvaro e Garrido (2006), Weber chama a atuação do homem na sociedade de ações sociais, que podem ser entendidas como o ato de se relacionar. Essas ações sociais podem acontecer a partir de motivações diferentes: a afetiva, realizada a partir dos sentimentos humanos; a tradicional, ações realizadas a partir dos costumes; a objetiva/racional, que se estabelece tendo um fim claro; e as ações pautadas em valores, envolvendo questões éticas, políticas e religiosas. Karl Marx (1818 — 1883) parte de outra perspectiva, para ele os seres humanos são sujeitos históricos e atuam na construção da sociedade, estabelecendo ações recíprocas entre si. Existe, de acordo com Netto e Braz (2012), um movimento constante de criação e recriação da vida individual e coletiva, a partir de componentes de tensão, conflitos e antagonismos, que se compõem em embates entre subjetivo e objetivo, individual e coletivo. O homem (no sentido genérico) é um ser social e quando falamos de ser social, estamos falando de humanidade, sociedade. Esse ser social é capaz de transformar a natureza e a si próprio, e essa transformação se dá a partir do trabalho. No entanto, o trabalho pode ser apreendido dentro de uma perspectiva ontológica, mas também dentro de uma dimensão histórica. Nesse sentido, no contexto do modo de produção capitalista, o trabalho assume um papel na exploração e alienação do homem, quando se estabelece a divisão social do trabalho e a propriedade privada dos meios de produção. 47 6.2 Desenvolvimento da linguagem Para entendermos um pouco mais sobre relação entre indivíduo e sociedade precisamos estar atentos ao significado da linguagem. Falamos, em outras unidades, sobre a importância da linguagem nas relações sociais enquanto instrumento de criação e reprodução de cultura, valores e normas sociais. Vamos discutir sobre o desenvolvimento da linguagem? O que é a linguagem? A linguagem é a forma que utilizamos para nos expressarmos e nos comunicarmos. Ela pode ser realizada a partir da fala, gestos, imagens, atitudes, ou seja, existem muitas formas de se estabelecer a linguagem. É interessante pensar que os grupos humanos constroem formas diferentes de se estabelecer os códigos e passar informações. Uma delas é a língua que, dependendo da região do mundo, ou da tradição do grupo, estabelecerá diferentes palavras para dar significado a algo. Temos também a escrita, sendo esta uma maneira de registro de informações e apresentações de ideias em determinado tempo e espaço. Destarte, a linguagem é um tema bastante estudado entre as ciências humanas e sociais, áreas que discutem diferentes aspectos do tema. Dessa forma, vamos conhecer aqui algumas dessas discussões. De acordo com a perspectiva marxista, a linguagem teria surgido a partir da complexificação das necessidades humanas e a divisão do trabalho. Para Marx e Engels A linguagem é tão velha como a consciência: é a consciência real, prática, que existe também para outros homens e que, portanto, existe igualmente só para mim e, tal como a consciência, só surge com a necessidade, as exigências dos contatos com outros homens. Onde existe uma relação, ela existe para mim. (MARX; ENGELS 1989, p. 36 apud STREY, 2013, p. 120) 48 No trecho citado, podemos perceber que a criação dos códigos e, consequentemente, da linguagem está diretamente relacionado ao contexto e necessidades sociais, quando se observa também a formação de uma consciência humana. Partindo da construção marxista, a teoria da abordagem histórico-cultural, também desenvolve análises sobre a linguagem, pontuando a transformação desta a partir do contexto histórico, dando base à comunicação e significação da própria história, o que também nos remete à consciência e o processo de hominização. “Através