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Priscila M ossato Rodrigues Barbosa PSICO LO GIA SO CIAL E CO M UN ITÁRIA Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6644-5 9 7 8 8 5 3 8 7 6 6 4 4 5 Código Logístico 59440 Esta obra apresenta reflexões sobre a teoria e a prática da psicologia social e comunitária. São discutidos temas como desigualdade, problemas biopsicossociais, processos de exclusão, políticas de assistência e as intervenções e os desafios da psicologia social e comunitária na saúde, no sistema prisional e em serviços de acolhimento. A intenção deste livro é apresentar um panorama teórico e prático sobre a área, bem como os princípios, conhecimentos, valores e compromissos na busca de melhores condições biopsicossociais. Psicologia social e comunitária Priscila Mossato Rodrigues Barbosa IESDE BRASIL 2020 © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: i3alda/Shutterstock Jason Heglund/elements.envato CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B211p Barbosa, Priscila Mossato Rodrigues Psicologia social e comunitária / Priscila Mossato Rodrigues Barbosa. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2020. 94 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6644-5 1. Psicologia social. 2. Psicologia comunitária. I. Título. 20-64093 CDD: 302 CDU: 316.6 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Priscila Mossato Rodrigues Barbosa Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Psicologia Clínica – Abordagem Psicanalítica e graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Professora do ensino superior, ministrando as disciplinas de Psicologia da Educação e Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem. Atua também como psicóloga clínica. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Psicologia social e comunitária 9 1.1 Psicologia como ciência e profissão 10 1.2 O que é psicologia social e comunitária? 12 1.3 Psicologia social e comunitária no Brasil 16 2 Constituição do sujeito 25 2.1 Psicologia do desenvolvimento e a constituição do sujeito 25 2.2 Dimensões do sujeito 28 3 Sujeito como ser biopsicossocial 39 3.1 Sentimento de pertença 39 3.2 Desigualdade social 48 3.3 Problemas biopsicossociais 50 4 Sujeito e cultura 55 4.1 Representações sociais 55 4.2 Ideologia 61 4.3 Sociedade e cultura 64 4.4 Estereótipos, estigma e preconceito 67 5 Intervenções da psicologia social e comunitária 73 5.1 A atuação do psicólogo social e comunitário 73 5.2 Psicologia social e as políticas de assistência social 86 5.3 Desafios da psicologia social e comunitária contemporânea 89 Esta obra apresenta a você, leitor, reflexões sobre a teoria e a prática da psicologia social e comunitária. Para tanto, no primeiro capítulo, intitulado “Psicologia social e comunitária”, abordamos o contexto da psicologia como ciência e profissão. Você vai aprender e adquirir noções necessárias sobre este campo de estudo e conhecer seu percurso histórico no Brasil. No segundo capítulo, denominado “Constituição do sujeito”, trazemos conhecimentos iniciais da psicologia do desenvolvimento para compreendermos o processo de constituição do sujeito e suas dimensões: identidade, subjetividade, afetividade e consciência. Com essa compreensão, podemos adentrar no terceiro capítulo, intitulado “Sujeito como ser biopsicossocial”, no qual tratamos do ser humano de maneira integral e consideramos sua constituição biológica inseparável da constituição psíquica e social. Explicitamos o sentimento de pertença, elemento tão fundamental para o ser humano, e o articulamos com os agentes socializadores configurados em grupos como família, escola, trabalho e comunidade. Ao final, desenvolvemos a temática da desigualdade social e os problemas biopsicossociais com o objetivo de trazer reflexões sobre o compromisso da psicologia social e comunitária na realidade brasileira. Na sequência, o quarto capítulo, intitulado “Sujeito e cultura”, versa sobre a teoria das representações sociais, muito importante na leitura dos fenômenos sociais. Além disso, discutimos sobre ideologia por meio de uma perspectiva crítica com relação à manutenção das diferenças. É preciso ampliar este conhecimento para alcançar uma certa compreensão de sociedade e de cultura. Ainda estudamos noções como estereótipo, estigma, preconceito e seus efeitos nos processos de exclusão social. No quinto capítulo, “Intervenções da psicologia social e comunitária”, você poderá identificar as aplicações da psicologia social e comunitária em intervenções sociais na saúde, na atuação do psicólogo no sistema prisional brasileiro e em serviços de acolhimento. Além disso, abordamos o papel do psicólogo social e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. É também neste capítulo que apresentamos as políticas de assistência social para chegarmos aos desafios que a psicologia social e comunitária enfrenta. Nossa intenção é que você possa adquirir um panorama teórico e prático da psicologia social e comunitária, bem como absorva princípios, conhecimentos, valores e compromissos na busca de melhores condições biopsicossociais. Desejamos uma excelente leitura, bons estudos e produtivas reflexões! APRESENTAÇÃO Psicologia social e comunitária 9 1 Psicologia social e comunitária Neste capítulo, convidamos você a acompanhar um percurso que se inicia com a compreensão da psicologia como ciência e tem como ponto de chegada a psicologia social e comunitária. Para tanto, é fundamental que se entenda, mesmo que de modo sucinto, as três principais correntes filosóficas sobre o desenvol- vimento humano. A primeira corrente, chamada inatismo, sustenta que as ca- racterísticas do indivíduo são definidas por sua genética e, por essa razão, são predeterminadas biologicamente. O ambientalis- mo, segunda corrente, acredita que o ambiente prevalece sobre as características biológicas. Por fim, denominada sócio-histórica, a terceira corrente entende que as características do indivíduo se estabelecem na interação dos fatores biológicos e dos fato- res ambientais e, consequentemente, ambos são fundamentais no desenvolvimento humano. A teoria sócio-histórica pode ser considerada a mais aceita na interpretação do desenvolvimento e na visão biopsicossocial do ser humano. Seus fundamentos e pressupostos se aproxi- mam da psicologia social não somente na forma de entendi- mento, mas também nas possíveis formas de intervenção que se efetivam na sua atuação. A psicologia social e comunitária é extremamente pertinente para contribuição de formas mais igualitárias de organização social. Desse modo, inicialmente, abordaremos o histórico da psicolo- gia social e comunitária no Brasil. Em seguida, integraremos os fun- damentos da teoria e da prática desse campo do conhecimento. 10 Psicologia social e comunitária 1.1 Psicologia como ciência e profissão Vídeo O interesse em compreender as questões da mente humana é an- terior à constituição da psicologia como ciência, a filosofia já se ocupa- va dessas questões. Sua origem é evidenciada, inclusive, na etimologia da palavra psicologia, que resulta da junção das palavras gregas psyché (alma ou mente) e logos (razão ou estudo), isto é, estudo da mente. O termo psicologia já era mencionado em algumas obras de filo-sofia do século XVI. Segundo Davidoff (2004), é possível compreen- der a mente/alma como o princípio subjacente aos fenômenos da vida mental e espiritual do ser humano. Esse princípio aponta que os fenômenos psíquicos nem sempre são manifestos, mas são ati- vos de maneira implícita. Como mencionado, o início da psicologia ocorreu com a filosofia, até que emergiu como uma ciência independente. Seu estabelecimen- to como ciência ocorreu quando Wilhelm Wundt (1832-1920) criou, em 1879, o primeiro laboratório de psicologia experimental na cidade de Lei- pzig, na Alemanha. Nesse momento, houve a consolidação dos estudos da psicologia sob os critérios científicos de observação e com métodos provenientes da fisiologia (SCHULTZ; SCHULTZ,1998). Esse laboratório foi o precursor de tantos outros na Europa e nos Estados Unidos. Wundt se dedicava, principalmente, a pesquisar rea- ções de comportamento aos estímulos de maneira controlada e com rigor científico, o que, de certa forma, limitava o desenvolvimento da psicologia. Seu método de pesquisa e produção de conhecimen- to se caracterizava como estruturalista, pois buscava compreender processos estruturais do psiquismo. Por esse motivo, acreditava-se que a consciência era separada da mente. Nesse período, a psicologia passa a se relacionar com a fisiologia, se distanciando de ideias abstratas e espirituais. Isso foi importante para seu fortalecimento, sua vinculação com princípios e métodos científicos, bem como seu reconhecimento. Mais tarde, no desenvol- vimento de seu percurso, a psicologia foi além da sua relação com a fisiologia, de modo que hoje pode ser considerada nas dimensões fisiológica, psíquica e social. Psicologia social e comunitária 11 A psicologia tem como objeto de estudo os fenômenos psíquicos, que abarcam conceitos como percepção, atenção, inteligência, cog- nição, memória, emoção, sentimentos, comportamentos, relação interpessoal, linguagem, personalidade, consciente e inconsciente, re- siliência, psicopatologias, entre outros. Não é possível nos referirmos à teoria da psicologia como única, pois ela é muito ampla. Existem muitas abordagens, e cada uma delas pode privilegiar certos fenômenos, bem como ter sua própria meto- dologia. Também, não é possível considerar uma abordagem superior à outra, pois todas são reconhecidas e contribuem na construção do conhecimento científico. Para conhecimento geral, podemos mencionar algumas das principais abordagens da psicologia: behaviorismo, cognitivismo, humanismo, psicanálise e gestalt. Em comum, todas têm conside- ração à subjetividade própria. Sobre isso, Bock, Furtado e Teixeira (2001, p. 23) salientam: É o homem em todas as suas expressões, as visíveis (nosso com- portamento) e as invisíveis (nossos sentimentos), as singulares (porque somos o que somos) e as genéricas (porque somos assim) – é o homem-corpo, homem-pensamento, homem-afeto, homem-ação e tudo isso está sintetizado no termo subjetividade. Agora que já temos um panorama de teorização, podemos conhe- cer as principais áreas de atuação da psicologia. É importante ressaltar que cada área conta com diferentes especificidades e aplicações: • escolar/educacional; • organizacional e do trabalho; • de trânsito; • jurídica; • psicomotricidade; • do esporte; • clínica; • hospitalar; • psicopedagogia; • social; • neuropsicologia. Introdução à psicologia, de Linda Davidoff, é uma leitura indicada para quem deseja obter visão ampla da psicologia. A obra aborda a história desse campo do co- nhecimento, bem como apresenta seus principais fundamentos e conceitos. Além disso, contempla os avanços mais atuais da área. DAVIDOFF, L. São Paulo: Pearson, 2004. Livro 12 Psicologia social e comunitária O Conselho Federal de Psicologia, órgão responsável pela regula- mentação da psicologia como profissão, descreve cada uma dessas áreas na Resolução CFP 03/2007. Na sequência, abordamos a psicolo- gia social propriamente dita, tema principal desta obra. 1.2 O que é psicologia social e comunitária? Vídeo Primeiramente, é prudente levar em conta que alguns autores con- sideram a psicologia comunitária como uma subárea da social. Por isso, iniciamos nossa discussão com a tarefa de conceituar o que é psicolo- gia social. Em seguida, avançamos para o entendimento da psicologia social e comunitária de fato. A psicologia social se interessa em estudar o ser humano e sua relação com seu meio sócio-histórico e cultural. Lane (2006, p. 8) destaca que “o enfoque da Psicologia Social é estudar o comporta- mento de indivíduos no que ele é influenciado socialmente”. Nesse sentido, a psicologia social privilegia a interação social e o que se origina nela, incluindo o pensamento social, a história do indivíduo, seus costumes e seus valores. Ao pensarmos nessa perspectiva, ou melhor, no ser humano como um ser social, é importante ressaltar que, ao nascermos, somos inseridos em uma organização anterior. Essa organização engloba elementos sociais, culturais e históricos já estabelecidos. Para nos humanizarmos, somos amparados na relação com um ou- tro ser humano, que se apropria da função do cuidado, visto que somos completamente dependentes ao nascer. Além dos cuidados essenciais de alimentação, limpeza, aquecimen- to e afetividade, são transferidas, nessa relação, referências simbólicas. Elementos como a nossa língua materna e o nome que nos é atribuí- do nos permitem fazer parte de um sistema social. O ser humano se insere por meio de um lugar também subjetivo, localizado no tempo, no espaço (data e local de nascimento), na história da humanidade, na sociedade e na cultura. Nesse sentido, a psicologia social busca compreender a inserção do indivíduo no processo histórico e sua dinâmica, já que ele próprio é agente transformador da sociedade em que vive. Inclusive, a psicologia social pode ser considerada uma ciência ambiental. Myers (2014) a Psicologia social e comunitária 13 nomeia assim por entender que ela investiga como o ambiente social afeta o comportamento de cada indivíduo. A psicologia social também se ocupa da construção do conhecimen- to sobre o convívio social, o processamento desse conhecimento, suas leis, suas influências situacionais e seus estímulos sociais. É correto sustentar que ela compreende as formas de relacionamento humano em diferentes âmbitos, como comportamentos em grupo, fenômenos de grupo, motivações, comoções, a violência e o altruísmo social, bem como a construção de estereótipos e preconceitos. Uma reflexão interessante é percebemos como as interações sociais são intensas até mesmo em situações corriqueiras. Interagimos fre- quentemente com nossa família, nossos vizinhos, colegas de trabalho etc. A interação social está presente, inclusive, em situações mais com- plexas. Nelas, utilizamos nossas habilidades interpessoais, nos empe- nhamos em sermos aceitos, realizamos negociações, persuadimos, agimos com empatia e com nossas identificações 1 . Nesse sentido, a psicologia social também estuda processos cognitivos e emocionais. De acordo com o Conselho Regional de Psicologia (CRP09, 2015), a atuação profissional do psicólogo social deve ser “fundamentada na compreensão da dimensão subjetiva dos fenômenos sociais e coleti- vos, sob diferentes enfoques teóricos e metodológicos, com o objetivo de problematizar e propor ações no âmbito social”. Ainda segundo o CRP09, é permitido ao psicólogo social desenvol- ver atividades em distintos espaços institucionais e comunitários, assim como “no âmbito da saúde, educação, trabalho, lazer, meio ambiente, comunicação social, justiça, segurança e assistência social”. O trabalho do psicólogo social pode envolver políticas e ações li- gadas à comunidade em geral e aos movimentos sociais de grupos étnico-raciais, religiosos, de gênero, geracionais, de orientação sexual, de classes sociais e de outros segmentos socioculturais. Sua atuação se refere à realização de projetos da área sociale/ou definição de políticas públicas (CRP09, 2015). Além disso, o mesmo documento ressalta que esse profissional tem o compromisso de realizar estudos, pesquisas e supervisão quanto à relação do indivíduo com a sociedade, a fim de oportunizar a proble- matização e a estruturação de proposições que qualifiquem o trabalho, bem como a formação no campo da psicologia social (CRP09, 2015). Identificação designa um proces- so psicológico inconsciente pelo qual o sujeito se constitui ou se transforma, assimilando ou se apropriando de aspectos, atribu- tos ou traços das pessoas mais próximas (ZIMERMAN, 2001). 1 14 Psicologia social e comunitária É válido destacar que a atuação prática da psicologia social é condi- cionada ao contexto tanto quanto às demandas sociais, que são variá- veis. Trata-se de uma prática que tem se ampliado proporcionalmente aos movimentos sociais, assim como às políticas governamentais em saúde pública (CRP09, 2015). Para atender às necessidades sociais, a psicologia social é apli- cada em subáreas – psicologia comunitária, ambiental/ecologia humana, do trabalho, da saúde e dos movimentos sociais, por exemplo. Além disso, ela está relacionada às práticas psicossociais específicas, como de direitos humanos, de situações de emergên- cia e desastres, de grupos de mulheres, de população em situação de rua, terceira idade, entre outras. Segundo Góis (1993 apud CAMPOS, 2015, p. 11) a psicologia social estuda a atividade do psiquismo consequente do modo de vida do lu- gar ou da comunidade e, da mesma forma, estuda “o sistema de rela- ções e representações, identidade, níveis de consciência, identificação e pertinência dos indivíduos ao lugar/comunidade e aos grupos comu- nitários”. A intenção é que haja o desenvolvimento da consciência de sujeitos históricos e comunitários, por meio da dedicação interdiscipli- nar no desenvolvimento dos grupos e da comunidade, ou seja, que o indivíduo se transforme em sujeito. Campos (2015) explica que, desde meados da década de 1960, há a aplicação de teorias e métodos da psicologia no trabalho com comuni- dades de baixa renda, tendo em vista a busca por melhores condições de vida da população. Esse campo teórico e prático passou a ser cha- mado de psicologia comunitária. O início dos trabalhos de psicologia social comunitária acon- teceu em bairros populares, favelas, associações de bairro e mo- vimentos populares. Somente após a ampliação dos sistema de saúde e educação pública no Brasil é que a psicologia social comu- nitária passou a atuar em postos de saúde, creches, instituições de promoção de bem-estar social etc. Os trabalhos comunitários se efetivam com base no levantamento das necessidades e carências – por exemplo, condições de saúde, edu- cação e saneamento básico – de determinado grupo. Após o levanta- mento das necessidades, o trabalho consiste na conscientização dos grupos, objetivando a apropriação dos indivíduos do seu papel de su- Psicologia social e comunitária 15 jeitos ativos, conscientes e capazes de buscar estratégias que solucio- nem seus problemas (CAMPOS, 2015). As produções teóricas e práticas da psicologia social comunitá- ria se caracterizam pelo desenvolvimento de práticas cooperativas ou autogestionárias, fundamentadas na ética da solidariedade. O desenvolvimento do trabalho nessa área se sustenta por meio da conscientização de causas sociopolíticas e do desenvolvimento do senso crítico sobre o contexto dos problemas que fazem parte do cotidiano da comunidade. Campos (2015) destaca que os conceitos utilizados na psicologia social se verificam nas contribuições das teorias de abordagem cog- nitivista, das representações sociais e do interacionismo simbólico. Em termos teóricos, seu conhecimento é produzido com a interação entre o psicólogo social e os sujeitos. A organização do saber – já construído pela psicologia social – é articulado ao saber da comu- nidade para coordenar processos e encaminhamentos que visam à transformação da realidade. A metodologia utilizada é a pesquisa participante, “na qual o pesquisador e os sujeitos da pesquisa traba- lham juntos na busca de explicações para os problemas colocados, e no planejamento e execução de programas de transformação da realidade vivida” (CAMPOS, 2015, p. 10). Ainda de acordo com Campos, os trabalhos de psicologia social e comunitária enfatizam, sobretudo, a ética da solidariedade, assim como os direitos humanos fundamentais e a busca pela melhoria da qualidade de vida da população. Bonfim (1987) ressalta o compro- misso ético e político que a psicologia social e comunitária assume ao trabalhar com o intuito de que haja condições adequadas para o exercício pleno da cidadania, democracia e igualdade. Em termos po- líticos, a psicologia social e comunitária busca o desenvolvimento de práticas de autogestão cooperativa e o questionamento das formas de opressão e de dominação. O aspecto social deve ser entendido como tudo aquilo que se refere à vida coletiva e psicológica do indivíduo, atuando de modo determi- nante sobre o comportamento individual e se inscrevendo no corpo e psiquismo humano. Assim, se considera a complexidade envolvida na construção de conhecimento e sua efetivação prática (CAMPOS, 2015). autogestionário: relativo à autogestão. Glossário Discorra sobre o modo de atuação da psicologia social e comunitária. Atividade 1 16 Psicologia social e comunitária Historicamente, a psicologia social buscou, desde seu início, identi- ficar de que modo as relações interpessoais são fundamentais para a constituição das funções psicológicas e da subjetividade do sujeito. Ela tenta compreender como isso varia de um contexto sociocultural para outro (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001). Na Seção 1.3, faremos um apanhado histórico para clarificar e enten- dermos o percurso e o desenvolvimento da psicologia social, bem como da psicologia social comunitária, desde seu início até a atualidade. 1.3 Psicologia social e comunitária no Brasil Vídeo Para conhecermos os aspectos referentes à psicologia social e co- munitária no Brasil, precisamos, primeiramente, realizar uma breve contextualização da psicologia social no mundo para, depois, enten- dermos como esse campo se desenvolveu no país. Quando Wundt desenvolveu o primeiro laboratório experimental, já havia um estímulo aos estudos em psicologia social (DAVIDOFF, 2004). O pesquisador se ocupava de temas como linguagem, cultura, mitos, religião e costumes. Nesse sentido, segundo Bernardes (2001), já se considerava que os fenômenos coletivos não poderiam ser reduzidos à consciência individual, fato que endereça várias questões à psicologia social como campo de investigação. Dessa forma, os objetos de estu- do eram pertinentes tanto à esfera individual quanto à esfera coletiva. Desde o início dos estudos em psicologia, os fenômenos sociais são considerados (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001). A psicologia social teve seu desenvolvimento acentuado na Europa e nos Estados Unidos após o término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Esse fato ocorreu devido à necessidade de estudos sobre a moral das tropas em tempos de guerra, suas motivações, episódios de estresse, enfrentamento de situações adversas e seus efeitos psico- lógicos (FARR, 2004). As publicações de trabalhos com esse enfoque acabaram sendo base para a psicologia social nos EUA e a obra The American Soldier – em português, O Soldado Americano (1949) –, sob a editoração do sociólogo Samuel Stouffer (1900-1960), abordou o treinamento e a adaptação dos soldados, a vida no exército e suas consequências. Essa obra inspirou a busca por soluções de problemas causados por esse contexto. Explique qual é o objeto de estudo da psicologia social. Atividade 2 Psicologia social e comunitária 17 Na década de 1950, iniciava-se a sistematização de modelos cientí- ficos. A tendência dominante era a pragmática americana, que preten- dia garantir a produtividade de grupos e a minimizaçãodos conflitos humanos. Já na Europa, foram desenvolvidos modelos científicos com raízes na fenomenologia (LANE; CODO, 1984). Bernardes (2001) faz uma comparação interessante ao afirmar que a psicologia social está para a Segunda Guerra Mundial assim como os testes psicométricos estão para a Primeira Guerra. Em outras palavras, esses dois momentos são caracterizados por um “utilitarismo” na psicologia. Com relação aos referenciais teóricos, pode-se afirmar que aqueles que privilegiavam a interação do sujeito com o meio foram os que tiveram mais espaço. São eles: o behaviorismo radical, de Burrhus Skinner (1904-1990); a abordagem histórico-cultural, de Lev Vygotsky (1896-1934); e a teoria sistêmica, de Ludwig von Bertalanffy (1901-1973) (SCHULTZ; SCHULTZ, 1998). É importante que haja esse pluralismo, a propósito, ele ocorre em virtude da complexidade dessa área. Ainda que possa haver erros nas interpretações de fenômenos sociais, certa abertura teórica auxilia na sua compreensão. O surgimento da Escola de Frankfurt também foi importante para a história da psicologia social. Conhecida como o Instituto de Pesquisa Social, seu estudo incluía o entendimento da sociedade e o comporta- mento autoritário de alguns ditadores europeus. Lane (2006) explica que os cientistas do Instituto de Pesquisa Social buscavam compreender as origens e as causas do comportamento do indivíduo. Para isso, aprofundavam os estudos sobre traços de perso- nalidade, atitudes, preconceitos e motivações, contudo, acabavam por tomar o indivíduo e a sociedade como fenômenos distintos. Segundo Lane, foi nesse período que surgiu a chamada crise da psicologia social, oriunda dos trabalhos dos próprios cientistas e psi- cólogos sociais e feitas em virtude da continuidade dos problemas. O preconceito, a violência e a miséria permaneciam, e o ser humano apa- rentava se desumanizar nos centros urbanos. A crise era tanto meto- dológica quanto prática, o que dificultava intervenções, explicações e prevenções com relação ao comportamento social. Na Europa, no fim da década de 1960, as crises se intensificaram e expuseram que “nada poderia ser alterado nas condições sociais de A psicometria é o ramo da psicologia que pesquisa e aplica técnicas de mensuração das capacidades mentais. O teste mais famoso é o QI (quociente de inteligência). Os testes psicológicos de inteligência e personalidade foram amplamente utilizados pelos norte-americanos durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), especialmente pelo exército, com o objetivo de classificar os recrutas (SCHULTZ; SCHULTZ, 1998). Saiba mais 18 Psicologia social e comunitária vida de qualquer sociedade, se a base fosse os conhecimentos desen- volvidos até aquele momento” (LANE, 2006, p. 78). É importante saber que dois grandes congressos tiveram um papel importante na história da psicologia social. O primeiro ocorreu no ano de 1976, em Miami, nos EUA. Nele, participaram muitos profissionais latino-americanos, que, diante das críticas, discutiram e tentaram enca- minhar os rumos de uma psicologia social que atendesse às demandas da realidade cotidiana, com fortes influências de bases materialistas e históricas (LANE, 1984). O segundo, Congresso de Psicologia Interamericana, aconteceu em 1979, na cidade de Lima, no Peru. Pode-se dizer que, nesse congresso, teve início um novo momento e, finalmente, uma redefinição da psico- logia social. A Assembleia da Associação Latino-Americana de Psicolo- gia Social (Alapso) foi uma iniciativa criada para promover e fortalecer os estudos na área. Entre as discussões que ocorreram nesse congresso, foram le- vantados o problema da dependência teórica e a reprodução do co- nhecimento norte-americano. Isso ocorria em virtude de os modelos estrangeiros não englobarem a realidade latino-americana, especial- mente a brasileira (LANE, 2006). Na América Latina, a crise também teve um caráter político, com a tendência de pensar e propor práticas de psicologia social dirigidas às condições de cada país. É fato que as ditaduras militares – nas décadas de 1960 e 1970 – favoreceram o debate sobre o papel de psicólogos e da psicologia social e comunitária, embora existisse a tendência teórica americanizada (LANE, 1995). Algum tempo depois desse congresso no Peru, psicólogos bra- sileiros associados à Alapso promoveram o Encontro de Psicologia Social, no qual emergiu a Associação Brasileira de Psicologia Social (Abrapso). A intenção era de intensificar as trocas e produções en- tre os estudiosos de todas as regiões do país. Os psicólogos sociais se comprometeram com o estudo da realidade social, desenvolve- ram novas ações para reposicionar essa área e priorizaram a par- ticipação dos indivíduos nas transformações sociais (LANE, 2006). Com isso, se abriu um espaço para a psicologia social comunitária, que se desenvolveria em um próximo momento. Psicologia social e comunitária 19 Nesse período, a psicologia social passa a ter uma abordagem crítica, na qual a perspectiva teórica conduz a uma nova concepção histórica e social do ser humano. O sujeito pode ser tomado como produto das relações, mas, do mesmo modo, ele é produtor; com isso, a ciência também passa a ser tomada como uma prática social (GUARESCHI; BRUSCHI, 2003). Não se tinha mais a premissa de que a psicologia teria leis universais – como sustentavam as tendências prag- máticas americanas –, mas, sim, perspectivas subjetivas, singulares. Além disso, não havia consenso entre a relação do aspecto biológico da espécie e o aspecto histórico e cultural das sociedades (LANE, 1995). O texto A psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia, de Ana Mercês Bahia Bock, aborda de modo interessante o compromisso social da psicologia por meio da perspectiva sócio-histórica. In: BOCK, A. M. B; GONÇALVES, M. G. G.; FURTADO, O. (orgs.). Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, 2001. Leitura Com a revisão crítica dos aspectos teóricos e suas aplicabilidades práticas, alguns conteúdos passaram a se destacar. Um exemplo é a psicologia da linguagem, que é entendida como um fenômeno dinâmi- co e construído historicamente pela sociedade, além de participar das funções psíquicas (pensamento e sentimento). Outro exemplo é a teo- ria da identidade social – que estuda como os grupos se formam e suas dinâmicas – e a criação de técnicas de dinâmicas de grupo 2 . Os papéis sociais e as relações de poder também passam a ser temas de estudo. Esses congressos internacionais foram fundamentais e evidenciaram as preocupações dos psicólogos sociais de toda a América Latina em produzir um conhecimento realmente transformador. Buscava-se uma metodologia de pesquisa que, sobretudo, pudesse alcançar o sujeito em seu contexto histórico e favorecesse a interdisciplinaridade, com o obje- tivo de efetivar uma prática comprometida com a realidade social. Nesse sentido, o método de pesquisa participante é considerado um dos mais adequados para acompanhar transformações sociais. Além dele, outras estratégias podem ser utilizadas, como a obser- vação em processos grupais, estudos de caso e estudos mediante relatos históricos de vida. Dinâmica de grupo é uma técnica na qual simula-se uma situação social em determinado grupo, de modo que o desem- penho dos indivíduos é avaliado por um psicólogo, conside- rando a aplicação de conceitos relativos ao comportamento individual e grupal (SCHULTZ; SCHULTZ,1998). 2 20 Psicologia social e comunitária A história da psicologia social na América Latina foi permeada pela ideia de que a ciência deveria produzir efeitos práticos ou ser desenvol- vida com base em uma prática que resultaria em uma sistematização teórica. Desse modo, podemos afirmar que a psicologia social e comu- nitária criou as bases para a atuação transformadora e crítica, com ori- gem nas relações de grupos (LANE, 1995). A psicologia social e comunitária é, portanto, caracterizadapela ar- ticulação entre teoria, pesquisa e prática. Sua comprovação teórica é fruto da transformação da realidade por meio da prática. No Brasil, como mencionado, as práticas da psicologia social tiveram origem em 1960 e, até a década de 1970, apresentavam a mesma problemática: a alienação da própria realidade e a adoção do modelo norte-americano. O rompimento com o modelo norte-americano ocorreu na década de 1980, com influência da psicologia marxista. Segundo Bernardes (2001, p. 31): Os países latino-americanos conseguem construir uma pro- dução em psicologia social que não deixa nada a desejar à produção do restante do Ocidente. Contextualizada, histórica, preocupada com a cultura, valores, mitos e rituais, brasileiros e latino-americanos em geral, já não veem mais necessidade de importação desenfreada de teorias e métodos cientificistas. Além disso, o surgimento da Abrapso, como abordado anteriormente, também foi determinante, uma vez que essa entidade se preocupa em promover congressos e pesquisas. Seu surgimento ocorreu em julho de 1980, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). A professora doutora Sílvia Lane – que coordenou esse processo com a temática “Psi- cologia social como ação transformadora” – é até hoje referência na área. A Abrapso pode ser considerada, portanto, decisiva para o desen- volvimento da psicologia social no Brasil. A instituição promove encon- tros periódicos, nos quais se apresentam diferentes experiências em psicologia social. Entre seus objetivos, destaca-se a ampliação e de- mocratização do serviço para população. Ainda, a Abrapso conta com núcleos regionais de pesquisa e estudos (CAMPOS, 2015). As ações da instituição foram extremamente importantes, visto que, desde o início, a psicologia, em geral, era acessível apenas para uma parcela da popu- lação, tendo, consequentemente, um viés que pode ser considerado elitista (BOCK, 2003; LANE, 2006; YAMAMOTO, 2003). Psicologia social e comunitária 21 Recentemente, com a evolução da tecnologia, alguns pesquisadores passaram a estudar, entre outros temas, a cognição social, a comunica- ção, o processamento das informações e o mundo virtual. A psicologia social, nesse sentido, também teve seu crescimento e está presente com distintas funções em diversas áreas: acadêmica, nas disciplinas e nos estágios das graduações em psicologia; profissional, nas clínicas, nos centros de atenção psicossocial e nas empresas; e na pesquisa. Alguns autores, como Lane e Codo (1984), distinguem a atuação da psicologia em psicológica e social. A vertente psicológica reduz expli- cações do coletivo e social às leis individuais e envolve reflexões sobre como extrair entidades psicológicas dos fenômenos sociais. Já a verten- te social reflete a relação entre o individual e o coletivo. Segundo Lane (2007), há a necessidade de trabalhos e práticas que tenham qualidade e competência suficientes para identificar e respon- der às exigências feitas por setores da sociedade (saúde, educação, bem-estar social etc.) para que a psicologia não se afaste das deman- das sociais e se torne pouco útil. O profissional da área de psicologia social deve considerar os as- pectos históricos gerais e regionais, assim como conhecer a cultura e o local a se trabalhar. Além disso, esse profissional deve contribuir para construir novos significados de interação social, proporcionar oportu- nidades para diálogo e adaptação salutar 3 (LANE, 2007). Por fim, a psicologia social é desafiada a intervir nas questões so- ciais impostas pela contemporaneidade, o que confere a esse trabalho uma complexidade própria. Descreva as origens da psicologia social e as relacione com as críticas sofridas em seu processo histórico e com as transformações que ocorreram por meio delas. Atividade 3 Adaptação saudável; pessoas saudáveis psicologicamente. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, pudemos conhecer um pouco a trajetória da psicologia e como ela se instituiu como ciência. É importante pensar que o ser huma- no sempre se sentiu intrigado e procurou compreender a vida psíquica. Por vezes, é comum buscar essa compreensão em caminhos diferentes da psicologia científica e encontrar explicações e aconselhamentos em fontes como misticismo, religião, astrologia, entre outros. A psicologia teve seu processo de construção científica e, com isso, des- cobriu muito sobre o ser humano e seu psiquismo. Diversas hipóteses foram levantadas e, por meio de métodos científicos, foram elaboradas teorias. 22 Psicologia social e comunitária Desse modo, esse campo do conhecimento teve muitos avanços e diversas áreas surgiram. Ocupando-se do estudo do indivíduo e sua inter-relação com a sociedade, a psicologia social é uma das áreas emergentes da psicologia geral. Inicialmente, estudava-se o indivíduo separado da sociedade, o que gerou muitas críticas. Contudo, essas críticas foram construtivas, uma vez que, por meio delas, foi possível construir uma nova perspectiva, com ên- fase socio-histórica, na qual considera o ser humano como sujeito ativo, não estático e reducionista. É fundamental compreender que o ser humano é um sujeito biopsicossocial, desse modo, é um erro tentarmos “fragmentá-lo” e buscar compreendê-lo sem considerar a tessitura que o humaniza. Ele é um ser biológico, mas também relacional, social e histórico. A linguagem é um elemento extremamente importante e muito considerado pela corrente sócio-histórica. Ela se dá apoiada no aparato fisiológico, medeia a relação entre os humanos, participa da construção do pensamento e, por isso, é um produto cultural e sustenta o social. A psicologia social contribui para o entendimento de vários problemas e pode oferecer subsídios na busca por soluções. A psicologia social co- munitária se estabelece em virtude de as questões e os conflitos existen- tes nas sociedades perpassarem pelas experiências vividas, o que impõe reflexões, implicações e compromisso social. REFERÊNCIAS BERNARDES, J. S. História. In: JACQUES, M. G. C et al. Psicologia social contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2001. BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Cortez, 2001. BOCK, A. M. B. Psicologia e sua ideologia: 40 anos de compromisso com as elites. In: BOCK, A. M. B. (org.). Psicologia e compromisso social. São Paulo: Cortez, 2003. CAMPOS, R. H. F. Psicologia social comunitária: da solidariedade à autonomia. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 2015. CRP09 – Conselho Regional de Psicologia da 9. Região. Áreas de atuação do(a) psicólogo(a), 2015. Disponível em: http://www.crp09.org.br/portal/orientacao-e-fiscalizacao/orientacao- por-temas/areas-de-atuacao-do-a-psicologo-a. Acesso em: 12 jun. 2020. DAVIDOFF, L. Introdução à psicologia. São Paulo: Pearson, 2004. FARR, R. As raízes da psicologia social moderna (1872-1954). 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. GUARESCHI, N. M. F.; BRUSCHI, M. E. (org.). Psicologia social nos estudos culturais: perspectivas e desafios para a psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2003. LANE, S. T. M. Avanços da psicologia social na América Latina. In: LANE, S. T. M.; SAWAIA, B. Psicologia social e comunitária 23 B. Novas veredas da psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1995. LANE, S. T. M. O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 2006. LANE, S. T. M. Histórico e fundamentos da psicologia comunitária no Brasil. In: CAMPOS, R. H. F. Psicologia social comunitária: da solidariedade à autonomia. Petrópolis: Vozes, 2007. LANE, S. T. M.; CODO, W. Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 1984. MYERS, D. G. Psicologia social. 10. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da psicologia moderna. 5. ed. São Paulo: Cultrix, 1998. YAMAMOTO, O. H. Questão social e políticas públicas: revendo o compromisso da psicologia. In: BOCK, A. M. B. (org.). Psicologia e compromisso social. São Paulo: Cortez, 2003. ZIMERMAN, D. E. Vocabuláriocontemporâneo de psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 2001. GABARITO 1. A atuação prática da psicologia social é condicionada ao contexto e às demandas so- ciais, que variam. Sua aplicação ocorre em subáreas, como a psicologia comunitária, ambiental/ecologia, do trabalho, da saúde, dos movimentos sociais, além de práticas psicossociais específicas – por exemplo, direitos humanos, situações de emergência e desastres, grupos de mulheres, populações em situação de rua, terceira idade etc. Os trabalhos comunitários devem se efetivar com base em um levantamento das neces- sidades e carências do grupo em questão, por exemplo, condições de saúde, educa- ção e saneamento básico. Na sequência, há a utilização de métodos e processos de conscientização no trabalho com os grupos populares, a fim de que os indivíduos se apropriem progressivamente do seu papel de sujeitos ativos, conscientes e busquem soluções para os problemas. 2. A psicologia social estuda a interação social e suas origens, abarcando o pensamento social, a história do indivíduo, seus costumes e valores. Ela compreende as formas de relacionamento humano no âmbito social, como comportamentos em grupo (os cha- mados fenômenos de grupo), motivações, comoções, violência social, altruísmo social e construção de estereótipos e preconceitos. A psicologia social tem como objetivo conhecer características e grupos de indivíduos no conjunto de suas relações sociais. Além disso, ela busca superar a cultura do individualismo, tendo como premissa que o conhecimento se constrói na interação social (sociointeracionista). Por fim, a psi- cologia social estuda as instituições sociais e suas diferentes manifestações, assim como fenômenos que envolvem multidões de pessoas, relações de poder e domina- ção, propaganda, processos de influência social que englobam aspectos emocionais, inconscientes, afetivos e irracionais. 3. No início, a psicologia científica se caracterizou, predominantemente, em sua li- gação com a fisiologia. Mais tarde, ela se ampliou para além dessa relação, de modo que hoje pode ser considerada nas dimensões fisiológica, psíquica e social. A psicologia social emerge do esforço de compreender o ser humano socialmente, visto que muitos fenômenos humanos não podem ser completamente entendidos considerando apenas aspectos individuais. Historicamente, a psicologia social na 24 Psicologia social e comunitária América Latina e no Brasil é caracterizada por uma crise após a década de 1960. Com isso, há um investimento para que as práticas se tornem mais comprometidas com transformações sociais, envolvendo contextos políticos e específicos de cada região, além de um desapego às teorias norte-americanas e europeias, distantes da realida- de latino-americana. No Brasil, o desenvolvimento da Abrapso, bem como a reação à opressão política, ideológica e econômica do período militar são alguns fatores. A psicologia social tem como objetivo ampliar e democratizar o fornecimento de servi- ços a favor da população em geral. Constituição do sujeito 25 2 Constituição do sujeito Ao iniciarmos este capítulo, vamos estabelecer dois pressupos- tos para o desenvolvimento dos temas. O primeiro é o de que a psicologia social estuda o comportamento do indivíduo na condi- ção de influenciado e influenciador social. Já o segundo parte do fato de a socialidade, tão própria da condição humana, fazer parte do sujeito antes mesmo de ele nascer. Nosso objetivo neste capítulo é entender – com base nesses pressupostos – como o sujeito se constitui subjetivamente, isto é, suas dimensões, sua subjetividade, sua identidade, sua afetividade e sua consciência. Esses conceitos levantam o seguinte questiona- mento: como podemos ser sujeitos individualizados e, simultanea- mente, tão coletivos? Para respondê-lo, é importante conhecermos como a socializa- ção acontece, quer dizer, quais são seus agentes e processos, bem como as questões que envolvem a relação dos sujeitos com a cul- tura. Isso nos leva a concluir que há uma articulação fundamental entre indivíduo, sociedade e cultura. Contudo, não se exclui o fato de que, ao mesmo tempo, cada sujeito é único, singular em suas vivências e em sua personalidade. Este estudo nos convida, portanto, à compreensão dos proces- sos subjetivos e sociais, desvelando algo que diz respeito a nós mesmos, na nossa complexa forma de estar no mundo. 2.1 Psicologia do desenvolvimento e a constituição do sujeitoVídeo Para compreendermos o fato de antes de nascermos já sermos in- seridos socialmente, pense na seguinte afirmativa: quando um bebê nasce, ele é imediatamente inserido em uma ordem simbólica da hu- 26 Psicologia social e comunitária manidade. Desde o nascimento e por todo percurso da vida, nós nos relacionamos socialmente com pessoas e grupos, bem como com con- textos históricos e culturais. Segundo Barbosa (2009, p. 47): O contexto simbólico (social, histórico e cultural), portanto, é o que insere a existência de um ser na humanidade. É representa- do pela língua materna, pelo nome que é escolhido para desig- ná-lo, a história sobre sua origem (data e lugar de nascimento, filiação), as quais são referências essenciais para que se desen- volva o sentimento de pertença e segurança, a partir de algo que se torna sempre familiar, sua identidade. Do ponto de vista da psicologia do desenvolvimento, há uma in- terdependência indissociável entre o orgânico, o psíquico e o social. O sujeito se constitui como um ser biopsicossocial, de maneira arti- culada entre maturação, crescimento, desenvolvimento, subjetivida- de e aprendizagem. A psicologia do desenvolvimento estuda e produz conhecimento articulando o ciclo biológico do ser humano – desenvolvimento em- brionário, feto, nascimento, crescimento, reprodução, envelhecimento e morte – com os desenvolvimentos psicológico e socioambiental. O desenvolvimento ocorre com a articulação de todas essas dimensões da existência humana. Sua separação para estudo é meramente didá- tica, uma vez que essas dimensões incidem sobre o sujeito de modo simultâneo e interligado. Com base nessa premissa, podemos apresentar as definições en- contradas em Mariotto (2018). Essas definições, além de serem interde- pendentes, são diferentes entre si, pois compreendem características específicas; os conceitos de desenvolvimento e aprendizagem acompa- nharão todas essas definições. A primeira definição versa sobre a noção de maturação, ligada à fisiologia e ao avanço das estruturas nervosas. Essa evolução possibili- ta que haja instalação de funções e aquisição de habilidades; é impor- tante, contudo, entender que a maturação por si só não garante essas aquisições. Um exemplo disso é a fala: para desenvolver a habilidade de falar, os seres humanos necessitam de um aparato fisiológico fona- dor. Entretanto, a presença desse aparato não garante que o ser hu- mano fale por si só – ele precisa, também, de condições relacionais e ambientais, ou seja, é necessário que alguém fale com ele. Enquanto Constituição do sujeito 27 o aparelho fonador não está maduro, a criança ainda não pode falar, embora se fale muito com ela. Desse modo, a maturação oferece con- dições para que haja o desenvolvimento e a aprendizagem. A segunda definição compreende a noção de crescimento. O crescimento, assim como a maturação, também diz respeito à di- mensão fisiológica e à evolução corporal no sentido das medidas e proporções. Além disso, essa noção está relacionada às aquisições funcionais características de cada idade, como as funções sexuais e reprodutivas. A terceira definição é o desenvolvimento, que representa a capaci- dade adaptativa. Essa expressão adaptativa ao meio e ao mundo social se apoia nos recursos conquistados na maturação, e isso só é possível em função das conquistas das habilidades físicas e mentais. O desen- volvimento engloba os processos da personalidade e a aptidão para dar significação às experiências e às interpretações sobre seu entorno.A quarta definição é a subjetividade. A sua formação está relacio- nada à incursão do ser humano no mundo simbólico da linguagem, pois é nesse momento que a criança se situa em determinada cultura e adquire sua identidade particular. A maturação, o crescimento e, particularmente, o desenvolvimen- to dependem dos processos de formação da vida psíquica e são pro- fundamente sensíveis a eles. É importante ressaltar que todos esses processos estão condicionados pelos adultos próximos à criança, inicialmente por meio da relação entre mãe e filho. A figura materna pode ser considerada, aqui, uma função: sempre que nos referirmos a ela, estamos nomeando uma função que pode ser exercida pela mãe ou outra pessoa que realize os cuidados próprios da maternagem. A constituição do sujeito acontece na troca relacional e primitiva com a função da maternagem; ela ocorre por meio de identificações e pela transmissão de significações afetivas, morais, entre outras. Shaffer (2005), no prefácio de sua obra Psicologia do desenvolvimen- to: infância e adolescência, afirma que o desenvolvimento humano é um processo holístico e contínuo. Embora alguns pesquisadores se ocupem com tópicos particulares do desenvolvimento humano – por exemplo, os desenvolvimentos físico, cognitivo ou moral –, o desenvol- vimento, em virtude de suas características, não pode ser fragmentado. Shaffer (2005) afirma que os seres humanos são, ao mesmo tempo, David R. Shaffer, em sua obra Psicologia do desenvolvimento: infância e adolescência, faz um apanhado sobre o desen- volvimento humano até a adolescência, explorando as principais teorias da psicologia do desenvolvi- mento. O autor apresenta também pesquisas preo- cupadas em identificar e entender os processos desenvolvimentais, fatores biológicos e ambientais. SHAFFER, D. R. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. Livro holístico: que busca o entendi- mento integral dos fenômenos. Glossário 28 Psicologia social e comunitária criaturas físicas, cognitivas, sociais e emocionais; cada um desses com- ponentes do “eu” depende parcialmente das mudanças que ocorrem em outras áreas do desenvolvimento. O fato de sermos filhos de seres humanos não garante nossa huma- nização. Precisamos ter uma história e memórias que constituam um repertório de experiências que angariamos em nosso percurso de vida. Nesse sentido, as variáveis da formação de nossa subjetividade não de- pendem somente de nós mesmos e de nossos dotes inatos da infância. Elas dependem especialmente de um humano adulto, que se relaciona e cuida, em um processo complexo de enlaces subjetivos e simbólicos, os quais instituem bases e recursos para o desenvolvimento de novos processos interpessoais. Esses processos se atualizam e se ampliam pelo resto da vida em todos os grupos e experiências sociais. 2.2 Dimensões do sujeito Vídeo Para compreendermos as dimensões do sujeito, podemos retomar a ideia de que o ser humano é um ser biopsicossocial. Nesse sentido, sua fisiologia biológica é a base da sua existência, que garante possibi- lidades para o desenvolvimento do psiquismo e da sociabilidade; esse desenvolvimento, por sua vez, ocorre articulado com as condições do meio. Embora o ser humano não possa ser considerado um ser instin- tivo, ele carrega características historicamente desenvolvidas que mos- tram sua predisposição em se relacionar. Um fato interessante é que, apesar de uma base comum e objetiva, cada ser se tornará único no processo de desenvolvimento. Na sequência, vamos abordar alguns conceitos inerentes às di- mensões do sujeito. Eles são úteis para o entendimento da psicolo- gia social e comunitária. 2.2.1 Identidade Embora a ideia de identidade faça parte do nosso cotidiano – temos até documentos instituídos, como o RG, que nos identifica como únicos e diferentes –, não costumamos parar para refletir sobre isso. Para a questão humana que jamais cessa – “quem sou eu”? –, as respostas, sempre parciais, por vezes mutáveis, são incapazes de totalizar nosso ser. Assim, vamos nos recobrindo de representações que nos referen- ciam e trazem notícias sobre nós. Constituição do sujeito 29 Para definirmos identidade, podemos fazer um resgate desse termo no dicionário. Lá, encontramos a seguinte definição: “conjun- to de características que distinguem uma pessoa ou uma coisa e por meio das quais é possível individualizá-la”; “qualidade do que é idêntico” (HOUAISS, 2009). Outra definição é: “estado de semelhança absoluta e completa entre dois elementos com as mesmas caracte- rísticas principais” (MICHAELIS, 2020). Com base nessas definições, podemos perceber um interessan- te paradoxo: identidade é, simultaneamente, igualdade e diferença. Jacques (1998) destaca esse paradoxo afirmando que identidade reme- te-nos tanto à qualidade do que é idêntico e igual quanto à ideia daqui- lo que é capaz de caracterizar o sujeito como distinto dos demais. Em outras palavras, identidade se refere ao reconhecimento de um sujeito naquilo que lhe é próprio, mas também no que lhe faz pertencer ao todo, confundindo-se com outros e seus pares. Ciampa (1984) chama atenção para as propriedades de igualdade e diferença contidas nesse termo. O termo identidade é constituído pela diferença (prenome) e pela igualdade (sobrenome), o que re- mete à família, nosso primeiro grupo social. Trata-se de um parado- xo, uma vez que a soma do prenome e do sobrenome identificam o sujeito socialmente – “eu sou José da Silva”. Contudo, é o prenome (José) que o diferencia dos familiares, já que o sobrenome (da Silva) é compartilhado pelos membros da família, isto é, carregamos em nossa identidade e em nosso nome completo um aspecto simbólico de nosso primeiro grupo social. Diversas áreas do conhecimento – filosofia, antropologia, história e sociologia, por exemplo – já se apropriaram e estudaram esse conceito de maneira própria. Para a psicologia social e comunitária, as contribui- ções da sociologia são bastante relevantes. Laurenti e Barros (2000) relatam que, historicamente, o termo personalidade já foi utilizado para significar o que atualmente entende- mos como identidade. Isso evidencia como a perspectiva individualista foi predominante na ciência. Na própria história da psicologia, assim como em outras ciências, podemos constatar que o processo de estu- do se deu sob uma primazia do ser biológico e individual apoiados em uma estrutura psíquica. As dicotomias indivíduo x grupo e ser humano x sociedade ainda são um processo de transformação inacabado. 30 Psicologia social e comunitária O conceito de personalidade remete a características classificá- veis em categorias, desconsiderando, de certo modo, as variantes do ambiente. Segundo Laurenti e Barros, a história social e singular do indivíduo era considerada como um cenário para a manifestação de comportamentos reconhecidos como habituais. Algumas definições sobre o conceito de personalidade incluem a in- tervenção da socialização, como podemos constatar em Savoia (1989). Para o autor, a construção da personalidade é consequente do pro- cesso de socialização, no qual intervêm fatores inatos (psicogenética) e adquiridos (sociedade e cultura). Nesse sentido, há a necessidade de se considerar o ser humano como um sujeito social, ou seja, um sujeito incluído em seu contexto sócio-histórico. Por essa razão, os psicólogos sociais passaram a trabalhar com o conceito de identidade. A identidade deve ser considerada uma construção social, entretan- to, se considerarmos o sujeito de modo integral, ela também opera na subjetividade por participar das representações que cada um tem de si. A identidade abarca algo do sujeito que pode ser considerado na fron- teira entre o particular e o social. Ao mesmo tempo em que incorpora sua identidade de maneira singular, ela o apresenta ao olhar do outro, no social. Nesse sentido, concordamos com Laurenti e Barros (2000) quando as autoras afirmam que o termo identidade podeexpressar, de certa forma, uma singularidade construída na relação com o outro. As mesmas autoras apontam que a identidade pode ser caracteri- zada como uma processualidade histórica ligada ao conjunto das re- lações que permeiam a vida cotidiana. Em outras palavras, as bases sobre as quais se articulam o pessoal e o social dependem de certa contextualização histórica. A identidade não é uma propriedade natural, inerente ao biológi- co, com surgimento espontâneo e independente; ela deve ser com- preendida como uma figuração sócio-histórica de individualidade. É o contexto social que vai oferecer requisitos para as mais diversificadas possibilidades de identidade. O contexto social precisa ser tomado de modo amplo, e não iso- ladamente. Para compreender a articulação entre desenvolvimento e identidade, podemos pensar no seguinte aspecto: a identidade de um sujeito se apresenta de determinado modo na infância, pois os papéis Constituição do sujeito 31 sociais de uma criança são diferentes dos de um adolescente, que, por sua vez, é diferente de um adulto, e assim por diante. Nesse sentido, a identidade é o arranjo entre variáveis; por isso, pode ser considerada mutável. De acordo com Ciampa (1987, p. 74), “identidade é movimen- to, é desenvolvimento do concreto [...] é metamorfose”. Bock (2001) identifica que existem momentos da vida de todos nós em que acontecem redefinições sobre a maneira de estarmos no mun- do. O autor ressalta, inclusive, que podemos ter crises de identidade, caracterizadas por mudanças intensas que podem ser confusas e an- gustiantes. Em certos momentos, sofremos alterações em nosso corpo, mudamos nossos interesses e meio social; um exemplo dessa mudan- ça é a fase da adolescência. Esse exemplo reforça a afirmativa de que somos seres biopsicosso- ciais. Um evento fisiológico do desenvolvimento, como a adolescência, articula-se de modo indissociável com o social e com o psicológico. Outra implicação referente à mobilidade identitária é o fato de que ela não pode ser considerada como pronta e acabada. O desenvolvi- mento do ser humano só se encerra com a morte, e o mesmo ocorre com a identidade. 2.2.2 Subjetividade Abordamos brevemente a subjetividade quando tratamos da cons- tituição do sujeito. A razão disso é o fato de ela ser relativa ao sujeito; mais do que isso, sem a subjetividade, não existe sujeito, é o processo de sua construção que o instaura. A subjetividade é a forma particular de o sujeito se relacionar com o mundo. O ser humano subjetiva suas experiências. O que isso significa? A capacidade de subjetivar nos humaniza, faz com que tenhamos um aparato simbólico internalizado de significação sobre o mundo. A sub- jetividade se constrói por meio de diferentes elementos, como história de vida e experiências, na maneira como nos apropriamos desses ele- mentos e os representamos psiquicamente. A subjetividade pode ser representada como um mundo interno criado pela interação entre o sujeito e o mundo externo. Ela é articu- lada pela nossa forma própria de interpretar, registrar e simbolizar. A identidade se mantém a mesma durante toda a vida ou ela é algo mutável? Justifique sua resposta. Atividade 1 No texto Identidade: uma ideologia separatista?, Bader Sawaia promove uma reflexão sobre a identidade, bem como sobre a dialética da inclu- são e exclusão em uma articulação com a realida- de social. O interessante dessa leitura é que ela nos ajuda a compreender um pouco mais sobre a desigualdade social por meio de um posiciona- mento crítico. In: SAWAIA, B. B. As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 2014. Leitura 32 Psicologia social e comunitária O processamento singular do que se apreende do meio, da cultura e como se inscreve subjetivamente caracteriza nossa forma de interagir e nos relacionarmos com os aspectos da vida. Os sentimentos, a afetividade, os pensamentos, as ideias, as repre- sentações, os desejos e as significações são componentes psíquicos (emocionais e cognitivos) que pertencem à nossa subjetividade. Esses componentes psíquicos, como já mencionamos, estão submetidos a contextos históricos, culturais e sociais. Assim, não é possível pensar no sujeito e em sua subjetividade sem considerar os contextos nos quais ele se encontra inserido. Se a subjetividade remete a uma forma singular de interpretar as coisas do mundo, em oposição a ela temos a objetividade, que diz respeito exatamente ao que é unânime, o que pode ser lido e interpre- tado de uma única forma por todos. Aguiar (2015) nos lembra que é a linguagem que faz a mediação da internalização da objetividade, o que possibilita a elaboração de sentidos e significações pessoais que cons- tituem a subjetividade. O autor aponta, ainda, que o mundo psicológico é um mundo em relação dialética com o mundo social. Para Bock (2001), entender o fenômeno psicológico representa en- tender a expressão subjetiva de um mundo objetivo e coletivo. Trata-se de um processo que se estabelece por meio da conversão do social em individual e da construção interna dos elementos e das atividades do mundo externo, isto é, que fazem parte da vida (interpretamos in- ternamente eventos externos). O autor afirma, ainda, que entender o fenômeno psicológico dessa maneira significa retirá-lo de um campo abstrato e idealista para constituir uma base material vigorosa (BOCK, 2001). O social resulta do modo como o ser humano pensa, bem como a forma de se pensar resulta também do social. Nesse sentido, concordamos com Aguiar (2015) e Bock, Furtado e Teixeira (2002) quando os autores ressaltam que a psicologia so- cial enfatiza a influência de fatores situacionais, envolvendo todos os fenômenos sociais, comportamentais e cognitivos decorrentes da interação interpessoal dos sujeitos. O estudo da subjetividade possibilita conhecer o ser humano em suas expressões compor- tamentais, sentimentais, singulares e genéricas, pois é a síntese singular e individual que cada ser humano constrói durante seu desenvolvimento e suas vivências da vida social e cultural. dialética: “oposição, conflito originado pela contradição entre princípios teóricos ou fenômenos empíricos” (HOUAISS, 2009). Glossário Explique o processo de subjeti- vidade e especifique qual é sua relação com os meios interno e externo. Atividade 2 Constituição do sujeito 33 O artigo Constituição do sujeito, subjetividade e identidade, publicado no periódico Interações, faz uma articulação bastante interessante entre constituição do su- jeito, identidade e subjetividade, abordando também a consciência de si, o que pode promover reflexões e complementar seus estudos. Vale a pena conferir! Acesso em: 12 jun. 2020. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-29072002000100003&lng=pt&nrm=iso Artigo 2.2.3 Afetividade No ser humano, pensamentos, sentimentos, crenças, valores etc. são entrelaçados no tecido da subjetividade; entre as dimensões do sujeito, temos a complexa dimensão afetiva. Na tentativa de se compreender o ser humano, mais uma vez nos deparamos com uma dicotomia. Essa dicotomia refere-se à dimensão cognitiva, como se ela fosse separada da dimensão afetiva. Bruner (1986; 1998 apud LEME, 2003) afirma que a tradicional distinção concei- tual entre afetividade e cognição – realizada tanto na filosofia quanto na psicologia – delimita regiões e fronteiras pouco úteis sobre o psi- quismo e impõe a necessidade de se criarem pontes conceituais para relacionar aquilo que nunca deveria ter sido apartado. Nesse sentido, Vygotsky (1993) adverte que é necessário reconhecer a íntima relação entre o pensamento e a dimensão afetiva. Na teoria de Vygotsky, os processos cognitivos e afetivos e os modos de pensar e sentir são carregados de conceitos, relações e práticas sociais que os constituem como fenômenos históricos e culturais (OLIVEIRA; REGO, 2003). Nesse constructo teórico, pode-sesustentar que a afetividade humana se constitui culturalmente. Na perspectiva da psicanálise, a dicotomia entre pensamento e afe- to também não se sustenta. Voltolini (2006) explica que, quando Freud percebeu que o pensamento é afetado – para se referir à relação in- trínseca entre pensamentos e afetos –, estava em vias de formular que o pensamento não é afetado apenas eventualmente, como se poderia pensar com base na cisão entre afetividade e cognição, mas que não há pensamento que não seja afetado. Essa “afetação” não é boa e nem má, é simplesmente característica do pensamento humano. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-29072002000100003&lng=pt&nrm=iso 34 Psicologia social e comunitária Agora que já entendemos que a afetividade se relaciona com a cog- nição, podemos nos fazer a seguinte pergunta: como a afetividade se constitui? A afetividade participa da constituição do sujeito. Como vi- mos, o ser humano precisa ser amparado para viver, se desenvolver e se humanizar. O amparo é fisiológico e afetivo, de maneira integrada e simultânea, realizado por alguém que faz a função materna. O estabelecimento da dimensão afetiva se desenvolve por meio desse amparo afetivo, que se dá com investimento dirigido ao ser hu- mano e é manifestado na maternagem por toques, carinhos, olhares, palavras endereçadas ao bebê, aspectos esses que o introduzem em um contexto simbólico e de relações múltiplas (BARBOSA, 2005; 2009; DOLTO, 2001; JERUZALINSKY, 2008). Levisky (1992) enfatiza a importância de um bom vínculo entre o bebê e a mãe (função materna) como uma condição para que se de- senvolva um sentimento de confiança básica. Esse sentimento é a base para o desenvolvimento das funções psíquicas. A capacidade de o su- jeito fazer laços, de ter sua capacidade de se relacionar de modo inter- pessoal, depende dessas primeiras experiências, pois elas terão como consequência a transformação do ser humano em um ser de lingua- gem e também em um ser relacional. Barbosa (2009) destaca a ideia de que, como resultado da necessi- dade de amparo ao nascer, o ser humano carrega em si, em todas as suas próximas fases da vida, aspectos dessa relação com o outro – uma relação basicamente afetiva. É desse modo que ele estabelecerá novos laços, se posicionará e produzirá na vida. 2.2.4 Consciência Como vimos, a separação entre o individual e o social deve ser to- mada apenas de maneira didática, pois, na verdade, as dimensões do sujeito se articulam e interdependem umas das outras; a vida psíquica se relaciona com a construção social. O sujeito deve ser sempre en- tendido como ativo, como alguém que é influenciado, mas também influencia seu entorno. Essa ideia é importante, também, para enten- dermos a dimensão da consciência no sujeito. A consciência refere-se à propriedade de se ter ciência. Ela se relacio- na também com as percepções, pois trata-se da capacidade de perceber Constituição do sujeito 35 a si mesmo e ao outro. Para que se tenha consciência social, o sujeito precisa, antes de mais nada, ter consciência de si próprio. A consciência social se efetiva por meio da distinção entre o sujeito e os outros. A imagem que construímos de nós mesmos tem relação com o retorno do olhar dos outros sobre nós. O conceito de identidade nos revela, também, que o ser humano se vê como tal porque os outros o reconhecem assim. O reconhecimento de si mesmo por meio do reconhecimento do outro promove sucessivas diferenciações que colaboram para que o ser humano construa consciência sobre si mesmo. A consciência de si pode ser compreendida como condicionada à consciência social. Se a consciência de si acontece por meio da relação com o outro, devemos entender que, nesse processo, há uma significação. Em uma relação com o outro, o sujeito é significado pelo outro enquanto sig- nifica o outro e, consequentemente, a si próprio. Sobre essa questão, Brandão (1990, p. 37) afirma: Os acontecimentos da vida de cada pessoa geram sobre ela a formação de uma lenta imagem de si mesma, uma viva imagem que aos poucos se constrói ao longo de experiências de trocas com outros: a mãe, os pais, a família, a parentela, os amigos de infância e as sucessivas ampliações de outros círculos de outros: outros sujeitos investidos de seus sentimentos, outras pessoas investidas de seus nomes, posições e regras sociais de atuação. À medida que o ser humano adquire experiências e amplia suas relações sociais, ele vai se formando, aprendendo e se transformando. Com isso, ele adquire novos papéis sociais, e esse processo continua por toda a vida do sujeito. Em cada fase da vida, o sujeito representa determinados papéis sociais associados à sua faixa etária, à sua posi- ção familiar e a outras representações. Ser filho, pai, estudante, marido, profissional e avô são exemplos de papéis sociais. Alguns papéis ocor- rem simultaneamente, enquanto outros ocorrem temporariamente. Lane (2006) explica que, nos grupos nos quais se relaciona, o ser humano se encontra com normas balizadoras, algumas podem ser mais sutis e outras, mais rígidas. Essas normas caracterizam os pa- péis e constituem as relações sociais. Além disso, os papéis sociais acabam tendo a função de localizar o sujeito socialmente – o lugar que ele ocupa na sociedade. 36 Psicologia social e comunitária Nesse sentido, é importante compreender como esses conceitos se relacionam, pois esse conjunto de papéis desempenhados pelo su- jeito também constitui a identidade social, que passa pela consciência de si. Os papéis atendem à manutenção das relações sociais repre- sentadas pelo o que os outros esperam de nós, com suas expectativas e normas (LANE, 2006). Segundo Lane, a consciência de si interfere na identidade social quando os papéis dentro do grupo são postos em questão, uma vez que eles definem a identidade social. De modo geral, há uma sustenta- ção por parte das instituições e das ideologias, o que torna a interferên- cia e a mudança mais difíceis. A psicologia social busca transformações por meio das melhorias na condição de vida das pessoas, criticando a manutenção das clas- ses dominantes. Por isso, aponta para importância da consciência, que permite ao sujeito integrar o conhecimento da sua própria história, en- tender-se como sujeito ativo e conhecer sua realidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo da subjetividade é complexo e se estabelece por meio da relação do indivíduo com a sociedade. A constituição do sujeito e seu pro- cesso de desenvolvimento precisam da afetividade; trata-se de processos necessários para possibilitar sua construção identitária, bem como para que ele encare os papéis sociais e obtenha consciência social e de si. É importante que o ser humano possa se apropriar de sua história. É importante, também, que ele compreenda seus grupos sociais de uma perspectiva mais ampla para que possa exercer sua cidadania e seu lugar de sujeito ativo, capaz de operar transformações sociais. REFERÊNCIAS AGUIAR, R. P. Noção de subjetividade na perspectiva da psicologia Social. Psicologado, fev. 2015. Disponível em: https://psicologado.com.br/atuacao/psicologia-social/nocao-de- subjetividade-na-perspectiva-da-psicologia-social. Acesso em: 12 jun. 2020. BARBOSA, P. M. R. Adoção: amparo e desamparo. 2005. Artigo científico (Especialização em Psicologia Clínica) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2005. BARBOSA, P. M. R. Representações de crianças sobre a relação afetiva com seus professores: uma contribuição para compreensão do desejo de aprender. 2009. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. Comente a seguinte afirmativa: “A consciência de si pode ser compreendida como algo condi- cionado à consciência social”. Atividade 3 Constituição do sujeito 37 BOCK, A. M. B. A psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. In: BOCK, A. M. B; GONÇALVES, M. G. G.; FURTADO, O. (orgs.). Psicologia sócio-histórica:uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, 2001. BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M de L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo da Psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. BRANDÃO, R. C. Identidade e etnia: construção da pessoa e resistência cultural. São Paulo: Brasiliense, 1990. CIAMPA, A. C. Identidade. In: CODO, W.; LANE, S. T. M. (orgs.). Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 1984. CIAMPA, A. C. A estória do Severino e a história da Severina. São Paulo: Brasiliense, 1987. DOLTO, F. A imagem inconsciente do corpo. São Paulo: Perspectiva, 2001. (Coleção Estudos). HOUAISS, A. (org.). Houaiss eletrônico. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. 1 CD-ROM. JACQUES, M. G. C. Identidade. In: STREY, M. N. et al. 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Assim, é possível sustentar que a identidade é, também, uma construção social e, por isso, algo mutável. 38 Psicologia social e comunitária 2. A subjetividade se refere ao singular do sujeito, mas, ao mesmo tempo em que se caracteriza como um mundo interno, é totalmente interdependente do meio, isto é, do mundo externo. O sujeito apreende ou subjetiva por meio da sua relação com o mundo; a subjetividade, portanto, é composta por causas internas e externas, na qual a maneira como o sujeito interpreta suas experiências e seu entorno se estabelece com as relações sociais. A capacidade subjetiva nasce com a constituição do sujeito e está vinculada a condições sócio-históricas. 3. É por meio do contato com o outro que é possível construir a noção da existência por meio da diferenciação. Na relação com o outro, esse outro é significado e também sig- nifica para que o “eu” possa se significar. Desde o início, por meio do seu contato com aquele que encarna a função materna, o sujeito vive sucessivas diferenciações. Na inser- ção social, são construídas a identidade, a subjetivação, a afetividade e a consciência de si. Para ter consciência de si, é necessário consciência social e vice-versa. Sujeito como ser biopsicossocial 39 3 Sujeito como ser biopsicossocial Neste capítulo, vamos conhecer abordagens do cotidiano relacional do ser humano. Nesse sentido, conheceremos o conceito de sentimento de pertença, que é fundamental para os seres humanos. Esse conceito é articulado pelo o que no- meamos como agentes socializadores, a saber: (i) família – nossa primeira pertença em grupo; (ii) escola – possivelmente nosso segundo grupo social; (iii) trabalho – inserção social que ocupa um grande lugar; e (iv) comunidade – na qual também se esta- belecem relações de pertença. Na sequência, iremos estudar a desigualdade social e suas diversas implicações. Vamos abordar os chamados problemas biopsicossociais, buscando compreender um pouco do trabalho do psicólogo social com as comunidades. Para tanto, mencionamos questões delicadas como abandono, violência familiar, abuso de substâncias, gravidez na adolescência, abuso sexual, trabalho in- fantil, adolescentes em conflito com a lei, entre outros. 3.1 Sentimento de pertença Vídeo Viver em grupos faz parte da natureza do ser humano. Essa carac- terística tem uma base biológica, uma vez que “as chances de sobrevi- vência em sua história evolutiva foram maiores para indivíduos ligados socialmente” (GASTAL; PILATI, 2016, p. 286). Baumeister e Leary (1995 apud GASTAL; PILATI, 2016) afirmam que o pertencimento é uma ne- cessidade básica do ser humano, sendo essa necessidade o que o mo- vimenta na procura por relações sociais. Fontana (2002) corrobora essa afirmação ao ressaltar que os seres humanos são criaturas sociais. O autor atribui isso à natu- reza indefesa do sujeito, especialmente na primeira infância, visto que “ajudou a assegurar ao longo de milhões de anos de evolução 40 Psicologia social e comunitária humana que as pessoas permanecessem unidas” (FONTANA, 2002, p. 19). Nesse sentido, é importante entender quais grupos sociais possibilitam o sentimento de pertença (veremos essa questão nas próximas seções). Contudo, adiantamos que esse sentimento é es- sencial para a saúde física e psíquica do ser humano. Spitz, em sua obra O primeiro ano de vida (1993), ressalta os efei- tos terríveis no desenvolvimento humano quando ocorre a privação de carinho no decorrer do primeiro ano de vida. O autor menciona a necessidade humana de contato e do sentimento de pertença. Além disso, ele demonstra como a falta desses elementos contribui para o desenvolvimento de patologias. Fontana (2002) corrobora Spitz ao sustentar que o ser humano vive e trabalha em grupos sociais. Para o autor, há evidências de que o isolamen- to do indivíduo pode levar a graves problemas cognitivos e emocionais. Fontana afirma também que o ser humano é programado para ser gregá- rio. Essa programação, segundo o autor, é tão importante que determina o modo como a vida é experienciada, uma vez que não basta apenas par- ticipar de grupos sociais, o ser humano precisa de estima e apoio para se desenvolver de modo saudável, feliz e adaptado. A necessidade de relacionamento e sentimento de pertença acom- panha o ser humano por toda sua vida. As variadas maneiras de or- ganização social têm forte ligação com a manutenção de vínculos sustentados pelo sentimento de pertença. Vejamos algumas dessas formas de organização nas subseções a seguir. 3.1.1 Família É consenso entre estudiosos que o primeiro grupo social do ser hu- mano é a família. Para Fontana (2002), a família é o grupo mais impor- tante ao longo de toda a infância, mesmo quando, em um segundo momento, a escola passa a fazer parte da vida do indivíduo. A função mais importante da família é cuidar dos filhos e socializá- -los. Faz parte da socialização a aquisição de valores, as crenças e as adequações de comportamentos em relação à sociedade da qual fazem parte. A família propicia, além da formação, uma espécie de “treino”, que prepara o sujeito para se inserir nos demais grupos sociais. Desse modo, a família tem uma função primordial na socialização infantil. gregário: “que gosta de ter a companhia de outras pessoas;
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