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Catequese e Moral Cristã - Frei Ademildo Gomes

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2
SUMÁRIO
Capa
Rosto
DEDICATÓRIA
SIGLAS
INTRODUÇÃO
I. A MORAL CRISTÃ À LUZ DA HISTÓRIA
1.1 A moral à luz do Antigo Testamento
1.2 A moral à luz do Novo Testamento
1.3 A moral patrística
1.4 Do final da Patrística até o século XI: a prática penitencial
1.5 Do século XII ao século XIX: da escolástica à moral renovada
1.6 A teologia moral à luz do Concílio Vaticano II
II. CATEQUESE E MORAL FUNDAMENTAL
2.1 A crise atual da moral e seu impacto na catequese
2.2 A crise da consciência de pecado
2.3 Liberdade, responsabilidade e consciência moral
a) A liberdade e seus desafios
b) A consciência e suas implicações na vida cristã
c) Responsabilidade moral: fruto da liberdade e da consciência
III. CATEQUESE E MORAL SEXUAL
3.1 Pequeno diagnóstico do pensamento pós-moderno no âmbito da sexualidade
3.2 Dimensões da sexualidade
a) Dimensão biológica
b) Dimensão sociocultural
c) Dimensão psicológica
d) Dimensão afetiva
e) Dimensão religiosa e espiritual
3.3 Educação sexual, educação para o amor
3.4 A sexualidade: linguagem do corpo
3.5 A sexualidade: lugar teológico
3.6 A problemática da sexualidade nos tempos atuais
Ideologia de gênero
3.7 Compreendendo a sexualidade a partir da moral católica
3.7.1 A masturbação
3.7.2 Sexualidade pré-matrimonial
3.7.3 Uniões livres
3.7.4 Divorciados recasados
3.7.5 A homossexualidade e suas implicações pastorais
3.7.6 A transexualidade
IV. A CATEQUESE NO MUNDO DA BIOÉTICA
4.1 A questão das células-tronco
4.2 Procriação artificial ou reprodução assistida
4.2.1 Fecundação artificial intracorpórea e fecundação artificial extracorpórea
3
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4.3 A doutrina católica sobre o aborto provocado
4.4 Eutanásia, distanásia e ortotanásia
4.5 Engenharia genética e suas implicações éticas
V. CATEQUESE E ECOLOGIA
5.1 Igreja e ecologia
5.2 Catequese e ecologia: por uma ética ecológica
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Coleção
Ficha Catalográfica
Notas
4
DEDICATÓRIA
A Deus, rico em misericórdia e fonte de toda sabedoria, pela força e proteção.
À minha família, pelo carinho, apoio e compreensão.
Aos amigos, pelo estímulo e confiança.
Aos confrades da Ordem dos Agostinianos Recoletos, pelo amor fraterno.
A todos os catequistas, pelo testemunho corajoso do amor de Deus frente às ambíguas
interrogações do mundo pós-moderno, mesmo quando reconhecem a fragilidade das
respostas.
5
SIGLAS
AL - Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris et Laetitia.
CELAM - Conferência Geral do Episcopado Latino-Ame- ricano e do Caribe.
CIC - Catecismo da Igreja Católica.
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
DAp - Documento de Aparecida.
DP - Instrução Dignitas Personae.
DV - Instrução Donum Vitae.
EG - Carta Encíclica Evangelii Gaudium.
EV - Carta Encíclica Evangelium Vitae.
GS - Constituição Pastoral Gaudium et Spes.
HV - Carta Encíclica Humanae Vitae.
LS - Carta Encíclica Laudato Sí.
RF - Relatório Final do Sínodo dos Bispos ao Santo Padre Francisco.
RS - Relatio Synodi.
VS - Carta Encíclica Veritatis Splendor.
6
INTRODUÇÃO
Este livro visa auxiliar os catequistas do processo de iniciação à vida cristã no
tratamento dos principais problemas e questionamentos de ordem moral da sociedade
moderna, através de reflexões e orientações à luz da doutrina moral da Igreja. Não é um
manual de respostas prontas e acabadas. É um material instrutivo que poderá servir de
apoio em caso de dúvidas sobre os pontos básicos da moral cristã, como também no
campo da sexualidade, da bioética e sobre o papel da Igreja e dos cristãos frente aos
desafios no âmbito ecológico.
Novos tempos criam novos problemas e exigem novas respostas. E um dos campos
da teologia e da pastoral que mais tem suscitado questionamentos nos dias de hoje é, sem
dúvida, o campo da moral. A maioria das perguntas dos catequizandos, de suas famílias,
dos catequistas e do povo em geral, possui direta ou indiretamente um viés moral. Por
isso, a catequese e a moral cristã são dois caminhos intrinsecamente unidos e inseparáveis
que conduzem à preparação e à formação integral do ser humano para a sua vida em
Cristo.
Os temas relacionados à área da moral lançam diversos desafios à reflexão teológica.
Esses desafios se manifestam de forma cada vez mais nítida e abrangente na realidade
pastoral da Igreja e repercutem, especialmente, na prática da iniciação cristã. Devido à
carência de respostas objetivas às novas descobertas, interpretações e posturas que
cotidianamente emergem no mundo contemporâneo, a reflexão catequética, muitas
vezes, se vê limitada, e até mesmo, experimenta uma sensação de espanto e de crise.
Contudo, se falamos de crise, também podemos falar de oportunidades e necessidades de
renovação, aprofundamento, atualização, criatividade e conversão.
Infelizmente, moral e catequese, historicamente, foram vistas como realidades
estanques e desenvolvidas de forma profundamente desvinculadas. Cada qual preocupada
e focada em seus respectivos objetivos. Correspondia à doutrina moral a formulação de
regras, normas e prescrições que visavam coibir e punir os que se afastavam do caminho
do bem. Por isso, infelizmente, a ideia de moral que imperava na mente do povo era a da
soberania do dever sobre a vontade, a liberdade, a consciência e a responsabilidade; a
ideia do pecado que ofuscava a luz da misericórdia e do perdão; a ideia negativista de
sexualidade vista como algo imoral, pecaminoso e indigno, confundida com a
genitalidade; uma grande desconfiança perante toda produção científica, vista como um
saber laico, deturpador dos costumes e, por isso, perigoso. Nessa perspectiva, a mensagem
moral era muito mais portadora do temor que do amor, sempre propensa a condenar o
diferente e pouco aberta ao diálogo interdisciplinar e plural.
De sua parte, a catequese também, não raramente, se fechou em doutrinas, em
manuais, nos quais estavam contidos temas clássicos, prontos e acabados, com pouca
inovação, criatividade e atualização. Muitos catequistas, por “vinte ou trinta anos”
usavam o mesmo estilo catequético, sem realizar um curso sequer de reciclagem, de
7
renovação de conteúdo e pedagogia. Com isso, se contentavam em preparar as crianças e
os adolescentes para a recepção dos sacramentos, embora, nem sempre conseguiam
prepará-los para assumir os sérios desafios que exige a vivência concreta desses mesmos
sacramentos. Pois muitos, após receberem o “certificado sacramental”, se afastavam da
comunidade eclesial, outros se tornavam consumidores de sacramentos, cegos seguidores
de doutrinas, e poucos se tornavam autenticamente comprometidos com a fé por terem
realizado um verdadeiro encontro com Cristo.
Por isso, com razão, afirma o Documento de Aparecida que é preciso deixar para trás
práticas, costumes e estruturas que corresponderam a outros momentos históricos, mas
que já não têm atualmente grandes condições de favorecer a transmissão da fé.[1] Não se
trata, obviamente, de negar tudo que já foi feito em outras épocas, mas de reconhecer
que, nesta mudança de época, é preciso agir com firmeza e rapidez.[2]
Nesse sentido, vale enfatizar que a vida em Cristo é muito mais que um escrupuloso
seguimento de um conjunto de doutrinas e um frequente “consumo” de sacramentos.
Como diz Bento XVI: “Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande
ideia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá um horizonte
à vida e com ela uma orientação decisiva”.[3] Esse pensamento está em sintonia com o
que apresenta o próprio Diretório Geral para a Catequese, quando afirma:
No centro da catequese, nós encontramos essencialmente uma Pessoa: é a Pessoa de
Jesus de Nazaré, Filho único do Pai, cheio de graça e de verdade [...]. Na realidade, a
tarefa fundamental da catequese é apresentar Cristo: todo o resto, em referência a
Ele. Aquilo que, de forma definitiva, ela favorece, é a sequela de Cristo, a comunhão
com ele: todo elemento da mensagem tende a isso.[4]
Para proporcionar esse encontro, a catequese precisa estar estreitamente vinculada à
moral cristã nas suas maisdiversas facetas. Pois a moral nada mais é nem deve ser que a
Vida em Cristo à luz do Espírito. Na atualidade, percebemos que esse é um vínculo
imprescindível e inevitável.
É esse o grande intuito de nossa reflexão: discutir de forma objetiva sobre alguns
temas nos quais moral e catequese se confluem e se entrelaçam clara e necessariamente.
Primeiramente conheceremos, de forma resumida, o percurso histórico da doutrina
moral da Igreja (Capítulo I). Na sequência, abordaremos sobre as facetas da crise atual da
moral sobre a questão da perda da consciência de pecado, o controverso problema sobre a
liberdade, a responsabilidade e a consciência (Capítulo II). Em seguida, nos
concentraremos nos temas específicos do âmbito da moral sexual e familiar (Capítulo
III). Logo depois, refletiremos sobre as novas descobertas científicas e suas consequências
na vida moral e na prática catequética, a partir da luz bioética (Capítulo IV). Por fim,
verificaremos quais são os desafios ecológicos do mundo atual e como a moral e a
catequese podem ajudar a enfrentá-los (Capítulo V).
Nossas ideias sempre girarão em torno de uma consideração essencial: a Moral clama
pela praticidade e testemunho catequéticos, e a Catequese clama pela reflexão e
8
orientação da Moral. Mas ambas visam ao mesmo objetivo: formar o cristão para a vida
no Espírito de modo que proclame e se empenhe na construção do Reino de Deus. E
possuem os mesmos inseparáveis fundamentos: A pessoa de Jesus Cristo e o seu Evangelho.
Por isso, tanto a moral quanto a catequese precisam se revestir da couraça da
esperança, transmitir o odor da misericórdia e, acima de tudo, fazer transparecer a alegria
da Ressurreição, para que sejam, de fato, instrumentos eficazes de formação e
evangelização. É justamente a isso que nos exorta o Papa Francisco:
Um evangelizador não deveria ter constantemente uma cara de funeral. Recuperemos
e aumentemos o fervor de espírito, a suave e reconfortante alegria de evangelizar,
mesmo quando for preciso semear com lágrimas! [...] E que o mundo do nosso
tempo, que procura ora na angústia ora com esperança, possa receber a Boa-Nova
dos lábios, não de evangelizadores tristes e descoroçoados, impacientes ou ansiosos,
mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram quem recebeu
primeiro em si a alegria de Cristo.[5]
O Sumo Pontífice demonstra uma clara percepção de que, no mundo atual,
evangelizamos muito mais com a sensibilidade de um “caloroso abraço” e um “sorriso
sincero” que com leis rígidas e descontextualizadas. Isso não é neutralidade ou mera
suavização de normas, mas é um chamado à responsabilidade pessoal e comunitária. Uma
recolocação da lei no seu devido lugar, pois a moral cristã não é um conjunto de regras,
como infelizmente, de forma equivocada, foi identificada, mas é uma experiência de
amor doado, recebido e que suscita respostas firmes e coerentes. Nesse âmbito é de
fundamental importância enfatizar a iniciativa gratuita e fiel de Deus. É a consciência
dessa iniciativa que torna a resposta do homem por um lado gratuita, por outro exigente,
mas sempre alegre.
9
CAPÍTULO I
10
A MORAL CRISTÃ À LUZ DA HISTÓRIA
Cada época apresenta suas características específicas, tendências culturais, problemas,
desafios e diferentes modos de vivê-los, interpretá-los e enfrentá-los. Assim também se
deu com a moral cristã. Esta, embora tenha um único fio condutor ou eixo central que é
a pessoa de Cristo, não deixou de sofrer algumas influências históricas próprias do
contexto no qual estava inserida. Tendo isto em vista, é importante considerarmos o
caráter evolutivo e dinâmico da história, evitarmos uma hermenêutica fundamentalista e
anacrônica, pensarmos a moral de acordo com os desafios vividos e enfrentados no seu
contexto e termos uma visão crítica e atualizada por meio de uma leitura consciente e
coerente.
11
1.1 A moral à luz do Antigo Testamento
No Antigo Testamento não existe um único projeto moral, mas uma tendência
constante para expressar a identidade do povo de Deus na história em que se encontra
imerso e da qual recebe influência cultural e valorativa. A experiência moral do povo de
Deus é uma experiência de fé que se expressa no contínuo apelo à conversão e à
fidelidade.[1]
O modelo do homem que a moral do Antigo Testamento apresenta é, ao mesmo
tempo, grande à luz da criação de Deus, de quem é imagem e representante, mas
pequeno, frágil e pecador, quando olhado em si mesmo. Por isso, viver de modo digno
significa reconhecer a Deus, louvá-lo e obedecer a ele. Pois o homem só é ele mesmo
quando aceita o mandamento de Deus sem pretensão orgulhosa e se dispõe a respeitar o
espaço do próximo, protegendo e defendendo a vida em fraternidade.[2]
Muito expressivo nesse sentido é o Salmo 8:
Ó Senhor, Senhor nosso, quão admirável é o teu nome em toda a terra, pois puseste
a tua glória sobre os céus! Tu ordenaste força da boca das crianças e dos que mamam,
por causa dos teus inimigos, para fazer calar ao inimigo e ao vingador. Quando vejo
os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que preparaste, que é o homem
mortal para que te lembres dele? E o filho do homem, para que o visites? Pois pouco
menor o fizeste do que os anjos, e de glória e de honra o coroaste. Fazes com que ele
tenha domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés: todas
as ovelhas e bois, assim como os animais do campo, as aves dos céus, e os peixes do
mar, e tudo o que passa pelas veredas dos mares. Ó Senhor, Senhor nosso, quão
admirável é o teu nome sobre toda a terra! (Sl 8,1-9).
Não obstante a fragilidade humana, o salmista afirma: “Tu o fizeste só um pouco
menor que um deus, de glória e de honra o coroaste. Tu o colocaste à frente das obras de
tuas mãos, tudo puseste sob os seus pés” (Sl 8,6-7). Esse status torna o ser humano
próximo de Deus, que é cheio de “glória” e “honra” (cf. Sl 29,1; Sl 104,1), e coloca o
homem acima do restante da criação. Chama-o a governar e cuidar do mundo criado,
porém, com responsabilidade, sabedoria e benevolência, características que são próprias
do Deus Criador.[3]
A criação e as suas implicações morais são o dom inicial e permanecem o dom
fundamental de Deus, mas não são o seu único e último dom. Além de na criação, Deus
manifestou sua infinita bondade por meio da Aliança que selou com seu povo, revelando,
ao mesmo tempo, o caminho justo para o agir humano.[4]
Desse modo nasce a “moral da Aliança”: essa moral revelada, expressada na Aliança,
representa uma novidade absoluta em relação aos códigos éticos e cultuais que regiam a
vida dos povos circunvizinhos de Israel.[5] Ela tem, por essência, um caráter dialogal e
revela a íntima relação de Deus com o seu povo. Toda vida moral passa a ser um
12
constante e profundo diálogo de amor e misericórdia.
O caminho moral do povo pressupõe uma experiência pessoal com Deus.[6] Essa
experiência se dá através da recíproca relação entre chamado e resposta. A experiência
moral é, no fundo, uma experiência vocacional.
A Aliança, [portanto], é iniciativa livre e gratuita de Deus, mas comporta uma
resposta humana concreta. É o que se verifica claramente na fórmula sempre
repetida: “Vocês são meu povo e eu sou o vosso Deus”. Existem muitas descrições de
Aliança, sobressaindo três: com Noé (Gn 9,1-17), com Abraão (Gn 17) e a do Sinai,
a grande Aliança (Ex 19, 20 e 24). Em todas se traduz, ao mesmo tempo, uma
concepção diferente de Deus e uma concepção diferente de ser humano. Deus é
sempre Ser transcendente, mas que se volta para a humanidade. O ser humano é
frágil, mas vem transformado em uma espécie de parceiro de Deus [...]. Além disso, a
Aliança veicula a ideia de caminho: a resposta humana se concretiza num processo
dinâmico.[7]
Um dos pontos mais significativos da moral veterotestamentária, também, é a
preocupação com as questões sociais interpretadas à luz da experiência de Deus. O
próprio relato da criação exerce uma função libertadora, é um escudo contra a exploração
e instrumentalização do outro. Deusdisse: “Façamos o homem à nossa imagem e
semelhança” (Gn 1,26).[8] Aqui está a raiz da inviolável dignidade humana e a grande
motivação para que cada pessoa seja respeitada, valorizada, cuidada e nunca seja tratada
como objeto de manipulação e comercialização.
Como vimos, no Antigo Testamento, a Aliança é considerada um ponto
fundamental na relação entre Deus e o seu povo. Essa Aliança é caracterizada, sobretudo,
pela eleição e pela libertação.[9] Deus usa a pedagogia de libertação por meio de um
processo coletivo, em que atuam pessoas concretas, de modo que o povo mantenha vivo
o compromisso para com a liberdade e rejeite todas as formas de manipulação e
escravidão.[10]
Outro elemento marcante da moral no Antigo Testamento, do ponto de vista social,
se refere à luta pelo direito dos pobres oprimidos para que seja salvaguardada a sua
dignidade. Em uma época em que o tráfico de pessoas para o trabalho escravo era aceito,
os profetas denunciavam tais práticas considerando-as desumanas e idolátricas. Dizia
Amós: “Vendem o justo por dinheiro e o indigente por um par de sandálias” (Am 2,6).
[11] Aqui está o sentido da prescrição do ano sabático: “Quando um irmão se tiver
vendido, ele te servirá seis anos, mas no sétimo tu o despedirás livre de tua casa. Ao
despedi-lo livre de tua casa, não o despaches de mãos vazias”(Dt 15,1-2).
O problema situa-se no interior de um sistema econômico injusto em que alguns
enriqueciam explorando e comercializando pessoas, como podemos perceber nas palavras
do profeta Joel: “Rifaram o meu povo, deram meninos para pagar prostitutas, deram
meninas em troca de vinho para se embriagarem” (Jl 4,3). Os profetas anunciam que
13
essas atitudes são completamente contrárias aos planos de Deus para o ser humano.[12] O
Senhor, pelo contrário, pede solidariedade e obras de misericórdia: “Se houver em teu
meio um necessitado entre os irmãos, em alguma de tuas cidades, na terra que o senhor
teu Deus te dá, não endureças o coração nem feches a mão para o irmão pobre. Ao
contrário, abre a tua mão e empresta-lhe o bastante para a necessidade que o oprime” (Dt
15,7-8).
Na mesma perspectiva encontramos prescrições referentes ao modo ético de tratar os
estrangeiros: “Se um estrangeiro vier morar convosco na terra, não o maltrateis. O
estrangeiro que mora convosco seja para vós como o nativo. Ama-o como a ti mesmo,
pois vós também fostes estrangeiros na terra do Egito” (Lv 19,33-34). Ou em outra
passagem ainda: “Não oprimas o operário pobre indigente, quer seja um dos teus irmãos,
quer seja estrangeiro que mora em tuas cidades. Dá-lhe cada dia seu salário antes do pôr
do sol porque ele é pobre e espera impacientemente sua paga. Do contrário ele clamaria
contra ti o Senhor, e tu serias culpado de um pecado” (Dt 24,14-15). A Lei se preocupa
em defender a dignidade do estrangeiro, lembrando que Israel também esteve na mesma
condição. O desamparo do estrangeiro é equiparado ao dos órfãos e das viúvas (cf. Dt
24,19-22).[13]
Os profetas também acusam como vazia e vã a religião sem preocupações éticas com
a prática da justiça (cf. Am 5,21-25; Is 1,10-16; Mq 6,5-8; Sl 50,5-15; 51,18-19). O
profeta Oseias é enfático nesse aspecto: “Quero amor e não sacrifícios, conhecimento de
Deus mais que holocaustos” (Os 6,6).
Através da voz do profeta Jeremias, Deus demonstra grande insatisfação perante essa
injustiça social:
Templo de Javé, templo de Javé, aqui está o templo de Javé. Se reformardes vossos
costumes e modos de proceder, se verdadeiramente praticardes a justiça, se não
oprimirdes o estrangeiro e o órfão, ou a viúva; se ainda não espalhardes neste lugar o
sangue inocente e não correrdes, por vossa desgraça, atrás dos deuses alheios, então
permitirei que permaneçais neste lugar, nesta terra que dei a vossos pais por todos os
séculos (Jr 7,4-7).
É nessa mesma perspectiva ético-social que a prática do jejum também é interpretada.
Nesse sentido, denuncia o profeta Isaías:
De que serve jejuar, se disso não vos importais? E mortificar-vos, se nisso não prestais
atenção? É que no dia de vosso jejum, só cuidais de vossos negócios e constrangeis
todos os vossos operários. Passais vosso jejum em disputas e altercações, ferindo com
o punho o pobre... Sabeis qual é o jejum que aprecio? Diz o Senhor Deus. É romper
as cadeias injustas, desatar as cordas do jugo; dar abrigo aos infelizes, mandar embora
livres os oprimidos e quebrar toda espécie de jugo. É repartir o seu alimento com o
esfaimado, dar abrigo aos infelizes sem asilo, vestir os maltrapilhos em lugar de
desviar-se de seu semelhante. Se dás de teu pão ao faminto e se deixas a alma aflita,
saciada, então resplandecerá nas trevas a tua luz e tua noite resplenderá como meio-
14
dia (Is 58, 3-11).
É nesse contexto, também, que se encaixa o Decálogo. Os mandamentos de Deus
não são uma proposta de moral intimista, são um caminho ético de libertação social. Os
mandamentos visam à construção de uma sociedade diferente, onde a fé e a fraternidade
sejam o principais valores. O Decálogo não são palavras a serem apenas proclamadas, e
sim concretizadas no dia a dia pessoal e político-social.[14] Isso implica ressaltar a
soberania de Deus sobre o mundo (1º e 2º); dar a cada um a possibilidade de ter tempo
para Deus e de administrar o próprio tempo de modo construtivo (3º); favorecer o
espaço de vida da família através do cuidado e do respeito (4º); preservar a vida, mesmo
enferma e aparentemente não produtiva, pois toda a vida possui um valor intrínseco e
fundamental e, portanto, deve ser salvaguardada (5º); neutralizar os germes de divisão
que tornam frágil a vida matrimonial e familiar, convidando o povo para a castidade e a
fidelidade, visando evitar o adultério, suas consequências e outros conflitos familiares
(6º); deter todas as formas de exploração do corpo, do coração e do pensamento e
respeitar os bens alheios em vista de uma convivência harmoniosa, solidária e fraterna
(7º); proteger a pessoa contra os ataques à reputação, a difamação, considerando o valor e
a dignidade de cada um (8º) e proteger contra todas as formas de engano, de exploração,
abuso, coação, cobiça, avareza e todo o tipo de paixão que o impeça de viver e crescer em
comunhão com o próximo (9º e 10º).[15]
À luz da história do povo de Israel, toda nossa história também deve ser interpretada
como resposta à vocação de Deus, como chamado a caminhar com Deus. Embora muitas
vezes essa resposta se torne negativa, pela infidelidade e pela pretensão de construir um
caminho sem Deus,[16] sabemos que da parte divina há um constante convite à
conversão, como também a incondicional fidelidade, inspirações fundamentais para o
nosso agir cristão em vista de uma transformação social.
O Deus da criação e da Aliança, portanto, é fundamentalmente o Deus da libertação.
Seguindo os seus ensinamentos, não podemos ser coniventes com a situação de
exploração, injustiça e desumanidade que constatamos em nossa sociedade, especialmente
das pessoas desprotegidas pelos sistemas econômicos e políticos. Todos nós cristãos, de
forma ética e coerente com a nossa fé, precisamos ser profetas e denunciar todo tipo de
escravidão e de comercialização do ser humano, para salvaguardarmos o seu direito, a sua
liberdade e sua dignidade de imagem e semelhança de Deus. Isso é tarefa imprescindível
da moral e é missão iniludível também da catequese. Pois uma catequese que não se
empenhe em formar o ser humano para agir socialmente com solidariedade, misericórdia
e compaixão, não está se inspirando propriamente nas Sagradas Escrituras e não está
proporcionando a Aliança com Deus, por isso não está cumprindo adequadamente sua
missão.
15
1.2 A moral à luz do Novo Testamento[17]
A Aliança proposta por Deus no Antigo Testamento aponta continuamente para a
grande promessa: Jesus Cristo. É n’Ele e através d’Ele que se estabelece a Nova e Eterna
Aliança. Ele é a Nova Lei.[18]
É, sobretudo, nos sinóticos que encontramos as fontes mais decisivas da Nova Lei.
Antes de tudo, neles nos é transmitida a ética de Jesus baseadaem sua nova compreensão
de Deus como Pai e na proclamação da eminência do Reino de Deus no mundo.
Marcos enfatiza a ética do “caminho” e do “seguimento de Jesus”, a moral da casa
que é a “comunidade do novo tempo”, na qual as pessoas sentem-se livres e curadas e
onde se vivem com liberdade as normas legais. Mateus apresenta a ética do Sermão da
Montanha e das Bem-aventuranças (Mt 5-7), a ética missionária (c. 10), a ética do Reino
(c. 13), a ética da comunidade cristã (c. 18), a ética da vigilância (cc. 24-25). A moral de
Mateus é uma moral do “discípulo”, instruído por Cristo presente na comunidade. O
mais peculiar da ética de Lucas e Atos é a articulação de um ethos integrador na
comunidade cristã plural e a apresentação do cristianismo como salvação para todos.
Lucas assume, como elemento do ensinamento e da prática de Jesus, a preferência pelos
pobres e marginalizados.
O Evangelho de João não fala do seguimento de Cristo tal como o formulam os
sinóticos. No entanto, a figura de Jesus (sua pessoa e sua práxis) aparece como modelo
para nossa vida. Nesse sentido, a perícope do lava-pés (Jo 13) é uma exortação ao
seguimento da pessoa e da práxis de Jesus.
Se os sinóticos transmitem o ensinamento de Jesus sobre o dúplice preceito do amor
a Deus e ao próximo (Mc 12,28-31; Mt 22,34-40; Lc 10,25-28), são os escritos joaninos
os que mais enfaticamente fazem uma concentração da moral cristã no preceito do amor
(Jo 13,34-35; 15,12.17; 1Jo 2,8). Basta recordarmos da marcante identificação de Deus
como amor: “Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor” (1Jo 4,8).
Já a moral Paulina chama a atenção pelos variados elementos que ali se fazem
presentes:
a) É a moral da vida nova em Cristo; moral nascida com o batismo (cf. Rm 6).
b) É a moral da liberdade e a moral do Espírito (cf. Carta aos Gálatas).
c) Há uma ampla reflexão sobre as situações concretas, tais como: escravidão (cf.
Carta a Filemon); sexualidade, matrimônio e família (cf. 1Cor 7, Ef 5,22-23);
estado (cf. Rm 13,1-7) etc.
A moral neotestamentária é mais uma moral de doação que uma moral imperativa,
mais de convite que de imposição. Pois o que dá sentido à moral cristã sempre é a
caridade. O amor e a misericórdia, na verdade, resumem a vida e o agir de Jesus. Para
Paulo, por exemplo, a vida moral nasce e se fundamenta na doação de Deus em Cristo,
sacramentalizada, sobretudo no batismo (cf. Rm 6). A fórmula de ouro dessa realidade
expressa-se em Gl 5,25: “Se vivemos no espírito, andemos também segundo o espírito”.
Perguntado pelos discípulos de João Batista se era ele o Messias ou se tinham que
16
esperar outro, Jesus é enfático: “Ide anunciar a João o que ouvis e vedes: os cegos veem e
os coxos andam, os leprosos ficam limpos e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os
pobres são evangelizados. Feliz aquele que não se escandalizar de mim” (Mt 11,4-6). De
fato, é das ações e das palavras de Jesus que saem implicações éticas que inspiram todos os
comportamentos e ensinamentos morais. Tais implicações têm seu fundamento primeiro
no preceito do amor (cf. Jo 13,34), que se desdobra no amor a Deus e ao próximo (cf.
Mt 22,34-40; Mc 12,28-34; Lc 10,25-28). A isso se acrescenta o amor pelos próprios
inimigos e perseguidores (cf. Mt 5,44-45). Esse preceito constitui-se no novo e maior
mandamento (cf. Jo 15,12) e resume toda lei e os profetas (cf. Mt 7,12). E Jesus é o
protótipo desse amor: “Assim como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros” (Jo
13,34). “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo
15,13).[19]
Nesse sentido, a moral cristã é fundamentalmente a moral do amor. Contudo, a
experiência nos mostra que não é fácil amar no sentido cristão. Antes, é um grande e
constante desafio. Pois amar significa sempre reconhecer e acolher a alteridade,[20] isto é,
acolher e respeitar a pessoa do próximo. Ensinar a viver o amor cristão deve ser um dos
principais objetivos da prática catequética.
17
1.3 A moral patrística
A moral patrística corresponde ao conjunto de pensamentos procedentes dos
chamados Santos Padres, isto é, escritores eclesiásticos dos primeiros séculos. Não havia
nesse período um tratado sistemático de moral. Toda reflexão teológica era fruto do
encontro com a Palavra de Deus e do confronto com o ambiente cultural da época.
Entre os escritos mais antigos há alguns cujos autores são chamados de padres
apostólicos, porque foram ouvintes diretos e testemunhas imediatas da pregação dos
apóstolos. Entre eles, nomeamos: Os escritos de Santo Inácio de Antioquia, de São Clemente
Romano, do Pastor de Hermas e a Didaché.[21]
Nesse período, dá-se o encontro profundo da cultura cristã de origem judaica com a
cultura do paganismo greco-romano. Diversos grandes escritores cristãos foram
profundamente influenciados pela cultura pagã, tendo-se convertido à fé cristã depois de
receber formação intelectual da filosofia vigente. Destacam-se Clemente de Alexandria,
São Justino, Orígenes, Santo Ambrósio e Santo Agostinho.
Na área da moral, são dois os resultados da influência da cultura grega na tradição
cristã. Em primeiro lugar, para a sistematização do pensamento moral, os padres
acolheram o conceito de “Lei natural” e muitos dos princípios e das normas das grandes
correntes filosóficas da época, principalmente do platonismo e do estoicismo. Em
segundo lugar, destacamos a influência do pensamento dualista com uma visão negativa
da corporalidade e, especialmente, da sexualidade no pensamento cristão. Essa influência
já se manifestava no pensamento de São Clemente e de Orígenes, aprofundou-se e
consolidou-se posteriormente em Santo Agostinho, e deixou marcas tanto na moral cristã
como na espiritualidade até hoje.[22]
O maior expoente da patrística no Ocidente é, sem dúvida, Santo Agostinho.
Agostinho usa conceitos que se tornaram clássicos na reflexão teológico-moral, dentre
eles: “lei eterna”, “consciência moral”, “meios” e, sobretudo, a ideia de “fim último”.
Segundo ele, a reflexão teológico-moral visa descobrir qual é fim último ao qual tende
nossa vida; esse fim último é Deus. Todos os demais bens são secundários, e devemos
usá-los como meios para atingir esse fim último. Tudo deve ser usado segundo a norma
suprema do amor para com Deus e para com o próximo. O mal moral ou pecado
consiste em inverter o fim e os meios, isto é, tomar um meio como um fim ou o fim
último como meio. Esse conceito está presente numa das definições mais clássicas de
pecado da teologia moral, ou seja: desviar-se de Deus e voltar-se às criaturas (aversio a
Deo et conversio ad criaturam).[23]
É de Agostinho que recebemos as principais reflexões morais sobre os temas da
sexualidade, matrimônio e família. Porém, como Santo Agostinho estava dentro de um
contexto marcado pelo paganismo e pelas heresias, contra os quais lutava ardorosamente
para combater, sua doutrina apresenta uma moral rígida, sobretudo, no âmbito da
sexualidade, contudo, foi a grande inspiração para a doutrina moral da Igreja. Não é por
acaso que ele é um dos autores mais citados no Catecismo da Igreja Católica.
18
1.4 Do final da Patrística até o século XI: a prática penitencial
Do final da patrística até o século XI, toda a reflexão teológica ainda girava em torno
do pensamento de Santo Agostinho.[24] Contudo, no terreno da moral, ocorreu nessa
época um fato de grande significado: o desenvolvimento da prática penitencial na Igreja.
“Os penitenciais, que se propagaram entre os séculos VI e XI, eram livros essencialmente
práticos, sem uma teologia explícita, destinados exclusivamente aos confessores:
apresentam uma lista de pecados com a respectiva penitência”.[25]
A liberdade concedida ao cristianismo e sua declaração como religião oficial do
Império Romano no século IV, transformou profundamente toda a vida da Igreja. De
clandestina e perseguida dentro da estrutura do Império, o cristianismo passou a ser a
religião oficial. Antes, ser cristão era um risco perigoso e só se convertiam os que tinham
uma convicção sólida de fé. Os pecados graves eramvistos com muita seriedade. Por isso,
a “penitência canônica” era muito rigorosa e concedida uma única vez na vida após a
conversão batismal.[26]
Contudo, a oficialização da religião mudou completamente esse panorama. A adesão
ao cristianismo já não implicava uma conversão convicta, mas, conveniência. Com isso,
muitos cristãos apresentavam nítidas infidelidades à vivência da fé.[27] Diante desse
quadro, foi criada a penitência privada. Muitos cristãos, conscientes de seus pecados,
começaram a procurar monges para lhes expor suas crises de consciência. Os monges
davam conselhos e realizavam uma direção espiritual. Tal prática satisfazia os fiéis que
geralmente não tinham acesso à penitência canônica oficial da Igreja, por ser essa
demasiado rigorosa.[28]
Aos poucos, essa prática passa a ser adotada pelos presbíteros, que começam a ouvir
as confissões e conceder a absolvição sacramental.[29] Essa prática aos poucos foi se
oficializando e, por fim, acabou sendo definitivamente assumida e regulamentada como
prática penitencial oficial da Igreja, a partir do Concílio de Trento.[30]
À medida que essa prática se difundiu entre o clero paroquial, ela enfrentou o
problema do despreparo dos padres para esse novo ministério. Então, para servir de
subsídio prático para os confessores, surgiram os chamados livros penitenciais, cujos
autores geralmente nos são desconhecidos. Inicialmente eram listas simples dos pecados
mais usuais, com a indicação da penitência correspondente, proporcional à gravidade do
pecado.[31] “Os penitenciais se constituem numa espécie de suporte necessário, embora
precário, para tempos teologicamente pobres”.[32]
19
1.5 Do século XII ao século XIX: da escolástica à moral renovada
No final do século XI houve um renascimento da atividade intelectual na Igreja.
Dois fatos históricos contribuíram para isso: o desenvolvimento das ordens religiosas e a
criação de escolas.[33]
O espírito monástico já havia sido desenvolvido por Basílio no século IV como
reação ao espírito mundano que entrou na vida da Igreja pela oficialização do
cristianismo como religião do Império. Mais tarde, São Bento, São Francisco de Assis e
São Domingos criaram suas Ordens religiosas: Ordens dos beneditinos, dos franciscanos
e dos dominicanos. Essas Ordens ofereceram à Igreja grandes teólogos que marcaram sua
história: Santo Anselmo (Beneditino); São Boaventura (Franciscano) e Santo Tomás de
Aquino (Dominicano).[34]
Nesse contexto se destaca a figura de Santo Anselmo (1033-1109), para o qual o ato
moral é bom pela bondade daquilo que se quer (dimensão objetiva) e pela bondade do
motivo pelo qual se quer (dimensão subjetiva). Anselmo enfatiza de modo significativo o
papel da liberdade no julgamento moral. Para ele, a liberdade é a capacidade de se
autodeterminar e aderir ao bem, é a condição e critério para que a ação tenha uma
dimensão ética e possa ser julgada do ponto de vista moral.[35]
Outros expoentes desse período são: Pedro Abelardo (1079-1142) e São Bernardo de
Claraval (1090-1153). Esses abordaram o tema da relação entre a consciência e a lei, ou
seja, a relação entre a intenção subjetiva e a norma moral objetiva. Contudo, consideravam
que, para se falar em intenção responsável, seria necessário que o sujeito dispusesse da
liberdade para se autodeterminar. Portanto, para esses teólogos existem três elementos
determinantes na moral: liberdade, intenção e norma objetiva. Abelardo, por sua vez, dá
mais ênfase à intenção, Bernardo afirma que, para que uma intenção seja boa, é
necessário que se conforme com a norma moral objetiva.[36]
A figura mais expressiva desse período é, sem dúvida, Tomás de Aquino (1225-1274)
com sua obra principal Suma Teológica ou Suma de Teologia. Para Santo Tomás, a
realização do ser humano, imagem de Deus, consiste em assemelhar-se ao Criador,
imitando o modelo que nos foi dado, Jesus Cristo. Chegar à comunhão total com Deus
na vida eterna constitui a felicidade plena e o principal fim a que o homem deve buscar.
Por sua consciência, que é participação no conhecimento de Deus, o homem pode
conhecer a lei natural e, pela iluminação da fé, ter o conhecimento da vontade de Deus
revelada. Decidindo-se, com sua liberdade responsável e com a ajuda do Espírito Santo, a
seguir essa norma, ele se aproxima de Deus, seu Fim Último.[37] A teologia moral de
Santo Tomás é, portanto, uma moral de autonomia, porque o homem não recebe a
norma ou a lei de fora, externamente, mas a descobre em si mesmo,[38] isto é, na sua
própria consciência.
Nos séculos XIV e XV surgem as Sumas Penitenciais. Essas sumas eram como
manuais com um conteúdo moral e canônico que davam aos sacerdotes as noções básicas
20
para o atendimento penitencial. Elas eram uma continuidade dos Penitenciais anteriores,
porém, numa estrutura sistemática mais elaborada.[39] “Em 1600, por inspiração do
Concílio de Trento (1545-1563), surge o primeiro manual de Moral. Foi elaborado pelo
jesuíta Azor [...]. Com esse manual a Teologia Moral surge como disciplina
autônoma.”[40]
Contudo, muito desligada da teologia sistemática e da Sagrada Escritura, a moral
pós-tridentina transforma-se numa moral legalista, cuja maior preocupação era
determinar as leis que deviam ser seguidas e a exatidão da decisão de consciência. Do
século XI ao século XIX, porém, surgem várias tentativas de renovação moral. Busca-se
um método científico mais bem fundamentado e uma metodologia genuinamente
teológica. Chegou-se à conclusão de que a moral cristã não pode se desvincular das fontes
da teologia (Sagrada Escritura, tradição da fé e da doutrina cristãs e tradição teológica dos
Santos Padres). Nessa linha, vários moralistas tentam um enfoque mais positivo da vida
cristã, indo além de uma moral restrita ao confessionário. Surgem teólogos como Fritz
Tilmann, G. Thils e Bernard Häring; este último publicou a obra A Lei de Cristo, em
1954, que marca claramente uma tendência de renovação na moral. Na perspectiva de
Häring e da chamada Moral Renovada, a moral é, antes de tudo, resposta do homem ao
chamado de Deus.[41] E seu primado não é nem o pecado, nem a penitência, nem o
dever, mas fundamentalmente a caridade.
21
1.6 A teologia moral à luz do Concílio Vaticano II
No Concílio Vaticano II, não encontramos um tratado específico sobre a moral
cristã. Previamente ao Concílio, na fase preparatória, foi organizado um esquema
destinado à moral que fora intitulado: De ordine morali (Sobre a ordem moral), porém,
este material logo foi rejeitado pelos conciliares devido ao seu conteúdo estar impregnado
de obrigatoriedades, condenações e desconfianças diante da dinâmica da sociedade
moderna, além de estar mais voltado para o pecado que para a misericórdia, resquícios
visíveis da moral casuística e confessional que o Concílio, com o seu objetivo de
atualização (aggiornamento) e diálogo com o mundo moderno, procurava superar.
Contudo, se não há um documento específico, podemos encontrar a referência moral
nos principais documentos elaborados pelo Concílio. Através da Constituição Conciliar
Sacrosanctum Concilium podemos perceber a exigência de uma íntima sintonia entre
celebrar e comportar-se. A vida cristã assume caráter sacramental quando os fiéis em
Cristo se reúnem para fazer memória do sacrifício do Senhor, para sua honra e louvor e
também entregam sua própria vida como hóstia viva no altar em vista da santidade.
Existe, portanto, estreito vínculo entre a vida moral e a Sagrada Liturgia.
Na Constituição Dogmática Dei Verbum, se diz: “As Sagradas Escrituras contêm a
palavra de Deus, e, pelo fato de serem inspiradas, são verdadeiramente a palavra de Deus;
e, por isso, o estudo destes sagrados livros deve ser como que a alma da sagrada teologia”.
[42] E, uma vez que a moral, embora tenha sua especificidade, está inserida na
globalidade da teologia, a Palavra de Deus também é a sua alma. Essa mesma ideia, de
certo modo, se faz presente na reflexão da Pontifícia Comissão Bíblica, quando esta
afirma que a Sagrada Escritura, abrangendo ambos os Testamentos, éuma base (“lugar”)
válida e útil de diálogo com o ser humano contemporâneo sobre as questões que tocam a
moral.[43] Essa consideração adquire importância ainda maior, quando relemos a
primeira parte das exigências da Optatam totius n.16 para a teologia moral, isto é, que
esta esteja impregnada da doutrina das Sagradas Escrituras.
Contudo, é nas duas seguintes constituições que os elementos da moral cristã se
transparecem de maneira mais evidente: A Constituição Dogmática Lumen Gentium e,
sobretudo, a Constituição Pastoral Gaudium et Spes. A primeira compreende uma moral
de caráter eclesial e reflete um dos objetivos centrais da moral renovada, isto é, manter
um aberto e consciente diálogo com o mundo “para que deste modo os homens todos,
hoje mais estreitamente ligados uns aos outros, pelos diversos laços sociais, técnicos e
culturais alcancem também a plena unidade em Cristo”.[44] Já na Gaudium et Spes
aparecem temas decisivos da vida e do comportamento dos cristãos, tais como, a questão
familiar, cultural, econômica, social, política e, principalmente, a enfática defesa da
dignidade da pessoa humana. Enfim, o homem integral e a sociedade são os alvos centrais
de reflexão dessa Constituição: “Trata-se, com efeito, de salvar a pessoa do homem e de
restaurar a sociedade humana. Por isso, o homem será o fulcro de toda a nossa exposição;
o homem na sua unidade e integridade: corpo e alma, coração e consciência, inteligência
22
e vontade”.[45]
Aqui há uma clara ruptura com a desconfiança moral do passado frente ao mundo
para prevalecer o dinamismo do amor, da solidariedade e do serviço, elementos
necessários para um diálogo evangélico com o mundo: “Nenhuma ambição terrena move
a Igreja, mas unicamente este objetivo: continuar, sob a direção do Espírito Consolador,
a obra de Cristo, que veio ao mundo para dar testemunho da verdade (Jo 18,37), para
salvar, e não para julgar, para servir, e não para ser servido (Mc 10,45)”.[46]
Até o Concílio Vaticano II, mesmo alguns anos depois, também predominou uma
teologia moral desenvolvida nos manuais neoescolásticos, elaborados inicialmente no
século XVIII e implantados no século XIX. Os manuais neoescolásticos primavam pela
ênfase dada aos atos e acentuando as normas morais, sendo o indivíduo o ponto de
referência. Não faltaram, no entanto, os exageros. Exagerou-se no pessimismo em relação
ao mundo, ao corpo e à sexualidade, vistos com desconfiança por serem considerados
profundamente vinculados ao pecado. Caindo numa visão dualista, que separava corpo e
alma, alimentou-se por demais o legalismo, o que fez da moral o campo exclusivo das
normas para cada caso (casuísmo), enfatizando-se o intimismo, desenvolvendo uma
perspectiva moral sem a necessária ligação com a comunidade e com as questões sociais.
[47]
O Concílio, no entanto, apresenta uma nova postura moral:[48]
Supera-se o dualismo, com sua visão negativa e pessimista em relação ao ser humano,
ao mundo, ao corpo e à sexualidade, que separou e opôs realidades como corpo e
alma, espiritual e material, céu e terra etc. O legalismo, no seu exagero, abre espaço
para as categorias da Aliança, das Bem-aventuranças e, especialmente, do Reino de
Deus. Nestas, Deus é aquele que convida, e não o que obriga, Jesus Cristo é aquele
que propõe, e não o que impõe. Deixar-se cativar pelo convite de Deus, pela
proposta de Jesus Cristo, na força do Espírito Santo, passa a ser o suporte de uma
moral revestida dentro de um espírito evangélico. A moral que enfatizava por demais
o “não pode”, “não deve” e o “medo” dá lugar a uma moral segundo a qual o cristão
“pode” e “deve” participar dos projetos de Deus por um mundo novo, sendo estes –
aqui e agora – o lugar e o tempo da graça de Deus para nós.[49]
Frente aos erros, aos quais a Igreja deveria dar uma resposta, João XIII apresentou
como deveria ser a atuação pastoral da Igreja, deixando de lado a desconfiança, a
severidade e a simples condenação para agir com esperança e misericórdia como uma mãe
que acolhe os filhos dispersos:
A Igreja sempre se opôs a esses erros; com frequência os condenou até com a máxima
severidade. Agora, porém, a esposa de Cristo prefere usar o remédio da misericórdia,
em vez da severidade. Ela quer ir ao encontro das necessidades de hoje mostrando a
validade da sua doutrina, antes que apelando de novo para as condenações. Não que
tenham desaparecido as doutrinas falazes, opiniões e conceitos perigosos, contra os
quais é preciso precaver-se e lutar; mas eles são de tal modo contrários à reta norma
23
da honestidade e deram frutos tão danosos que, hoje, os homens parecem por si
mesmos propensos a condená-los[...]. Sendo assim, a Igreja Católica, alçando, por
meio deste Concílio Ecumênico, a tocha da verdade religiosa, quer mostrar-se mãe
amorosa de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e de bondade, inclusive
em relação aos filhos dela separados.[50]
A tarefa essencial do Concílio era o aggiornamento, uma atualização da Igreja, uma
inserção criativa da fé cristã no mundo moderno e suas prerrogativas.[51] Um texto
pétreo do aggiornamento da teologia moral é o parágrafo 16 do Decreto Optatam Totius,
onde se diz: “Tenha-se cuidado especial no aperfeiçoamento da teologia moral cuja
exposição científica, mais alimentada da doutrina da Sagrada Escritura, evidencie a
sublimidade da vocação dos fiéis em Cristo e da sua obrigação de produzir frutos na
caridade, para a vida do mundo”.[52] Há, portanto, um mandato expresso do Concílio
para que se promova a renovação da moral. Essa exortação “é o ápice de todos os esforços
realizados até o presente para renovar a teologia moral, e significa, sem dúvida alguma, o
começo de uma nova era”.[53]
O Concílio pede que o desenvolvimento da teologia moral tenha: um caráter
científico, uma dimensão especificamente cristã (fundamentação nas Sagradas Escrituras),
orientação positiva e de perfeição (dimensão vocacional), caráter eclesial (fiéis em Cristo);
unificada na caridade e aberta ao mundo (produzir frutos na caridade para a vida do
mundo).[54] Todos esses elementos são de imprescindível importância para o
desvelamento da nova face e nova roupagem que a ética cristã passará a assumir
concretamente do período conciliar até os nossos dias.
Esse novo rosto da moral que caracteriza uma nova postura frente ao mundo e seus
interrogantes se revelará através dos documentos pós-conciliares, nas suas mais diversas
linhas e campos de abordagem, tais como o campo socio- político-cultural, ecumênico,
familiar, científico e sexual.
Entretanto, além dos documentos, a dimensão pastoral também assume novas
características do ponto de vista moral. Passa a ter mais importância a misericórdia que o
pecado, a vocação cristã marcada pela resposta pessoal e livre que o mero cumprimento
de normas, a acolhida que o distanciamento autoritário e condenatório, enfim, a
comunhão muito mais que as anatematizações.
Graça e pecado são duas coordenadas básicas da compreensão cristã da vida.
Constituem dois elementos de um mesmo processo dialético insuperável na fase terrestre
do homem. O que a moral dos manuais fez foi inflacionar de tal modo o pecado e as
ocasiões perigosas, que na prática viver em “estado de graça” se fazia quase uma exceção.
Uma concepção ao mesmo tempo objetivante e atomizante multiplicou a lista dos
pecados, e em especial dos pecados mortais. Com isso, pouco espaço sobrava para a graça,
aliás também ela objetivada e atomizada. Todo repensamento pelo qual passou o pecado
na fase pós-conciliar levou a Teologia a situá-lo dentro do seu devido lugar. Ou seja: se é
verdade que a sua força não pode ser minimizada, também é verdade que não pode ser
24
exagerada. Numa perspectiva de fé, o pecado é como que uma sombra, continuamente
em retirada pela presença atuante da luz.[55]
A partir do espírito do Concílio Vaticano II, a moral, portanto, deveria estar
alicerçada não na ordem e na mera obrigação, mas no dinamismo do amor. É o amor que
substitui o terror; é a Boa-Nova que substitui as ameaças, é o Espíritoque ultrapassa a
letra. Destarte, as exigências não são menores, pelo contrário, o clima que se instaura é
tanto mais autêntico, como mais favorável para que os projetos de Deus sejam abraçados
com mais entusiasmo.[56]
Vale, porém, ressaltar o que disse Vidal:
Para a Teologia moral, o Concílio Vaticano II representa o apoio e a garantia oficial
aos esforços de renovação realizados no século XX. Marca simultaneamente o início
oficial de uma nova orientação na moral católica, cujas possibilidades se
desenvolveram na fase pós-conciliar; muitas, porém, das potencialidades futuras estão
ainda por descobrir.[57]
Aos poucos a Igreja vai descobrindo as possibilidades e potencialidades deixadas pelo
Concílio, apresentando-as aos cristãos os seus frutos. Verdadeiro fruto do Concílio
Vaticano II e desejado pelo Sínodo Extraordinário dos Bispos de 1985 é o Catecismo da
Igreja Católica, promulgado no dia 11 de outubro de 1992 por João Paulo II, como
instrumento a serviço da catequese à luz da moral em constante processo de
aggiornamento (atualização) e renovação.
É seguindo o espírito de renovação impulsionado pelo Concílio Vaticano II que a
catequese deve-se inserir nos diversos âmbitos da vida moral e orientar as crianças,
adolescentes e adultos no seguimento de Cristo diante dos desafios dos novos tempos.
25
CAPÍTULO II
26
CATEQUESE E MORAL FUNDAMENTAL
Através do estudo do Catecismo da Igreja Católica, percebemos que há uma
interpelação recíproca entre catequese e moral. O próprio Diretório Geral para a
Catequese afirma: “Entre os elementos que compõem o patrimônio cultural de um povo,
o fator religioso-moral tem, para o semeador, um particular relevo”.[1]
É importante recordar que a tarefa da catequese é ajudar as pessoas a julgar, à luz do
Evangelho, as principais questões da vida. Desse modo, elas se tornarão capazes de
comportar-se de modo ativo e responsável diante do dom de Deus.[2]
27
2.1 A crise atual da moral e seu impacto na catequese
A moral de forma constante se vê diante de desafios e impasses tanto no nível prático,
como no reflexivo. A conjugação dos dois níveis fornece uma sensação de insegurança,
típica dos momentos de crise.[3]
Praticamente em todos os tempos ouvimos falar de crises. Porém, em nossos dias, o
tema da crise envolve tudo e a todos. Temos muito mais perguntas do que respostas, e as
respostas dadas nem sempre são acompanhadas pela certeza ou pela convicção do que é
dito. A sensação geral é de incerteza e vazio, de insatisfação e de temores, de perdas de
valores e de sentido. “Temos a impressão de que o ‘mundo’ está escapando de nossas
mãos.”[4]
A modernidade trouxe consigo o grande reconhecimento da capacidade criativa do
homem. Se, por um lado, houve um grande avanço, por outro, este mesmo ser humano,
que parecia tão autônomo e poderoso, não demorou para sentir-se mergulhado num
desequilíbrio e num niilismo desesperador.[5] A razão se isolou e se irracionalizou.
Algumas mudanças explicitam essa situação:[6]
a) A industrialização mudou os costumes, a forma de viver das pessoas, levando-as a
viver e concentrar-se nas grandes metrópoles, criando assim o paradoxo dos
pequenos grupos com acesso ao bem-estar e às zonas periféricas, onde são negadas
as condições básicas de acesso ao desenvolvimento integral.
b) As instituições de maior peso tradicional, que eram referências para a conduta
moral, como a política, a família, a escola e a própria Igreja, foram colocadas sob
suspeita.
c) Os papéis sociais passaram e continuam passando por profundos questionamentos,
basta acenarmos para a situação da mulher, das crianças, dos jovens, dos adultos,
dos pais, dos professores, dos catequistas e dos sacerdotes.
d) A tecnologia deu uma nova perspectiva para a saúde, para a comunicação, para os
setores agrícolas, industriais e financeiros. Porém, os benefícios ficam nas mãos de
alguns grupos, assim, fica cada vez mais evidente a exclusão de um grandíssimo
contingente humano.
e) Percebemos uma descrença generalizada e um forte pensamento relativista, onde
os valores sólidos, tais como amor, fraternidade, comunidade, compromisso,
solidariedade, doação, parecem não encontrar mais espaço.
Contudo, se o mistério do mal é um fato inegável, é também inegável que a graça
continua atuando. Se é verdade que aumentou a possibilidade de fazer o mal, aumentou
também a possibilidade de se fazer o bem. Desse modo, devemos evitar a ingenuidade,
mas também não podemos nos prender a diagnósticos sombrios.[7] Pois um tempo de
desconstrução também pode ser uma importante oportunidade de reconstrução. Esse é o
papel da moral, e a catequese, juntamente com a família, tem uma tarefa fundamental no
cumprimento dessa missão. De fato, há muito que reconstruir.
28
Para o amadurecimento da vida cristã, é preciso que sejam cultivadas todas as suas
dimensões: o conhecimento da fé, a vida litúrgica, a formação moral, a oração, a pertença
comunitária, o espírito missionário. Se a catequese transcurar uma dessas dimensões, a fé
cristã não alcançará todo o seu desenvolvimento. Cada tarefa, à sua maneira, realiza a
finalidade da catequese. Quanto à formação moral, esta não se limita à mera transmissão
dos conteúdos da moral cristã, mas deve conduzir ao cultivo ativamente das atitudes
evangélicas e dos valores cristãos.[8] Contudo, os primeiros responsáveis pela formação
moral das crianças e adolescentes não são os catequistas, são os pais. Os pais necessitam
da escola e da catequese para assegurar uma instrução de base aos seus filhos, mas a
formação moral deles nunca lhes podem delegar totalmente. E essa formação moral
deveria realizar-se sempre com métodos ativos e com um diálogo educativo, que integre a
sensibilidade de forma indutiva, de modo que os jovens possam chegar a descobrir por si
mesmos a importância de determinados valores, princípios e normas, em vez de lhos
impor como verdades indiscutíveis. Uma formação ética válida implica mostrar à pessoa
como é conveniente, para ela mesma, agir bem.[9] Isto é, ajudar a pessoa a entender o
quanto é importante e construtivo evitar o mal e o quanto fazer o bem realmente faz
bem.
Temos constatado que a licenciosidade e a permissividade têm provocado uma crise
profunda da moral e muitas dificuldades para a vida social. Quando cada indivíduo pensa
que pode fazer tudo, sem limites e sanções, a vida social se torna impossível. É
indispensável, portanto, sensibilizar a criança e o adolescente para se darem conta de que
as más ações têm consequências. É preciso despertar a capacidade de colocar-se no lugar
do outro e sentir pesar pelo seu sofrimento originado pelo mal que lhe fez. É importante
orientar a criança e o adolescente, com firmeza e amor, para que peça perdão e repare o
mal causado aos outros. Uma criança corrigida com amor sente-se importante,
considerada e valorizada nas suas potencialidades. Porém, tanto os pais como os
catequistas devem reconhecer que algumas más ações são frutos das fragilidades e dos
limites próprios da idade.[10] Desse modo, não podem ser irrepreensíveis,
constantemente punitivos e muito menos agressivos. Toda correção deve ser fruto do
amor e da preocupação pelo bem da pessoa. Só desse modo surtirá efeitos positivos.
Algumas vezes, porém, a formação ética provoca desprezo devido à experiência de
abandono, carências afetivas que a criança e/ou adolescente tem sofrido. Por isso, eles
veem os valores morais como “muito bonitos”, mas muito distantes de sua vida real.
Nessas circunstâncias, a catequese precisa ajudar essa criança ou adolescente a reconhecer
que os valores são cumpridos perfeitamente por algumas pessoas muito exemplares, mas
também se realizam de forma imperfeita e em diferentes graus. E uma vez que as
resistências dos jovens estão muito ligadas a experiências negativas e até traumáticas, é
preciso ao mesmo tempo ajudá-los a percorrer um itinerário de cura deste mundo
interior ferido, para poderem ter acesso à compreensão e à reconciliação com as pessoas e
com a sociedade e, assim, assumir a vida moral deforma sadia e edificante.[11]
Para enfrentar e superar a crise moral, portanto, a catequese precisa trabalhar em
29
conjunto com a família, jamais pode ter a pretensão de substituir o papel dos pais e
prescindir de sua importância na formação moral das novas gerações. Como também,
além da dimensão religiosa, precisa levar em conta os vários âmbitos da vida humana, tais
como: antropológico, cultural, social e psicológico.
30
2.2 A crise da consciência de pecado
O pecado sempre marcou sua presença ao longo da história da humanidade. Essa
presença, contudo, se reveste de tonalidades diferentes, de acordo com as respectivas
culturas e os tempos. Há períodos e contextos culturais em que ele se apresenta como
realidade premente e atemorizadora. Em outros ele mal se faz percebido. Mas, com
certeza, pode-se afirmar que ele nunca esteve tão desacreditado como em nossos dias.
[12]
A moral bíblico-eclesial nos fala de dois caminhos: o caminho de Cristo, que “leva à
vida”, e o caminho contrário, que “leva à perdição” (cf. Mt 7,13). Com isso revela a
importância das decisões morais em vista da nossa salvação.[13]
Contudo, a consciência da existência desses dois caminhos já não é tão clara,
sobretudo, na mentalidade das novas gerações. A ideia de juízo e de vida eterna, muitas
vezes, é ignorada e até ridicularizada. Tudo isso parece ser consequência de uma
mentalidade que não está mais preocupada com o árduo e progressivo caminho da
salvação, pois não se tem mais a clara consciência de pecado ou separação de Deus e suas
graves consequências na vida pessoal e social do homem. Tudo é considerado lícito e
permitido. A vontade de Deus é ofuscada diante da suprema vontade do homem. O
anseio pela liberdade e a tolerância tem fragilizado, quase ao extremo, a consciência
moral. O combate à intolerância tem nos tornado intolerantes a qualquer ameaça de
tolhimento de nossa liberdade. São as incongruências do mundo moderno.
Nesse sentido, alguns tendem a substituir posições exageradas do passado por outros
exageros; assim, da atitude de ver o pecado em toda a parte, passa-se a ignorar por total a
sua existência. A questão se resolveria de forma simples: nem tudo é pecado, mas nem
tudo, também, é isento de maldade, de contradição, enfim, de pecado. O cristão precisa
ter a sabedoria para discernir o que é de Deus e o que é contra Deus. É nesse aspecto que
se insere uma catequese bem fundamentada sobre o mistério da iniquidade que
acompanha a nossa existência.
De fato, diante de tal panorama, é importante uma acurada reflexão sobre o sentido
do pecado, sua presença e consequências, mesmo nos dias de hoje. Não de uma forma
negativista e sombria, que obstaculiza o reflexo da luz do amor e da misericórdia, como se
fazia outrora, mas com a convicção de que quanto mais nos aproximamos da luz, mas
reconhecemos nossas trevas, quanto mais enfatizamos o poder da misericórdia, mais
nitidamente percebemos nossas fraquezas e o desejo de sermos abraçados por ela, quanto
mais nos aproximamos de Deus, mais tomamos consciência da necessidade da conversão.
Por isso, sabiamente dizia o Papa João Paulo II: “A perda do sentido do pecado é uma
forma ou um fruto da negação de Deus”.[14]
Uma razão muito forte para a existência desse fenômeno é o secularismo relativista
tão arraigado em nossa sociedade. A esse respeito, o Concílio Vaticano II afirma:
Enquanto alguns negam expressamente Deus, outros pensam que o homem não
31
pode afirmar seja o que for a seu respeito; outros ainda, tratam o problema de Deus
de tal maneira que ele parece não ter significado. Muitos, ultrapassando
indevidamente os limites das ciências positivas, ou pretendem explicar todas as coisas
só com os recursos da ciência, ou, pelo contrário, já não admitem nenhuma verdade
absoluta. Alguns exaltam de tal modo o homem, que a fé em Deus perde toda a força
[...]. A própria civilização atual, não por si mesma, mas pelo fato de estar muito
ligada com as realidades terrestres, torna muitas vezes mais difícil o acesso a Deus.[15]
“Dentro dessa lógica, cada um elege as suas crenças. Estas são numerosas e não são
impostas de fora. Mudam de acordo com as circunstâncias.”[16] A subjetividade, o gosto
e interesse pessoal são quem ditam às regras. Tudo é relativo. Não há nada absoluto, nada
totalmente bom ou mau, de forma que as verdades são oscilantes. Desta tolerância
interminável, nasce a indiferença pura. Vale a ética do consenso, a opinião da maioria.
Na perspectiva do secularismo e do relativismo, o pecado passa a ser visto como coisa do
passado. Vários sintomas denotam essa realidade, mesmo dentro do seio da Igreja
Católica. Tais como: comportamentos que ignoram ou contrapõem às normas morais,
descrédito visível da consciência de culpa; diminuição generalizada da busca pelo
sacramento da penitência.[17]
No âmbito familiar, essa crise é bem visível. Tornou-se frequente a queixa dos pais
cristãos de que seus filhos já não os acompanham mais na prática da própria religião.
Outros espaços são muito mais atraentes para os jovens que a Igreja. Muitos a criticam
por seu ritualismo, considerando-a monótona, chata, “coisa de velhos”, sempre a mesma
coisa, enquanto eles buscam uma vida mais dinâmica, com constantes novidades. A essas
circunstâncias, podemos acrescentar outro elemento, como o espaço virtual das redes
sociais, onde, sobretudo os adolescentes e jovens se encontram com mais frequência,
discutindo os mais diversos assuntos, dos mais importantes aos mais fugazes. É ainda um
grande desafio pastoral conseguir que a Igreja ocupe um espaço mais amplo e eficaz no
mundo virtual e das comunicações sociais.
Frente a esse quadro sociocultural e religioso, também a escala tradicional de valores
já não responde aos anseios do mundo pós-moderno. Valores religiosos, familiares e
éticos, são profundamente questionados e substituídos por outros. Com a inversão da
escala de valores também os comportamentos assumem conotações diferentes. Se num
contexto agrário e sacralizado ter muitos filhos era um valor, hoje é visto como um peso.
Se a virgindade era tida como uma questão de honra, hoje é objeto de questionamento e
até de vergonha. Moderno mesmo é usar contraceptivos, preservativos, fazer sexo com o
maior número possível e “em segurança”, isto é, evitando tanto a gravidez como as
doenças sexualmente transmissíveis. Nessa nova escala, os pais, pessoas de idade e a Igreja
são vistos como ultrapassados, sobretudo sob o ponto de vista moral, o que vale é o
momento presente, o que está na moda. Toda essa revolução é empurrada por uma
ideologia veiculada pelos meios de comunicação social.[18]
Frente a essa situação, parece oportuna a orientação do teólogo José Comblin:
32
Para muitos a Igreja é velhice, aborrecimento, vida parada, moral superada, obsessão
do sexo, dependência dos padres, uma instituição sem futuro e sem novidade. Então,
a evangelização consiste em tornar presente uma figura diferente do cristianismo e da
Igreja. Se para muitos o cristianismo é lei, pecado, tristeza, medo, é preciso mostrar
testemunhos de vida cristã alegre, livre, com metas positivas, com mensagem para o
futuro, com ousadia, inovação, sem medo da novidade.[19]
Uma atual catequese moral sobre o pecado precisa urgentemente combater o
intimismo no qual caiu a ideia de pecado e ressaltar o peso destrutivo do pecado social ou
estrutural, muitas vezes esquecido ao longo da história. Para isso, será necessário sempre
frisar como o fez João Paulo II, que todo pecado pessoal é social e todo pecado social é
necessariamente pessoal. Pois, se é verdade que o pecado ameaça a realização da pessoa,
também é verdade que ameaça a realização da sociedade.[20] Com isso, uma catequese
moral sobre o pecado poderá ter uma compreensão mais ampliada, tendo em conta os
temas da justiça, violação dos direitos humanos, fraternidade, solidariedade,
compromissos sociopolíticos, ecologia e questões científicas. Desse modo, não se
concentrará, de forma redutiva, na narrativa de atos sexuais praticados em
desconformidadecom a doutrina moral da Igreja.
O critério máximo para compreender e avaliar o pecado é, indubitavelmente, o amor.
Essa luz pode ser encontrada de forma muito significativa no episódio da pecadora,
quando Jesus disse: “À quem muito ama, muito se perdoa” (cf. Lc 7,47). De fato, uma
catequese sobre o pecado não se concretiza numa cobrança sobre os muitos ou poucos
pecados, sobre sua maior gravidade ou não, mas sobre uma oportunidade única para
desvelar a força do amor. Não se erradica o pecado com rancorosas admoestações, mas
sim com amorosos convites para “ir e não pecar mais”. Isso significa que a humanidade
só passará a se sentir menos atraída, ameaçada e aprisionada pelo pecado à medida que
acolher e praticar o grande mandamento do amor. Essa deve ser a dinâmica e tonalidade
da moral e da catequese. Não podemos ser vigorosos na denúncia do pecado se não
formos mais vigorosos no anúncio do amor. Nessa linha, as próprias celebrações
penitenciais deixarão de ser uma pesada obrigação para se transformar em um agradecido
louvor ao Deus do amor e da misericórdia. Até o sacramento da reconciliação se
transformará em confissão do amor de Deus que supera abundantemente sobre nossas
fraquezas,[21] mais do que uma mecânica e rotineira confissão de pecados sem
perspectiva de conversão.
É com estes pressupostos que se pode desenvolver uma catequese frutuosa sobre o
pecado, reconciliação e conversão de acordo com a capacidade de compreensão da
sociedade moderna, mesmo numa época confusa e carente dos valores cristãos.
33
2.3 Liberdade, responsabilidade e consciência moral
Liberdade, responsabilidade e consciência são os elementos centrais da moral cristã.
34
a) A liberdade e seus desafios
No uso comum, a palavra “liberdade” assume, antes de mais nada, o sentido de
liberdade de escolha (libertas arbitrii) e indica a capacidade de cada um de escolher
entre os diversos objetos. Porém, limitar-se apenas a esse significado comporta
necessariamente perceber a norma como restrição, um “gravamen libertatis”. Surge a
dúvida de que esta não seja ainda a plena essência da liberdade.[22]
Os problemas humanos mais debatidos na reflexão moral contemporânea, sem
dúvida, estão ligados a um problema crucial: o da liberdade humana.[23] “Hoje é fácil
confundir a liberdade genuína com a ideia de que cada um julga como lhe parece, como
se, para além dos indivíduos, não houvesse verdades, valores, princípios que nos guiam,
como se tudo fosse igual e tudo se devesse permitir.”[24] De fato, algumas correntes do
pensamento moderno chegaram a exaltar a liberdade até o ponto de transformá-la numa
fonte absoluta de valores.[25]
Paralelamente à exaltação da liberdade, e paradoxalmente em contraste com ela, a
cultura moderna também coloca em cheque o próprio sentido da liberdade. Alguns,
baseados nos condicionamentos psicológicos e sociais, chegam ao ponto de pôr em
dúvida ou de negar a sua própria existência e valor.[26]
Porém, não há moral sem liberdade e só na liberdade é que pode existir tanto o
pecado como também a conversão. Contudo, se faz necessário enfatizar que a liberdade
não consiste na licença de fazer o que se quer e o que se pensa, contanto que corresponda
ao agrado individual. A liberdade verdadeira é um sinal privilegiado da imagem divina no
homem. Pois, diz o Eclesiástico, Deus quis deixar o homem entregue à sua própria
decisão, para que busque por si mesmo o seu Criador, a ninguém ele mandou ser ímpio e
a ninguém Ele deu licença de pecar (cf. Eclo 15,14-20).
Uma consciência verdadeiramente livre é, consequentemente, uma consciência
responsável. O direito de liberdade supõe a devida consideração e o necessário respeito
pelos deveres e pelos limites. Sem isso, a liberdade não se expressará no livre-arbítrio, mas
se confundirá com puro arbítrio, o que é extremamente imoral e perigoso. Nesse aspecto,
a família exerce um papel insubstituível: “A família é a primeira escola dos valores
humanos, onde se aprende o bom uso da liberdade”.[27] Aquilo que seriamente é
transmitido pela família, impregna a vida da pessoa e marca totalmente a sua vida.
Muitas pessoas, por exemplo, atuam a vida inteira duma determinada forma, porque
consideram válida tal forma de agir, e isto assimilaram desde a infância. Quando são
perguntadas por que atuam desse jeito, elas respondem: “Meus pais me ensinaram
assim”.
Na época atual, em que reina a ansiedade e a pressa tecnológica, uma tarefa
importantíssima das famílias é educar para a capacidade de esperar. Não se trata de
proibir as crianças de jogarem com os dispositivos eletrônicos, mas de encontrar a
35
forma de gerar nelas a capacidade de diferenciarem as diversas lógicas e não aplicarem
a velocidade digital a todas as áreas da vida. O adiamento não é negar o desejo, mas
retardar a sua satisfação. Quando as crianças ou adolescentes não são educados para
aceitar que algumas coisas devem esperar, tornam-se prepotentes, submetem tudo à
satisfação das suas necessidades imediatas e crescem com o vício do “tudo e súbito”.
Este é um grande engano que não favorece a liberdade; antes, intoxica-a.[28]
O homem vive a sua liberdade em meio aos mais diversos condicionamentos internos
e externos, e é dentro desse espaço que se cresce a cada dia e se pode fazer as escolhas em
vista do bem, no seguimento de Deus. Quanto mais o homem se afasta de Deus, fonte de
sua liberdade, menos livre esse se torna. A escolha pelo pecado não é expressão da
liberdade, mas sim, a sua traição, seu abuso. Só o bem nos liberta, enquanto que o mal
nos escraviza. Por isso, dizia São Paulo: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou.
Portanto, permaneçam firmes e não se deixem submeter novamente pelo jugo da
escravidão” (Gl 5,1):
A liberdade é algo de grandioso, mas podemos perdê-la. A educação moral é cultivar
a liberdade através de propostas, motivações, aplicações práticas, estímulos, prêmios,
exemplos, modelos, símbolos, reflexões, exortações, revisões do modo de agir e
diálogos que ajudem as pessoas a desenvolver aqueles princípios interiores estáveis
que movem a praticar espontaneamente o bem. A virtude é uma convicção que se
transformou num princípio interior e estável do agir. Assim, a vida virtuosa constrói
a liberdade, fortifica-a e educa-a, evitando que a pessoa se torne escrava de
inclinações compulsivas desumanizadoras e antissociais.[29]
Formar, para a interiorização dos valores, o cultivo da virtude e o autêntico exercício
da liberdade é uma das grandes tarefas da catequese no caminho da formação para a vida
em Cristo, dentro da realidade contemporânea, onde os valores humanos e cristãos são
facilmente esquecidos e fatalmente renegados. Contudo, os catequistas não podem
esmorecer frente aos desafios. A sociedade clama pelo resgate desses valores.
Uma boa catequese sobre a liberdade, na perspectiva cristã, supõe obviamente uma
boa catequese sobre a responsabilidade, sobre o papel da consciência e, também, uma
adequada e coerente compreensão da dinâmica da graça. De fato, o homem que
prescinde de Deus e do seu Espírito, dificilmente compreende-se a si mesmo. Por isso,
corre sempre o perigo de se rebaixar ou se exaltar de forma imoderada.
36
b) A consciência e suas implicações na vida cristã
“A consciência é o núcleo secretíssimo e o santuário do humano, onde ele está
sozinho com Deus e onde ressoa sua voz.”[30]
O que se evidencia quando se fala em termos de “núcleo” e “santuário” é a
profundidade do que denominamos de consciência moral. Todo ser vivo tem em si
mesmo inscrito uma própria lei: a lei do seu desenvolvimento, da sua realização. É
este dinamismo interno que constitui o ser: o que ele foi, o que ele é, o que ele está se
tornando e o que ele será. Esse dinamismo constitui a realidade mais profunda do
humano, a originalidade do seu ser. Por isso mesmo, recusar-se a obedecer a esse
dinamismo seria recusar-se a si mesmo e obstacular o seu próprio desenvolvimento.
[31]
Embora a consciência seja o núcleo mais secreto e o sacrário do homem, no qual ele
se encontra a sós com Deus,cuja voz ressoa na intimidade do seu ser[32] e ninguém pode
ser impedido de agir segundo a sua consciência,[33] esta, como juízo de um ato, não está
isenta da possibilidade de erros.[34] Por isso, é sempre da verdade que deriva a sua
dignidade.[35] A liberdade da consciência nunca é liberdade “da” verdade, mas sempre e
só “na” verdade.[36] Como afirma Boff: “Todo ser humano pode errar, e errar
tragicamente, com a melhor das intenções”.[37]
De fato, os crimes mais perfeitos e bárbaros e os pecados mais escabrosos são
praticados em boa consciência. Pecado e “boa consciência” ou “boa intenção”, podem, e
de fato, costumam conviver. “Há ocasiões em que, por mais que a consciência nos dite
determinado juízo moral, têm mais poder outras coisas que nos atraem”.[38] Por
exemplo, uma pessoa pode querer algo de mal com uma grande força de vontade, mas
por causa duma paixão irresistível ou duma educação deficiente. Nesse caso, sua decisão é
voluntária, mas não é livre, porque para ele é quase impossível não escolher aquele mal. É
o que acontece com um dependente compulsivo de droga: quando a quer, busca-a com
toda a sua vontade e convicção de consciência, mas está tão condicionado que, na hora,
não é capaz de tomar outra decisão. Portanto, sua decisão é voluntária, mas não é livre.
Nesse e noutros casos, não tem sentido deixar as pessoas à mercê de sua consciência e de
suas escolhas, porque, de fato não podem escolher com liberdade o bem. Precisam,
portanto, da ajuda dos outros e de um percurso educativo para elucidar a sua consciência
quanto ao poder destrutivo da droga e o benefício de não usá-la.[39]
O ser humano é especialista em enganar, não somente aos outros, mas
principalmente, a si mesmo. O melhor caminho para se chegar a uma consciência moral
verdadeira é o de estar sempre desconfiando das suas próprias certezas.[40]
A consciência, portanto, por mais importante que seja não é o juízo supremo da
moral. Desse modo, não pode ser invocada em todas as circunstâncias de forma
indiscriminada. Atribuir à consciência individual as prerrogativas de instância suprema
37
do juízo moral, que decide categórica e infalivelmente sobre o bem e o mal e agir em
consequência, gera uma ética individualista, na qual cada um defende sua verdade.[41]
Pelo contrário, todo cristão precisa ter sua consciência formada e informada à luz da
Verdade do Evangelho. É essa a grande tarefa moral da catequese.
Contudo, não basta formar a consciência moral das pessoas de uma maneira isolada,
pois a consciência moral possui o seu grau de originalidade, mas nunca é uma consciência
à parte. A consciência é influenciada por numerosos fatores. Todo ser humano tem sua
história indissociavelmente vinculada à história de toda a humanidade.[42] “É nessa
dialética entre originalidade e o meio ambiente que se vai forjando a consciência, seja ela
moral, psicológica, social, ou religiosa”.[43]
É no contraste entre a inegável presença do mal e a incessante busca pelo bem que a
consciência deve ser formada e constantemente impelida à conversão.[44] Pois, como
afirma o Papa Francisco, “somos chamados a formar as consciências, não a pretender
substituí-las”.[45]
38
c) Responsabilidade moral: fruto da liberdade e da consciência
O ser humano, quando confrontado com sua consciência radical, reconhece que não
é ele o criador dos valores morais. Sabe que não lhe compete decidir sobre isso.
Entretanto, também sabe que sua tarefa primordial consiste em des-velar os valores
que por vezes se escondem por trás das normas. Se assim o fizer, as normas morais o
estarão ajudando a assumir sua consciência e assumir ao mesmo tempo os projetos
divinos a seu respeito e a respeito da humanidade toda. Nesse caso acabam tanto a
oposição artificial entre norma e consciência, quanto o concordismo também
artificial e improdutivo. Surge então uma consciência verdadeira dentro de uma
moral de responsabilidade.[46]
Atos morais ou atos responsáveis são os atos que são praticados com vontade
deliberada, isto é, com consciência e liberdade. Consciência, conhecimento ou
advertência, e decisão livre ou consentimento são os elementos constitutivos da
responsabilidade. Exemplo: suponhamos que ocorreu um assalto a um banco, e um
inquérito investiga a responsabilidade. O guarda do banco, ao ser inquirido, responde
por que deixou os assaltantes entrarem: “eu não sabia que eram assaltantes”, ou: “não
consegui reconhecê-los como assaltantes” e, assim, se exime da responsabilidade, embora
deva ser advertido para que tenha atenção redobrada no futuro. O caixa, por sua vez, ao
lhe perguntarem por que abriu o cofre aos assaltantes, responde: “Eles me obrigaram” e
também fica isento de responsabilidade, embora estivesse consciente do que estava
fazendo. A um faltou o conhecimento e ao outro, a liberdade.[47]
Aqui estão as condições, portanto, para que se possa imputar a responsabilidade
moral: “Que o sujeito não ignore nem as circunstâncias nem as consequências da sua
ação, ou seja, que seu comportamento possua um caráter consciente. E que a causa de
seus atos esteja nele próprio e não em outro agente que o force a agir de certa maneira,
[...] ou seja, que sua conduta seja livre”.[48]
Em sentido literal, a palavra responsabilidade tem relação com dar-resposta-a-alguém.
Só pode haver responsabilidade à medida que a pessoa e seus atos possam ser
questionados e à medida que essa possa responder a este questionamento.
Responsabilidade pressupõe liberdade, portanto, o homem só age de maneira responsável
uma vez que decide livremente. O cristão é responsável porque deve prestar contas a
Deus, a seus semelhantes e a si próprio sobre suas decisões e seus atos. A Sagrada
Escritura fala da responsabilidade do homem no relato da criação (Gn 1,28ss; 3,9; 4,9).
Além da sua dependência causal de Deus, que é expressa na sua condição de criatura, o
homem é convidado a entrar em relação pessoal com Deus pela responsabilidade que a
Escritura descreve com o termo “Aliança”. Deus estabelece uma Aliança com o homem e
esse se torna um interlocutor de Deus. Como interlocutor e, consequentemente, como
imagem de Deus (cf. Gn 1,27), o homem é chamado a exercer uma responsabilidade
perante todas as criaturas (Gn 1,26). A origem da responsabilidade humana, no sentido
39
teológico, portanto, está na própria criação.[49]
A Responsabilidade ética ou moral pode ser classificada em responsabilidade individual
ou pessoal e responsabilidade social ou coletiva. Responsabilidade individual ou pessoal
corresponde ao dever que cada um, em particular, tem de responder pelos seus atos.
Responsabilidade coletiva corresponde àquela que o indivíduo possui como participante de
um grupo ou sociedade. Nesse caso, todos os indivíduos são responsáveis pelas decisões
do grupo. A Responsabilidade pessoal e a Responsabilidade coletiva entrecruzam-se e se
interagem de forma articulada e complexa.[50]
Também podemos falar de Responsabilidade transcendente, quando falamos que o
homem é chamado a responder a Deus pelos seus comportamentos, e Responsabilidade
horizontal, quando falamos do dever que cada indivíduo tem de responder ao outro ou a
um grupo por aquilo que realizou. A Responsabilidade transcendente e horizontal também
se articulam estreitamente.
Formar para o adequado uso da liberdade, consciência e responsabilidade é um
caminho fundamental para a catequese em vista da vivência autêntica e madura da fé
cristã, pois os verdadeiros discípulos de Cristo não são escravos e meros cumpridores de
obrigações religiosas, mas sim homens e mulheres livres e conscientes que
responsavelmente decidiram trilhar os seus caminhos e experimentar a alegria de sua
amizade: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor, mas
vos chamo amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos dei a conhecer” (Jo 15,15).
40
CAPÍTULO III
41
CATEQUESE E MORAL SEXUAL
Quando procuramos relacionar catequese e moral sexual, inevitavelmente nos surge
uma pertinente pergunta: Como falar de moral e sexualidade dentro do

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