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Catequese em pauta - Solange Maria do Carmo

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2
SUMÁRIO
Capa
Rosto
Apresentação
Artigo 1 - Juventude em pauta
Artigo 2 - Pentecostes juvenil
Artigo 3 - Evangelização dos jovens
Artigo 4 - Compunção do coração
Artigo 5 - O prazer da pertença
Artigo 6 - O déficit de iniciação
Artigo 7 - Raízes do déficit de iniciação
Artigo 8 - Procurando caminhos
Artigo 9 - A proposição da fé cristã
Artigo 10 - Iniciar na fé
Artigo 11 - Encontros catequéticos I
Artigo 12 - Encontros catequéticos II
Artigo 13 - A mudança epocal
Artigo 14 - Uma chance para a fé
Artigo 15 - A fé como proposta
Artigo 16 - A força instituinte do cristianismo
Artigo 17 - O encontro com Deus
Artigo 18 - Falar ao coração
Artigo 19 - Desafio da interioridade
Artigo 20 - Desafio querigmático
Artigo 21 - Desafio educativo
Artigo 22 - Desafio comunitário
Artigo 23 - Em busca de um novo paradigma catequético
Artigo 24 - Pedagogias catequéticas
Artigo 25 - Pedagogia do ensino
Artigo 26 - Pedagogia da aprendizagem
Artigo 27 - Pedagogia da iniciação
Artigo 28 - O mistério pascal na catequese
Artigo 29 - Catequese orante
Artigo 30 - Catequistas testemunhas
3
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Artigo 31 - Testemunhas do Ressuscitado
Artigo 32 - Formação dos catequistas
Artigo 33 - Ainda a formação dos catequistas
Artigo 34 - Aula ou encontro de catequese
Artigo 35 - Des-escolarização da catequese
Artigo 36 - Ambiente catequético
Artigo 37 - Preparação dos encontros
Artigo 38 - Preparação dos encontros II
Artigo 39 - Palavra de Deus I
Artigo 40 - Palavra de Deus II
Artigo 41 - Atividades pedagógicas I
Artigo 42 - Atividades pedagógicas II
Artigo 43 - Músicas I
Artigo 44 - Música II
Artigo 45 - As Orações I
Artigo 46 - As Orações II
Artigo 47 - Catequese e liturgia I
Artigo 48 - Catequese e liturgia II
Artigo 49 - Catequese e Sacramentos I
Artigo 50 - Catequese e Sacramentos II
Sobre a autora
Ficha Catalográfica
4
APRESENTAÇÃO
Temos neste ebook uma série de textos catequéticos publicados pela
professora Solange Maria do Carmo no portal da editora Paulus. Foram
reunimos aqui com o título “Catequese em pauta”, no desejo de não deixar
perder sua reflexão, devido à preciosidade de seu conteúdo. Os artigos
começaram a ser publicados logo depois da Jornada Mundial da Juventude,
quando a professora foi convidada para contribuir como articulista do site, e
esse reflexo aparece no primeiro escrito. São pequenos textos, de meia lauda ou
pouco mais, de fácil leitura e densidade teológica comprovada. Sua escrita clara
e simples anima o leitor. E sua pedagogia catequética cativa e faz pensar e
repensar a catequese.
Solange é mestra em teologia bíblica e doutora em teologia catequética.
Professora de catequese na PUC-Minas e no Instituto Santo Tomás de Aquino
(ISTA), em Belo Horizonte. Além disso, trabalha com catequese há trinta anos e
tem longo currículo pastoral no campo da evangelização. Sua tese de doutorado
sobre a teologia da catequese se encontra publicada também pela Editora
Paulus, como também uma enorme coleção de catequese que ela vem
publicando há anos em parceria com o saudoso padre Orione Silva, chamada
“Coleção Catequese Permanente”. Sua tese, “Catequese no mundo atual:
desafios, crises e um novo paradigma”, traz uma pesquisa consistente sobre a
catequese, em sua dimensão histórica, teológica e pastoral. A autora se debruça
sobre os paradigmas da catequese antes e depois do Vaticano II, propondo
como resposta aos desafios da pós-modernidade um terceiro paradigma, que ela
colhe de um importante teólogo catequeta francês, Denis Villelepet.
A “Coleção Catequese Permanente” da autora segue na linha teológica de sua
pesquisa doutoral São encontros profundamente bíblicos e orantes. A Bíblia,
centro de todos os encontros, não é utilizada para ensinar doutrinas, mas
unicamente para comunicar a experiência de Deus em Jesus Cristo. A autora
entende que a catequese existe em vista desta experiência, pois bem mais
importante que saber sobre Deus é experimentar o sabor de Deus. Por isso os
encontros partem de textos bíblicos, dos quais brotam a partilha, a conversa, e
também esclarecimentos consistentes, embora a catequese não seja aula de
teologia bíblica. A oração no contexto da catequese é vista como o lugar do
encontro com Jesus Cristo. Sua catequese mistagógica leva ao encontro pessoal
com Cristo, com a Igreja e com o mundo. Os encontros são encontros com Deus
5
por meio de sua Palavra e encontro com os irmãos num processo que provoca
crescimento, amadurecimento e uma nova presença na sociedade, não mais de
reclusão nos limites da Igreja ou de engajamento militante, mas de colaboração,
de presença discreta e dialogal no meio de um mundo plural.
Talvez nos perguntemos: mas onde entram os sacramentos, os ritos, a moral
proposta pela Igreja nessa teologia catequética? A autora propõe uma
catequese que converte e faz o catequizando conhecer a Cristo e se
comprometer com ele enquanto membro da Igreja. Os sacramentos e os ritos
entram no contexto dessa experiência, assim como na Igreja antiga, quando o
batismo só acontecia depois de provada conversão. Tudo o que existe na Igreja,
segundo o Papa Francisco, é para levar a Jesus. “Todos os cristãos, em qualquer
lugar e situação em que se encontram, estão convidados a renovar hoje mesmo
o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de
se deixar encontrar por Ele, a procurá-lo dia a dia, sem cessar” (Evangelii
Gaudium 11). Os sacramentos, os ritos e a moral são mediações para o
verdadeiro encontro com Cristo. O risco de se tornarem ritos vazios com teor
mágico-supersticioso é grande. Para alguns, são meras obrigações que não
transformam a vida nem fazem viver com sentido novo os acontecimentos do
dia a dia. Solange propõe que sejam expressões de uma experiência vivida de
Jesus e seu evangelho, fora da qual estariam destituídos do seu significado
original. A teóloga apresenta a fé como “sentido para a vida”, não como meio
para manipular Deus em vista de egoístas necessidades subjetivas. E também
não apenas como dispositivo para alcançar a salvação eterna, que acontecerá
depois da morte. A fé inclui a salvação, mas só se mostra consistente quando é
portadora de sentido para a vida. Ela se torna, assim, um dom precioso, “capaz
de comunicar vida para o homem e a mulher contemporâneos, capacitando-os
para enfrentar os desafios do tempo presente”. Belíssima definição da fé, que
vai ao encontro do que temos aprendido com o Papa Francisco.
A leitura dos textos da Solange sempre vale a pena, por sua densidade, seu
conteúdo, sua fundamentação sólida, transmitidos em linguagem acessível,
poética, apaixonada e prazerosa, que revela o encantamento da autora pela
beleza do mistério de Cristo. E ainda que não concordemos com tudo, suas
palavras carregam força centrífuga que pouco o pouco acende em nós o desejo
de experimentar o mistério de Deus que se aproximou de nós em verdade e
amor na pessoa do seu Filho Jesus Cristo e do Espírito Santo. Seus escritos são,
em última instância, um serviço à Palavra de Deus que ressoa em nossas vidas,
renovando nossa alegria de crer.
Que este ebook ajude catequistas e catequetas, alunos e professores,
6
presbíteros e cristãos em geral, a aprofundarem suas reflexões acerca do
mistério que a catequese transmite! Desejamos a todos uma boa leitura e que se
deixem contagiar pela teologia catequética da autora!
Pe. Paulo Sérgio Carrara, CSSR
Professor na Faculdade Jesuíta de Filosofia e teologia e no Instituto Santo Tomás
de Aquino, em Belo Horizonte.
7
ARTIGO 1
8
JUVENTUDE EM PAUTA
Quando sentimos ainda o sopro refrigerador do Espírito, que pairou sobre as
praias de Copacabana por ocasião da 28ª Jornada Mundial da Juventude que
reuniu e reanimou a vida de milhões de pessoas, parece oportuno não deixar
esse frescor passar sem colocar em pauta a catequese dos jovens.
A catequese juvenil se apresenta como verdadeiro desafio em nossos dias. Mas
não foi preciso muita coisa para agradar nossos jovens nestes dias de JMJ.
Bastou somar umpouco do carisma, da bondade e da simpatia de nosso Papa
com uma dose de alegria, de descontração, de naturalidade, de espiritualidade,
de bom gosto e muita música, mais uma boa porção da Palavra de Deus,
proclamada em ambiente de fé e festa, para que nossos jovens se sentissem
atraídos para o seguimento de Jesus Cristo. Não foi preciso dissimular o
evangelho como pensam alguns, que os jovens de hoje não estão prontos para a
radicalidade e o escândalo da cruz. Não foi preciso adocicar a boa-nova para
que ela fosse digerida por eles, pois os jovens são também capazes do Deus de
Jesus Cristo e estão sedentos de sua palavra que faz viver. Não foi preciso
transformar a celebração em show, mas foi preciso rejeitar uma liturgia
engessada e sem vigor que muitas vezes insistimos em manter em nossas
comunidades. Não foi preciso ambiente confortável, cadeiras almofadadas, nem
templo liturgicamente projetado. Bastaram as areias de Copacabana como
banco e o céu estranhamente cinzento e chuvoso do RJ como teto. O que falou
mais alto não foi a beleza do templo, nem a rubrica litúrgica seguida à risca, mas
a alegria de estarem reunidos em nome da fé e de poderem se expressar com
gestos, palavras, canções, abraços, silêncios, preces… Se o conforto não foi
quesito indispensável, foi, no entanto, indispensável abrir mão do conforto de
nossas Igrejas e secretarias, abandonar nossas burocracias, romper protocolos e
acolher o novo, para que os jovens pudessem se sentir Igreja e ter desejo de
celebrar sua fé novamente. Certamente que a pastoral juvenil ou a catequese de
jovens não poderá viver só disso; tem muito trabalho pela frente. Mas em terras
brasileiras, onde por muito tempo se rejeitou – em nome da fidelidade aos
pobres – todo tipo de pastoral ou movimento que se permitisse uma
manifestação mais efusiva do Espírito, parece oportuno realçar que a JMJ no RJ
quebrou paradigmas e ajudou a vencer preconceitos. Resta agora saber se
nossas comunidades eclesiais vão saber aproveitar em seu seio os jovens que o
Espírito de Pentecostes congregou em Copacabana. Basta um pouco de
9
conhecimento das Escrituras para ver que, em Atos dos Apóstolos, não foram
suficientes o derramamento do Espírito e a pregação de Pedro. Se a Igreja não
se organizasse para acolher os que a palavra congregou, de nada adiantaria
toda a obra do Espírito.
10
ARTIGO 2
11
PENTECOSTES JUVENIL
O Pentecostes descrito em Atos 2, com tons de transbordamento do Espírito e
exagero da parte da assembléia, parece ser um bom ponto de partida para
falarmos da catequese juvenil, sempre exagerada e exuberante nas suas
manifestações. Lucas não poupou cores fortes para pintar o quadro da efusão
do Espírito: vento, barulho, fogo, línguas… Certamente símbolos de teofanias já
descritas no Antigo Testamento, especialmente àquela acontecida no Sinai. A
festa de Pentecostes, que antes comemorava a colheita e a alegria dos primeiros
e abundantes frutos, ganhou sentido novo com o decorrer do tempo. Passou a
significar a festa da entrega da Torá, por meio de Moisés, ao povo. Os judeus
entenderam que o fruto novo e abundante com o qual Deus os alimentava era
sua palavra e não os grãos colhidos no campo. Vento, fogo, barulho… Para
Lucas, Deus continua se manifestando como outrora para comunicar (línguas)
aos seus (a Igreja nascente) a sua palavra que alimenta e gera comunhão.
Apesar de descrever um público de origem judaica (judeus da diáspora – cf. At
2,5), que deveria estar acostumado a este tipo de linguagem, o autor sagrado
não deixou escapar que tanta espontaneidade e liberdade fossem alvo de críticas
de alguns mais comedidos e racionais – a ponto de dizerem: “Estão cheios de
vinho doce!” (At 2,13).
Como em pentecostes, as assembléias de jovens causam certamente algum
estupor e admiração (cf. At 2,12). O barulho dos encontros juvenis cheios de
exuberância e de suas canções em volumes sempre alto nos irritam. O frescor de
suas idéias nada presas às tradições, e que como o vento nos escapam, parece
dizer que não temos mais o controle da situação. O fogo de seu vigor e de sua
jovialidade, insistindo em queimar a frieza de nossas liturgias e pedindo para
aquecer nossos encontros, nos fazem pensar que arrefecemos no primeiro amor
(cf. Ap 2,4). E ainda mais: suas línguas ferinas e espontâneas a dizer muitas
vezes o que não queremos ouvir, a recusar nossos ensinamentos prontos – sem
dialogar com eles – e a pleitear direitos que insistimos em negar-lhes também
nos incomodam. Vai ser difícil ver nossa juventude retomar seu espaço na Igreja
sem reagir como aqueles que estavam do lado de fora do Cenáculo: “Estão
bêbados e não devem ser levados a sério!”. De alguma forma, já passamos por
isto, quando fomos às ruas lutar contra a ditadura ou quando enchemos nossas
comunidades eclesiais com o sangue novo de uma pastoral militante. A
diferença é que, em tempos de pós-modernidade, nossos jovens não militam em
12
prol de uma causa social ou da utopia do Reino, mas em prol da experiência de
Deus que lhes foi negada, na utopia que a comunhão com Deus é possível em
qualquer tempo. Já passou da hora de pagarmos a nossos jovens a conta que
eles estão cobrando: o déficit de iniciação cristã que deixamos como rastro na
nossa pastoral católica.
13
ARTIGO 3
14
EVANGELIZAÇÃO DOS JOVENS
Após o Pentecostes, relata Lucas, Pedro abriu as portas do Cenáculo e pregou
(cf. At 2,14). Cheios do Espírito, os apóstolos e os demais presentes têm
necessidade de partilhar a fé, de anunciar aos outros a experiência forte que
acabaram de fazer. Então Pedro, de pé, como um profeta a proclamar um
oráculo ou um juiz a pronunciar uma sentença, se põe a proclamar às multidões.
Sua palavra não é um ensinamento, mas uma partilha: Pedro comunica sua
experiência de transbordamento, cuja causa não é o vinho mas o cumprimento
das Escrituras em suas vidas (cf. At 2,14-21). E, logo em seguida, anuncia o
centro de tudo: o causador de todo aquele tumulto é Jesus de Nazaré que foi
morto, mas está vivo. É para cumprir sua promessa que o Espírito fora
derramado em abundância sobre eles (cf. At22-24.32-33).
A pregação querigmática de Pedro, colocada logo no começo do livro dos Atos
dos Apóstolos, é emblemática: Lucas vai dedicar esta obra ao anúncio da boa-
nova e, para ele, a boa-nova é Jesus. Aquele que passou a vida anunciando a
palavra tornou-se agora a palavra anunciada. O evangelizador tornou-se
evangelho. Lucas sabe que ninguém pode aderir ao Caminho (a Igreja nascente)
se não fizer sua experiência pessoal com Jesus Cristo, se não aceitar sua pessoa,
sua obra, sua missão. Por isso não se cansa de pôr na boca dos apóstolos –
especialmente de Pedro e Paulo – o anúncio do querigma. Para fazer parte da
comunidade cristã era preciso ser iniciado na fé no Cristo morto e ressuscitado,
um apelo que Lucas não desiste de fazer aos seus leitores até o final de seu livro.
Salta aos olhos a lógica lucana: o transbordamento do Espírito não pode ficar
preso dentro das paredes do Cenáculo. A fé precisa ser partilhada e
testemunhada ao mundo, pois tal é sua preciosidade que seria crueldade negá-
la a nossos irmãos e irmãs ainda não iniciados. Plagiando o esquema lucano,
poderíamos dizer que é hora de a Igreja abrir suas portas e anunciar aos que
estão de fora, principalmente nossos jovens – excluídos da vida eclesial pelo
desinteresse pela fé cristã – a boa-nova que é Jesus Cristo. É hora de corrigir o
défict de iniciação que a fé católica deixou, tão acostumada estava com o
regime de cristandade que não se empenhou na tarefa da evangelização como
deveria. E este é um direito não só dos jovens, mas de todos. Até mesmo de nós
que já estamos engajados na vida eclesial, pois a iniciação jamais termina, afinal
Jesus não cessa de nos surpreender com sua presença amorosa e de exigir de
nós novas respostas de seguimento.
15
ARTIGO 4
16
COMPUNÇÃO DO CORAÇÃO
Quando a multidão ouviu a pregação de Pedro, continua relatando Lucas em
Atos dos Apóstolos, não ficou inerte, nem indiferente ao anúncio. A força da
boa-novaanunciada saiu devastando corações e fazendo sua obra (cf. At 2, 37-
41). A primeira reação foi a compunção do coração. Ficar com o coração
compungido é ser tocado lá no íntimo; é ver as entranhas remexidas; é ter as
estruturas abaladas pela palavra que fora anunciada. Não é possível ser tocado
assim e não se interrogar acerca do que fazer a partir de então. Quem tem seu
coração compungido sabe que nunca mais será o mesmo; algo novo aconteceu
dentro de si. À pergunta dos ouvintes, Lucas aconselha a conversão e o batismo.
A conversão é a conseqüência primeira e imediata do encontro com Jesus boa-
nova. Não é condição para encontrá-lo, mas é algo intrínseco a esse encontro. O
batismo é a adesão ao caminho dos seguidores, ou seja, é sinal da pertença ao
grupo dos que pertencem ao Ressuscitado. Apesar de a experiência do encontro
com Jesus ser pessoal e exigir uma resposta personalizada, a fé cristã é eclesial e
não pode ser vivida no isolamento a não ser ao preço de cair no intimismo e
deixar de ser fé cristã tornando-se pura ilusão. Só depois de propor o mergulho
em Cristo na comunidade cristã, Lucas anuncia aos novos convertidos que
também eles podem e devem ficar cheios do Espírito Santo, pois a promessa é
para todos. Mas Lucas sabe que o Espírito não respeita a lógica eclesial: primeiro
a pertença; depois o recebimento do Espírito. É só ver o que aconteceu na casa
de Cornélio (cf. At 10,44-48). Lucas organiza a comunidade; o Espírito, no
entanto, faça o que bem lhe aprouver. E, depois de responder às indagações dos
ouvintes, Pedro continua dando testemunho da fé que ele mesmo
experimentava.
Diante do esquema lucano, nossa catequese é colocada em xeque. A palavra
que anunciamos tem compungido os corações dos ouvintes ao ponto de eles se
perguntam: “O que fazer?”. Se nossa palavra não é testemunho de uma
novidade que faz viver, mas mera transmissão de doutrina, de dogmas, de
preceitos morais e normais eclesiais, não dispomos de elementos suficientes para
tocar os corações dos ouvintes, especialmente dos jovens. Como afirmou o Papa
Bento XVI: “Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande
ideia, mas através do encontro com um acontecimento, com uma pessoa, que
dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva” (Deus Caritas
Est, 12). É o encontro pessoal com Jesus Cristo, com o acontecimento de sua
17
morte e ressurreição, que pode mexer com nossas entranhas e nos fazer
questionar os caminhos seguidos e as convicções mantidas até agora. Nossa
catequese, tão dogmática e doutrinária, voltada quase que exclusivamente para
a recepção dos sacramentos da iniciação, não tem iniciado nossa gente. Não é
de estranhar, então, que, uma vez recebidos os sacramentos, nosso povo
abandone a vida eclesial. Nossos jovens têm recebido os sacramentos da
iniciação, mas não têm sido iniciados na fé, logo a pertença e o engajamento
ficam comprometidos na base.
18
ARTIGO 5
19
O PRAZER DA PERTENÇA
Terminando esta série sobre os jovens, façamos nossa reflexão ainda a partir
dos Atos dos Apóstolos. Lucas é um grande pastoralista. Ele sabe armar
esquemas inteligentes para atrair o leitor para a fé que ele testemunha. Em At
2,42-47, encontramos o relato da vida das primeiras comunidades, descrito
depois de mostrar a reação favorável que o testemunho dos apóstolos
desencadeou nos ouvintes (cf. At 2,41).
Os crentes, segundo o ideal lucano, se organizam espontaneamente em torno
dos apóstolos e não por coerção ou laços contratuais. O ensinamento deles é
precioso e todos perseveram para ouvi-lo. O testemunho da comunhão fraterna
lhes atrai; a alegria de partilhar o pão da eucaristia e da palavra não pode ser
dispensada; a oração comum fortalece os ânimos e revigora para a luta. Cheios
de temor – ou seja, de um desejo enorme de não perder a fé conquistada ou a
fé no Deus que os conquistou –, os novos seguidores do Caminho presenciam a
ação de Deus no meio deles, dita por Lucas como prodígios e sinais. Lucas insiste
em dizer que o Deus da história, que agiu no Antigo Testamento por meio de
muitos líderes e profetas e no Evangelho por meio de Jesus de Nazaré, continua
agindo em Atos por meio da Igreja. E todos vivem uma experiência edificante:
tendo abraçado a fé, se encontram unidos, repartem seus bens, frequentam
diariamente a comunidade, rezam juntos, vivem com alegria e simplicidade de
oração. Como conseqüência desse testemunho, cada dia aumentava mais o
número dos que aderiam à fé.
Lamenta-se muito, hoje em dia, que os cristãos tenham perdido o sentido de
pertença. A comunidade eclesial, antes referência máxima da fé cristã, foi
relegada a segundo plano para realçar a experiência pessoal. Não falta quem
critique a juventude de crer sem pertencer, de aderir a Jesus, mas rejeitar a sua
família, a Igreja. Não é bem verdade que os jovens querem crer, mas não
querem pertencer. Eles só não querem pertencer a uma comunidade fria e de
laços contratuais, com a qual não têm vínculos afetivos e nenhuma
identificação. Não é que na Igreja a gente escolha com quem faz laços; os laços
são éticos, ou seja, são dados pelo Pai do Céu pelo simples fato de sermos
irmãos em Jesus Cristo. Mas vamos admitir: não adianta saber que somos irmãos
de alguém se não cultivamos laços afetivos com ele. Pertença não é obrigação; é
conseqüência natural de laços fortes de fraternidade e comunhão. Parece
urgente que recuperemos na Igreja a alegria da pertença ou nossos jovens vão
20
continuar formando comunidades alternativas de convivência, no desejo de
partilhar a fé e proporcionar seu crescimento.
21
ARTIGO 6
22
O DÉFICIT DE INICIAÇÃO
A expressão déficit de iniciação, usada em artigos anteriores, causou
curiosidade. Alguns leitores sugeriram que retomássemos o assunto. Pois bem,
vamos lá! São muitas as perguntas: “O que significa déficit de iniciação? Quais
suas raízes? Como lidar com ele? Como contribuir para que a iniciação saia do
‘vermelho’”? Etc. Façamos o seguinte: a cada artigo, respondamos a uma
questão.
O que significa a expressão déficit de iniciação? Tomemos os termos.
Primeiramente, iniciação. Ser iniciado na fé, que é o nosso caso, é começar a
fazer parte de um mundo de significações e símbolos que passam a orientar
toda a vida da gente: nossos valores, nossas decisões, nossas referências… tudo
ganha novo rumo quando somos mergulhados no mistério do amor de Deus
que é revelado em Jesus Cristo por força de seu Espírito. O iniciado é aquele que
foi mergulhado neste mistério; por isso, o sacramento da iniciação por
excelência é o batismo. Por ele, fomos mergulhados em Cristo para uma vida
nova; a vida velha ficou sepultada no passado, pois já não significa nada mais
para nós cristãos. Então, iniciação é o processo pelo qual a entrada na fé
acontece; é o processo pelo qual o mergulho em Deus é realizado. A partir desse
processo, uma vida nova começa para o iniciado.
E o que significa déficit? Déficit, diz o dicionário do Aurélio, é “o que falta para
completar uma quantidade”. A definição parece boa para falar da iniciação. Se a
iniciação é o mergulho em Deus, logo, déficit de iniciação é uma lacuna, uma
falta nesse processo. Falta muito pra nossa gente ser mergulhada no mistério
maravilhoso do amor de Deus. Os católicos sabem algumas coisas sobre Deus,
decoraram algumas orações, conservaram alguns costumes religiosos, mas não
experimentaram o mergulho, não ficaram impregnadas da presença do Espírito,
essa água viva que renova. Sobre a iniciação, já ouviram falar; sabem os ritos
que a acompanham, as orações que são feitas… Mas não basta isso.
Ao longo dos anos, a Igreja – sobre isso falaremos no próximo artigo –
dedicou-se muito aos sacramentos, mas não o mesmo tanto ao processo
evangelizador. Acontece, porém, que a iniciação – ou seja, o processo de adesão
a Jesus Cristo – não acontece num passe de mágica. Não se dá só pelos
sacramentos. Não basta batizar, crismar e dar a comunhão – os sacramentos da
iniciação cristã – para a pessoa ser iniciada na fé. Os sacramentos devem ser o
sinal visíveldo que acontece no interior da pessoa. Eles efetivam o mistério
23
celebrado; exteriorizam o que interiormente já vinha acontecendo na vida
daquele que os recebe. Às vezes, a pessoa pode ser sacramentalmente iniciada e
não ser iniciada na fé. Aí vem o déficit de iniciação. As duas coisas –
sacramentos da iniciação e iniciação na fé – deveriam andar juntas, mas nem
sempre funciona assim. Então a iniciação sacramental é alta, mas a iniciação na
fé é baixa. Logo, temos um déficit de iniciação. Falta fé cristã genuína,
autêntica… falta experiência de Deus… falta encontro com o Senhor… falta
discipulado… falta seguimento. Se falta tudo isso, a iniciação sacramental
somente não dá conta de sustentar as pessoas diante dos desafios da vida. Ela é
importante, é claro, mas não suficiente. Os problemas da vida são muitos e
grandes. Se a fé não cresce, não amadurece, não se firma a cada dia, se ela não
acompanha os desafios que encontramos na vida, logo temos um déficit de
iniciação. Falta iniciação na fé para completar a quantidade de fé exigida pelos
desafios da vida. Falta experiência cristã de Deus, apesar de as pessoas serem
batizadas. Falta iniciação na fé em relação ao processo sacramental
desenvolvido: a isso chamamos de déficit de iniciação.
24
ARTIGO 7
25
RAÍZES DO DÉFICIT DE INICIAÇÃO
Hoje trataremos das raízes do déficit de iniciação. Se está faltando algo, há
uma dívida. E essa dívida da Igreja com sua gente não é de hoje. Há muito
escutamos falar que os católicos foram batizados e não evangelizados. O
Documento de Aparecida falou muito sobre isso. Mas quando foi que a Igreja se
esmerou em dar os sacramentos e se esqueceu de investir seus melhores dons
na evangelização? Por que a prática sacramental se firmou e a prática
evangelizadora arrefeceu? Vejamos! No período da cristandade, quando o poder
temporal (o Estado) e o poder espiritual (a Igreja) estavam unidos, a cultura, o
meio social e político, tudo era permeado pela fé cristã. Tudo falava de Deus, de
Jesus, da Virgem Maria… Os pintores se inspiravam na religião para retratar sua
arte, os melhores músicos usavam sua intuição musical e genialidade para
produzir peças religiosas, os arquitetos e pedreiros construíam belas catedrais, os
reis assumiam posturas religiosas arrebanhando grupos atrás de si… O ar
respirado estava impregnado de sinais do cristianismo. Logo, para ser cristão não
era preciso muita coisa: nascia-se numa família cristã e a fé era naturalmente
herdada dos pais. Ela passava de pai pra filho. E parecia que isso bastava! A
evangelização não era uma urgência. Para que evangelizar, se a pessoa já
“nascia cristã’? Bastava dar os sacramentos para celebrar a fé que a família se
encarregava de transmitir. No máximo, fazia-se uma catequese para burilar a fé,
ou seja, para esclarecer pontos doutrinais e morais. E isso parecia suficiente.
Com o passar do tempo, a cristandade foi desbancada pela modernidade, que
rejeitou todo traço religioso e trouxe a secularização que hoje presenciamos. A
Igreja e o Estado se separaram. Cada qual passou a ter seu estatuto, sem que
um dependesse mais do outro. Foi aí que a coisa desandou. Não que a
modernidade seja má e queiramos retomar a cristandade. Não. Mas, para novos
tempos, novos métodos são necessários. Se chegou novo tempo, a
evangelização precisava de novos rumos. Porém, acostumada à cristandade, a
pastoral católica continuou seu ritmo, sem muito se preocupar com as novidades
que se impunham. Não houve grandes mudanças pastorais: continuamos
batizando as crianças como se as famílias ainda fossem cristãs e como se elas
transmitissem a fé a seus filhos; insistimos na primeira comunhão de crianças
sem nos preocupar com os adultos nos quais deveriam ser investidos os
melhores esforços da evangelização. E assim foi. Transmitimos costumes
religiosos, conservamos a piedade religiosa, aprendemos orações e até
26
mantivemos o costume de receber os sacramentos. Mas isso não basta para se
ter fé. A fé é uma reposta pessoal que se dá a Deus, não um pacote
automaticamente herdado do meio em que vivemos. Uma vez recebida a cultura
cristã, mas não a fé cristã, implantou-se o déficit de iniciação. Ou seja, as
pessoas não estão suficientemente iniciadas na fé a ponto de poder dar sua
resposta pessoal a Deus, mesmo já estando inseridas na vida religiosa que a
Igreja disponibilizou para elas. Falaremos mais disso no próximo número.
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ARTIGO 8
28
PROCURANDO CAMINHOS
Ainda sobre o déficit de iniciação, podemos afirmar que a Igreja está
procurando caminhos e a catequese tem muito a contribuir com esse processo.
Primeiramente, falemos da Igreja em geral. Depois, especificamente da
catequese.
Façamos uma comparação. Toda comparação é boa porque visibiliza o
problema e a gente ganha em expressão e significado. Mas toda comparação é
ruim, pois tem seus limites. Mesmo assim vou arriscar. Para que o déficit de
iniciação seja superado, há de se ter um planejamento, um conhecimento real e
concreto das entradas e despesas. É como uma família que está com déficit no
orçamento, ou seja, está gastando mais do que o tanto que recebe. Para superar
o déficit, a família precisa planejar as contas, os gastos; tem que saber
exatamente quanto entra e quanto sai de dinheiro. Precisa pensar como pode
economizar e também como pode aumentar sua arrecadação. Imagine só uma
família rica, sempre acostumada a luxos e gastos exorbitantes. De repente, vem
uma crise econômica e ela entra em processo de empobrecimento. O que ela
arrecada não dá mais para manter o padrão de vida de antes. E ignorar a crise
não ajuda em nada, só piora a situação. É preciso encarar os desafios e planejar
os gastos, ver como é possível aumentar a arrecadação para sobreviver
dignamente no momento difícil.
O mesmo se dá com a Igreja. Se há um déficit de iniciação, a Igreja precisa ver
onde foi que gastou mais que o tanto que arrecadou. Nós, a Igreja, demoramos
a entender que no “caixa do catolicismo” não entrava mais o tanto de fé de
outros tempos. Vamos dizer que vivemos tempos de carestia, de dificuldades
nesse campo. Os tempos mudaram e as referências de fé se tornaram tênues
neste mundo plural e secularizado. Logo, diminuíram as entradas da experiência
cristã de Deus, da iniciação. Se isso é fato, é preciso diminuir as despesas ou
bolar uma estratégia para aumentar a entrada da fé. Ora, diminuir as “despesas
da fé” parece impossível. Cada dia a vida exige de nós uma fé mais madura,
mais esclarecida, mais pessoal, mais consciente e livre, não só porque as ofertas
religiosas são muitas e variadas, mas também porque a vida apresenta desafios
sempre inesperados. Então, se os gastos não cessam, ao contrário, se
multiplicam, é preciso investir; é preciso proporcionar a experiência da fé, coisa
que não é mais natural na sociedade contemporânea.
Para proporcionar a experiência cristã de Deus, a primeira condição – penso eu
29
– é a Igreja tomar consciência de que ela está em regime de diáspora, ou seja,
está espalhada no meio do mundo, não mais como maioria absoluta, mas como
um grupo a mais no meio do mundo. A sociedade ocidental não é mais cristã,
muito menos católica. Em situação de diáspora, a Igreja não é mais uma força
instituída, algo estabelecido e pronto. Mas ela tem uma força instituinte, por
causa do evangelho que ela transmite. O evangelho é força para viver e já atraiu
multidões antes de nós; por causa dele muitos até perderam a vida. Se a Igreja
se comporta como uma instituição a mais e não como a instituição por
excelência, como na cristandade, então há esperança para a fé. Essa atitude
coloca a Igreja em posição de diálogo e acolhida: ela tem algo a oferecer ao
mundo e tem algo a aprender dele. É uma atitude de humildade e respeito com
a sociedade e a cultura atual. Neste mundo plural e multirreferencial, a Igreja
não pode mais impor sua fé; só pode propor. A proposição da fé é uma
urgência. Aí entra a tarefa da catequese. Mas isto é assunto dos próximos
textos. Não perca!
30
ARTIGO 9
31
A PROPOSIÇÃO DA FÉ CRISTÃFinalmente, chegamos à catequese. Em meio a esse mundo plural e
multirreferencial, a voz da Igreja não ressoa mais solitária. Há uma multidão de
propostas e as pessoas não estão mais obrigadas à fé cristã, como única opção
para seu encontro com o Transcendente e para sua salvação. Isso significa que a
fé cristã não é mais necessária para a salvação. E que ninguém se escandalize!
Desde o Vaticano II, a Igreja tem dito isso em alto e bom tom (cf. GS 22; LG 16;
AG 7). Ela sabe que Deus tem mil caminhos para atingir o coração humano e
que o Espírito Santo age de formas inusitadas, nem sempre protocolares, nem
sempre previsíveis… Deus está sempre agindo por meio da Igreja, mas a Igreja
não é o único meio que Deus tem para sua ação salvadora. Deus salva sempre e
de mil modos que nem podemos imaginar. É a força maravilhosa do amor de
Deus atuando no meio do mundo.
Ora, se a fé cristã não é necessária para salvar, então para que propor a fé?
Aí é que está o mais bacana, o mais interessante, o mais curioso. Deus age de
tal modo que ele não quis ser uma obrigação, mas uma opção livre. Se a fé
cristã não é obrigatória, ela é, no entanto, preciosa, absolutamente maravilhosa
e transformadora. É como a pérola preciosa do Evangelho de Mateus. Um
homem procurava pérolas preciosas. Sua vida transcorria normalmente. Ele vivia
normalmente sem a pérola. Mas, quando ele a encontrou, não pode mais viver
sem ela. Largou tudo o que tinha, vendeu todos os seus bens para adquirir a
pérola. A vida ganhou novo significado a partir daquele encontro.
Assim é a fé cristã. Ela é boa, é linda, é maravilhosa. Mas vamos admitir a
verdade: é possível viver sem ela. Muita gente boa vive sem a fé cristã e vive até
dignamente, muito mais dignamente que muitos que se dizem cristãos. Mas a fé
cristã genuína é algo tão valioso, tão precioso, tem uma força tal que altera os
rumos de nossa vida. Por causa dela, a gente larga tudo; a gente considera tudo
esterco ou lixo, como disse Paulo aos Filipenses.
A fé cristã é algo a mais, é um acréscimo de vida e sentido, é uma força
transformadora que faz viver.
Logo, propor a fé é algo maravilhoso. Não é proselitismo, nem sectarismo, nem
fechamento ao diálogo com outras religiões e crenças. E esta é a tarefa que a
catequese tem diante de si: anunciar o evangelho; propor ao mundo a boa nova
de Jesus, ou seja, ele próprio, vivo e ressuscitado no meio do mundo. A tarefa
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da catequese não é outra senão criar condições para que os catequizandos
façam sua experiência do encontro com Jesus Cristo: a isso damos o nome de
iniciação. Essa experiência deve ser proposta, devemos criar condições para que
ela aconteça, pois não é mais uma herança natural da família ou da sociedade.
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ARTIGO 10
34
INICIAR NA FÉ
Dissemos que a fé está no campo da proposição e não da obrigação, está no
campo do precioso e não do obrigatório. Ora, se Deus mesmo não se impõe a
nós, mas simplesmente oferece, na mais plena gratuidade, o seu amor, por que
com a fé cristã seria diferente? Exatamente porque estamos nesse âmbito da
gratuidade é que a iniciação cristã se faz tão necessária.
A iniciação cristã é o processo pelo qual o catequizando – seja ele criança,
jovem ou adulto – entra em contato com o mistério de Deus, por meio de
ritos, símbolos, celebrações, reflexões, estudos, meditações, orações,
cânticos…
O mistério de Deus, o que é isso? Bom, quando falamos de mistério de Deus,
muitas vezes pensamos em uma incógnita de uma equação que deve ser
encontrada ou um código a ser decifrado. Não é o caso do mistério de Deus. O
mistério de Deus não tem nada a ver com aquilo que desconhecemos e
precisamos decifrar. Deus não é decifrável; ele é muito maior do que nós, ele
nos ultrapassa. E por isso é mistério. Por mais que o conheçamos, por mais que
entremos em comunhão com ele, por mais que estreitemos laços com ele… ele
nos escapa. Seu amor é tão grande, tão sublime, tão gratuito que não dá para
entender. Não há explicação possível para sua bondade, para sua generosidade,
que se concretiza na encarnação de seu Filho e ganha máxima potencialidade na
cruz. No Calvário, Deus se entrega inteiro a nós por amor: isso é um mistério.
Mas esse mistério não é uma coisa incompreensível; ao contrário, se ele nos
ultrapassa, ao mesmo tempo, podemos experimentá-lo, podemos gozar da
presença maravilhosa de Deus.
Pois bem, iniciar na fé é introduzir as pessoas nesse mistério de amor. Mas, se
o mistério é inesgotável, contínua deve ser a iniciação. Ela não cessa jamais, pois
a fé é eterna iniciante. Não somos nunca cristãos maduros, capazes de dar conta
dos desafios da vida. Estamos sempre a caminho, à procura do Ressuscitado,
como disse Paulo aos Filipenses:
“Não penso que já alcancei o alvo, mas persigo-o insistentemente” (Fl 3,13-
14).
A catequese tem, pois, a tarefa maravilhosa de propor caminhos para esse
encontro com o mistério insondável de Deus. Sua missão é comunicar o amor de
Deus revelado em Jesus cristo pela força de seu Espírito. Não é primeiramente
35
ensinar doutrinas, dogmas, verdades morais ou mandamentos e preceitos. Se ela
também o faz, é exclusivamente porque a fé cristã não pode ser desvinculada da
vida eclesial, muito menos de um estilo de viver (a vida ética).
A fé cristã não é uma invenção, mas um patrimônio de uma comunidade
eclesial (sobre isso já falamos em artigo anterior intitulado “O prazer da
pertença”).
A catequese, como ação evangelizadora da Igreja, transmite a fé da Igreja, cria
condições para que ela seja experimentada. Ela testemunha a preciosidade da fé
e convida os catequizandos a fazer sua experiência cristã de Deus. A essa
experiência de encontro com Deus, damos o nome de iniciação. Sobre a
pedagogia mais viável para proporcionar esse encontro, falaremos nos próximos
artigos.
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ARTIGO 11
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ENCONTROS CATEQUÉTICOS I
Quando o objetivo da catequese era burilar a fé, ou seja, dar-lhe o
acabamento, o método catequético mais usado aproximava-se de um aula de
religião. A doutrina, os dogmas, a moral, as orações da Igreja e seus rituais
litúrgicos deviam ser ensinados aos catequizandos. Esse formato de catequese
ganhou força por ocasião do Concílio de Trento. Vamos entender isso melhor.
No século XVI, a fé cristã, antes professada somente no formato católico,
deparou-se com outra possibilidade: a fé cristã da Reforma Protestante. Isso
causou muita confusão, especialmente na cabeça do povo simples, que não
sabia distinguir uma coisa da outra. Preocupada com essa confusão e desejosa
de manter seus fiéis no seu redil, para que não debandassem na corrente
luterana que se formou, a Igreja deu logo jeito de providenciar um catecismo
que fosse fonte de esclarecimento para o povo.
Esta foi uma das tarefas do Concílio de Trento, que fez frente à Reforma
Protestante. Carlos Borromeu e alguns outros foram encarregados deste
trabalho e formularam o famoso Catecismo dos Párocos, um manual da fé
para os párocos ensinarem à sua gente após a Missa. Assim, após a
celebração, os párocos ensinavam a verdadeira religião para seu rebanho.
Este catecismo, porém, apesar de grande acolhida, encontrou resistências. Não
era lá muito fácil. Parecia a Suma Teológica de Tomás de Aquino, em linguagem
mais acessível, mas nem por isso era fácil. Nem todo mundo se adaptou. Foi aí
que Pedro Canísio fez um catecismo mais facilitado: um manual com perguntas
e respostas. Bingo! Bem na mosca! Agora sim, haviam acertado, pensavam eles.
O catecismo trazia a pergunta teológica que causava transtorno e a resposta
dava jeito de logo eliminar a polêmica. Tal catecismo facilitou muito a dinâmica
catequética.
A catequese se tornou sinônimo de catecismo, a tal ponto de a gente dizer
na infância: “Mãe, vou para o catecismo” e não “Mãe, vou para a
catequese”.
A pedagogia catequética que mais combinava com os catecismos era a
pedagogia do ensino. O foco dessa pedagogia eram o catequista e a verdade
que ele ensinava, não o catequizando. O catequista ensinava a fé, como numa
aula ao modo antigo. Para saber o catecismo, era precisoum esforço de
memória, de assimilação, de retenção do conteúdo. Mas não era preciso
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construir o conhecimento: as verdades da fé eram dadas, bastava acolhê-las na
obediência da fé.
Essa pedagogia considerava o catequizando como uma tábula rasa, ou seja,
um cabeça-oca da fé a quem era preciso ensinar tudo. A lógica era assim: Deus
havia revelado as verdades da fé à Igreja; a Igreja então compilou essas verdades
no catecismo, que fora confiado ao catequista; o catequista transmitia essas
verdades aos catequizandos e eles as guardavam na obediência da fé. Por isso, a
importância das perguntas.
Partia-se do princípio que as perguntas dos catequizandos eram as
perguntas do catecismo e não outras. Assim sendo, bastava guardá-las no
seu coração: decorar. Ou seja, a catequese era uma aula de religião
facilitada, com perguntas e respostas que eram anotadas no caderno e
decoradas em casa. Pensava-se que o catequizando já trazia a fé, a
experiência de Deus, vinda do seio familiar. Uma aula de religião era mais
que suficiente para burilar a fé.
Mas isso mudou… Essa mudança será tema do próximo artigo.
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ARTIGO 12
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ENCONTROS CATEQUÉTICOS II
Com a chegada da modernidade e a reviravolta antropológica causada pelo
iluminismo, a pedagogia do ensino se viu desacreditada. Pedagogos e psicólogos
perceberam que havia algo errado.
O aprendiz não é um ser passivo que apenas acolhe, apreende, assimila,
decora o que foi ensinado. Ele, a partir de suas próprias categorias, constrói
seu conhecimento, afirmaram eles.
Então, houve uma reviravolta pedagógica e a catequese não ficou fora dela.
Outra pedagogia catequética se impôs: a pedagogia da aprendizagem. Nessa
pedagogia, o foco era bem outro: não o catequista, nem a verdade que ele
ensina, mas o catequizando que constrói seu conhecimento, sua experiência de
fé. Surgiram, a partir daí, muitos catecismos ou manuais catequéticos, cada qual
adaptado à realidade do catequizando, partindo da realidade social, cultural e
política na qual o catequizando estava imerso. Houve um avanço sem conta.
Apesar de todos os avanços, a catequese continuou entendida como aula,
um lugar para conhecer as coisas de Deus, para aprender a religião.
Certamente, o foco era outro.
Nessa pedagogia, a religião não era só acolhida na obediência da fé; era
construída passo a passo, a partir da experiência concreta da vida dos
catequizandos. Mas, mesmo assim, a preocupação em dar as razões da fé não
era pequena. Ao contrário, crescia cada vez mais. Não era possível ficar satisfeito
com as respostas prontas que haviam sido dadas tempos atrás. A fé exigia
reflexão, interpretação, justificação e razoabilidade; não era mais possível crer
numa fé absurda em nome do mistério de Deus. Entendeu-se que Deus se fez
homem, assumiu a realidade humana e essa realidade inclui com certeza a
razão. Deus não pode ser contra a razão; a fé não pode ser contra a ciência; a
experiência humana não é alheia a Deus.
Essas inovações fizeram história, mas mesmo assim a catequese continuou
sendo aula; uma aula mais moderna da qual o catequizando era parte
integrante.
A doutrina cedeu lugar à mensagem evangélica. O relato evangélico passou a
ser entendido como fruto da cultura e da experiência humana, concomitante à
inspiração divina. A hermenêutica se tornou peça fundamental dessa catequese.
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Mas, mesmo assim, o catequizando continuou tendo aulas de catequese,
continuou sendo um aluno. Certamente, um aluno que protagoniza seu
conhecimento, mas ainda assim um aluno que busca conhecer a religião ou
Deus, como se Deus fosse uma incógnita a ser encontrada. A pedagogia da
aprendizagem deu passos gigantes, mas ainda deixou uma lacuna. A iniciação,
que é bem mais que ensino ou aprendizagem, apesar de contemplar também
essas facetas, não aconteceu. A iniciação está no âmbito do encontro com Deus
e não da aula de religião. Este assunto vem nos próximos artigos.
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ARTIGO 13
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A MUDANÇA EPOCAL
Se tem algo que anda falado por aí é a tal mudança epocal, expressão que
aparece vez ou outra nos documentos da Igreja e em muitos textos teológicos.
Para falarmos da necessidade de uma catequese sob outro formato,
precisamos antes compreender as mudanças do mundo.
Na cristandade, evangelizamos com a força dos catecismos e priorizamos a
pedagogia do ensinamento, cuja preocupação era transmitir as verdades da fé.
Na modernidade, evangelizamos a partir da realidade do catequizando:
admitimos que o conhecimento tem bases na experiência cognitiva do próprio
aprendiz e percebemos que sua história é ponto de partida para toda reflexão.
Mas, diante de tão grandes mudanças, será que esses paradigmas catequéticos
ainda dão conta do mundo pós-moderno, também caracterizado como pós-
cristão? Parece-me que os caminhos outrora percorridos – todos com valor
reconhecido para seu tempo – não têm mais respaldo diante do mundo em
mudanças que ora se delineia aos nossos olhos.
Mas o que mudou? Houve mudanças somente no campo tecnológico, no
campo da ciência, dos costumes e da moral?
Não! Hoje, as mudanças são bem mais significativas: o modo de ver a vida
mudou, os valores mudaram, os parâmetros que tínhamos para avaliar e
mensurar a vida também mudaram. A linguagem mudou, a gramática
existencial mudou, ou seja, nosso modo de nos posicionar diante da vida,
das pessoas, das coisas…
Tudo mudou e não seria razoável continuar o trabalho catequético sem
considerar essa nova realidade. Para cada tempo, uma evangelização própria.
Vejamos, pois, algumas características do mundo contemporâneo que devem ser
levadas em consideração na hora de escolher o modo de evangelizar.
Nosso mundo é complexo, plural, multirreferencial, bem diferente dos
tempos anteriores – tanto da cristandade quanto da modernidade – ainda
bem homogêneos.
Na cristandade, a formatação do mundo era dada por Deus e seus afins:
religião, Igreja, fé, etc. Na modernidade, a razão tornou-se responsável por esta
tarefa, juntamente com a técnica, a ciência e o progresso. Hoje, porém, a
uniformidade é algo que escapa ao mundo. As referências do sujeito – antes
44
postas em Deus ou na razão –, migraram para sua interioridade, para sua
subjetividade. E, como cada cabeça é uma sentença, a pluralidade floresceu,
desabrochou vigorosa, exigindo seus direitos. É tal essa mudança que, mais
importante que a religião ou que o próprio Deus, é a liberdade religiosa, o
direito de expressar a fé, de crer ou, inclusive, de não crer.
Ora, se a cristandade ficou na quimera e se a modernidade perdeu seu elã, não
adianta mais evangelizar a partir do parâmetro dessas duas realidades.
É tempo de aceitar que vivemos em tempos de secularização galopante e
que essa nova realidade não é inimiga da fé cristã, nem profetiza o fim do
cristianismo.
Ao contrário, tal mudança poderá ser uma chance maravilhosa para a fé cristã:
uma oportunidade única para o anúncio do evangelho. Nos próximos artigos
falaremos sobre essas mudanças e os desafios que o tempo atual impõe à
catequese.
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ARTIGO 14
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UMA CHANCE PARA A FÉ
A fé cristã sempre se assentou sobre o chamado de Deus à humanidade e
sobre a resposta da humanidade ao seu Senhor.
O chamado de Deus não acontece no exterior daquele que o escuta, mas
no mais íntimo do coração humano que, sendo transformado pela presença
de Deus, é capaz de atender a seu apelo de amor.
Se, em outros tempos, a catequese se baseou na difusão de doutrina e dogmas
ou na luta por melhores condições de vida, era porque entendia que o apelo do
coração já estava, de alguma forma, respondido pelo meio cultural no qual se
estava imerso ou pela abertura de todo ser humano a Deus, que o impelia para
o transcendente e suas causas, numa espécie de humanismo cristão. O modelo
catequético que resultou não só da cristandade mas também modernidade
(Renovação Catequética) pressupunha a fé católica ativamente presente no
catequizando.
Hoje, no entanto, bem longe de uma sociedade cristã, está nossa sociedade
secular. E cada um de nossos contemporâneos vive bem distante daqueleser
humano cheio de sonhos e projetos cristãos.
Nem a cultura é cristã, nem as pessoas são cristãs.
O Deus de Jesus Cristo se tornou um Deus-desconhecido, a quem a
humanidade atual precisa ser apresentada.
Esta realidade, desafiadora e intrigante, não é má, nem coisa do diabo. É só
um tempo com seus limites e possibilidades como qualquer outro.
Se a catequese quer ter chance hoje, deve ver as possibilidades incríveis que
este tempo lhe proporciona.
O evangelho – que sempre foi força para viver – tem espaço garantido neste
mundo turbulento, diversificado e plural. No momento em que nossas
referências sociais, familiares e culturais tendem à ruína, o evangelho pode
manifestar toda sua força. Para isso, primeiramente devemos reconhecer que
não estamos só diante de um problema de método.
Não basta trocar o modo de dar catequese, mas é preciso rever a
pertinência do que tem sido anunciado.
Nossa gente não busca mais uma religião pronta, que dê normas, regras e
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princípios doutrinários, mas um espaço para experimentar a força do amor que é
própria do evangelho.
Mas como fazer isso? Bom, primeiramente teremos que rever nossos métodos,
sempre tão absolutos, e reconhecer que a fé cristã não é mais uma herança
cultural, mas uma proposta em meio a tantas outras.
O mundo plural hoje obriga a fé cristã a uma atitude de humildade.
Podemos propor a fé, mas é só o que podemos fazer. A fé cristã vai se impor,
vai encontrar respaldo ou não na sociedade, apenas se ela for força para viver
neste mundo conturbado e sem referências estáveis. Aliás, a instabilidade do
mundo e das instituições não desfavorece o anúncio do evangelho, ao contrário
ela o facilita. A boa nova de Jesus, seu amor desmensurado pelo mundo e sua
proposta de amar sem medidas podem ser a força que muita gente procura, a
razão para sua vida, tão marcadas pelo niilismo e pela falta de sentido. E
parafraseando o Evangelho de Lucas, tendo a concordar com Karl Rahner,
quando afirmou que “há mais alegria por um só cristão convertido, que de fato
fez a experiência do encontro com Deus, do que por noventa e nove que
receberam a fé como herança da cristandade”. Pensemos nisso!
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ARTIGO 15
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A FÉ COMO PROPOSTA
Diante de tantas mudanças que observamos, seria totalmente imprudente
imaginar que a fé cristã continua se difundido pela força da sua tradição como
outrora, ou seja, por osmose social. A fé cristã aparece no atual cenário
multirreferencial religioso como uma proposta entre tantas outras.
Na grande feira do mundo, a barraca da fé cristã não é mais a única opção
como já fora um dia, como a única opção para a vida plena.
Muita gente tem encontrado a paz, a alegria de viver e a vida em plenitude em
outros caminhos… E mais: a Igreja Católica não detém o monopólio da fé cristã.
Dentro do universo cristão, outras estrelas têm atraído olhares curiosos, corações
sedentos de verdade e paz. A Igreja Católica perdeu sua hegemonia. E isso não
é ruim; nem bom nem mal; apenas está aí e com essa realidade devemos viver.
Se soubermos entender bem o momento que vivemos, essa situação pode
favorecer a difusão da fé cristã, como falamos no artigo anterior. Ora, se a fé
cristã, especificamente a fé católica – pois falamos de catequese da Igreja
Católica – não se impõe mais por força da tradição, como fazer para transmitir a
fé?
A primeira atitude importante de um evangelizador, um catequista, é a
postura humilde diante do mundo e de suas múltiplas ofertas religiosas.
Não somos os únicos a ofertar uma possibilidade de paz; nem os únicos que
buscamos a verdade. A fé cristã é mensagem de amor sem medidas, de um
Deus tão apaixonado por nós que ele próprio não se impôs como obrigatório.
Deus criou e recria o mundo, amou-o e continua amando-o em Cristo,
santificou-o e continua santificando-o pelo Espírito. Mas é bom perceber que,
nesse movimento de amor, a marca maior de Deus é a oferta: Deus se oferece,
não se impõe. Essa deveria também ser a marca da fé cristã: a oferta.
A catequese transmite a fé cristã, que não deve ser entendida como
imposição, como necessidade.
Sua aceitação deveria acontecer pela força de sua proposta, pela beleza de sua
mensagem, pela atração de seu amor… O evangelho não é uma doutrina que
tem que ser acolhida; é uma proposta de vida que é aceita, amada. Ela não
precisa de imposições para encontrar seu espaço na sociedade. O próprio Deus
da fé seduz, conquista, atrai aqueles que escutam sua mensagem. Se a
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catequese hoje admite essa verdade, mudam-se os caminhos catequéticos.
Deixamos os caminhos tradicionais da catequese e passamos à catequese da
proposição: propomos a fé cristã no que ela tem de mais belo e radical (inclusive
suas exigências) e acreditamos que sua força de atração agirá. Deus mesmo vai
seduzir os corações para acolher sua palavra de vida, pois ela é força para viver,
como ele próprio seduziu cada um de nós e nos atraiu a ele. Confiemos nisso!
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ARTIGO 16
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A FORÇA INSTITUINTE DO CRISTIANISMO
No artigo anterior, falamos sobre a catequese da proposição.
A fé cristã é uma oferta de Deus aos homens, sem nenhuma imposição da
parte dele, e o mesmo deveria acontecer na prática catequética.
O ato catequético, por causa da gratuidade do amor de Deus, favorece o
exercício da liberdade, da acolhida, sem constrangimentos, sem demarcações
desnecessárias – só as que são próprias do amor! –, sem estreitezas
institucionais ou históricas, sem coerção dogmática ou violência simbólica.
Vivemos outrora, tempos em que o cristianismo era uma força instituída na
sociedade. Com isso, a fé cristã se impunha por força dessa presença
institucional.
Uma força instituída é aquela cujas bases estão muito bem assentadas na
história, em que o espaço da instituição se encontra estabelecido e a
instituição não sofre ameaças de fora que venham a desacreditá-la.
O cristianismo – e a fé cristã, consequentemente – gozava de privilégios na
sociedade tradicional e até mesmo na sociedade moderna. Na sociedade
moderna, a força do cristianismo advinha de sua mensagem humanizadora; a fé
cristã foi entendida como humanismo cristão e, mesmo com toda secularização,
não lhe faltava o respeito da sociedade, exceto de alguns poucos que lhe faziam
oposição frontal. Entendia-se, com isso, a Igreja como instituição digna de
credibilidade, pois portadora de uma mensagem que humanizava, que trazia
melhores condições de vida ao meio no qual ela se estabelecia, graças à sua
defesa dos valores humanos. Mas, hoje em dia, nem isso sobrou ao cristianismo.
O tempo mostrou que é possível ser humano sem ser cristão, pois ONGs sem
nenhuma vertente cristã deixaram marcas maravilhosas de humanismo na
história e homens não-cristãos viveram e defenderam valores verdadeiros com a
própria vida.
Vivemos, pois, atualmente num mundo pós-cristão, no qual o cristianismo
não é mais força instituída, mas força instituinte.
Mas o que é isso? Uma força instituinte é uma força que não ordena mais o
mundo, mas nem por isso perdeu sua potência. Observemos que o mundo
secularizado e sem Deus não permite mais pensar a fé cristã como ordenadora
da vida cultural, social, política e econômica como já foi um dia.
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De uma situação fortemente instituída, bem estabelecida e com
reconhecimento, o cristianismo pode se tornar efetivamente instituinte.
Para isso, há de pagar um preço: reconhecer que foi destituído por outras
forças instituintes da sociedade, que funcionam muito bem sem ele e contra as
quais o cristianismo não pode grande coisa. O mundo não precisa mais da
hipótese Deus para se manter, para se explicar, para se humanizar. Essa
humildade é condição imprescindível para uma boa catequese hoje. Deixemos a
catequese da obrigação e da imposição da fé cristã para a catequese da
proposição da fé. Esse é grande passo catequético, muito importante para
nossos tempos!
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ARTIGO 17
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O ENCONTRO COM DEUS
O cristianismo não se estabelece mais na sociedade como força instituída, mas
pode revelar toda sua força instituinte, se deixarmos o evangelho virà tona com
todo seu poder sedutor.
O evangelho de Jesus Cristo é força para viver!
Milhares e milhões de pessoas já encontraram a razão de suas vidas nessa boa-
nova e os Evangelhos canônicos não se cansam de mostrar isso, em cada relato,
em cada ensinamento, em cada discurso… Jesus é aquele que vai ao encontro
do ser humano caído, sofrido, machucado… e cura-lhe as feridas e lhe enfaixa
as machucaduras. E, nesse encontro, a vida desabrocha, recomeça…
O evangelho, a boa-nova que é o próprio Jesus, faz viver, pois ele mesmo é
a vida.
Eis, pois, a tarefa principal da catequese: tornar conhecida essa boa-nova que
faz viver. Mas essa boa-nova não é um preceito moral, nem uma doutrina; é o
encontro com uma pessoa: Jesus Cristo.
Promover o encontro com Jesus Cristo, o filho querido de Deus, nosso Pai,
que nos ama, nos acolhe e nos estende sempre sua mão é a tarefa mais
nobre e mais sublime do ato catequético.
Como, porém, promover esse encontro? Basta ensinar o catecismo, com seus
dogmas, doutrinas, mandamentos, ritos e orações? Basta refletir sobre a
realidade humana e suas vertentes, dando voz ao catequizando para que retome
suas realidades e, a partir delas, construa sua experiência religiosa? Parece que
não! Apesar do valor de todas essas coisas, a experiência cristã de Deus não se
dá pelo conhecimento da doutrina, nem pela reflexão elaborada da realidade.
A experiência cristã de Deus acontece por pura gratuidade de Deus.
Por ação do Espírito, o Filho se faz conhecer e nos mergulha no mistério de
amor do Pai.
O catequista hoje é convidado a ser muito mais que um professor que ensina a
religião. É também convidado a ser muito mais que um orientador que
acompanha os passos e as descobertas de seu aprendiz. O catequista é
convidado a ser um mistagogo: aquele que introduz o outro no mistério. E essa
introdução no mistério não se dá senão pelo testemunho sedutor daquele que
56
vive o próprio mistério, daquele que se regozija nessa experiência e encontra
nela seu sentido. O próprio catequista, ao promover o encontro de seus
catequizandos com Jesus Cristo, refaz sua experiência, reencontra Jesus em cada
encontro com seus catequizandos… Tomemos a sério esta tarefa catequética:
promover o encontro com Deus que é amor, por meio de Jesus Cristo, na ação
do Espírito que não cessa de nos interpelar e agir em nós.
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ARTIGO 18
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FALAR AO CORAÇÃO
A tarefa mais urgente da catequese hoje é promover o encontro com Jesus
Cristo, favorecer ocasião para que o catequizando faça sua experiência cristã de
Deus. Ora, tal experiência não acontece desde fora, mas desde dentro: lá no
íntimo do coração onde Deus habita.
Nosso Deus é um Deus que fala ao coração; que se manifesta na
interioridade, no escondido da consciência.
Eis o mistério cristão: um Deus gigante, transcendente, maior que tudo e
todos, faz morada em nosso íntimo e se revela no escondimento de nosso
interior, e o faz de forma discreta, singela, quase imperceptível.
Esse mistério do Deus revelado não é inacessível aos catequizandos, mas
também não é evidente à primeira vista. É preciso ser iniciado no mistério para
se deixar penetrar por ele. O mistério não se conhece pela capacidade da razão
ou por esforço, por méritos morais ou aprofundamentos doutrinários. A pessoa
é iniciada no mistério, mergulhada nele. Ele se revela à medida que é acolhido e
que a pessoa se deixa contagiar, se deixa ser seduzida por ele. Na humilde
atitude de acolhida, o mistério é vivido.
Quem o acolhe se envereda por caminhos desconhecidos, cujos significados
ganham sentido ao longo do trajeto.
O mistério transcende o indivíduo; ele escapa à razão e só se deixa conhecer na
interioridade de cada um. Certamente, ele fala mais ao coração que à razão,
pois é o próprio Deus que se dá a conhecer como puro amor em seu filho Jesus
Cristo; e essa realidade ultrapassa qualquer explicação que a razão poderia
ensaiar, tendo sentido somente para o coração que se inclina diante dele. É
preciso ser iniciado no mistério para acolhê-lo.
Quando falamos em iniciação, pensamos em mergulho num banho de
significações que a pessoa não pode inventar nem descobrir por si mesma.
Quando experimenta esse mergulho no mistério, o iniciado decide se quer esse
estilo de vida para si ou não. Ele experimenta a fé, saboreia a presença de Deus
na qual a comunidade vive mergulhada, nutre-se do alimento da Palavra que é o
pão cotidiano da comunidade crente. As explicações, as formulações necessárias
que tentam dar as razões da fé, não ficam esquecidas, mas o mergulho no
mistério as precede. Os preceitos, os contratos, as obrigações não foram
eliminados, mas tornam-se consequência do estilo de vida abraçado.
59
Nesse processo, percebe-se que é mais importante sentir e experimentar
que conhecer e refletir.
Não que o conhecimento ou a reflexão não sejam necessários, mas ganha valor
incomensurável a conhecida expressão de Santo Agostinho que, ao fazer sua
experiência de fé, exclamou: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova!
Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do
lado de fora” (Conf. X, 27, 38). É preciso se deixar amar por Deus e também
amá-lo. É preciso se deixar conhecer e, em reposta, buscar conhecê-lo. Mas
conhece-se a Deus sentindo e experimentando sua presença amorosa e não
especulando doutrinas e desvendando dogmas. O encontro com Deus acontece
no sacrário da interioridade, por meio da acolhida da presença de Deus que se
oferece a nós como dom e não por meio de elaborações esclarecidas acerca da
fé, apesar de essas serem também necessárias.
Sobre esse encontro com Deus que se dá na interioridade, falaremos mais nos
próximos artigos.
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ARTIGO 19
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DESAFIO DA INTERIORIDADE
“O mundo mudou muito”, quase todo mundo concorda com essa afirmação.
Uma das mudanças mais notáveis é que hoje não podemos mais nos fiar numa
ordem das coisas, como nos tempos de outrora, quando tudo parecia estável
ou, pelo menos, previsível. Não contamos mais com um farol na hora de atracar
o barco de nossa vida.
Nós nos tornamos o único autor de nossas escolhas morais e existenciais,
pois vivemos hoje alienados de pertenças familiares, sociais, religiosas ou
políticas.
Não dispomos mais de referências estáveis; as que nos sobraram são sempre
mais provisórias. E, apesar da multiplicidade de referências, nenhuma delas tem
peso definitivo e isso nos confunde, exigindo-nos uma tomada de decisão para
traçar os rumo de nossa vida.
Diante desse quadro, nós nos vemos obrigados a buscar dentro de nós as
referências que não são mais visíveis desde fora. É, no interior de cada um, que
reside a baliza que orienta a vida. Ora, construir esse quadro de referências lá na
interioridade não é trabalho fácil; ao contrário, é tarefa árdua e para toda a vida,
que exige autoconhecimento, além de coragem para fazer as escolhas e
autenticidade para assumi-las. Há um caminho peregrino para o interior de nós
mesmos que o tempo presente nos interpela a fazer, ou seremos estraçalhados
pela sociedade multirreferencial que nos dá mil possibilidades, mas também nos
atordoa. Eis o desafio da interioridade.
Não é no exterior que se encontram as respostas buscadas, mas lá dentro
de nós, no íntimo de nosso coração, na identidade escondida de cada um.
Tal desafio não pode ser ignorado pela catequese a não ser ao preço de a fé
cristã que ela transmite cair no descrédito. Na catequese, também o caminho
interior se impõe. A catequese é convidada não a dar respostas prontas para
seus catequizandos, mas a ajudá-los a encontrar tais repostas dentro de si, a
partir da experiência cristã de Deus que vão fazendo no percurso catequético. A
catequese não está sem recursos diante desse desafio, pois é no íntimo do
coração que Deus mora; é a partir de lá que ele fala na primeira pessoa com
cada um dos catequizandos, interpelando-os a responder a seu apelo.
Eis por que hoje – ainda mais que em outros tempos – a catequese é
interpelada a se des-escolarizar. Não é na exposição dogmática e doutrinária de62
temas religiosos que experimentamos a presença do Ressuscitado, mas no
diálogo, na partilha, na oração, no silêncio, no canto, nas atividades
pedagógicas, na escuta da Escritura…
Eis por que hoje – ainda mais que em outros tempos – a catequese é
interpelada a se des-escolarizar. Não é na exposição dogmática e doutrinária de
temas religiosos que experimentamos a presença do Ressuscitado, mas no
diálogo, na partilha, na oração, no silêncio, no canto, nas atividades
pedagógicas, na escuta da Escritura…
Deus, que é mistério de amor, vai envolvendo-nos com sua presença
amorosa.
A catequese tem muito a contribuir nesse processo de interiorização, desde
que não queira impor – em nome da fé – respostas prontas. O Deus-amor, que a
catequese anuncia e que é íntimo ao coração, precisa ser conhecido, acolhido,
escutado… Para nós cristãos, é ele mesmo quem vai nos ajudar a construir nossa
interioridade, dando-nos coragem para abrir mão de uma vida sem significado e
para recomeçar nossos caminhos a partir de dentro.
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ARTIGO 20
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DESAFIO QUERIGMÁTICO
Em tempos de cristandade, quando toda a sociedade respirava ares de
cristianismo, o anúncio primeiro da fé parecia dispensável. Mas não mais agora,
em mundo pós-cristão, quando a secularização da sociedade tirou as evidências
da fé de debaixo de nossos olhos, trazendo consequentemente a perda da
memória cristã.
Para nossos contemporâneos, o Deus cristão não é mais conhecido; a fé
cristã se tornou artigo de luxo e a lista dos não-apresentados pode ser maior
que se mostra à primeira vista.
Esse quadro atual desafia a catequese a dar aos processos de transmissão do
evangelho uma orientação mais querigmática que antropológica. Mas o que é
isso? Vejamos!
Na modernidade, enquanto a sociedade passava pelo processo de
secularização, o homem moderno ainda conservava as raízes da fé cristã no seu
interior. Ainda fossem negadas, elas estavam lá como memória, como recurso
disponível para orientar a vida. Ora, quando a razão ocupava o centro de tudo,
era urgente mostrar a razoabilidade da fé, dar as razões do crer. Por isso a
catequese ganhou uma orientação antropológica. Partindo da realidade do
catequizando, buscava-se chegar a Deus. Ganhou espaço uma catequese mais
indutiva, mais humanista, mais baseada nas verdades universais que
transcendem a fé cristã.
Hoje, desconfiados da razão e já sem a memória cristã de outrora, nossos
contemporâneos querem mais que muitas razões para crer: querem fazer a
experiência cristã de Deus, desde o coração, pois não buscam razões para
crer, mas força para viver. Daí a necessidade de anunciar Jesus Cristo, ou
seja, sua vida, morte e ressurreição, para nossos contemporâneos.
A catequese hoje se vê desafiada a apresentar Jesus Cristo a nossos
contemporâneos. Não cabe mais a ela a tarefa de burilar a fé, de dar-lhe
acabamento, pois a fé cristã não é mais um pressuposto no nosso meio. Ela
desapareceu do horizonte de nossos catequizandos. Jesus para eles não é
ninguém mais que um super-herói, ou um humanista, ou um líder religioso de
peso. Ele é alguém que ficou no passado. Para a maioria de nossos
contemporâneos, a fé cristã se tornou lenga-lenga que não fala ao coração, um
blá-blá-blá moralista que não tem nada a ver com nossa vida, um conjunto de
65
doutrinas caducas sem pertinência. Anunciar Jesus Cristo, morto e ressuscitado,
como aquele que dá sentido às nossas vidas é mais que urgente. A essa tarefa
damos o nome de desafio querigmático. E, a esse desafio, a catequese não pode
mais se furtar ou não cumprirá sua função primeira: propor a fé cristã, dar
condições para que cada catequizando faça seu encontro pessoal com Jesus
Cristo vivo.
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ARTIGO 21
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DESAFIO EDUCATIVO
Além dos dois desafios já citados – desafio da interioridade e desafio
querigmático –, a catequese atual se vê ainda diante de outra grande tarefa:
achar uma pedagogia compatível com o anúncio da fé cristã, para viabilizar o
anúncio do evangelho, a boa nova de Jesus Cristo. Trata-se do desafio educativo
da catequese.
Quando a secularização crescia a passos velozes e muitos apostavam no
declínio da fé, foi preciso dar traços antropológicos à catequese. A pedagogia da
aprendizagem tornou-se a mais apropriada para comunicar os valores cristãos,
pois valorizou a condição do catequizando, colocando o foco na sua realidade
(catequese antropológica).
Essa pedagogia humanista parecia oportuna para tempos em que a luz da
razão ocupava o centro de tudo.
Com o apagamento da memória cristã e o descrédito da razão para dar
resposta aos anseios mais profundos da humanidade, a pedagogia da
aprendizagem também entra em crise. Se, de fato, a catequese deve
proporcionar a experiência de Deus em Jesus Cristo, que os contemporâneos
ainda não fizeram, a pedagogia da aprendizagem não dá conta dessa tarefa.
Sabemos que o encontro com o Ressuscitado ultrapassa todo entendimento,
apesar de o pressupor. A catequese querigmática atua, então, mais no campo
da acolhida do mistério que no campo da racionalização da fé, apesar de todo
esforço para dar suas razões. Na catequese atual, a categoria de mistério se
apresenta inegociável; ela é seu cerne, seu cume.
A fé cristã não quer eliminar o mistério, pois ela não o entende como um
enigma a decifrar, nem uma ilusão a denunciar.
Esse mistério do Deus revelado não se conhece pela capacidade da razão ou
por esforço. A pessoa é iniciada nele. O mistério se revela à medida que é
acolhido e a pessoa se deixa penetrar por ele. Na humilde atitude de acolhida, o
mistério é vivido. Quem o acolhe se envereda por caminhos desconhecidos,
cujos significados ganham sentido ao longo do trajeto. O mistério escapa à
razão e só se deixa conhecer no íntimo do coração. Ele é o próprio Deus que se
dá a conhecer como puro amor em seu filho Jesus Cristo; e essa realidade
ultrapassa qualquer explicação que a razão poderia ensaiar, tendo sentido
somente para o coração que se inclina diante dele.
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Se o desafio da interioridade nos impõe a árdua tarefa de construir nossas
referências, pois elas não nos são dadas mais pela sociedade; e o desafio
querigmático arranca-nos o costume de apenas burilar a fé, exigindo de nós o
anúncio explícito do mistério pascal por meio do testemunho da fé; o desafio
educativo nos leva a pensar que os processos do ensino e da aprendizagem não
dão mais conta dos anseios do homem atual, que prefere experimentar a fé a
explicá-la.
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ARTIGO 22
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DESAFIO COMUNITÁRIO
Não incomum se tornou a reclamação de que as gerações mais jovens não têm
laços de pertença, que não se identificam mais com as instituições, que entram e
saem delas conforme suas conveniências. De fato, todos nós notamos que os
vínculos institucionais se encontram afrouxados. Já foi o tempo em que a gente
se identificava pela pertença institucional: “sou católico” ou “sou da família
Correia” ou “sou professor”. Atualmente, podemos ser o que quiser; nossa
liberdade – como já dissemos – se tornou nossa maior obrigação.
Os laços que nos prendiam e davam as balizas do nosso ser, que
direcionavam nossas escolhas, enfraqueceram-se. Temos dificuldades para
estreitar esses laços, para manter vínculos comunitários, até porque – hoje
em dia – a vida muda rápido demais e a pertença a um grupo acaba sendo
provisória.
Mas como falar em fé cristã sem pertença, se a fé cristã é essencialmente
eclesial? A fé que professamos, nós não a inventamos, nós a recebemos, foi-nos
transmitida por uma comunidade eclesial, que a recebeu de outros e que a
recebeu de outros… E veio sendo transmitida desde os apóstolos até chegar até
nós.
A fé cristã, apesar de ser resposta pessoal a Deus, é comunitária; é
patrimônio dos que creem, ou seja, da Igreja. Por meio dela é que fomos
interpelados pelo Deus de Jesus Cristo e demos a ele nosso assentimento de
fé.
A catequese transmite a fé cristã quando proporciona oportunidade para que
as pessoas possam entrar em contato com o Deus de Jesus Cristo, experimentá-
lo, amá-lo, conhecê-lo. A fé que a catequese transmite é a féda Igreja, assumida
e professada pelo catequista e pela turma de catequese. Ora, então, como fazer
tal transmissão em tempos que não favorecem os laços comunitários? Em
tempos que – como dizem alguns pessimistas – o individualismo tomou conta
do cenário social e as novas gerações não têm instinto gregário?
Certamente, as motivações dos laços comunitários devem ser bem outras. A
pertença institucional não se dá mais por vínculos contratuais imutáveis como
outrora, nem na família, nem na sociedade, nem nas igrejas. Ela se dá pelo
desejo de pertencer, pelo prazer do convívio, pela alegria da partilha, pela
identificação com o grupo que deve afirmar a interioridade do sujeito e não
71
sufocá-la. As novas gerações não são avessas à pertença, como dizem alguns. Só
não querem mais aquele modelo institucional oferecido em outros tempos.
Querem comunidades mais abertas, mais livres, que sejam espaços sem
violência simbólica, onde cada um possa ser o que quer ser (ou o que
consegue ser).
Em vez de cobrar pertença das gerações jovens, o que parece ser inútil, as
comunidades eclesiais devem ser esses espaços de convívio e ajuda mútua,
espaços para de amor e comunhão, muito mais que espaços das obrigações
impostas, formais e contratuais. Afinal, o que é o cristianismo senão a religião
do amor e do respeito ao outro? O que fez Jesus senão resgatar o outro de suas
misérias e lhe oferecer espaço para desabrochar seu melhor eu? Os laços
comunitários, dizem alguns, estão comprometidos. Eu diria: os laços contratuais,
talvez; os de amor, jamais!
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ARTIGO 23
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EM BUSCA DE UM NOVO PARADIGMA
CATEQUÉTICO
Tudo ao redor mostra que os paradigmas catequéticos herdados de tempos
anteriores caminham para a falência. As novas gerações se interessam cada vez
menos pelo anúncio da fé cristã e, quando aceitam participar da catequese,
quase sempre é por uma motivação meio estranha e não por interesse genuíno
no que lhes é anunciado: receber um sacramento, cumprir um ritual familiar,
manter as tradições, encerrar um ciclo iniciado, cumprir um rito meio mágico ou
supersticioso etc. Tendo se sujeitado aos modelos que as comunidades eclesiais
oferecem, as crianças, jovens e até mesmo os adultos mostram-se aflitos para
encerrar o itinerário proposto e verem-se livres das obrigações catequéticas
impostas. Poucos perseveram depois dos sacramentos; a maioria dá adeus
definitivo à comunidade eclesial na crisma ou até mesmo na primeira comunhão
e, para muitos, última comunhão.
Além disso, a catequese com adultos é praticamente inexistente e a
dedicação quase exclusiva da catequese às crianças já sinaliza a falência dos
paradigmas que aí estão. Então, o que fazer? Parece que é tempo de
arriscarmos em novos paradigmas catequéticos, pois, ainda que
desconhecidos, podem oferecer ares novos à Igreja.
Deixar um paradigma certeiro para ir ao encontro de outro desconhecido é
sempre arriscado. Os paradigmas anteriores certamente se firmaram por
oferecerem conquistas importantes; nenhum deles se estabeleceu sem
apresentar resultados positivos, sem ajudar a encontrar respostas para
problemas antigos. É o caso do paradigma da renovação catequética, aqui no
Brasil conhecido como Catequese Renovada ou Catequese Libertadora. Esse
paradigma fez conquistas maravilhosas; ajudou a superar aquele modelo
doutrinário do catecismo de Trento, quando propôs uma catequese que unisse
fé e vida.
Mas os tempos mudaram e as conquistas da renovação catequética não
podem se tornar agora um obstáculo epistemológico para novas conquistas.
Mas o que é isso: obstáculo epistemológico? Um obstáculo epistemológico é
um impedimento do conhecimento, do pensar… Pode acontecer de ficarmos
tão felizes com as conquistas anteriores, que nos prendemos a elas. Aí elas nos
impedem de pensar novas possibilidades, novos caminhos, pois o conhecimento
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adquirido se cristaliza, fica engessado e não nos permite mais pensar o novo.
É o caso da pedagogia da aprendizagem que se firmou com a catequese
renovada aqui no Brasil, suplantando a pedagogia do ensino – própria dos
catecismos. Certamente, essa pedagogia deu sua contribuição quando
considerou o catequizando como sujeito de seu próprio conhecimento. Mas,
hoje em dia, tal pedagogia já exige ser repensada. Em tempos de pós-
cristandade, fala mais ao homem pós-moderno a pedagogia da iniciação, que
favorece seu mergulho no mistério pascal. A pedagogia da iniciação se
apresenta hoje como a aquela que melhor favorece a transmissão da fé cristã,
pois possibilita o encontro do catequizando com Deus. É hora de dar passos
nessa direção!
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ARTIGO 24
76
PEDAGOGIAS CATEQUÉTICAS
Ao se falar em novo paradigma catequético, certamente o pensamento voa
logo para o campo pedagógico da catequese. O ato catequético é o exercício da
comunicação da fé, da transmissão da fé apostólica recebida, do testemunho da
experiência cristã de Deus, que se dá por meio do anúncio da transformadora
palavra do evangelho.
Como comunicar essa fé? Como transmiti-la? Como testemunhar a experiência
do encontro com Jesus Cristo Ressuscitado que transformou nossas vidas?
Como ajudar alguém a se abrir para experimentar a força do evangelho que faz
viver, que ressignifica toda a existência da gente? Certamente há várias
pedagogias que são capazes de levar ao conhecimento. Mas o conhecimento de
Deus pode ser favorecido por qualquer caminho pedagógico?
A fé cristã, que a catequese comunica, se sustenta no princípio da
revelação. Entendemos que não somos nós que, por nossa força e
capacidade, conhecemos a Deus, mas – ao contrário – estamos convictos
que Deus mesmo, na sua bondade, se autocomunica, se revela, entra em
relação conosco. Se é assim, seria estranho enclausurar Deus em nossas
pedagogias, como se ele só conhecesse um caminho e só pudesse se dar a
nós por uma via, por meio de uma didática ou metodologia. Deus, de mil
caminhos e de mil maneiras, se dá a nós.
Se essa é nossa alegria, é conveniente também lembrar que, apesar dessa
liberdade de ação de Deus, há caminhos catequéticos mais oportunos que
outros para comunicar a fé. O Diretório Geral da Catequese fala que há uma
“pedagogia original da fé”, uma pedagogia que favorece sobremaneira essa
experiência. Logo, nem toda pedagogia favorece a comunicação da boa-nova
que é o mistério pascal. Por ser algo bem maior que nós e que nos envolve, o
mistério não cabe em nossa compreensão. Nenhuma formulação dá conta de
dizê-lo; nenhuma definição dogmática dá conta de esgotá-lo. Tal é o amor de
Deus e sua manifestação entre os homens – seus amados – que toda tentativa
epistemológica fica sempre devedora do tamanho desse mistério. Eis porque a
transmissão da fé exige algo mais que um caminho que faça a gente entender
ou decorar a verdade, ou até mesmo construir a partir de nossa experiência uma
compreensão de Deus.
O mistério da fé exige uma pedagogia que favorece o encontro com Deus,
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bem mais que o conhecimento ou a compreensão de verdades e dogmas. Deus
age em nós “desde dentro”, lá no mais íntimo de nós, onde ele habita, onde fez
morada na nossa carne. A relação com Deus passa muito mais pelas vias do
amor, da entrega, da doação de si, que pelas vias cognitivas, da compreensão,
da explicação, da apreensão de conteúdos. A catequese – se quer de fato
comunicar Deus e não apenas ensinar verdades sobre ele – deve redescobrir essa
“pedagogia original da fé”, perdida no tempo da história. Trata-se da
pedagogia da iniciação, um modo testemunhal de comunicar a fé, que favorece
a acolhida do Ressuscitado desde o coração.
Continuaremos a falar sobre essas pedagogias nos próximos artigos.
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ARTIGO 25
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PEDAGOGIA DO ENSINO
Por muito tempo, a catequese se dedicou a ensinar a fé. Essa pedagogia do
ensino tem raízes antigas. Remonta no mínimo ao século XVI, ao tempo da
Reforma Protestante, quando – convencida da urgência de distinguir a doutrina
católica da doutrina luterana que se difundia – a Igreja se empenhou em
fomentar os catecismos, pequenas sumas teológicas ou compêndios que
explicitavam

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