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Evangelizar com o Papa Francisco - Dom Benedito Beni dos Santos

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INTRODUÇÃO
A primeira Encíclica do papa Francisco – Lumen Fidei – veio completar a
doutrina de Bento XVI sobre a trilogia fé, esperança e caridade. Trata-se de um texto
escrito a quatro mãos. Foi um ato de deferência e estima do papa Francisco para com
o seu antecessor e, ao mesmo tempo, uma demonstração de continuidade no
magistério pontifício. A presente Exortação Apostólica Evangelii Gaudium tem o
estilo e o cunho pessoal do papa Francisco. Sobretudo, expressa o seu humanismo
personalista, que é o humanismo do Evangelho. À primeira vista, deveria ser uma
Exortação Apostólica Pós-sinodal, já que ele afirma que redigiu o texto como
resposta ao pedido dos padres sinodais que participaram da XIII Assembleia Geral do
Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização para a Transmissão da Fé, realizada,
em Roma, do dia 7 ao dia 28 de outubro de 2012. A Envangelii Gaudium não tem o
nome de Exortação Pós-sinodal porque, embora leve em consideração a Assembleia
sobre a Nova Evangelização e se refira constantemente a ela, o seu conteúdo, porém,
vai além da temática da Nova Evangelização. Seu conteúdo é mais amplo. Não se
trata de um documento doutrinal como a Encíclica Lumen Fidei. Conserva o
conteúdo e o estilo de uma Exortação: motivar a ação missionária da Igreja e iniciar
uma nova etapa no processo de evangelização como projeto pastoral de seu
pontificado. Esse processo iniciou-se com o Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-
1965).
Geralmente os papas tem escolhido a forma solene de uma Encíclica para
apresentar o projeto pastoral do pontificado. Por exemplo, Paulo VI publicou, em
pleno Concílio Vaticano II, a Encíclica Ecclesiam Suam (1965), cujo conteúdo foi
expresso em três temas: autocompreensão da Igreja, reforma da Igreja e diálogo da
Igreja com o mundo. O projeto pastoral de João Paulo II foi o cristocentrismo,
apresentado na Encíclica Redemptoris Hominis. Faz parte ainda de seu projeto
pastoral a Nova Evangelização.
Bento XVI expôs as linhas principais de seu pontificado na Encíclica Deus
Caritas Est (2009) e assumiu também a bandeira da Nova Evangelização para a
transmissão da fé. A questão da fé num mundo secularizado foi uma constante na sua
pregação. O secularismo é o grande desafio enfrentado pela Nova Evangelização.
O atual papa não escolheu uma forma solene para apresentar o projeto pastoral de
seu pontificado. Escolheu a modalidade mais pastoral do que doutrinal: uma
Exortação Apostólica.
Reflitamos, brevemente, sobre o título da Exortação Apostólica: A Alegria do
Evangelho.
O ser humano vive sempre em busca da alegria, pois ela é inseparável da
felicidade. Mas, com muita frequência, procura a felicidade e a alegria onde elas não
se encontram: consumismo, individualismo, isolamento. Mesmo os crentes, como
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observa a Evangelii Gaudium, correm esse perigo.
A alegria de que trata a Exortação Apostólica do papa Francisco é uma alegria
profunda, possível, até mesmo, no sofrimento. É a alegria que envolve toda a História
da Salvação. A Revelação de Deus, criador e salvador, provoca no homem uma
alegria transbordante. Trata-se da alegria que vem da certeza de que somos amados
por Deus e que seu amor é mais forte do que a morte. Portanto, trata-se da alegria do
Amor que perdoa e salva (cf. n. 3). No final da história, o Cristo glorioso convidará
seus servos fiéis a entrar na sua própria glória cujo acesso ele mesmo lhes abrirá (cf.
Mt 25,21). Portanto, a alegria presente em toda a História da Salvação é dom de
Deus.
Essa alegria pelo dom da salvação envolve toda a Revelação de Deus. A
Exortação cita a palavra de Isaías, Zacarias e Sofonias. Neste, encontramos a seguinte
afirmação: “o Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Exulta
de alegria por tua causa, pelo seu amor te renovará. Ele dança e grita de alegria por
tua causa” (3,17). Este texto de Sofonias é, na realidade, um pequeno salmo para ser
cantado em festas solenes. Ele serviu de pano de fundo para Lucas narrar a
anunciação de Maria. Basta recordar algumas expressões: “alegra-te”, “o Senhor está
contigo”, “não temas”, “o poder do altíssimo”. Maria, que tem o Filho de Deus em
seu ventre, é a nova Jerusalém.
No Evangelho de Lucas, a vinda do Salvador cria um clima de alegria. O convite à
alegria no Novo Testamento inicia-se com a saudação do anjo a Maria: “Alegra-te”
(Lc 1,28). Procede com a alegria de Isabel pela visita de Maria, à qual esta responde
com o seu Magnificat: “o meu espírito se alegra em Deus meu salvador” (Lc 1,47).
A missão também traz alegria. Jesus se alegrou pelo sucesso da missão de seus
discípulos (Lc 10,21). Sua mensagem é fonte de alegria: “manifestei-vos estas coisas,
para que esteja em vós minha alegria, e a vossa alegria seja completa” (Jo 15,11).
A introdução da Exortação Apostólica conclui-se falando da “doce e reconfortante
alegria de evangelizar”. O Documento de Aparecida, citado diversas vezes pela
Exortação, se refere à alegria do discípulo missionário.
Portanto, a missão deve ser acompanhada da alegria. Podemos dizer que a alegria
pertence à pedagogia da missão.
Encerrando esta introdução, quero tecer algumas considerações sobre a
fundamentação doutrinal da Evangelii Gaudium.
As fontes bibliográficas mostram que a nova etapa da ação evangelizadora da
Igreja, como projeto pastoral do pontificado do papa Francisco, é, na realidade, uma
retomada vigorosa da perspectiva missionária do Concílio Ecumênico Vaticano II,
assumida pelos seus antecessores. A eclesiologia que fundamenta a Evangelii
Gaudium é a do Vaticano II, sobretudo o documento principal deste Concílio: a
Constituição Dogmática Lumen Gentium.
A Evangelii Gaudium está também em continuidade com o magistério pontifício
dos antecessores imediatos do papa Francisco. Além de citar constantemente o
magistério de Bento XVI, João Paulo II e Paulo VI, o atual papa abraça a bandeira da
Nova Evangelização. Cita trinta vezes as proposições (propotiones) que os padres
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sinodais entregaram ao papa como resultado da XIII Assembleia Geral do Sínodo dos
Bispos sobre a Nova Evangelização para a Transmissão da Fé. Faz diversas citações
das homilias de abertura e conclusão da Assembleia Sinodal. A Evangelii Gaudium,
porém, desenvolveu a dimensão social da Nova Evangelização. Desse modo, trouxe
uma contribuição significativa para o tema.
Outra fonte significativa da Evangelii Gaudium é o Documento de Aparecida,
fruto da quinta Assembleia do Episcopado Latino-Americano e Caribe, realizada em
maio de 2007, em Aparecida. O Cardeal Mario Bergoglio participou da mencionada
Assembleia e foi o coordenador da numerosa comissão que elaborou o Documento de
Aparecida. O Documento teve quatro redações sucessivas no decorrer da Assembleia.
O atual Documento (fruto da quarta redação) foi aprovado na última sessão da
Assembleia realizada no dia 30 de maio de 2007. Em seguida, foi enviado ao Papa
para a aprovação final. Em Roma, antes de ser aprovado, passou por uma revisão que
melhorou o texto não só quanto ao estilo, mas também com relação à transmissão do
conteúdo. O Documento de Aparecida é citado quatorze vezes pela Evangelii
Gaudium. Quatorze vezes também é citado Santo Tomás de Aquino, principalmente
sua obra Summa Theologica.
Tudo isso mostra que o Papa Francisco procurou fundamentar o texto
programático do seu pontificado na doutrina de seus antecessores imediatos e na
doutrina não só do Vaticano II, mas também no ensinamento do maior teólogo da
história da Igreja.
QUESTÕES PARA REFLEXÃO:
1. Procure descobrir as diversas modalidades de alegria presentes no mundo de hoje.
2. De que modo a alegria de que fala a Evangelii Gaudium difere da alegria do
“mundo”?
3. Procure refletir sobre a alegria presente no canto de Maria, o Magnificat. Quais são
os componentes dessa alegria?
4. Por que a alegria é importante para o anúncio do Evangelho, sobretudo aos jovens?
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Capítulo I
DESAFIOS À AÇÃO EVANGELIZADORA
A Exortação Apostólica se interessa, sobretudo, pelos aspectos antropológicos e
ético-sociais da realidade. Não se tratade uma análise simplesmente sociológica,
embora contenha elementos importantes de sociologia. A perspectiva da análise é
pastoral. Trata-se de realizar um discernimento evangélico: “é o olhar do discípulo
missionário que se nutre da luz e da força do Espírito Santo” (50). Em última análise,
trata-se de conhecer os sinais dos tempos e, através deles, os desafios para a missão
evangelizadora da Igreja.
A expressão “sinais dos tempos” foi usada na primeira vez pelo papa João XXIII
na Constituição Apostólica da convocação do Vaticano II: Humanae Salutis. A
seguir, aparece várias vezes nos textos do Vaticano II. Conforme Paulo VI, a
expressão “sinais dos tempos” constitui o critério diretivo do Concílio Vaticano II e
do aggiornamento da Igreja. A Constituição Pastoral Gaudium et Spes afirma que não
só o Povo de Deus, mas, sobretudo, os bispos e os teólogos devem ouvir “as múltiplas
vozes do nosso tempo” (44). A validade dessa afirmação se baseia no fato de que o
Espírito Santo age na Igreja, mas age também nos acontecimentos da história.
Portanto, a expressão “sinais dos tempos” constitui uma espécie de radar pelos quais
a Igreja detecta os sinais do Reino de Deus presentes no mundo. Onde o Espírito
Santo está presente e agindo, ali está presente o Reino de Deus.
O mundo, segundo a Evangelii Gaudium, se encontra numa situação de viragem
histórica. Basta recordar o progresso no campo da saúde, educação e comunicação (cf
n. 52). Mais do que uma viragem histórica, o mundo se encontra numa situação de
mudança de época “causada pelos enormes saltos qualitativos, velozes e acumulados
que se verificaram no progresso científico, nas inovações tecnológicas e nas suas
rápidas aplicações em diversos âmbitos da natureza e da vida. Estamos na era do
conhecimento e da informação, fonte de novas formas de um poder muitas vezes
anônimo” (52).
Esse progresso, porém, é ambíguo, pois “a maior parte dos homens e das mulheres
vive o seu dia a dia precariamente” (ibid). A Evangelii Gaudium apresenta três causas
dessa triste situação: a economia de exclusão, a idolatria do dinheiro e a violência
gerada pelas desigualdades sociais.
A economia de exclusão se baseia na competitividade, portanto na lei do mais
forte. “O ser humano é considerado em si mesmo como um bem de consumo que se
pode usar e depois jogar fora. Torna-se um objeto ‘descartável’” (53).
“A idolatria do dinheiro consiste no seu domínio sobre nós e nossas sociedades”
(55). Ela gera uma economia onde não tem lugar a solidariedade. A crise financeira
enfrentada hoje por diversos países tem, na sua origem, “uma crise antropológica
profunda: a negação da primazia do ser humano” (56), a redução do ser humano a
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uma de suas necessidades: o consumo (cf. ibid.). Trata-se de uma economia sem ética
e sem Deus. A ética pertence à identidade do ser humano. Em sua origem etimológica
(ethos), significa a “morada”. Portanto, sem ética, o ser humano se sente perdido,
expulso da própria casa. Uma economia sem ética torna-se desumana, volta-se contra
o próprio homem. Observa a Evangelii Gaudium: “Para a ética, olha-se habitualmente
com certo desprezo sarcástico; é considerada contraproducente, demasiado humana,
porque relativiza o dinheiro e o poder. É sentida como uma ameaça, porque condena
a manipulação e a degradação da pessoa” (57). Acrescenta ainda a Exortação: uma
economia sem ética é uma recusa de Deus (cf. ibid.). De fato, Deus é o fundamento
mais profundo da ética, ou seja, da reta conduta humana individual e social.
A última causa da triste situação em que se encontram tantas pessoas é a
desigualdade, que gera a violência.
A violência tem diversas modalidades e causas. Uma delas é a exclusão social
dentro da sociedade e entre os povos (59). Um sistema social e econômico injusto é
uma forma de violência que gera mais violência. Observa a Evangelii Gaudium: “um
mal embrenhado nas estruturas de uma sociedade sempre contém um potencial de
dissolução e de morte” (50).
Existe ainda outro aspecto da questão, que é a exacerbação do consumo
promovida pela economia atual. Este, quando “aliado à desigualdade social, é
“duplamente daninho para o tecido social” (60). Tenta-se, com frequência, abafar a
violência, gerada por essa situação, pela repressão violenta ou por uma educação
domesticadora.
Não se pode esquecer que a violência está também aliada ao câncer da corrupção
profundamente “radicada em muitos países – nos seus governos, empresários e
instituições – seja qual for a ideologia política dos governantes” (ibid).
O capitalismo financeiro, que se desenvolveu a partir dos anos 1990, produziu
uma crise catastrófica em diversos países. O papa tem, pois, razão em afirmar que
essa “economia mata” (53). Trata-se, ao mesmo tempo, de uma denúncia profética e
um apelo para rever esse modelo para que o futuro do mundo possa ser visto com
mais esperança sobretudo pelas novas gerações.
A Evangelii Gaudium se refere pois à dimensão social da evangelização, se
quisermos, da Nova Evangelização. A evangelização, de fato, envolve toda a criação
e também as culturas. Ela é completa. Implica o anúncio explícito de Jesus Cristo e
do Evangelho. Implica a celebração dos sacramentos. Implica também a cultura, a
sociedade, a política e a economia. Tudo isso faz parte de um modo novo de viver.
Quando a Exortação fala de uma opção preferencial pelos pobres, isso significa
que o modelo de sociedade só será justo se levar em consideração os fracos e os
pobres. A opção pelos pobres não é contra os ricos, sejam indivíduos, grupos e países.
Ela apenas recorda que os bens materiais não são um fim em si mesmo. São apenas
meios para se atingir um fim, portanto, eles não podem constituir o sentido da vida.
Mais ainda: os pobres de que fala a Evangelii Gaudium não são apenas os de bens
materiais, mas também existenciais. O papa Francisco tem usado a expressão
“periferias existenciais”.
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Da visão da realidade surgem diversos desafios para a Nova Evangelização:
a) O real cede lugar à aparência: “Na cultura dominante, ocupa o primeiro lugar
aquilo que é exterior, imediato, visível, rápido, superficial, provisório” (62). É uma
das consequências negativas da globalização ou da cultura globalizada. Ela abafa os
valores culturais, que dão identidade a um determinado povo.
“O individualismo pós-moderno e globalizado favorece um estilo de vida que
debilita o desenvolvimento e a estabilidade de vínculo entre as pessoas e distorce os
vínculos familiares” (67), por exemplo, o vínculo matrimonial definitivo é
considerado como algo que se opõe à liberdade.
A ação pastoral precisa mostrar, diante dessa realidade, que a convicção de que
Deus é nosso Pai é o fundamento de uma fraternidade universal, que deve expressar-
se na comunhão que “cura, promove e incentiva os vínculos interpessoais” (ibid).
b) Evangelização da cultura, sobretudo da cultura urbana: a questão da
evangelização da cultura esteve presente no Vaticano II. Ele apresenta a imagem de
uma Igreja em relação não só com o mundo, com as religiões, com as igrejas e
comunidades cristãs, mas também em relação com a cultura. Não se trata apenas de
desenvolver atividades missionárias. Isso a Igreja sempre fez. Trata-se de desenvolver
uma evangelização inculturada.
O tema mereceu atenção especial do papa Paulo VI na Exortação Pós-sinodal
Evangelii Nutiandi (1975). Paulo VI chega a afirmar que uma evangelização que não
se encarna na cultura, ou seja, no modo de viver do povo, nos seus hábitos sociais, no
modo de organizar a sociedade, é uma evangelização de verniz, de aparência.
João Paulo II se referiu à evangelização da cultura em sua Encíclica “Redemptoris
Missio”.
A Evangelii Gaudium focaliza três pontos. Em primeiro lugar, as culturas que têm
o substrato cristão. É a cultura de países em que uma grande parte da população
recebeu o batismo. Geralmente essas populações conservam verdadeiros valores
cristãos. Elas possuem mais que as “sementes do Verbo”. Esses “valores de fé e
solidariedade podem provocar o desenvolvimento de uma sociedademais justa e
crente...” (68).
Em segundo lugar, a Evangelii Gaudium se refere à “piedade popular”, ou seja, as
culturas populares de povos católicos (cf. 69). “Nos países de tradição católica, trata-
se de acompanhar, cuidar e fortalecer a riqueza que já existe e, nos países de outras
tradições religiosas ou profundamente secularizadas, há que procurar novos processos
de evangelização da cultura, ainda que suponham projetos a longo prazo” (69).
Nas culturas populares dos povos católicos, observa ainda a Evangelii Gaudium,
existem fragilidades que precisam ser curadas pelo Evangelho: machismo,
alcoolismo, violência doméstica, superstições, bruxaria, crenças fatalistas e, às vezes,
escassa participação na Eucaristia (cf. 69).
Em terceiro lugar, a Evangelii Gaudium se refere à cultura urbana.
A cidade sempre exerceu atração sobre os seres humanos por ser uma rede de
relações humanas. É isso que dá sentido à vida na cidade. Observa a Evangelii
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Gaudium, citando o Apocalipse 21,2-4, “que a plenitude da humanidade e da história
se realiza em uma cidade” (71). Por isso, a cidade precisa ser olhada a partir da fé (cf.
ibid.).
Nas cidades, estão presentes diversas culturas. Ela é um espaço multicultural (cf.
ibid.). A cidade é composta de espaços sociais: educação, trabalho, saúde, economia,
política. É composta também de bairros. A propósito, observa a Exortação: “As casas
e os bairros constroem-se mais para isolar e proteger do que para unir e interagir”
(75). A meu ver, isso se aplica, sobretudo, aos grandes condomínios. Além disso, “em
muitas partes do mundo, as cidades são cenários de protestos em massa, onde
milhares de habitantes reclamam liberdade, participação, justiça e várias
reinvindicações, que, se não forem adequadamente interpretadas, nem pela força
poderão ser silenciadas” (74). É, pois, no âmbito das relações humanas que a cidade,
atualmente, enfrenta problemas gigantescos.
A pastoral urbana deve pois iniciar o diálogo com as culturas, procurar a defesa da
dignidade humana, sobretudo da vida humana. “O sentido unitário e completo da vida
humana proposto pelo Evangelho é o melhor remédio para os males urbanos” (75).
Diante desses desafios, podem aparecer tentações que envolvem os agentes de
pastoral. Muitos desses desafios estão ligados à cultura globalizada: “[...] como filhos
desta época, todos estamos de algum modo sobre influxo da cultura globalizada atual,
que, sem deixar de apresentar valores e novas possibilidades, pode também limitar-
nos, condicionar-nos e até mesmo combalir-nos [...]” (77). São tentações que afetam
particularmente os agentes de pastoral:
a) Complexo de inferioridade, que leva a relativizar ou esconder a própria
identidade cristã e as suas convicções (cf. 79);
b) Relativismo prático, que tem diversos aspectos: “[...] agir como se Deus não
existisse, decidir como se os pobres não existissem, sonhar como se os outros
não existissem, trabalhar como se aqueles que não receberam o anúncio não
existissem” (80);
c) Comodismo: trata-se de uma “vida cristã” desprovida de compromisso
missionário. Temos muitas tarefas, o tempo livre não deve ser “roubado” por
ninguém. A missão implica sacrifício, sair de si mesmo. Ela enfrenta obstáculos.
Às vezes, o primeiro obstáculo é o comodismo;
d) Escapismo. A Evangelii Gaudium fala do “deveriaqueísmo”: consiste em
comportar-se como mestres espirituais e peritos de pastoral descomprometidos:
“dão instruções ficando de fora” (96);
e) Mundanismo espiritual: servir-se da Igreja e da religião para buscar não a glória
do Senhor, mas a glória humana e o bem-estar pessoal. O mundanismo se
expressa numa liturgia exibicionista, numa preocupação exagerada com o
prestígio da Igreja, na apresentação de si mesmo envolvido em uma intensa vida
social cheia de viagens, reuniões, jantares, recepções (95).
A Evangelii Gaudium apresenta alguns remédios para essas tentações:
a) A experiência de estar juntos. A mística de viver juntos é uma contribuição da
Igreja para este tempo em que as redes e demais instrumentos de comunicação
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humana alcançaram progressões inacreditáveis (cf. 87). A Exortação descreve, de
modo bem completo, a mística do viver juntos: “[...] misturar-nos, encontrar-nos, dar
o braço, apoiar-nos, participar nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se
em uma verdadeira experiência de fraternidade, caravana solidária, peregrinação
sagrada” (87).
A experiência do “viver juntos” se fundamenta na mística da encarnação: “a
verdadeira fé no Filho de Deus feito carne é inseparável do dom de si mesmo, da
pertença à comunidade, do serviço, da reconciliação com a carne dos outros”. Na sua
encarnação, o Filho de Deus convidou-nos à “revolução da ternura” (88).
b) Maior presença feminina na Igreja. A mulher tem uma contribuição
indispensável na sociedade, que é reconhecida pela Igreja. João Paulo II, na Carta
Apostólica Mulieris Dignitatem (1988), se refere ao gênio feminino, a algo inerente
ao ser feminino: solicitude pelos outros que “se exprime de modo particular, mas não
exclusivamente na maternidade” (103), sensibilidade aguçada, intuição.
A Exortação cita também o papel que a mulher desempenha na Igreja, de modo
especial no campo da pastoral e da reflexão teológica, e conclui: “mas é preciso
ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja” (103). Faz
uma ressalva: embora homens e mulheres possuam a mesma dignidade, “o sacerdócio
reservado aos homens, como sinal de Cristo Esposo que se entrega na Eucaristia, é
uma questão que não se põe em discussão” (104). Mas isso não significa uma
identificação, de modo demasiado, com o poder, ou seja, superioridade sobre os
demais. A grande dignidade vem do batismo, que é acessível a todos. A potestade
sacerdotal é “a potestade de administrar o sacramento da Eucaristia, portanto, é
ministério, serviço ao povo” (cf. 104).
c) Pastoral da juventude. A Evangelii Gaudium dedica dois parágrafos aos jovens.
Em primeiro lugar, cita a proposição 51 da Assembleia do Sínodo dos Bispos sobre a
Nova Evangelização para a Transmissão da Fé. Refere-se à dificuldade de entender a
linguagem dos jovens no mundo de hoje e de dialogar com eles. Considera como
fruto da ação do Espírito a proliferação de associações e movimentos juvenis em
nossos dias. No âmbito eclesial, a presença dos jovens ganha espaço. Existe hoje a
consciência de que toda a comunidade eclesial é responsável pela sua formação e que
os jovens tem um protagonismo na vida da Igreja.
d) Piedade popular. A piedade popular, como resultado da encarnação da fé na
cultura popular, é considerada de modo positivo pela Evangelii Gaudium: “[...] inclui
uma relação pessoal não com energias harmonizadoras, mas com Deus, Jesus Cristo,
Maria, um santo. Tem carne, tem rostos. Estão aptas para alimentar potencialidades
relacionais, e não tanto fugas individualistas” (90).
QUESTÕES PARA REFLEXÃO:
1. Após o Vaticano II, quase sempre os documentos pastorais do Magistério da Igreja
trazem uma visão geral da realidade. Qual a importância desse fato para a missão
evangelizadora da Igreja?
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2. Quais são os “sinais dos tempos” que podemos descobrir na visão da realidade
registrada pela Evangelii Gaudium?
3. Procure refletir sobre a influência do individualismo na vida da família e o que a
Pastoral Familiar de sua paróquia ou diocese tem feito para enfrentá-lo.
4. Quais são os sinais de mundanismo espiritual que você consegue notar na vida de
sua comunidade eclesial ou movimento?
5. Procure tirar consequências da mística do viver juntos expressa nestas palavras da
Evangelii Gaudium: “[...] misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar-nos,
participar nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se em uma verdadeira
experiência de fraternidade, caravana solidária, peregrinação sagrada” (87).
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Capítulo II
EVANGELIZAÇÃO: UMA PRIORIDADE ABSOLUTA
O capítulo terceiro da Evangelii Gaudium contém alguns elementos fundamentais
da teologia da missão. É um capítulo fundamental para a renovação da Igreja na
perspectivamissionária, componente do projeto pastoral do pontificado do papa
Francisco.
A Igreja tem origem “na iniciativa livre e gratuita de Deus” (111). Essa afirmação
da Exortação se inspira na Constituição Dogmática Lumen Gentium do Vaticano II.
De acordo com o ensinamento do Concílio, a Igreja é componente do projeto
salvífico do Pai, que existe desde toda a eternidade. A Igreja esteve em processo de
gestação em toda a História da Salvação. O mistério da Igreja como comunidade de
salvação está presente em toda a História da Salvação. A Lumen Gentium cita o
pensamento de padres da Igreja, que falam de uma Igreja que vem desde Adão, desde
o justo Abel (cf. LG n. 2). Santo Tomás de Aquino afirma que os patriarcas
pertencem, como nós, ao mesmo mistério da Igreja. Portanto, a Igreja é
essencialmente comunidade de graça e salvação. Não é invenção humana, mas divina.
É o Reino do Senhor, espaço onde Cristo Ressuscitado está presente, exercendo seu
poder salvífico. É o Cristo Ressuscitado que a Igreja celebra e anuncia ao mundo. Por
isso, afirma a Evangelii Gaudium: “não pode haver verdadeira evangelização sem o
anúncio explícito de Jesus Cristo” (110). Trata-se de uma prioridade absoluta (cf.
ibid.). A Igreja é, portanto, um povo destinado a levar o anúncio da salvação a todos
os povos: “ide, pois, fazei discípulos meus todos os povos” (Mt 28,19). O papa
Francisco faz, a partir daí, um convite muito pessoal: “E gostaria de dizer àqueles que
se sentem longe de Deus e da Igreja, aos que tem medo ou aos indiferentes: o Senhor
também te chama para seres parte do seu povo, e fá-lo com grande respeito e amor”
(114).
A Igreja, como Povo de Deus, não é uma entidade abstrata que paira sobre os
povos como realidade histórica e concreta. Ao contrário, a Igreja, como Povo de
Deus, se encarna nos povos da terra com suas culturas (cf. 115).
A cultura é aquilo que dá identidade a um povo. Trata-se, antes de tudo, da cultura
socializada, que a família transmite aos indivíduos para torná-los membros da
sociedade: a língua, os costumes, os hábitos sociais, o “estilo de vida que uma
determinada sociedade possui” (115). Por meio da cultura, cada indivíduo torna-se
imagem e semelhança da sociedade a que pertence. O ser humano, embora possua
uma natureza universal, se encontra sempre culturalmente situado (115). É
impensável fora de sua cultura.
A Evangelii Gaudium chama atenção sobre a relação entre cultura e natureza. A
cultura, em sua dimensão material, é uma síntese entre pensamento e natureza. Por
exemplo, um vaso de barro é produto de uma imagem elaborada pelo pensamento e
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incutida na matéria natural, que é o barro. A cultura, nesse caso, é uma síntese de
pensamento e matéria.
A Evangelii Gaudium contém outra afirmação importante: o ser humano é, ao
mesmo tempo, filho e pai da cultura em que está inserido (cf. 122). É filho de sua
cultura. De fato nascemos como um ser natural. Por meio da educação (transmissão
da cultura socializada), ao nosso ser natural é acrescentado um ser social.
Somos também pai da nossa cultura. A cultura é dinâmica. Cada indivíduo e grupo
social age sobre a cultura. Afirma a Exortação: “A cultura é algo dinâmico que um
povo recria constantemente, e cada geração transmite à seguinte um conjunto de
atitudes relativas às diversas situações existenciais, que esta nossa nova geração deve
reelaborar em face dos próprios desafios” (122).
A cultura tem uma dimensão teológica, pois ela é o suporte à ação do Espírito:
“quando uma comunidade acolhe o anúncio da salvação, o Espírito Santo fecunda a
sua cultura com a força transformadora do Evangelho” (116). Mais ainda: o Espírito
Santo prepara cada cultura para o encontro com o Evangelho, nela espalhando aquilo
que os Padres Apologetas chamavam de “semina Verbi” (sementes do Verbo):
verdade, justiça, amor, sede de Deus etc.
A Evangelii Gaudium chega a uma conclusão importante: “Se for bem entendida,
a diversidade cultural não ameaça a unidade da Igreja” (112). Aliás, torna a unidade
da Igreja mais rica: uma face com diversos traços. Trata-se da variedade de carismas
que se completam, de tradições litúrgicas, de inciativas missionárias etc. Portanto,
“não faria justiça à lógica da encarnação pensar um cristianismo monocultural e
monocórdico” (cf. 117).
Daí a importância, sobretudo hoje, de uma evangelização inculturada, cujo sujeito,
como mostra o exemplo de são Paulo, não é o missionário enquanto indivíduo, nem o
teólogo, nem o perito em antropologia, mas a comunidade eclesial assistida pelo
Espírito Santo.
A Evangelii Gaudium cita como exemplo de evangelização inculturada “a piedade
popular” ou “mística popular” e ainda a “espiritualidade popular” (124). Talvez a
expressão mais adequada seja a de religiosidade popular enquanto dimensão
inculturada do cristianismo. A religiosidade popular é dotada de determinadas
práticas (piedade popular), possui uma espiritualidade característica expressa em
crenças e orações. Possui também uma mística, ou seja, uma força de resistência nos
sofrimentos, um sentido para a vida.
Essa expressão do cristianismo “acentua mais o credere in Deum do que o credere
Deum” (124), ou seja, acentua mais o relacionamento pessoal e íntimo com Deus do
que a compreensão das verdades da fé. Em outras palavras, acentua mais a dimensão
pessoal da fé (confiança: entrega da própria vida a Deus) do que a sua dimensão
objetiva: as verdades reveladas por Deus. Na Exortação, o papa dá exemplos desse
dinamismo pessoal da fé: “Só a partir da conaturalidade afetiva que dá o amor é que
podemos apreciar a vida teologal presente na piedade dos povos cristãos,
especialmente dos pobres. Penso na fé firme das mães ao pé da cama do filho doente,
que se agarram a um terço ainda que não saibam elencar os artigos do Credo; ou na
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carga imensa de esperança contida numa vela que se acende, numa casa humilde, para
pedir ajuda a Maria, ou nos olhares de profundo amor a Cristo crucificado. Quem
ama o povo fiel de Deus não pode ver essas ações unicamente como uma busca
natural da divindade. São a manifestação de uma vida teologal animada pela ação do
Espírito Santo, que foi derramado em nossos corações (cf. Rm 5,5) (125).
A Exortação dá uma visão sintética da religiosidade popular inspirada no
Documento de Aparecida: “é uma maneira legítima de viver a fé, um modo de se
sentir parte da Igreja e uma forma de ser missionário; comporta a graça da
missionariedade, do sair de si e do peregrinar: ‘O caminhar juntos para os santuários
e o participar em outras manifestações da piedade popular, levando também os filhos
ou convidando outras pessoas, é em si mesmo um gesto evangelizador’” (124; DAp
264).
A evangelização inculturada implica também o anuncio do Evangelho às culturas
profissionais, científicas e acadêmicas (132).
Sobretudo a teologia, que é não apenas uma ciência, mas, como afirmou Paulo VI,
um ministério a serviço da missão evangelizadora da Igreja, deve estar em diálogo
com a ciência e com as culturas em seu conjunto. “Mas, para isso, é necessário que se
comprometa com a finalidade evangelizadora da Igreja e da própria teologia e não se
contente com uma teologia de gabinete” (133). Nesse sentido, podemos dizer que a
verdadeira teologia é, por natureza, querigmática e cristocêntrica, isto é, elaborada em
vista do anúncio de Jesus Cristo, Filho de Deus e nosso Salvador. Essa dimensão
querigmática da teologia não implica a perda de sua profundidade. Temos um
exemplo disso em Santo Tomás de Aquino, paradigma do teólogo católico. Ele
exerceu a sua atividade teológica não só na cátedra acadêmica, mas também no
púlpito. Mostrou assim que a cátedra acadêmica deve convergir para o púlpito, para o
anúncio da mensagem salvífica.
A Nova Evangelização insiste que a missão tem a sua origem numa experiência
que muda nossa vida e aponta para um rumo definitivo: o encontro com Cristo. Diz o
texto da Evangelii Gaudium: “se não estamos convencidos disto, olhemos para os
primeiros discípulos, que logo depois de terem conhecido o olhar de Jesus, saíram
proclamandocheios de alegria: ‘encontramos o Messias’ (Jo 1,41)” (120). O texto
cita o exemplo da Samaritana (cf. Jo 4,1-30). Trata-se de um encontro realizado
através de um diálogo, em que ela descobre, através de etapas, a verdadeira
identidade de Jesus e este lhe concede a “água viva”, ou seja, o dom da fé, que muda
totalmente a sua vida. No início, ela descobre que Jesus é um judeu. Em seguida, o
encontro se aprofunda e ela descobre que Jesus é mais do que um judeu. Ele é um
profeta, alguém movido pelo “Sopro Divino”. O encontro se aprofunda ainda mais e,
finalmente, ela descobre a identidade completa de Jesus: ele é o Messias, o Salvador.
Desse encontro nasce a missão: ela sai para comunicar aos habitantes de sua aldeia a
sua descoberta e convidá-los a fazer a mesma experiência. Quem se encontra com
Jesus, afirmou o Papa João Paulo II, realiza uma descoberta tão importante que não
consegue guardar só para si, sente necessidade de comunicar aos outros. A missão é,
antes de tudo, comunicação de uma experiência que mudou a vida da pessoa.
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Podemos ainda acrescentar, ao caso da samaritana, mais um episódio. Na
madrugada da Páscoa, Maria Madalena e a outra Maria foram visitar o túmulo de
Jesus para completar o embalsamento de seu corpo. Tiveram uma surpresa: o túmulo
estava vazio. Em seguida, vem a revelação divina feita por um anjo: ele não está aqui.
Ressuscitou (cf. Mt 28,6). Depois disso, vem a missão: “ide já contar aos discípulos
que ele ressurgiu dos mortos, e que ele vos precede na Galileia. Ali o vereis” (28,7).
Diz o evangelho que elas saíram depressa, com medo e grande alegria, para fazer o
anúncio. Saíram depressa: o missionário tem pressa, ele tem uma Boa-nova que não
consegue guardar só para si. Tem necessidade de partilhar com os outros.
As mulheres receberam a ordem de comunicar aos discípulos que se dirigissem
para a Galileia. Lá encontrariam o Ressuscitado. Certamente que, enquanto os
discípulos se dirigiam para a Galileia, iam pensando: agora vamos ficar
definitivamente com o Mestre. Porém, logo que o encontro se realizou, veio a missão:
“Toda autoridade sobre o céu e sobre a terra me foi entregue. Ide, portanto, e fazei
com que todas as nações se tornem discípulos...” (Mt 28,19).
A missão envolve não só a Igreja como um todo. Diz a Evangelii Gaudium “a
Nova Evangelização deve implicar um novo protagonismo de cada batizado” (120).
Nada substitui o encontro pessoal, pois Cristo não é uma ideia. Ele é uma pessoa que
vai ao encontro de outra pessoa. Esse encontro pessoal, a Evangelii Gaudium chama
de pregação informal, “que se pode realizar durante uma conversa, e é também a que
realiza um missionário que visita um lar” (127). A Exortação chega a sugerir uma
metodologia. O primeiro passo é o diálogo pessoal, amável e respeitoso que
possibilita ao interlocutor expressar suas alegrias, tristezas e preocupações.
O segundo passo é a apresentação da Palavra, acompanhada do testemunho
pessoal sobre o amor de Deus, que entrega o seu Filho para a nossa salvação. O
terceiro passo é a conclusão do encontro fraterno e missionário com uma breve
oração (cf. 128).
Logo após o Vaticano II, que foi um Concílio pneumatológico, isto é, que contém
uma rica doutrina sobre o Espírito Santo, surgiu, na Igreja, uma quantidade de
carismas (dons do Espírito Santo para a edificação da comunidade), que se
expressaram em movimentos e novas comunidades, envolvendo um grande número
de leigos na missão evangelizadora da Igreja. Os papas João Paulo II e Bento XVI
viram, nesses movimentos e novas comunidades, um sopro do Espírito Santo para a
renovação da Igreja em perspectiva missionária. O papa Francisco expressa a mesma
postura na Evangelii Gaudium (cf. 130).
No terceiro capítulo desta, o papa trata de dois temas específicos ligados à
evangelização: homilia e catequese.
Existem três modalidades de anúncio da Palavra: o querigma, a catequese e a
homilia.
O querigma é o anúncio da Palavra feito àqueles que ainda não creem em Cristo e
que deve ser repetido sempre àqueles que creem. É semelhante à proclamação da
Boa-nova feita pelo arauto. Foi o que fez Pedro no dia de Pentecostes. Diz o livro dos
Atos que Pedro, “de pé”, isto é, em atitude de coragem, tendo os Onze ao seu lado,
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ergueu a voz e disse: “homens da Judeia e vós todos habitantes de Jerusalém, ouvi o
que vos tenho a dizer...” (At 2,14). A seguir, anuncia, com convicção e coragem, a
morte e a ressurreição de Cristo pela nossa salvação. Proclama que, em nenhum outro
nome, existe salvação.
O querigma não é, pois, um anúncio decorado e feito mecanicamente. É o anúncio
acompanhado do testemunho daquele que teve a sua vida transformada pelo evento
que está anunciando.
A resposta ao querigma é a conversão, que consiste em renunciar ao pecado e
entregar a própria vida a Cristo. Essa conversão é expressa publicamente no Batismo,
sacramento pelo qual a pessoa ingressa na Igreja – comunidade dos discípulos de
Cristo. Na Igreja, o discípulo prepara-se para tornar-se missionário. A finalidade do
discipulado é a missão.
A segunda modalidade de anúncio da Palavra é a catequese: visão metódica da
História da Salvação e da doutrina da Igreja. O fundamento da catequese é o
querigma.
A terceira modalidade é a homilia. Esta tem dois pressupostos. O primeiro é a
unidade interior de toda a Sagrada Escritura (exegese canônica). E o segundo é a
natureza da Palavra de Deus. A dabar é diferente do logos grego, simples
comunicação do pensamento. A dabar é uma palavra-ação. Deus age pela sua
Palavra. Salva pela sua Palavra. Afirma a Exortação Pós-sinodal Verbum Domini:
“Com efeito, na história da salvação, não há separação entre o que Deus diz e faz; a
sua própria Palavra apresenta-se como viva e eficaz (cf. Hb 4,12), como, aliás, indica
o significado do termo hebraico dabar” (n. 53).
A homilia tem, pois, como finalidade, introduzir a comunidade litúrgica no
mistério que está sendo celebrado. Deve revelar o sentido cristológico da Palavra
anunciada. Relaciona-se com a Eucaristia e a vida dos fiéis. Deve ter um tom
coloquial e familiar.
A homilia além de envolver todas as pessoas presentes (crianças, adolescentes,
jovens, adultos, idosos, homens e mulheres), ela é frequentemente o único acesso que
as pessoas tem à Palavra de Deus.
Observa a Exortação que, na homilia, desempenha papel importante o pregador.
Daí o apelo do papa: “Renovamos a nossa confiança na pregação, que se funda na
consciência de que é Deus que deseja alcançar os outros por meio do pregador e de
que ele mostra o seu poder pela palavra humana” (136). A eficácia da Palavra é
diferente da eficácia do sacramento. Este produz efeito “ex opere operato”, isto é,
pela sua própria realização num contexto de fé, tendo a intenção de realizar segundo
o sentido que lhe dá a Igreja. A eficácia da Palavra, porém, depende também do
pregador. Este pode, com sua vida, facilitar ou dificultar a eficácia da Palavra. Pode,
até mesmo, colocar obstáculos.
A partir deste fato, a Evangelii Gaudium apresenta um itinerário de preparação da
homilia:
a) Confiança no Espírito Santo: “A confiança no Espírito Santo que atua na
pregação não é meramente passiva, mas ativa e criativa. Implica oferecer-se como
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instrumento (cf. Rm 12,1), com todas as suas capacidades, para que possam ser
utilizadas por Deus” (145).
O Espírito não diz novas palavras, mas torna sempre nova a Palavra dita por Jesus.
A ação do Espírito visa a intelecção da Palavra. É necessária para a interiorização da
Palavra e para que ela seja colocada em prática.
b) Compreensão do texto bíblico (cf. 146-148). A Sagrada Escritura possui um
sentido literal revelado pelo método histórico-crítico. É necessário compreender o
que a Palavra de Deus significa literalmente no seu contexto histórico. Isso é
importante, mas não basta.
c) Descobrir o sentido espiritual (cf. 152). A Sagrada Escritura é mais que um
livro histórico. Ela possui uma transcendência: registra a História da Salvação.
Portanto, além do sentido literal, possui um sentido espiritual, que, àsvezes, se
encontra na própria Sagrada Escritura. Cabe à hermenêutica tipológica ajudar a
descobrir o sentido espiritual. É esse sentido que alimenta a vida cristã.
d) Escutar o povo: “O pregador deve também pôr-se a escuta do povo, para
descobrir aquilo que os fiéis precisam ouvir. Um pregador é um contemplativo da
Palavra e também um contemplativo do povo” (154).
O conhecimento da vida do povo, sobretudo pela vivência, permite “relacionar a
mensagem do texto bíblico com uma situação humana, com algo que as pessoas
vivem, com uma experiência que precisa da luz da Palavra” (154).
É o conhecimento da vida do povo que possibilita a pregação profética. Afirma-se
que a pregação do Santo Cura d’Ars era profética, pois denunciava o pecado e
despertava esperança, levava à conversão e à salvação, justamente porque ele
conhecia bem a vida de seu rebanho.
e) Deixar-se tocar pela Palavra (cf. 150-151). Antes de ser anunciador, o pregador
precisa ser discípulo da Palavra: deixar, à semelhança de Nossa Senhora, que a
Palavra exerça um primado em sua vida. O Magnificat é uma demonstração de que
Nossa Senhora conhecia a Palavra de Deus. Procurava compreender a história de seu
povo e da sua própria vida a partir da Palavra de Deus.
A Didaqué oferece um critério fundamental para distinguir o verdadeiro do falso
profeta. Aquele vive o que prega; este não vive o que prega.
f) Linguagem simples, direta, clara e objetiva (cf. 158-159). Como afirma a
Verbum Domini, a homilia tem uma importância prática muito grande, pois além de
envolver várias categorias de pessoas presentes na celebração, ela é, com muita
frequência, o único meio de acesso do povo à Palavra de Deus. É necessário, pois,
conhecer a realidade do interlocutor. Não se trata de um conhecimento teórico, mas
vivencial: “Se se quer adaptar à linguagem dos outros para se chegar até ele com a
Palavra, deve-se escutar muito, é preciso partilhar a vida das pessoas, e prestar-lhe
benévola atenção” (158).
Santo Agostinho afirma, no comentário ao Salmo 27, que o báculo com o qual o
pastor conduz o rebanho é o Evangelho de Jesus Cristo. A homilia supõe, de fato, que
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o pastor conheça o rebanho. Quando Cristo afirma que o Bom Pastor conhece as
ovelhas, não está se referindo ao conhecimento teórico, feito através de pesquisa, mas
ao conhecimento vivencial. A homilia deve, pois, ter a tonalidade da conversa do
pastor com as suas ovelhas.
Usar imagens na pregação. Usar imagem significa falar por imagens. Trata-se de
um recurso didático que, além de enriquecer a pregação, torna-a mais atraente. Nesse
ponto, Cristo foi um mestre incomparável; basta recordar as parábolas do pastor, da
semente lançada à terra, da casa edificada sobre a rocha.
Outro tema ligado à evangelização é a catequese. Recuperando o ensinamento da
Catequese Renovada, exposta pela Exortação Apostólica Catequesi Tradendae de
Joao Paulo II, a Evangelii Gaudium sublinha duas características que deve ter a
catequese na perspectiva da Nova Evangelização. Ela deve ser querigmática e
mistagógica. Além de visar a conversão, deve também introduzir na participação da
vida da comunidade eclesial. Trata-se de algo realizado progressivamente, “na qual
intervém toda a comunidade e uma renovada valorização dos sinais litúrgicos da
iniciação crista” (166).
A Assembleia do Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização para a
Transmissão da Fé tratou também da “via da beleza”, que deve envolver a
evangelização e, de modo especial, a catequese. A via da beleza está baseada na
afirmação de Santo Agostinho: “não amamos senão o que é belo”. A vida eterna, que
é comunhão com Deus, consiste na contemplação da Beleza infinita.
A propósito da via da beleza, observa a Evangelii Gaudium: “Anunciar Jesus
Cristo significa mostrar que crer nele e segui-lo não é algo apenas verdadeiro e justo,
mas também belo, capaz de cumular a cada um de um novo esplendor e de uma
alegria profunda mesmo no meio das provações. Nessa perspectiva, todas as
expressões da verdadeira beleza podem ser reconhecidas como uma senda que ajuda a
encontrar-se com Jesus Cristo” (167).
QUESTÕES PARA REFLEXÃO:
1. Procure apresentar as razões para a seguinte afirmação da Evangelii Gaudium: “A
missão é uma prioridade absoluta” (110).
2. Faça uma leitura orante do encontro de Jesus com a samaritana (Jo 4,1-30)
seguindo o esquema proposto pela Exortação Pós-sinodal Verbum Domini
(n. 87): a) o que diz o texto bíblico em si mesmo? (leitura); b) o que diz para mim?
(meditação); c) que dizemos ao Senhor em resposta à sua Palavra? (oração). À
oração segue a contemplação: olhar a realidade e perguntar: qual a conversão da
mente, do coração e da vida que o Senhor pede? d) ação: doação aos outros na
caridade.
3. Procure fazer uma análise das diversas homilias que você tem ouvido. Apresente
seus pontos positivos e negativos.
4. Reflita sobre a afirmação de santo Agostinho: “não amamos senão o que é belo”, e
procure apontar as belezas que contém o Evangelho.
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Capítulo III
A IGREJA DA “SAÍDA”
A teologia da missão desenvolvida no capítulo terceiro da Evangelii Gaudium
constitui o fundamento teológico do projeto pastoral do pontificado do atual papa: a
renovação da Igreja em perspectiva missionária. Nesse capítulo, ele trata da natureza
missionária do Povo de Deus com a expressão Igreja da “saída”. Em seguida,
apresenta a metodologia da Igreja da “saída”. Em terceiro lugar, trata da conversão
pastoral ou missionária.
1) A Igreja da “saída”
Antes de tudo, devemos recordar que a missão tem sua origem na própria
Trindade. A missão da Igreja se originou da missão do Filho e do Espírito, enviados
pelo Pai ao mundo. O Filho e o Espírito foram os dois primeiros missionários.
Segundo santo Irineu, as duas mãos pelas quais o Pai opera no mundo. Sem a missão
do Filho e do Espírito, não haveria a missão da Igreja.
A missão é, antes de tudo, obediência da Igreja, comunidade dos discípulos de
Jesus. Afirma a Evangelii Gaudium: “A evangelização obedece ao mandato
missionário de Jesus: ‘Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, batizando-os em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos
tenho ensinado’ (Mt 28,19-20)” (19).
A Igreja da “saída” pertence ao dinamismo da escuta do Evangelho (cf. 20). O
livro dos Atos expressa esse dinamismo da Palavra com a afirmação: “A Palavra de
Deus [...] crescia e se multiplicava” (At 12, 24), isto é, crescia e se multiplicava o
número daqueles que ouviam a Palavra e se tornavam evangelizadores. Quem ouve a
Palavra e não se torna evangelizador, pensa que ouviu, mas ainda não a ouviu
completamente, ou seja, a Palavra ainda não realizou nele todo o seu dinamismo.
No capítulo sexto, afirma o livro dos Atos que a Palavra encheu toda a cidade de
Jerusalém (cf. At 6,7). É da natureza da Palavra ser ouvida e transmitida. Quando isso
acontece, a Palavra enche as cidades.
Foi em Pentecostes que a Igreja recebeu a sua configuração histórica definitiva,
tornando-se Igreja da “saída”, Igreja missionária.
A alegria do Evangelho é consequência também da missão (cf. 21). A missão
sempre enfrenta obstáculos, sobretudo a perseguição: “Eu vos envio como cordeiros
entre lobos” (Mt 10,16), disse Jesus ao enviar os Doze em missão. No tempo dos
Apóstolos, os obstáculos foram: magia, idolatria, perseguição, longas distâncias. Hoje
a missão enfrenta obstáculos também: secularismo, laicismo, hedonismo,
consumismo. Enfrenta obstáculos no interior da própria Igreja: comodismo,
complexo de inferioridade, não querer comprometer-se, como recorda o papa na sua
19
Exortação. Mas, na força do Espírito, a missão vence os obstáculos e traz alegria. O
papa cita a experiência dos 72 discípulos, que voltaram da missão cheios de alegria
(cf. Lc 10,17). E a alegria dos discípulos contagiou o próprio Jesus que os havia
enviado. Jesus exultou de alegria no Espírito Santo e pronunciou uma de suas mais
belas orações: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas
coisas aos sábios e entendidos, e asrevelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque
assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai e ninguém conhece quem
é o Filho senão o Pai, e ninguém conhece quem é o Pai senão o Filho e àquele a quem
o Filho quiser revelar” (Lc 10,21-22). Essa passagem citada pela Evangelii Gaudium
é significativa, pois mostra a universalidade da missão. Enquanto no Evangelho de
Mateus, Jesus, durante o seu ministério público, envia os Doze em missão, no
Evangelho de Lucas ele envia 72 discípulos. Isso porque, no tempo em que Lucas
escreveu o Evangelho, se pensava que os povos da terra fossem em número de 70 ou
72. Portanto, ao citar os 72 discípulos, são Lucas quer mostrar que o Evangelho deve
ser anunciado a todos os povos da terra, para se cumprir o mandato missionário de
Jesus: fazei com que todos os povos se tornem meus discípulos.
O universalismo da missão se encontra também na lista dos representantes dos
povos presentes em Jerusalém no dia de Pentecostes (cf. At 2,5-11). Trata-se de uma
lista em que povos grandes se encontram ao lado de povos pequenos; povos
conhecidos, ao lado de povos desconhecidos. Isso para mostrar que, em Pentecostes,
o Espírito Santo impeliu a Igreja em direção a todos os povos: grandes e pequenos,
conhecidos e desconhecidos.
A potencialidade da Palavra é, até mesmo, imprevisível: “A Palavra possui, em si
mesma, tal potencialidade, que não podemos prever. O Evangelho fala da semente
que, uma vez lançada à terra, cresce por si mesma, inclusive quando o agricultor
dorme (cf. Mc 4,26-29). A Igreja deve aceitar essa liberdade incontrolável da Palavra,
que é eficaz a seu modo e sob formas tão variadas que muitas vezes nos escapam,
superando as nossas previsões e quebrando os nossos esquemas” (22).
Outro aspecto da Igreja da “saída” é a comunhão eclesial. Ela é, antes de tudo,
comunhão na graça, portanto, comunhão que é intimidade da Igreja com Jesus. E essa
comunhão é em vista da missão (cf. Jo 17,20-21). A partir daí, podemos compreender
a profundidade das palavras da Evangelii Gaudium: “A intimidade da Igreja com
Jesus é uma intimidade itinerante, e a comunhão reveste essencialmente a forma de
comunhão eclesial” (João Paulo II, Christifidelis Laici). Fiel ao modelo do mestre, é
vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares,
em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo. A alegria do
Evangelho é para todo o povo, não se pode excluir ninguém, assim foi anunciada pelo
anjo aos pastores de Belém: “Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o
será para todo o povo” (Lc 2,10). O Apocalipse fala de uma Boa-nova de valor eterno
para anunciar aos habitantes de terra: “a todas as nações, tribos, línguas e povos (Ap
14,6)” (23).
2) A metodologia evangelizadora da Igreja da “saída”
20
O papa Francisco resumiu a metodologia da Igreja da “saída” nos seguintes
passos: tomar a iniciativa, envolver-se, acompanhar, frutificar e festejar.
Metodologicamente, trata-se de uma sequência lógica. Na prática, porém, as
coisas, às vezes, acontecem simultaneamente.
a) Tomar iniciativa. Essa é a primeira atitude da Igreja da “saída”. A missão é
consequência do encontro com Cristo, descoberta tão importante que ninguém
consegue guardar só para si. Sente necessidade de compartilhar com os outros como
aconteceu com a Samaritana. A missão é consequência da gratuidade do amor. Por
isso não existe missão sem amor a Cristo, sem amor à causa do Reino, como dom da
salvação que, em Cristo, Deus oferece a todos os povos e a cada criatura humana.
A iniciativa é também imitação de Cristo: “a comunidade missionária experimenta
que o Senhor tomou a iniciativa, precedeu-a no amor (cf. 1Jo 4,10) e, por isso, ela
sabe ir à frente, tomar iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e
chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos” (24).
b) Acompanhar. A missão exige paciência. Deus tem paciência com todos para dar
tempo para a conversão. O exemplo de santo Agostinho demonstra que o encontro
com Cristo se faz através de um processo que pode durar anos. A graça age, quase
sempre, de modo lento no coração da pessoa. A semente do Reino às vezes germina
de modo imperceptível aos olhos humanos.
c) Frutificar. “A comunidade evangelizadora mostra-se atenta aos frutos, porque o
Senhor a quer fecunda. Cuida do trigo e não perde a paz por causa do joio” (24).
d) Festejar. Trata-se de “celebrar cada pequena vitória, cada passo em frente na
evangelização” (24).
A festa é uma espécie de refeição moral. Ela nos coloca num nível de existência
que nos enche de alegria, esperança e força para continuar a caminhada e vencer os
obstáculos. Mas o espaço festivo para celebrar o dom da salvação é, sobretudo, a
liturgia. É oportuna a afirmação da Evangelii Gaudium: “No meio dessa exigência
diária de fazer avançar o bem, a evangelização jubilosa torna-se beleza na liturgia. A
Igreja evangeliza e se evangeliza com a beleza da liturgia, que é também celebração
da atividade evangelizadora e fonte de um renovado impulso para se dar” (24).
A evangelização se realiza na liturgia não só pelo anúncio da Palavra, mas
também pelos símbolos litúrgicos.
3) Conversão pastoral e missionária
A renovação da Igreja em perspectiva missionária iniciou-se com o Concílio
Ecumênico Vaticano II e prosseguiu nos pontificados sucessivos. Na Evangelii
Gaudium o papa fala não só de uma renovação da Igreja, como fez Paulo VI na
Encíclica programática de seu pontificado – Ecclesium Suam –, mas fala de reforma
da Igreja na perspectiva do Vaticano II. Trata-se, pois, de um modelo de Igreja que
envolve sua estrutura. A Evangelii Gaudium, no número 26, cita o seguinte texto do
Vaticano II: “Toda renovação da Igreja consiste essencialmente numa maior
21
fidelidade à própria vocação. [...] A Igreja peregrina é chamada por Cristo a esta
reforma perene. Como instituição humana e terrena, a Igreja necessita perpetuamente
desta reforma” (Unitatis Redintegratio, 6).
O papa, com palavras claras, mostra em que consiste a conversão pastoral e
missionária: “sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que
os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem
um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual do que à
autopreservação. A reforma das estruturas, exigida pela conversão pastoral, só se
pode entender nesse sentido: fazer que todas elas se tornem mais missionárias, que a
pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja mais comunicativa e aberta, que
coloque os agentes pastorais em atitude constante de ‘saída’ e, assim, favoreça a
resposta positiva de todos aqueles a quem Jesus oferece sua amizade” (27). Portanto,
a conversão pastoral e missionária envolve a paróquia, as comunidades de base e
pequenas comunidades, movimentos e associações, a diocese. Envolve também as
pessoas: os bispos, o papa e a instituição do papado: “Dado que sou chamado a viver
aquilo que peço aos outros, devo pensar também numa conversão do papado.
Compete-nos como Bispo de Roma, permanecer aberto às sugestões tendentes a um
exercício do meu ministério que o torne mais fiel ao significado que Jesus Cristo
pretendeu dar-lhe e às necessidades atuais da evangelização” (32). João Paulo II,
citado pelo papa Francisco, já havia feito idêntico pedido.
A conversão pastoral e missionária implica também o modo de comunicar a
mensagem, que leve em consideração a velocidade das comunicações e a seleção
interessada do conteúdo feita pela mass media que, às vezes, acentua aspectos
secundários da mensagem e não o seu conteúdo essencial (cf. 34).
De outro lado, a dificuldade da comunicação nasce da própria obscuridade da fé:
“Em todo caso, não podemos jamais tornar os ensinamentos da Igreja uma realidade
facilmente compreensível e felizmente apreciada por todos: a fé conserva sempre um
aspecto de cruz, certa obscuridade que não tira firmeza à sua adesão” (42). Podemos
citar, a propósito, o testemunho do apóstolo Paulo. Escreveu ele: “agoravemos em
espelho e de maneira confusa, mas, depois, veremos face a face. Agora o meu
conhecimento é limitado, mas, depois, conhecerei como sou conhecido” (1Cor
13,12). Podemos citar o testemunho de santa Terezinha do Menino Jesus e da beata
Tereza de Calcutá. Aquela sofreu dúvidas sobre a existência de Deus até mesmo
horas antes de morrer. Esta fez a experiência da noite escura na sua caminhada de fé.
Estas experiências dolorosas não diminuíram a sua entrega confiante ao Senhor. Ao
contrário, aumentaram a profundidade da entrega.
Como recorda a Evangelii Gaudium, a comunicação da mensagem precisa levar
em consideração a hierarquia das verdades reveladas e a hierarquia das virtudes.
Ambas as expressões significam que há uma ordem de importância entre as verdades
da doutrina católica.
Com relação à hierarquia das verdades reveladas, não se pode esquecer aquilo que
o papa denomina “a beleza do amor salvífico de Deus revelado em Jesus Cristo,
morto e ressuscitado” (36). Trata-se do anúncio querigmático que leva a um processo
22
de conversão. Anúncio primeiro e permanente.
Quanto à hierarquia das virtudes, a principal é a fé que atua pelo amor e pela
misericórdia. “As obras de amor ao próximo são a manifestação externa mais perfeita
da graça interior do Espírito” (37). E com relação à misericórdia: “Em si mesma, a
misericórdia é a maior das virtudes; na realidade compete-lhe debruçar-se sobre os
outros e – o que mais conta – remediar as misérias alheias. Ora, isso é tarefa
especialmente de quem é superior; é por isso que se diz que é próprio de Deus usar
misericórdia e, sobretudo nisto, que se manifesta a sua onipotência” (37).
A moral cristã não é uma moral de atos, mas uma moral da pessoa. A questão
moral não é, antes de tudo, colocar atos bons, mas tornar a pessoa boa pela aquisição
das virtudes. No caso da moral católica, trata-se de um estilo de vida cada vez mais
semelhante ao estilo de Jesus como consequência do encontro com ele. A proposta
moral da Igreja não se reduz a um catálogo de normas. Trata-se da proposta para um
novo estilo de vida que a Evangelii Gaudium chama “viver a um nível superior” (10),
baseado sobre a experiência do amor de Deus em Jesus Cristo.
A Evangelii Gaudium se refere ainda à contribuição da exegese, da teologia e da
ciência para a transmissão da mensagem evangélica. A exegese e a teologia estão em
função da missão da Igreja. Ajudam a “amadurecer o juízo da Igreja” (40).
Finalmente, a Exortação trata da conversão pastoral e missionária aos pobres, não
só os desprovidos de bens materiais, mas todos aqueles que se encontram nas
periferias existenciais. O papa parte de um pressuposto teológico: “quero afirmar sem
rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres” (42). Outro
pressuposto é a coerência com a opção missionária da Igreja: “se a Igreja inteira
assume este dinamismo missionário, há de chegar a todos sem exceção” (cf. ibid.). As
palavras da Evangelii Gaudium são claras: “quando se lê o Evangelho encontramos
uma orientação muito clara: não tanto aos amigos e vizinhos ricos, mas sobretudo aos
pobres e aos doentes, àqueles que muitas vezes são desprezados e esquecidos, àqueles
que não tem com que retribuir (Lc 14,14)” (48).
QUESTÕES PARA REFLEXÃO:
1. Refletir sobre as razões da necessidade da missão.
2. Como evangelizar a paróquia para que ela seja uma escola de preparação de
discípulos e missionários?
3. Mostrar as consequências práticas desta afirmação da Evangelii Gaudium: “A
comunidade missionária experimenta que o Senhor tomou a iniciativa, precedeu-a
no amor (cf. 1Jo 4,10) e, por isso, ela sabe ir à frente, tomar iniciativa sem medo, ir
ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para
convidar os excluídos” (24).
4. Como, em âmbito de comunidade paroquial, se deve viver a misericórdia como a
maior das virtudes, uma vez que o amor e a misericórdia são o presente da fé? Além
disso, a fé tem um futuro, que é a esperança.
23
Capítulo IV
EVANGELIZAÇÃO COM “ESPÍRITO”
O capítulo quinto é o capítulo, a meu ver, mais belo da Evangelii Gaudium. Em
vez de ter, como título, a espiritualidade da evangelização, o papa preferiu uma
expressão com maior concretude: evangelização com “espírito”.
Às vezes, a evangelização é entendida simplesmente como um conjunto de tarefas
que são executadas mecanicamente e, com frequência, de modo repetitivo. Essa
modalidade quase sempre é incapaz de vencer os obstáculos que encontra. Ao
contrário, “quando se fala de uma realidade que tem ‘espírito’ indica-se
habitualmente uma moção interior que impele, motiva, encoraja e dá sentido à ação
pessoal e comunitária” (261). Essa moção interior não é simplesmente uma
convicção, uma ideia, uma ideologia. É um impulso que vem do Espírito Santo. Foi o
que aconteceu aos Apóstolos no dia de Pentecostes. Afirma a exortação Apostólica:
“[...] uma evangelização com espírito é uma evangelização com o Espírito Santo,
visto que ele é a alma da Igreja evangelizadora” (261).
Vejamos, agora, os pressupostos de uma evangelização com “espírito”:
a) Paixão por Cristo e pelo povo. Diz a Evangelii Gaudium: “A missão é uma
paixão por Jesus e simultaneamente uma paixão pelo povo” (268).
Afirma o livro dos Atos que os Apóstolos pregavam com “paresia”, vocábulo da
língua grega que significa coragem, audácia, paixão. De fato, o Espírito Santo tornou
os Apóstolos apaixonados por Cristo e pelo Evangelho. Afirma o livro dos Atos, que
narra a primeira história da missão, que os Apóstolos sentiam-se alegres ao sofrerem
por causa do nome de Jesus (cf. At 5,41). Quando eram proibidos de pregar o nome
de Jesus, eles respondiam: o que vimos e ouvimos não podemos deixar de anunciar
(cf. At 4,20). Só pessoas apaixonadas são capazes de tamanha audácia.
Sobretudo o apóstolo Paulo, o maior missionário da Igreja até hoje, foi uma
pessoa apaixonada por Cristo. Basta recordar algumas de suas palavras: “não sou eu
que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Paulo ainda acrescentava: “fui
crucificado junto com Cristo. Ressuscitado com Cristo” (Gl 2,19); “[...] eu trago em
meu corpo as marcas de Jesus” (Gl 6,17). Sua paixão por Cristo e pelo Evangelho se
expressam nesta declaração: “Pois para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro. Mas,
se o viver na carne me dá ocasião de trabalho frutífero, não sei bem o que escolher.
Sinto-me num dilema: o meu desejo é partir e ir com Cristo, pois isso me é muito
melhor, mas o permanecer na carne é mais necessário por vossa causa” (Fl 1,21-24).
Paulo foi um grande místico. A mística consiste numa união amorosa com Deus,
que pode chegar pela ação do Espírito Santo, experiência direta de Deus. O místico é,
pois, um apaixonado por Deus. Paulo foi um grande místico. Mas, como observou
Cerfaux, o centro da mística de Paulo é o Cristo ressuscitado (L. Cerfaux, o cristão
24
na teologia de São Paulo, Ed. Paulinas, São Paulo, 1976, p. 332-335).
A paixão por Cristo implica também a paixão pelo povo. Escreve o papa: “para ser
evangelizador com ‘espírito’, é preciso também desenvolver o prazer espiritual de
estar próximo à vida das pessoas, até chegar a descobrir que isso se torna fonte de
uma alegria superior. A missão é uma paixão por Jesus e simultaneamente uma
paixão pelo seu povo” (268).
b) Evangelização como resposta a uma busca. A evangelização é o primeiro e
mais importante serviço que a Igreja presta à pessoa e à humanidade. Ela não é uma
espécie de superestrutura, algo acrescentado acidentalmente à vida de uma pessoa ou
de um povo. A evangelização é a resposta a um anseio, a uma busca. Existe, de fato,
no coração humano, o anseio de encontrar alguém que seja a verdade, o caminho e a
vida. Foi este anseio que os gregos expressaram quando pediram a Felipe: “Queremos
ver Jesus” (Jo 12,21). A propósito, observa ele, citando a Carta Encíclica de João
Paulo II Redemptoris Missio: “O missionário está convencido de que existe já, nas
pessoas e nos povos, pela ação do Espírito, uma ânsia – mesmo que inconsciente – de
conhecera verdade clara de Deus, do homem, do caminho que conduz à libertação do
pecado e da morte. O entusiasmo posto no anúncio de Cristo deriva da convicção de
responder a esta ânsia” (265).
O papa Francisco completa a afirmação de João Paulo II referindo-se a uma
“saudade” de Deus que se expressa na inquietude do coração humano, uma especial
tristeza infinita. Escreve o papa: “A nossa tristeza infinita só se cura com o amor
infinito” (265).
c) Ser sempre discípulo. Jesus reuniu discípulos não para servi-lo, mas para
prepará-los para a missão. Discipulado e missão são duas faces da mesma moeda. Por
isso o papa afirma na Evangelii Gaudium: “Não digamos que somos discípulos e
missionários, mas discípulos missionários. Ser discípulo é, antes de tudo, estar com
Jesus. Ter o estilo de vida de Jesus. Sem isso ninguém pode ser missionário,
evangelizador: ‘o verdadeiro missionário, que nunca deixa de ser discípulo, sabe que
Jesus caminha com ele, no meio da tarefa missionária, fala com ele, responde com
ele, trabalha com ele. Sente Jesus vivo com ele, no meio da tarefa missionária. Se
uma pessoa não o descobre presente no coração mesmo na entrega missionária, deixa
de estar seguro do que transmite, faltam-lhe força e paixão. E uma pessoa que não
está convencida, entusiasmada, segura, enamorada, não convence ninguém’” (cf.
ibid.).
1) Componentes da evangelização com “espírito”:
a) Oração. A evangelização não é uma atividade simplesmente humana. É uma
atividade divino-humana. Quem na realidade evangeliza é Cristo. Santo Agostinho,
ao comentar a afirmação de João Batista – Eu sou a voz que clama no deserto –
afirma: João não era a Palavra. Ele era a voz da Palavra. E conclui: vozes da Palavra
foram os profetas e apóstolos, vozes da Palavra são todos aqueles que evangelizam.
Como atividade divino-humana, a evangelização precisa da graça. Daí a
25
necessidade da oração. Sem oração, “toda ação corre o risco de ficar vã, e o anúncio,
no fim das contas, carece de alma” (259).
b) Contemplação. “A melhor motivação para se decidir comunicar o Evangelho é
contemplá-lo com amor, deter-se nas suas páginas e lê-lo com o coração. Se o
abordarmos dessa maneira, sua beleza deslumbra-nos, volta a nos cativar
constantemente. Por isso é urgente recuperar o espírito contemplativo que nos
permita redescobrir, cada dia, que somos depositários de um bem que humaniza e
ajuda a levar uma vida nova. Não há nada melhor que transmitir aos outros” (204).
c) Intercessão. O papa fala da força missionária da intercessão: orar pelos outros,
agradecer a Deus pelos outros. Observa: “A intercessão é como ‘fermento’ no seio da
Santíssima Trindade. É penetrarmos no Pai e desenvolvermos novas dimensões que
iluminam as situações concretas e as vinculam. Podemos dizer que o coração de Deus
se deixa comover pela intercessão, mas na realidade ele sempre nos antecipa, pelo
que, com a nossa intercessão, apenas possibilitamos que o seu poder, o seu amor a
sua lealdade se manifeste mais claramente no povo” (283). O papa recorda que os
“grandes homens e mulheres de Deus foram grandes intercessores” (cf. ibid.). Cito o
exemplo de Paulo: “em todas as minhas orações, sempre peço com alegria por todos
vós [...] pois tenho-os no coração” (Fl 1,4.7). O papa conclui: “Descobrimos, assim,
que a intercessão não nos afasta da verdadeira contemplação, porque a contemplação
que deixa fora os outros é uma farsa” (281).
Podemos citar também o exemplo de santa Teresinha do Menino Jesus, monja
contemplativa. Ela desejou viver num carmelo situado em terra de missão. Não
conseguiu, mas tornou-se grande missionária no silêncio do carmelo, sacrificando-se
e orando pelos missionários, sentindo-se espiritualmente ligada a eles nos trabalhos
apostólicos e no martírio. Foi declarada padroeira das missões. Podemos dizer que a
intercessão torna a nossa vida uma vida em missão.
d) Mística da ressurreição. Muitos não se tornam evangelizadores porque pensam
que nada podem mudar. Tais pessoas se esquecem de que a missão não é uma obra
simplesmente humana. É divino-humana. Quando Jesus enviou os discípulos em
missão, ele disse: “[...] eu estarei convosco todos os dias até o fim dos tempos” (Mt
28,27). A missão conta, portanto, com a presença do Ressuscitado. Observa a
Evangelii Gaudium: “[...] recordemos que Jesus Cristo triunfou sobre o pecado e a
morte e possui todo poder. Jesus Cristo vive verdadeiramente. Caso contrário, ‘se
Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação’” (1Co 15,14). Diz-nos o Evangelho
que, quando os primeiros discípulos saíram a pregar, “o Senhor cooperava com eles
confirmando a Palavra” (Mc 16,20). E o mesmo acontece hoje, somos convidados a
descobri-lo, a vivê-lo. Cristo ressuscitado e glorioso é a fonte profunda de nossa
esperança, e não nos faltará a sua ajuda para cumprir a missão que nos foi confiada”
(275).
e) A missão é mariana. Como Mãe do Fundador e Cabeça da Igreja, Nossa
Senhora está ligada, de modo único, ao Corpo de Cristo, que é a Igreja.
Consequentemente, a missão da Igreja tem um traço mariano. A Evangelii Gaudium
26
denomina Nossa Senhora a mãe da evangelização (284). Repete a expressão de Paulo
VI: estrela da evangelização (287). Ela é o ícone feminino da Igreja. Escreve o papa:
“há um estilo mariano na atividade evangelizadora da Igreja. Porque sempre que
olhamos para Maria, voltamos a acreditar na força revolucionária da ternura e do
afeto. Nela vemos que a humildade e ternura não são virtudes dos fracos, mas dos
fortes, que não precisam maltratar os outros para se sentir importantes” (288). Maria,
continua o papa, “é contemplativa do mistério de Deus no mundo, na história e na
vida de cada um e de todos” (cf. ibid.). E, por isso, “ela é um modelo eclesial para a
evangelização” (cf. ibid).
Chegando ao final da Exortação, o papa faz esta oração: “À Mãe do Evangelho
vivente, pedimos a sua intercessão a fim de que este convite para uma nova etapa na
Evangelização seja acolhido por toda a comunidade eclesial” (287).
QUESTÕES PARA REFLEXÃO:
1. Mostrar, com exemplos, que a evangelização é a resposta a uma busca.
2. Mostrar que o apóstolo Paulo realizou uma evangelização com “espírito”.
3. Comentar a afirmação da Evangelii Gaudium: “A missão é uma paixão por Jesus e
simultaneamente uma paixão pelo povo” (268).
4. Refletir sobre a importância de Nossa Senhora para a missão evangelizadora da
Igreja.
5. Enumerar os pontos que você achou mais importantes na Exortação Apostólica “A
Alegria do Evangelho”.
27
CONCLUSÃO GERAL
Creio que o projeto pastoral do pontificado do papa Francisco, exposto na
Evangelii Gaudium, está envolvido pelo seu humanismo personalista: “o Evangelho
convida, antes de tudo, a responder a Deus que nos ama e salva, reconhecendo-nos
nos outros e saindo de nós mesmos para procurar o bem de todos” (39). Trata-se de
um humanismo fundamentado numa mística, ou seja, na experiência amorosa e
salvífica de Deus em Jesus Cristo. Essa experiência amorosa tem um dinamismo
antropológico: “Nós, cristãos, insistimos na proposta de reconhecer o outro [...] de
estreitar laços e de nos ajudarmos a ‘carregar os fardos uns dos outros’” (Gl 6,2) (67).
Esse dinamismo implica também a comunidade: “No próprio coração do
Evangelho, aparece a vida comunitária e compromisso com os outros” (177-178).
A própria articulação entre evangelização e promoção humana é uma
consequência desse dinamismo.
A conversão missionária da Igreja implica também uma renovação da moral. A
Evangelii Gaudium trata da questão da relação entre evangelização e moral.
A questão da renovação da moral já foi colocada pelo Vaticano II. A Evangelii
Gaudium fala, como vimos, não só da hierarquia da verdade da doutrina católica, mas
também de uma ordem de importância entre as virtudes morais. Os atos de
moralidade devem ser consequência de um estilo de vida sempre mais semelhante
com o de Jesus, já que o ser cristão tem sua origem no encontro com ele. Diz a
Evangelii Gaudium: “uma pastoral em chave missionária não está obcecada pela
transmissão desarticulada dedoutrinas que tentam impor à força de insistir [...] o
anúncio concentra-se no essencial” (35). Nesse sentido, a moral cristã não é uma
moral de atos, mas da pessoa. Também aqui a boa árvore dá bons frutos. Nesse
sentido, escreve o papa: “Torna-se necessária uma Nova Evangelização que ilumine
os novos modos de se relacionar com Deus, com os outros e com o ambiente, e que
suscite os valores fundamentais. Continua a Evangelii Gaudium: “[...] quando os
autores do Novo Testamento querem reduzir a mensagem moral cristã a uma última
síntese, ao mais essencial, apresentam-nos a exigência irrenunciável do amor ao
próximo” (161). A atenção voltada para as normas em si mesmas pode levar a
esquecer a sua fonte, que é o estilo de vida de Cristo. Pode levar a esquecer que a
moral cristã é a moral da graça, ou seja, a moral do Espírito como fonte de
discernimento e como princípio de ação.
Tudo isso tem consequências pastorais: “no seu constante discernimento, a Igreja
pode chegar também a reconhecer costumes próprios não diretamente ligados ao
núcleo do Evangelho [...]. Não tenhamos medo de revê-los! Da mesma forma, há
normas ou preceitos eclesiais que podem ter sido muito eficazes em outras épocas,
mas já não tem a mesma força educativa como canais de vida” (43).
É necessário, porém, observar que o papa se refere à revisão de normas e preceitos
28
eclesiais que tenham o estatuto diferente da lei moral natural e da lei revelada. Cabe
ao Magistério interpretar autenticamente esses preceitos. Não pode mudá-los nem
dispensar a sua observância.
A conversão missionária da Igreja implica também uma reforma do clero em
perspectiva missionária. Isso envolve não só a formação ministrada nos seminários e
casas de formação, mas também o ensino da teologia e a vida dos presbíteros.
A formação nos seminários precisa ser baseada numa espiritualidade missionária e
em práticas missionárias, que substituam os atuais estágios de pastoral, na maioria
das vezes, sem nenhum planejamento e revisão crítica. Que nos seminários se
realizem experiências de Igreja da “saída”, conforme o ensinamento da Evangelii
Gaudium. Os alunos devem ser preparados para servir a Igreja onde for necessário e
não só na própria diocese.
Quanto ao ensino da teologia, não basta que ela contenha a disciplina de
missiologia. É necessário que toda teologia seja ministrada numa perspectiva
missionária. A hermenêutica precisa ser querigmática, isto é, na perspectiva da
pregação e da conversão. Além de tudo, numa perspectiva existencial, isto é, que
responda aos problemas dos indivíduos, da comunidade e da sociedade.
Também a vida dos presbíteros precisa ter um dinamismo comunitário. Precisa ter
uma dimensão comunitária, baseada na vivência dos conselhos evangélicos: pobreza,
castidade e obediência.
Não é possível renovar o clero numa perspectiva missionária com presbíteros
vivendo no isolacionismo, levando uma vida burguesa, sem nenhuma abertura ao
diálogo e à correção fraterna. A missão e a busca da santidade implicam vida
comunitária, presença no mundo, mas sem assumir o espírito do mundo: secularismo,
consumismo, hedonismo, busca dos primeiros lugares.
29
Direção editorial: Claudiano Avelino dos Santos
Coordenação de desenvolvimento digital: Erivaldo Dantas
Assistente editorial: Jacqueline Mendes Fontes
Revisão: Caio Pereira
Manoel Gomes da Silva Filho
Mario Roberto de M. Martins
Capa: Marcelo Campanhã
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Santos, Benedito Beni dos
Evangelizar com Papa Francisco: Comentário à Evangelii Gaudium / Dom Benedito
Beni dos Santos. — São Paulo: Paulus, 2014.
eISBN 978-85-349-3916-4
1. Documentos papais 2. Encíclicas papais 3. Francisco, Papa, 1936- I. Título.
14-02352 CDD-262.91
Índices para catálogo sistemático:
1. Evangelii Gaudium: Leitura comentada: Documentos papais: Igreja Católica 262.91
2. Evangelii Gaudium : Leitura comentada: Encíclicas papais : Igreja Católica 262.91
© PAULUS – 2014
Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 São Paulo (Brasil)
Fax (11) 5579-3627 • Tel. (11) 5087-3700
www.paulus.com.br • editorial@paulus.com.br
eISBN 978-85-349-3916-4
30
31
Scivias
de Bingen, Hildegarda
9788534946025
776 páginas
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Scivias, a obra religiosa mais importante da santa e doutora da Igreja
Hildegarda de Bingen, compõe-se de vinte e seis visões, que são
primeiramente escritas de maneira literal, tal como ela as teve, sendo, a
seguir, explicadas exegeticamente. Alguns dos tópicos presentes nas visões
são a caridade de Cristo, a natureza do universo, o reino de Deus, a queda
do ser humano, a santifi cação e o fi m do mundo. Ênfase especial é dada
aos sacramentos do matrimônio e da eucaristia, em resposta à heresia
cátara. Como grupo, as visões formam uma summa teológica da doutrina
cristã. No fi nal de Scivias, encontram-se hinos de louvor e uma peça curta,
provavelmente um rascunho primitivo de Ordo virtutum, a primeira obra de
moral conhecida. Hildegarda é notável por ser capaz de unir "visão com
doutrina, religião com ciência, júbilo carismático com indignação profética, e
anseio por ordem social com a busca por justiça social". Este livro é
especialmente significativo para historiadores e teólogas feministas. Elucida a
vida das mulheres medievais, e é um exemplo impressionante de certa forma
especial de espiritualidade cristã.
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Santa Gemma Galgani - Diário
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Primeiro, ao vê-la, causou-me um pouco de medo; fiz de tudo para me
assegurar de que era verdadeiramente a Mãe de Jesus: deu-me sinal para
me orientar. Depois de um momento, fiquei toda contente; mas foi tamanha
a comoção que me senti muito pequena diante dela, e tamanho o
contentamento que não pude pronunciar palavra, senão dizer,
repetidamente, o nome de 'Mãe'. [...] Enquanto juntas conversávamos, e me
tinha sempre pela mão, deixou-me; eu não queria que fosse, estava quase
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sacrifício, por ora convém que a deixe'. A sua palavra deixou-me em paz;
repousei tranquilamente: 'Pois bem, o sacrifício foi feito'. Deixou-me. Quem
poderia descrever em detalhes quão bela, quão querida é a Mãe celeste?
Não, certamente não existe comparação. Quando terei a felicidade de vê-la
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