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2 INTRODUÇÃO A primeira Encíclica do papa Francisco – Lumen Fidei – veio completar a doutrina de Bento XVI sobre a trilogia fé, esperança e caridade. Trata-se de um texto escrito a quatro mãos. Foi um ato de deferência e estima do papa Francisco para com o seu antecessor e, ao mesmo tempo, uma demonstração de continuidade no magistério pontifício. A presente Exortação Apostólica Evangelii Gaudium tem o estilo e o cunho pessoal do papa Francisco. Sobretudo, expressa o seu humanismo personalista, que é o humanismo do Evangelho. À primeira vista, deveria ser uma Exortação Apostólica Pós-sinodal, já que ele afirma que redigiu o texto como resposta ao pedido dos padres sinodais que participaram da XIII Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização para a Transmissão da Fé, realizada, em Roma, do dia 7 ao dia 28 de outubro de 2012. A Envangelii Gaudium não tem o nome de Exortação Pós-sinodal porque, embora leve em consideração a Assembleia sobre a Nova Evangelização e se refira constantemente a ela, o seu conteúdo, porém, vai além da temática da Nova Evangelização. Seu conteúdo é mais amplo. Não se trata de um documento doutrinal como a Encíclica Lumen Fidei. Conserva o conteúdo e o estilo de uma Exortação: motivar a ação missionária da Igreja e iniciar uma nova etapa no processo de evangelização como projeto pastoral de seu pontificado. Esse processo iniciou-se com o Concílio Ecumênico Vaticano II (1962- 1965). Geralmente os papas tem escolhido a forma solene de uma Encíclica para apresentar o projeto pastoral do pontificado. Por exemplo, Paulo VI publicou, em pleno Concílio Vaticano II, a Encíclica Ecclesiam Suam (1965), cujo conteúdo foi expresso em três temas: autocompreensão da Igreja, reforma da Igreja e diálogo da Igreja com o mundo. O projeto pastoral de João Paulo II foi o cristocentrismo, apresentado na Encíclica Redemptoris Hominis. Faz parte ainda de seu projeto pastoral a Nova Evangelização. Bento XVI expôs as linhas principais de seu pontificado na Encíclica Deus Caritas Est (2009) e assumiu também a bandeira da Nova Evangelização para a transmissão da fé. A questão da fé num mundo secularizado foi uma constante na sua pregação. O secularismo é o grande desafio enfrentado pela Nova Evangelização. O atual papa não escolheu uma forma solene para apresentar o projeto pastoral de seu pontificado. Escolheu a modalidade mais pastoral do que doutrinal: uma Exortação Apostólica. Reflitamos, brevemente, sobre o título da Exortação Apostólica: A Alegria do Evangelho. O ser humano vive sempre em busca da alegria, pois ela é inseparável da felicidade. Mas, com muita frequência, procura a felicidade e a alegria onde elas não se encontram: consumismo, individualismo, isolamento. Mesmo os crentes, como 3 observa a Evangelii Gaudium, correm esse perigo. A alegria de que trata a Exortação Apostólica do papa Francisco é uma alegria profunda, possível, até mesmo, no sofrimento. É a alegria que envolve toda a História da Salvação. A Revelação de Deus, criador e salvador, provoca no homem uma alegria transbordante. Trata-se da alegria que vem da certeza de que somos amados por Deus e que seu amor é mais forte do que a morte. Portanto, trata-se da alegria do Amor que perdoa e salva (cf. n. 3). No final da história, o Cristo glorioso convidará seus servos fiéis a entrar na sua própria glória cujo acesso ele mesmo lhes abrirá (cf. Mt 25,21). Portanto, a alegria presente em toda a História da Salvação é dom de Deus. Essa alegria pelo dom da salvação envolve toda a Revelação de Deus. A Exortação cita a palavra de Isaías, Zacarias e Sofonias. Neste, encontramos a seguinte afirmação: “o Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Exulta de alegria por tua causa, pelo seu amor te renovará. Ele dança e grita de alegria por tua causa” (3,17). Este texto de Sofonias é, na realidade, um pequeno salmo para ser cantado em festas solenes. Ele serviu de pano de fundo para Lucas narrar a anunciação de Maria. Basta recordar algumas expressões: “alegra-te”, “o Senhor está contigo”, “não temas”, “o poder do altíssimo”. Maria, que tem o Filho de Deus em seu ventre, é a nova Jerusalém. No Evangelho de Lucas, a vinda do Salvador cria um clima de alegria. O convite à alegria no Novo Testamento inicia-se com a saudação do anjo a Maria: “Alegra-te” (Lc 1,28). Procede com a alegria de Isabel pela visita de Maria, à qual esta responde com o seu Magnificat: “o meu espírito se alegra em Deus meu salvador” (Lc 1,47). A missão também traz alegria. Jesus se alegrou pelo sucesso da missão de seus discípulos (Lc 10,21). Sua mensagem é fonte de alegria: “manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós minha alegria, e a vossa alegria seja completa” (Jo 15,11). A introdução da Exortação Apostólica conclui-se falando da “doce e reconfortante alegria de evangelizar”. O Documento de Aparecida, citado diversas vezes pela Exortação, se refere à alegria do discípulo missionário. Portanto, a missão deve ser acompanhada da alegria. Podemos dizer que a alegria pertence à pedagogia da missão. Encerrando esta introdução, quero tecer algumas considerações sobre a fundamentação doutrinal da Evangelii Gaudium. As fontes bibliográficas mostram que a nova etapa da ação evangelizadora da Igreja, como projeto pastoral do pontificado do papa Francisco, é, na realidade, uma retomada vigorosa da perspectiva missionária do Concílio Ecumênico Vaticano II, assumida pelos seus antecessores. A eclesiologia que fundamenta a Evangelii Gaudium é a do Vaticano II, sobretudo o documento principal deste Concílio: a Constituição Dogmática Lumen Gentium. A Evangelii Gaudium está também em continuidade com o magistério pontifício dos antecessores imediatos do papa Francisco. Além de citar constantemente o magistério de Bento XVI, João Paulo II e Paulo VI, o atual papa abraça a bandeira da Nova Evangelização. Cita trinta vezes as proposições (propotiones) que os padres 4 sinodais entregaram ao papa como resultado da XIII Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização para a Transmissão da Fé. Faz diversas citações das homilias de abertura e conclusão da Assembleia Sinodal. A Evangelii Gaudium, porém, desenvolveu a dimensão social da Nova Evangelização. Desse modo, trouxe uma contribuição significativa para o tema. Outra fonte significativa da Evangelii Gaudium é o Documento de Aparecida, fruto da quinta Assembleia do Episcopado Latino-Americano e Caribe, realizada em maio de 2007, em Aparecida. O Cardeal Mario Bergoglio participou da mencionada Assembleia e foi o coordenador da numerosa comissão que elaborou o Documento de Aparecida. O Documento teve quatro redações sucessivas no decorrer da Assembleia. O atual Documento (fruto da quarta redação) foi aprovado na última sessão da Assembleia realizada no dia 30 de maio de 2007. Em seguida, foi enviado ao Papa para a aprovação final. Em Roma, antes de ser aprovado, passou por uma revisão que melhorou o texto não só quanto ao estilo, mas também com relação à transmissão do conteúdo. O Documento de Aparecida é citado quatorze vezes pela Evangelii Gaudium. Quatorze vezes também é citado Santo Tomás de Aquino, principalmente sua obra Summa Theologica. Tudo isso mostra que o Papa Francisco procurou fundamentar o texto programático do seu pontificado na doutrina de seus antecessores imediatos e na doutrina não só do Vaticano II, mas também no ensinamento do maior teólogo da história da Igreja. QUESTÕES PARA REFLEXÃO: 1. Procure descobrir as diversas modalidades de alegria presentes no mundo de hoje. 2. De que modo a alegria de que fala a Evangelii Gaudium difere da alegria do “mundo”? 3. Procure refletir sobre a alegria presente no canto de Maria, o Magnificat. Quais são os componentes dessa alegria? 4. Por que a alegria é importante para o anúncio do Evangelho, sobretudo aos jovens? 5 Capítulo I DESAFIOS À AÇÃO EVANGELIZADORA A Exortação Apostólica se interessa, sobretudo, pelos aspectos antropológicos e ético-sociais da realidade. Não se tratade uma análise simplesmente sociológica, embora contenha elementos importantes de sociologia. A perspectiva da análise é pastoral. Trata-se de realizar um discernimento evangélico: “é o olhar do discípulo missionário que se nutre da luz e da força do Espírito Santo” (50). Em última análise, trata-se de conhecer os sinais dos tempos e, através deles, os desafios para a missão evangelizadora da Igreja. A expressão “sinais dos tempos” foi usada na primeira vez pelo papa João XXIII na Constituição Apostólica da convocação do Vaticano II: Humanae Salutis. A seguir, aparece várias vezes nos textos do Vaticano II. Conforme Paulo VI, a expressão “sinais dos tempos” constitui o critério diretivo do Concílio Vaticano II e do aggiornamento da Igreja. A Constituição Pastoral Gaudium et Spes afirma que não só o Povo de Deus, mas, sobretudo, os bispos e os teólogos devem ouvir “as múltiplas vozes do nosso tempo” (44). A validade dessa afirmação se baseia no fato de que o Espírito Santo age na Igreja, mas age também nos acontecimentos da história. Portanto, a expressão “sinais dos tempos” constitui uma espécie de radar pelos quais a Igreja detecta os sinais do Reino de Deus presentes no mundo. Onde o Espírito Santo está presente e agindo, ali está presente o Reino de Deus. O mundo, segundo a Evangelii Gaudium, se encontra numa situação de viragem histórica. Basta recordar o progresso no campo da saúde, educação e comunicação (cf n. 52). Mais do que uma viragem histórica, o mundo se encontra numa situação de mudança de época “causada pelos enormes saltos qualitativos, velozes e acumulados que se verificaram no progresso científico, nas inovações tecnológicas e nas suas rápidas aplicações em diversos âmbitos da natureza e da vida. Estamos na era do conhecimento e da informação, fonte de novas formas de um poder muitas vezes anônimo” (52). Esse progresso, porém, é ambíguo, pois “a maior parte dos homens e das mulheres vive o seu dia a dia precariamente” (ibid). A Evangelii Gaudium apresenta três causas dessa triste situação: a economia de exclusão, a idolatria do dinheiro e a violência gerada pelas desigualdades sociais. A economia de exclusão se baseia na competitividade, portanto na lei do mais forte. “O ser humano é considerado em si mesmo como um bem de consumo que se pode usar e depois jogar fora. Torna-se um objeto ‘descartável’” (53). “A idolatria do dinheiro consiste no seu domínio sobre nós e nossas sociedades” (55). Ela gera uma economia onde não tem lugar a solidariedade. A crise financeira enfrentada hoje por diversos países tem, na sua origem, “uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano” (56), a redução do ser humano a 6 uma de suas necessidades: o consumo (cf. ibid.). Trata-se de uma economia sem ética e sem Deus. A ética pertence à identidade do ser humano. Em sua origem etimológica (ethos), significa a “morada”. Portanto, sem ética, o ser humano se sente perdido, expulso da própria casa. Uma economia sem ética torna-se desumana, volta-se contra o próprio homem. Observa a Evangelii Gaudium: “Para a ética, olha-se habitualmente com certo desprezo sarcástico; é considerada contraproducente, demasiado humana, porque relativiza o dinheiro e o poder. É sentida como uma ameaça, porque condena a manipulação e a degradação da pessoa” (57). Acrescenta ainda a Exortação: uma economia sem ética é uma recusa de Deus (cf. ibid.). De fato, Deus é o fundamento mais profundo da ética, ou seja, da reta conduta humana individual e social. A última causa da triste situação em que se encontram tantas pessoas é a desigualdade, que gera a violência. A violência tem diversas modalidades e causas. Uma delas é a exclusão social dentro da sociedade e entre os povos (59). Um sistema social e econômico injusto é uma forma de violência que gera mais violência. Observa a Evangelii Gaudium: “um mal embrenhado nas estruturas de uma sociedade sempre contém um potencial de dissolução e de morte” (50). Existe ainda outro aspecto da questão, que é a exacerbação do consumo promovida pela economia atual. Este, quando “aliado à desigualdade social, é “duplamente daninho para o tecido social” (60). Tenta-se, com frequência, abafar a violência, gerada por essa situação, pela repressão violenta ou por uma educação domesticadora. Não se pode esquecer que a violência está também aliada ao câncer da corrupção profundamente “radicada em muitos países – nos seus governos, empresários e instituições – seja qual for a ideologia política dos governantes” (ibid). O capitalismo financeiro, que se desenvolveu a partir dos anos 1990, produziu uma crise catastrófica em diversos países. O papa tem, pois, razão em afirmar que essa “economia mata” (53). Trata-se, ao mesmo tempo, de uma denúncia profética e um apelo para rever esse modelo para que o futuro do mundo possa ser visto com mais esperança sobretudo pelas novas gerações. A Evangelii Gaudium se refere pois à dimensão social da evangelização, se quisermos, da Nova Evangelização. A evangelização, de fato, envolve toda a criação e também as culturas. Ela é completa. Implica o anúncio explícito de Jesus Cristo e do Evangelho. Implica a celebração dos sacramentos. Implica também a cultura, a sociedade, a política e a economia. Tudo isso faz parte de um modo novo de viver. Quando a Exortação fala de uma opção preferencial pelos pobres, isso significa que o modelo de sociedade só será justo se levar em consideração os fracos e os pobres. A opção pelos pobres não é contra os ricos, sejam indivíduos, grupos e países. Ela apenas recorda que os bens materiais não são um fim em si mesmo. São apenas meios para se atingir um fim, portanto, eles não podem constituir o sentido da vida. Mais ainda: os pobres de que fala a Evangelii Gaudium não são apenas os de bens materiais, mas também existenciais. O papa Francisco tem usado a expressão “periferias existenciais”. 7 Da visão da realidade surgem diversos desafios para a Nova Evangelização: a) O real cede lugar à aparência: “Na cultura dominante, ocupa o primeiro lugar aquilo que é exterior, imediato, visível, rápido, superficial, provisório” (62). É uma das consequências negativas da globalização ou da cultura globalizada. Ela abafa os valores culturais, que dão identidade a um determinado povo. “O individualismo pós-moderno e globalizado favorece um estilo de vida que debilita o desenvolvimento e a estabilidade de vínculo entre as pessoas e distorce os vínculos familiares” (67), por exemplo, o vínculo matrimonial definitivo é considerado como algo que se opõe à liberdade. A ação pastoral precisa mostrar, diante dessa realidade, que a convicção de que Deus é nosso Pai é o fundamento de uma fraternidade universal, que deve expressar- se na comunhão que “cura, promove e incentiva os vínculos interpessoais” (ibid). b) Evangelização da cultura, sobretudo da cultura urbana: a questão da evangelização da cultura esteve presente no Vaticano II. Ele apresenta a imagem de uma Igreja em relação não só com o mundo, com as religiões, com as igrejas e comunidades cristãs, mas também em relação com a cultura. Não se trata apenas de desenvolver atividades missionárias. Isso a Igreja sempre fez. Trata-se de desenvolver uma evangelização inculturada. O tema mereceu atenção especial do papa Paulo VI na Exortação Pós-sinodal Evangelii Nutiandi (1975). Paulo VI chega a afirmar que uma evangelização que não se encarna na cultura, ou seja, no modo de viver do povo, nos seus hábitos sociais, no modo de organizar a sociedade, é uma evangelização de verniz, de aparência. João Paulo II se referiu à evangelização da cultura em sua Encíclica “Redemptoris Missio”. A Evangelii Gaudium focaliza três pontos. Em primeiro lugar, as culturas que têm o substrato cristão. É a cultura de países em que uma grande parte da população recebeu o batismo. Geralmente essas populações conservam verdadeiros valores cristãos. Elas possuem mais que as “sementes do Verbo”. Esses “valores de fé e solidariedade podem provocar o desenvolvimento de uma sociedademais justa e crente...” (68). Em segundo lugar, a Evangelii Gaudium se refere à “piedade popular”, ou seja, as culturas populares de povos católicos (cf. 69). “Nos países de tradição católica, trata- se de acompanhar, cuidar e fortalecer a riqueza que já existe e, nos países de outras tradições religiosas ou profundamente secularizadas, há que procurar novos processos de evangelização da cultura, ainda que suponham projetos a longo prazo” (69). Nas culturas populares dos povos católicos, observa ainda a Evangelii Gaudium, existem fragilidades que precisam ser curadas pelo Evangelho: machismo, alcoolismo, violência doméstica, superstições, bruxaria, crenças fatalistas e, às vezes, escassa participação na Eucaristia (cf. 69). Em terceiro lugar, a Evangelii Gaudium se refere à cultura urbana. A cidade sempre exerceu atração sobre os seres humanos por ser uma rede de relações humanas. É isso que dá sentido à vida na cidade. Observa a Evangelii 8 Gaudium, citando o Apocalipse 21,2-4, “que a plenitude da humanidade e da história se realiza em uma cidade” (71). Por isso, a cidade precisa ser olhada a partir da fé (cf. ibid.). Nas cidades, estão presentes diversas culturas. Ela é um espaço multicultural (cf. ibid.). A cidade é composta de espaços sociais: educação, trabalho, saúde, economia, política. É composta também de bairros. A propósito, observa a Exortação: “As casas e os bairros constroem-se mais para isolar e proteger do que para unir e interagir” (75). A meu ver, isso se aplica, sobretudo, aos grandes condomínios. Além disso, “em muitas partes do mundo, as cidades são cenários de protestos em massa, onde milhares de habitantes reclamam liberdade, participação, justiça e várias reinvindicações, que, se não forem adequadamente interpretadas, nem pela força poderão ser silenciadas” (74). É, pois, no âmbito das relações humanas que a cidade, atualmente, enfrenta problemas gigantescos. A pastoral urbana deve pois iniciar o diálogo com as culturas, procurar a defesa da dignidade humana, sobretudo da vida humana. “O sentido unitário e completo da vida humana proposto pelo Evangelho é o melhor remédio para os males urbanos” (75). Diante desses desafios, podem aparecer tentações que envolvem os agentes de pastoral. Muitos desses desafios estão ligados à cultura globalizada: “[...] como filhos desta época, todos estamos de algum modo sobre influxo da cultura globalizada atual, que, sem deixar de apresentar valores e novas possibilidades, pode também limitar- nos, condicionar-nos e até mesmo combalir-nos [...]” (77). São tentações que afetam particularmente os agentes de pastoral: a) Complexo de inferioridade, que leva a relativizar ou esconder a própria identidade cristã e as suas convicções (cf. 79); b) Relativismo prático, que tem diversos aspectos: “[...] agir como se Deus não existisse, decidir como se os pobres não existissem, sonhar como se os outros não existissem, trabalhar como se aqueles que não receberam o anúncio não existissem” (80); c) Comodismo: trata-se de uma “vida cristã” desprovida de compromisso missionário. Temos muitas tarefas, o tempo livre não deve ser “roubado” por ninguém. A missão implica sacrifício, sair de si mesmo. Ela enfrenta obstáculos. Às vezes, o primeiro obstáculo é o comodismo; d) Escapismo. A Evangelii Gaudium fala do “deveriaqueísmo”: consiste em comportar-se como mestres espirituais e peritos de pastoral descomprometidos: “dão instruções ficando de fora” (96); e) Mundanismo espiritual: servir-se da Igreja e da religião para buscar não a glória do Senhor, mas a glória humana e o bem-estar pessoal. O mundanismo se expressa numa liturgia exibicionista, numa preocupação exagerada com o prestígio da Igreja, na apresentação de si mesmo envolvido em uma intensa vida social cheia de viagens, reuniões, jantares, recepções (95). A Evangelii Gaudium apresenta alguns remédios para essas tentações: a) A experiência de estar juntos. A mística de viver juntos é uma contribuição da Igreja para este tempo em que as redes e demais instrumentos de comunicação 9 humana alcançaram progressões inacreditáveis (cf. 87). A Exortação descreve, de modo bem completo, a mística do viver juntos: “[...] misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar-nos, participar nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se em uma verdadeira experiência de fraternidade, caravana solidária, peregrinação sagrada” (87). A experiência do “viver juntos” se fundamenta na mística da encarnação: “a verdadeira fé no Filho de Deus feito carne é inseparável do dom de si mesmo, da pertença à comunidade, do serviço, da reconciliação com a carne dos outros”. Na sua encarnação, o Filho de Deus convidou-nos à “revolução da ternura” (88). b) Maior presença feminina na Igreja. A mulher tem uma contribuição indispensável na sociedade, que é reconhecida pela Igreja. João Paulo II, na Carta Apostólica Mulieris Dignitatem (1988), se refere ao gênio feminino, a algo inerente ao ser feminino: solicitude pelos outros que “se exprime de modo particular, mas não exclusivamente na maternidade” (103), sensibilidade aguçada, intuição. A Exortação cita também o papel que a mulher desempenha na Igreja, de modo especial no campo da pastoral e da reflexão teológica, e conclui: “mas é preciso ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja” (103). Faz uma ressalva: embora homens e mulheres possuam a mesma dignidade, “o sacerdócio reservado aos homens, como sinal de Cristo Esposo que se entrega na Eucaristia, é uma questão que não se põe em discussão” (104). Mas isso não significa uma identificação, de modo demasiado, com o poder, ou seja, superioridade sobre os demais. A grande dignidade vem do batismo, que é acessível a todos. A potestade sacerdotal é “a potestade de administrar o sacramento da Eucaristia, portanto, é ministério, serviço ao povo” (cf. 104). c) Pastoral da juventude. A Evangelii Gaudium dedica dois parágrafos aos jovens. Em primeiro lugar, cita a proposição 51 da Assembleia do Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização para a Transmissão da Fé. Refere-se à dificuldade de entender a linguagem dos jovens no mundo de hoje e de dialogar com eles. Considera como fruto da ação do Espírito a proliferação de associações e movimentos juvenis em nossos dias. No âmbito eclesial, a presença dos jovens ganha espaço. Existe hoje a consciência de que toda a comunidade eclesial é responsável pela sua formação e que os jovens tem um protagonismo na vida da Igreja. d) Piedade popular. A piedade popular, como resultado da encarnação da fé na cultura popular, é considerada de modo positivo pela Evangelii Gaudium: “[...] inclui uma relação pessoal não com energias harmonizadoras, mas com Deus, Jesus Cristo, Maria, um santo. Tem carne, tem rostos. Estão aptas para alimentar potencialidades relacionais, e não tanto fugas individualistas” (90). QUESTÕES PARA REFLEXÃO: 1. Após o Vaticano II, quase sempre os documentos pastorais do Magistério da Igreja trazem uma visão geral da realidade. Qual a importância desse fato para a missão evangelizadora da Igreja? 10 2. Quais são os “sinais dos tempos” que podemos descobrir na visão da realidade registrada pela Evangelii Gaudium? 3. Procure refletir sobre a influência do individualismo na vida da família e o que a Pastoral Familiar de sua paróquia ou diocese tem feito para enfrentá-lo. 4. Quais são os sinais de mundanismo espiritual que você consegue notar na vida de sua comunidade eclesial ou movimento? 5. Procure tirar consequências da mística do viver juntos expressa nestas palavras da Evangelii Gaudium: “[...] misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar-nos, participar nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se em uma verdadeira experiência de fraternidade, caravana solidária, peregrinação sagrada” (87). 11 Capítulo II EVANGELIZAÇÃO: UMA PRIORIDADE ABSOLUTA O capítulo terceiro da Evangelii Gaudium contém alguns elementos fundamentais da teologia da missão. É um capítulo fundamental para a renovação da Igreja na perspectivamissionária, componente do projeto pastoral do pontificado do papa Francisco. A Igreja tem origem “na iniciativa livre e gratuita de Deus” (111). Essa afirmação da Exortação se inspira na Constituição Dogmática Lumen Gentium do Vaticano II. De acordo com o ensinamento do Concílio, a Igreja é componente do projeto salvífico do Pai, que existe desde toda a eternidade. A Igreja esteve em processo de gestação em toda a História da Salvação. O mistério da Igreja como comunidade de salvação está presente em toda a História da Salvação. A Lumen Gentium cita o pensamento de padres da Igreja, que falam de uma Igreja que vem desde Adão, desde o justo Abel (cf. LG n. 2). Santo Tomás de Aquino afirma que os patriarcas pertencem, como nós, ao mesmo mistério da Igreja. Portanto, a Igreja é essencialmente comunidade de graça e salvação. Não é invenção humana, mas divina. É o Reino do Senhor, espaço onde Cristo Ressuscitado está presente, exercendo seu poder salvífico. É o Cristo Ressuscitado que a Igreja celebra e anuncia ao mundo. Por isso, afirma a Evangelii Gaudium: “não pode haver verdadeira evangelização sem o anúncio explícito de Jesus Cristo” (110). Trata-se de uma prioridade absoluta (cf. ibid.). A Igreja é, portanto, um povo destinado a levar o anúncio da salvação a todos os povos: “ide, pois, fazei discípulos meus todos os povos” (Mt 28,19). O papa Francisco faz, a partir daí, um convite muito pessoal: “E gostaria de dizer àqueles que se sentem longe de Deus e da Igreja, aos que tem medo ou aos indiferentes: o Senhor também te chama para seres parte do seu povo, e fá-lo com grande respeito e amor” (114). A Igreja, como Povo de Deus, não é uma entidade abstrata que paira sobre os povos como realidade histórica e concreta. Ao contrário, a Igreja, como Povo de Deus, se encarna nos povos da terra com suas culturas (cf. 115). A cultura é aquilo que dá identidade a um povo. Trata-se, antes de tudo, da cultura socializada, que a família transmite aos indivíduos para torná-los membros da sociedade: a língua, os costumes, os hábitos sociais, o “estilo de vida que uma determinada sociedade possui” (115). Por meio da cultura, cada indivíduo torna-se imagem e semelhança da sociedade a que pertence. O ser humano, embora possua uma natureza universal, se encontra sempre culturalmente situado (115). É impensável fora de sua cultura. A Evangelii Gaudium chama atenção sobre a relação entre cultura e natureza. A cultura, em sua dimensão material, é uma síntese entre pensamento e natureza. Por exemplo, um vaso de barro é produto de uma imagem elaborada pelo pensamento e 12 incutida na matéria natural, que é o barro. A cultura, nesse caso, é uma síntese de pensamento e matéria. A Evangelii Gaudium contém outra afirmação importante: o ser humano é, ao mesmo tempo, filho e pai da cultura em que está inserido (cf. 122). É filho de sua cultura. De fato nascemos como um ser natural. Por meio da educação (transmissão da cultura socializada), ao nosso ser natural é acrescentado um ser social. Somos também pai da nossa cultura. A cultura é dinâmica. Cada indivíduo e grupo social age sobre a cultura. Afirma a Exortação: “A cultura é algo dinâmico que um povo recria constantemente, e cada geração transmite à seguinte um conjunto de atitudes relativas às diversas situações existenciais, que esta nossa nova geração deve reelaborar em face dos próprios desafios” (122). A cultura tem uma dimensão teológica, pois ela é o suporte à ação do Espírito: “quando uma comunidade acolhe o anúncio da salvação, o Espírito Santo fecunda a sua cultura com a força transformadora do Evangelho” (116). Mais ainda: o Espírito Santo prepara cada cultura para o encontro com o Evangelho, nela espalhando aquilo que os Padres Apologetas chamavam de “semina Verbi” (sementes do Verbo): verdade, justiça, amor, sede de Deus etc. A Evangelii Gaudium chega a uma conclusão importante: “Se for bem entendida, a diversidade cultural não ameaça a unidade da Igreja” (112). Aliás, torna a unidade da Igreja mais rica: uma face com diversos traços. Trata-se da variedade de carismas que se completam, de tradições litúrgicas, de inciativas missionárias etc. Portanto, “não faria justiça à lógica da encarnação pensar um cristianismo monocultural e monocórdico” (cf. 117). Daí a importância, sobretudo hoje, de uma evangelização inculturada, cujo sujeito, como mostra o exemplo de são Paulo, não é o missionário enquanto indivíduo, nem o teólogo, nem o perito em antropologia, mas a comunidade eclesial assistida pelo Espírito Santo. A Evangelii Gaudium cita como exemplo de evangelização inculturada “a piedade popular” ou “mística popular” e ainda a “espiritualidade popular” (124). Talvez a expressão mais adequada seja a de religiosidade popular enquanto dimensão inculturada do cristianismo. A religiosidade popular é dotada de determinadas práticas (piedade popular), possui uma espiritualidade característica expressa em crenças e orações. Possui também uma mística, ou seja, uma força de resistência nos sofrimentos, um sentido para a vida. Essa expressão do cristianismo “acentua mais o credere in Deum do que o credere Deum” (124), ou seja, acentua mais o relacionamento pessoal e íntimo com Deus do que a compreensão das verdades da fé. Em outras palavras, acentua mais a dimensão pessoal da fé (confiança: entrega da própria vida a Deus) do que a sua dimensão objetiva: as verdades reveladas por Deus. Na Exortação, o papa dá exemplos desse dinamismo pessoal da fé: “Só a partir da conaturalidade afetiva que dá o amor é que podemos apreciar a vida teologal presente na piedade dos povos cristãos, especialmente dos pobres. Penso na fé firme das mães ao pé da cama do filho doente, que se agarram a um terço ainda que não saibam elencar os artigos do Credo; ou na 13 carga imensa de esperança contida numa vela que se acende, numa casa humilde, para pedir ajuda a Maria, ou nos olhares de profundo amor a Cristo crucificado. Quem ama o povo fiel de Deus não pode ver essas ações unicamente como uma busca natural da divindade. São a manifestação de uma vida teologal animada pela ação do Espírito Santo, que foi derramado em nossos corações (cf. Rm 5,5) (125). A Exortação dá uma visão sintética da religiosidade popular inspirada no Documento de Aparecida: “é uma maneira legítima de viver a fé, um modo de se sentir parte da Igreja e uma forma de ser missionário; comporta a graça da missionariedade, do sair de si e do peregrinar: ‘O caminhar juntos para os santuários e o participar em outras manifestações da piedade popular, levando também os filhos ou convidando outras pessoas, é em si mesmo um gesto evangelizador’” (124; DAp 264). A evangelização inculturada implica também o anuncio do Evangelho às culturas profissionais, científicas e acadêmicas (132). Sobretudo a teologia, que é não apenas uma ciência, mas, como afirmou Paulo VI, um ministério a serviço da missão evangelizadora da Igreja, deve estar em diálogo com a ciência e com as culturas em seu conjunto. “Mas, para isso, é necessário que se comprometa com a finalidade evangelizadora da Igreja e da própria teologia e não se contente com uma teologia de gabinete” (133). Nesse sentido, podemos dizer que a verdadeira teologia é, por natureza, querigmática e cristocêntrica, isto é, elaborada em vista do anúncio de Jesus Cristo, Filho de Deus e nosso Salvador. Essa dimensão querigmática da teologia não implica a perda de sua profundidade. Temos um exemplo disso em Santo Tomás de Aquino, paradigma do teólogo católico. Ele exerceu a sua atividade teológica não só na cátedra acadêmica, mas também no púlpito. Mostrou assim que a cátedra acadêmica deve convergir para o púlpito, para o anúncio da mensagem salvífica. A Nova Evangelização insiste que a missão tem a sua origem numa experiência que muda nossa vida e aponta para um rumo definitivo: o encontro com Cristo. Diz o texto da Evangelii Gaudium: “se não estamos convencidos disto, olhemos para os primeiros discípulos, que logo depois de terem conhecido o olhar de Jesus, saíram proclamandocheios de alegria: ‘encontramos o Messias’ (Jo 1,41)” (120). O texto cita o exemplo da Samaritana (cf. Jo 4,1-30). Trata-se de um encontro realizado através de um diálogo, em que ela descobre, através de etapas, a verdadeira identidade de Jesus e este lhe concede a “água viva”, ou seja, o dom da fé, que muda totalmente a sua vida. No início, ela descobre que Jesus é um judeu. Em seguida, o encontro se aprofunda e ela descobre que Jesus é mais do que um judeu. Ele é um profeta, alguém movido pelo “Sopro Divino”. O encontro se aprofunda ainda mais e, finalmente, ela descobre a identidade completa de Jesus: ele é o Messias, o Salvador. Desse encontro nasce a missão: ela sai para comunicar aos habitantes de sua aldeia a sua descoberta e convidá-los a fazer a mesma experiência. Quem se encontra com Jesus, afirmou o Papa João Paulo II, realiza uma descoberta tão importante que não consegue guardar só para si, sente necessidade de comunicar aos outros. A missão é, antes de tudo, comunicação de uma experiência que mudou a vida da pessoa. 14 Podemos ainda acrescentar, ao caso da samaritana, mais um episódio. Na madrugada da Páscoa, Maria Madalena e a outra Maria foram visitar o túmulo de Jesus para completar o embalsamento de seu corpo. Tiveram uma surpresa: o túmulo estava vazio. Em seguida, vem a revelação divina feita por um anjo: ele não está aqui. Ressuscitou (cf. Mt 28,6). Depois disso, vem a missão: “ide já contar aos discípulos que ele ressurgiu dos mortos, e que ele vos precede na Galileia. Ali o vereis” (28,7). Diz o evangelho que elas saíram depressa, com medo e grande alegria, para fazer o anúncio. Saíram depressa: o missionário tem pressa, ele tem uma Boa-nova que não consegue guardar só para si. Tem necessidade de partilhar com os outros. As mulheres receberam a ordem de comunicar aos discípulos que se dirigissem para a Galileia. Lá encontrariam o Ressuscitado. Certamente que, enquanto os discípulos se dirigiam para a Galileia, iam pensando: agora vamos ficar definitivamente com o Mestre. Porém, logo que o encontro se realizou, veio a missão: “Toda autoridade sobre o céu e sobre a terra me foi entregue. Ide, portanto, e fazei com que todas as nações se tornem discípulos...” (Mt 28,19). A missão envolve não só a Igreja como um todo. Diz a Evangelii Gaudium “a Nova Evangelização deve implicar um novo protagonismo de cada batizado” (120). Nada substitui o encontro pessoal, pois Cristo não é uma ideia. Ele é uma pessoa que vai ao encontro de outra pessoa. Esse encontro pessoal, a Evangelii Gaudium chama de pregação informal, “que se pode realizar durante uma conversa, e é também a que realiza um missionário que visita um lar” (127). A Exortação chega a sugerir uma metodologia. O primeiro passo é o diálogo pessoal, amável e respeitoso que possibilita ao interlocutor expressar suas alegrias, tristezas e preocupações. O segundo passo é a apresentação da Palavra, acompanhada do testemunho pessoal sobre o amor de Deus, que entrega o seu Filho para a nossa salvação. O terceiro passo é a conclusão do encontro fraterno e missionário com uma breve oração (cf. 128). Logo após o Vaticano II, que foi um Concílio pneumatológico, isto é, que contém uma rica doutrina sobre o Espírito Santo, surgiu, na Igreja, uma quantidade de carismas (dons do Espírito Santo para a edificação da comunidade), que se expressaram em movimentos e novas comunidades, envolvendo um grande número de leigos na missão evangelizadora da Igreja. Os papas João Paulo II e Bento XVI viram, nesses movimentos e novas comunidades, um sopro do Espírito Santo para a renovação da Igreja em perspectiva missionária. O papa Francisco expressa a mesma postura na Evangelii Gaudium (cf. 130). No terceiro capítulo desta, o papa trata de dois temas específicos ligados à evangelização: homilia e catequese. Existem três modalidades de anúncio da Palavra: o querigma, a catequese e a homilia. O querigma é o anúncio da Palavra feito àqueles que ainda não creem em Cristo e que deve ser repetido sempre àqueles que creem. É semelhante à proclamação da Boa-nova feita pelo arauto. Foi o que fez Pedro no dia de Pentecostes. Diz o livro dos Atos que Pedro, “de pé”, isto é, em atitude de coragem, tendo os Onze ao seu lado, 15 ergueu a voz e disse: “homens da Judeia e vós todos habitantes de Jerusalém, ouvi o que vos tenho a dizer...” (At 2,14). A seguir, anuncia, com convicção e coragem, a morte e a ressurreição de Cristo pela nossa salvação. Proclama que, em nenhum outro nome, existe salvação. O querigma não é, pois, um anúncio decorado e feito mecanicamente. É o anúncio acompanhado do testemunho daquele que teve a sua vida transformada pelo evento que está anunciando. A resposta ao querigma é a conversão, que consiste em renunciar ao pecado e entregar a própria vida a Cristo. Essa conversão é expressa publicamente no Batismo, sacramento pelo qual a pessoa ingressa na Igreja – comunidade dos discípulos de Cristo. Na Igreja, o discípulo prepara-se para tornar-se missionário. A finalidade do discipulado é a missão. A segunda modalidade de anúncio da Palavra é a catequese: visão metódica da História da Salvação e da doutrina da Igreja. O fundamento da catequese é o querigma. A terceira modalidade é a homilia. Esta tem dois pressupostos. O primeiro é a unidade interior de toda a Sagrada Escritura (exegese canônica). E o segundo é a natureza da Palavra de Deus. A dabar é diferente do logos grego, simples comunicação do pensamento. A dabar é uma palavra-ação. Deus age pela sua Palavra. Salva pela sua Palavra. Afirma a Exortação Pós-sinodal Verbum Domini: “Com efeito, na história da salvação, não há separação entre o que Deus diz e faz; a sua própria Palavra apresenta-se como viva e eficaz (cf. Hb 4,12), como, aliás, indica o significado do termo hebraico dabar” (n. 53). A homilia tem, pois, como finalidade, introduzir a comunidade litúrgica no mistério que está sendo celebrado. Deve revelar o sentido cristológico da Palavra anunciada. Relaciona-se com a Eucaristia e a vida dos fiéis. Deve ter um tom coloquial e familiar. A homilia além de envolver todas as pessoas presentes (crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos, homens e mulheres), ela é frequentemente o único acesso que as pessoas tem à Palavra de Deus. Observa a Exortação que, na homilia, desempenha papel importante o pregador. Daí o apelo do papa: “Renovamos a nossa confiança na pregação, que se funda na consciência de que é Deus que deseja alcançar os outros por meio do pregador e de que ele mostra o seu poder pela palavra humana” (136). A eficácia da Palavra é diferente da eficácia do sacramento. Este produz efeito “ex opere operato”, isto é, pela sua própria realização num contexto de fé, tendo a intenção de realizar segundo o sentido que lhe dá a Igreja. A eficácia da Palavra, porém, depende também do pregador. Este pode, com sua vida, facilitar ou dificultar a eficácia da Palavra. Pode, até mesmo, colocar obstáculos. A partir deste fato, a Evangelii Gaudium apresenta um itinerário de preparação da homilia: a) Confiança no Espírito Santo: “A confiança no Espírito Santo que atua na pregação não é meramente passiva, mas ativa e criativa. Implica oferecer-se como 16 instrumento (cf. Rm 12,1), com todas as suas capacidades, para que possam ser utilizadas por Deus” (145). O Espírito não diz novas palavras, mas torna sempre nova a Palavra dita por Jesus. A ação do Espírito visa a intelecção da Palavra. É necessária para a interiorização da Palavra e para que ela seja colocada em prática. b) Compreensão do texto bíblico (cf. 146-148). A Sagrada Escritura possui um sentido literal revelado pelo método histórico-crítico. É necessário compreender o que a Palavra de Deus significa literalmente no seu contexto histórico. Isso é importante, mas não basta. c) Descobrir o sentido espiritual (cf. 152). A Sagrada Escritura é mais que um livro histórico. Ela possui uma transcendência: registra a História da Salvação. Portanto, além do sentido literal, possui um sentido espiritual, que, àsvezes, se encontra na própria Sagrada Escritura. Cabe à hermenêutica tipológica ajudar a descobrir o sentido espiritual. É esse sentido que alimenta a vida cristã. d) Escutar o povo: “O pregador deve também pôr-se a escuta do povo, para descobrir aquilo que os fiéis precisam ouvir. Um pregador é um contemplativo da Palavra e também um contemplativo do povo” (154). O conhecimento da vida do povo, sobretudo pela vivência, permite “relacionar a mensagem do texto bíblico com uma situação humana, com algo que as pessoas vivem, com uma experiência que precisa da luz da Palavra” (154). É o conhecimento da vida do povo que possibilita a pregação profética. Afirma-se que a pregação do Santo Cura d’Ars era profética, pois denunciava o pecado e despertava esperança, levava à conversão e à salvação, justamente porque ele conhecia bem a vida de seu rebanho. e) Deixar-se tocar pela Palavra (cf. 150-151). Antes de ser anunciador, o pregador precisa ser discípulo da Palavra: deixar, à semelhança de Nossa Senhora, que a Palavra exerça um primado em sua vida. O Magnificat é uma demonstração de que Nossa Senhora conhecia a Palavra de Deus. Procurava compreender a história de seu povo e da sua própria vida a partir da Palavra de Deus. A Didaqué oferece um critério fundamental para distinguir o verdadeiro do falso profeta. Aquele vive o que prega; este não vive o que prega. f) Linguagem simples, direta, clara e objetiva (cf. 158-159). Como afirma a Verbum Domini, a homilia tem uma importância prática muito grande, pois além de envolver várias categorias de pessoas presentes na celebração, ela é, com muita frequência, o único meio de acesso do povo à Palavra de Deus. É necessário, pois, conhecer a realidade do interlocutor. Não se trata de um conhecimento teórico, mas vivencial: “Se se quer adaptar à linguagem dos outros para se chegar até ele com a Palavra, deve-se escutar muito, é preciso partilhar a vida das pessoas, e prestar-lhe benévola atenção” (158). Santo Agostinho afirma, no comentário ao Salmo 27, que o báculo com o qual o pastor conduz o rebanho é o Evangelho de Jesus Cristo. A homilia supõe, de fato, que 17 o pastor conheça o rebanho. Quando Cristo afirma que o Bom Pastor conhece as ovelhas, não está se referindo ao conhecimento teórico, feito através de pesquisa, mas ao conhecimento vivencial. A homilia deve, pois, ter a tonalidade da conversa do pastor com as suas ovelhas. Usar imagens na pregação. Usar imagem significa falar por imagens. Trata-se de um recurso didático que, além de enriquecer a pregação, torna-a mais atraente. Nesse ponto, Cristo foi um mestre incomparável; basta recordar as parábolas do pastor, da semente lançada à terra, da casa edificada sobre a rocha. Outro tema ligado à evangelização é a catequese. Recuperando o ensinamento da Catequese Renovada, exposta pela Exortação Apostólica Catequesi Tradendae de Joao Paulo II, a Evangelii Gaudium sublinha duas características que deve ter a catequese na perspectiva da Nova Evangelização. Ela deve ser querigmática e mistagógica. Além de visar a conversão, deve também introduzir na participação da vida da comunidade eclesial. Trata-se de algo realizado progressivamente, “na qual intervém toda a comunidade e uma renovada valorização dos sinais litúrgicos da iniciação crista” (166). A Assembleia do Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização para a Transmissão da Fé tratou também da “via da beleza”, que deve envolver a evangelização e, de modo especial, a catequese. A via da beleza está baseada na afirmação de Santo Agostinho: “não amamos senão o que é belo”. A vida eterna, que é comunhão com Deus, consiste na contemplação da Beleza infinita. A propósito da via da beleza, observa a Evangelii Gaudium: “Anunciar Jesus Cristo significa mostrar que crer nele e segui-lo não é algo apenas verdadeiro e justo, mas também belo, capaz de cumular a cada um de um novo esplendor e de uma alegria profunda mesmo no meio das provações. Nessa perspectiva, todas as expressões da verdadeira beleza podem ser reconhecidas como uma senda que ajuda a encontrar-se com Jesus Cristo” (167). QUESTÕES PARA REFLEXÃO: 1. Procure apresentar as razões para a seguinte afirmação da Evangelii Gaudium: “A missão é uma prioridade absoluta” (110). 2. Faça uma leitura orante do encontro de Jesus com a samaritana (Jo 4,1-30) seguindo o esquema proposto pela Exortação Pós-sinodal Verbum Domini (n. 87): a) o que diz o texto bíblico em si mesmo? (leitura); b) o que diz para mim? (meditação); c) que dizemos ao Senhor em resposta à sua Palavra? (oração). À oração segue a contemplação: olhar a realidade e perguntar: qual a conversão da mente, do coração e da vida que o Senhor pede? d) ação: doação aos outros na caridade. 3. Procure fazer uma análise das diversas homilias que você tem ouvido. Apresente seus pontos positivos e negativos. 4. Reflita sobre a afirmação de santo Agostinho: “não amamos senão o que é belo”, e procure apontar as belezas que contém o Evangelho. 18 Capítulo III A IGREJA DA “SAÍDA” A teologia da missão desenvolvida no capítulo terceiro da Evangelii Gaudium constitui o fundamento teológico do projeto pastoral do pontificado do atual papa: a renovação da Igreja em perspectiva missionária. Nesse capítulo, ele trata da natureza missionária do Povo de Deus com a expressão Igreja da “saída”. Em seguida, apresenta a metodologia da Igreja da “saída”. Em terceiro lugar, trata da conversão pastoral ou missionária. 1) A Igreja da “saída” Antes de tudo, devemos recordar que a missão tem sua origem na própria Trindade. A missão da Igreja se originou da missão do Filho e do Espírito, enviados pelo Pai ao mundo. O Filho e o Espírito foram os dois primeiros missionários. Segundo santo Irineu, as duas mãos pelas quais o Pai opera no mundo. Sem a missão do Filho e do Espírito, não haveria a missão da Igreja. A missão é, antes de tudo, obediência da Igreja, comunidade dos discípulos de Jesus. Afirma a Evangelii Gaudium: “A evangelização obedece ao mandato missionário de Jesus: ‘Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho ensinado’ (Mt 28,19-20)” (19). A Igreja da “saída” pertence ao dinamismo da escuta do Evangelho (cf. 20). O livro dos Atos expressa esse dinamismo da Palavra com a afirmação: “A Palavra de Deus [...] crescia e se multiplicava” (At 12, 24), isto é, crescia e se multiplicava o número daqueles que ouviam a Palavra e se tornavam evangelizadores. Quem ouve a Palavra e não se torna evangelizador, pensa que ouviu, mas ainda não a ouviu completamente, ou seja, a Palavra ainda não realizou nele todo o seu dinamismo. No capítulo sexto, afirma o livro dos Atos que a Palavra encheu toda a cidade de Jerusalém (cf. At 6,7). É da natureza da Palavra ser ouvida e transmitida. Quando isso acontece, a Palavra enche as cidades. Foi em Pentecostes que a Igreja recebeu a sua configuração histórica definitiva, tornando-se Igreja da “saída”, Igreja missionária. A alegria do Evangelho é consequência também da missão (cf. 21). A missão sempre enfrenta obstáculos, sobretudo a perseguição: “Eu vos envio como cordeiros entre lobos” (Mt 10,16), disse Jesus ao enviar os Doze em missão. No tempo dos Apóstolos, os obstáculos foram: magia, idolatria, perseguição, longas distâncias. Hoje a missão enfrenta obstáculos também: secularismo, laicismo, hedonismo, consumismo. Enfrenta obstáculos no interior da própria Igreja: comodismo, complexo de inferioridade, não querer comprometer-se, como recorda o papa na sua 19 Exortação. Mas, na força do Espírito, a missão vence os obstáculos e traz alegria. O papa cita a experiência dos 72 discípulos, que voltaram da missão cheios de alegria (cf. Lc 10,17). E a alegria dos discípulos contagiou o próprio Jesus que os havia enviado. Jesus exultou de alegria no Espírito Santo e pronunciou uma de suas mais belas orações: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e asrevelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, e ninguém conhece quem é o Pai senão o Filho e àquele a quem o Filho quiser revelar” (Lc 10,21-22). Essa passagem citada pela Evangelii Gaudium é significativa, pois mostra a universalidade da missão. Enquanto no Evangelho de Mateus, Jesus, durante o seu ministério público, envia os Doze em missão, no Evangelho de Lucas ele envia 72 discípulos. Isso porque, no tempo em que Lucas escreveu o Evangelho, se pensava que os povos da terra fossem em número de 70 ou 72. Portanto, ao citar os 72 discípulos, são Lucas quer mostrar que o Evangelho deve ser anunciado a todos os povos da terra, para se cumprir o mandato missionário de Jesus: fazei com que todos os povos se tornem meus discípulos. O universalismo da missão se encontra também na lista dos representantes dos povos presentes em Jerusalém no dia de Pentecostes (cf. At 2,5-11). Trata-se de uma lista em que povos grandes se encontram ao lado de povos pequenos; povos conhecidos, ao lado de povos desconhecidos. Isso para mostrar que, em Pentecostes, o Espírito Santo impeliu a Igreja em direção a todos os povos: grandes e pequenos, conhecidos e desconhecidos. A potencialidade da Palavra é, até mesmo, imprevisível: “A Palavra possui, em si mesma, tal potencialidade, que não podemos prever. O Evangelho fala da semente que, uma vez lançada à terra, cresce por si mesma, inclusive quando o agricultor dorme (cf. Mc 4,26-29). A Igreja deve aceitar essa liberdade incontrolável da Palavra, que é eficaz a seu modo e sob formas tão variadas que muitas vezes nos escapam, superando as nossas previsões e quebrando os nossos esquemas” (22). Outro aspecto da Igreja da “saída” é a comunhão eclesial. Ela é, antes de tudo, comunhão na graça, portanto, comunhão que é intimidade da Igreja com Jesus. E essa comunhão é em vista da missão (cf. Jo 17,20-21). A partir daí, podemos compreender a profundidade das palavras da Evangelii Gaudium: “A intimidade da Igreja com Jesus é uma intimidade itinerante, e a comunhão reveste essencialmente a forma de comunhão eclesial” (João Paulo II, Christifidelis Laici). Fiel ao modelo do mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo. A alegria do Evangelho é para todo o povo, não se pode excluir ninguém, assim foi anunciada pelo anjo aos pastores de Belém: “Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo” (Lc 2,10). O Apocalipse fala de uma Boa-nova de valor eterno para anunciar aos habitantes de terra: “a todas as nações, tribos, línguas e povos (Ap 14,6)” (23). 2) A metodologia evangelizadora da Igreja da “saída” 20 O papa Francisco resumiu a metodologia da Igreja da “saída” nos seguintes passos: tomar a iniciativa, envolver-se, acompanhar, frutificar e festejar. Metodologicamente, trata-se de uma sequência lógica. Na prática, porém, as coisas, às vezes, acontecem simultaneamente. a) Tomar iniciativa. Essa é a primeira atitude da Igreja da “saída”. A missão é consequência do encontro com Cristo, descoberta tão importante que ninguém consegue guardar só para si. Sente necessidade de compartilhar com os outros como aconteceu com a Samaritana. A missão é consequência da gratuidade do amor. Por isso não existe missão sem amor a Cristo, sem amor à causa do Reino, como dom da salvação que, em Cristo, Deus oferece a todos os povos e a cada criatura humana. A iniciativa é também imitação de Cristo: “a comunidade missionária experimenta que o Senhor tomou a iniciativa, precedeu-a no amor (cf. 1Jo 4,10) e, por isso, ela sabe ir à frente, tomar iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos” (24). b) Acompanhar. A missão exige paciência. Deus tem paciência com todos para dar tempo para a conversão. O exemplo de santo Agostinho demonstra que o encontro com Cristo se faz através de um processo que pode durar anos. A graça age, quase sempre, de modo lento no coração da pessoa. A semente do Reino às vezes germina de modo imperceptível aos olhos humanos. c) Frutificar. “A comunidade evangelizadora mostra-se atenta aos frutos, porque o Senhor a quer fecunda. Cuida do trigo e não perde a paz por causa do joio” (24). d) Festejar. Trata-se de “celebrar cada pequena vitória, cada passo em frente na evangelização” (24). A festa é uma espécie de refeição moral. Ela nos coloca num nível de existência que nos enche de alegria, esperança e força para continuar a caminhada e vencer os obstáculos. Mas o espaço festivo para celebrar o dom da salvação é, sobretudo, a liturgia. É oportuna a afirmação da Evangelii Gaudium: “No meio dessa exigência diária de fazer avançar o bem, a evangelização jubilosa torna-se beleza na liturgia. A Igreja evangeliza e se evangeliza com a beleza da liturgia, que é também celebração da atividade evangelizadora e fonte de um renovado impulso para se dar” (24). A evangelização se realiza na liturgia não só pelo anúncio da Palavra, mas também pelos símbolos litúrgicos. 3) Conversão pastoral e missionária A renovação da Igreja em perspectiva missionária iniciou-se com o Concílio Ecumênico Vaticano II e prosseguiu nos pontificados sucessivos. Na Evangelii Gaudium o papa fala não só de uma renovação da Igreja, como fez Paulo VI na Encíclica programática de seu pontificado – Ecclesium Suam –, mas fala de reforma da Igreja na perspectiva do Vaticano II. Trata-se, pois, de um modelo de Igreja que envolve sua estrutura. A Evangelii Gaudium, no número 26, cita o seguinte texto do Vaticano II: “Toda renovação da Igreja consiste essencialmente numa maior 21 fidelidade à própria vocação. [...] A Igreja peregrina é chamada por Cristo a esta reforma perene. Como instituição humana e terrena, a Igreja necessita perpetuamente desta reforma” (Unitatis Redintegratio, 6). O papa, com palavras claras, mostra em que consiste a conversão pastoral e missionária: “sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual do que à autopreservação. A reforma das estruturas, exigida pela conversão pastoral, só se pode entender nesse sentido: fazer que todas elas se tornem mais missionárias, que a pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja mais comunicativa e aberta, que coloque os agentes pastorais em atitude constante de ‘saída’ e, assim, favoreça a resposta positiva de todos aqueles a quem Jesus oferece sua amizade” (27). Portanto, a conversão pastoral e missionária envolve a paróquia, as comunidades de base e pequenas comunidades, movimentos e associações, a diocese. Envolve também as pessoas: os bispos, o papa e a instituição do papado: “Dado que sou chamado a viver aquilo que peço aos outros, devo pensar também numa conversão do papado. Compete-nos como Bispo de Roma, permanecer aberto às sugestões tendentes a um exercício do meu ministério que o torne mais fiel ao significado que Jesus Cristo pretendeu dar-lhe e às necessidades atuais da evangelização” (32). João Paulo II, citado pelo papa Francisco, já havia feito idêntico pedido. A conversão pastoral e missionária implica também o modo de comunicar a mensagem, que leve em consideração a velocidade das comunicações e a seleção interessada do conteúdo feita pela mass media que, às vezes, acentua aspectos secundários da mensagem e não o seu conteúdo essencial (cf. 34). De outro lado, a dificuldade da comunicação nasce da própria obscuridade da fé: “Em todo caso, não podemos jamais tornar os ensinamentos da Igreja uma realidade facilmente compreensível e felizmente apreciada por todos: a fé conserva sempre um aspecto de cruz, certa obscuridade que não tira firmeza à sua adesão” (42). Podemos citar, a propósito, o testemunho do apóstolo Paulo. Escreveu ele: “agoravemos em espelho e de maneira confusa, mas, depois, veremos face a face. Agora o meu conhecimento é limitado, mas, depois, conhecerei como sou conhecido” (1Cor 13,12). Podemos citar o testemunho de santa Terezinha do Menino Jesus e da beata Tereza de Calcutá. Aquela sofreu dúvidas sobre a existência de Deus até mesmo horas antes de morrer. Esta fez a experiência da noite escura na sua caminhada de fé. Estas experiências dolorosas não diminuíram a sua entrega confiante ao Senhor. Ao contrário, aumentaram a profundidade da entrega. Como recorda a Evangelii Gaudium, a comunicação da mensagem precisa levar em consideração a hierarquia das verdades reveladas e a hierarquia das virtudes. Ambas as expressões significam que há uma ordem de importância entre as verdades da doutrina católica. Com relação à hierarquia das verdades reveladas, não se pode esquecer aquilo que o papa denomina “a beleza do amor salvífico de Deus revelado em Jesus Cristo, morto e ressuscitado” (36). Trata-se do anúncio querigmático que leva a um processo 22 de conversão. Anúncio primeiro e permanente. Quanto à hierarquia das virtudes, a principal é a fé que atua pelo amor e pela misericórdia. “As obras de amor ao próximo são a manifestação externa mais perfeita da graça interior do Espírito” (37). E com relação à misericórdia: “Em si mesma, a misericórdia é a maior das virtudes; na realidade compete-lhe debruçar-se sobre os outros e – o que mais conta – remediar as misérias alheias. Ora, isso é tarefa especialmente de quem é superior; é por isso que se diz que é próprio de Deus usar misericórdia e, sobretudo nisto, que se manifesta a sua onipotência” (37). A moral cristã não é uma moral de atos, mas uma moral da pessoa. A questão moral não é, antes de tudo, colocar atos bons, mas tornar a pessoa boa pela aquisição das virtudes. No caso da moral católica, trata-se de um estilo de vida cada vez mais semelhante ao estilo de Jesus como consequência do encontro com ele. A proposta moral da Igreja não se reduz a um catálogo de normas. Trata-se da proposta para um novo estilo de vida que a Evangelii Gaudium chama “viver a um nível superior” (10), baseado sobre a experiência do amor de Deus em Jesus Cristo. A Evangelii Gaudium se refere ainda à contribuição da exegese, da teologia e da ciência para a transmissão da mensagem evangélica. A exegese e a teologia estão em função da missão da Igreja. Ajudam a “amadurecer o juízo da Igreja” (40). Finalmente, a Exortação trata da conversão pastoral e missionária aos pobres, não só os desprovidos de bens materiais, mas todos aqueles que se encontram nas periferias existenciais. O papa parte de um pressuposto teológico: “quero afirmar sem rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres” (42). Outro pressuposto é a coerência com a opção missionária da Igreja: “se a Igreja inteira assume este dinamismo missionário, há de chegar a todos sem exceção” (cf. ibid.). As palavras da Evangelii Gaudium são claras: “quando se lê o Evangelho encontramos uma orientação muito clara: não tanto aos amigos e vizinhos ricos, mas sobretudo aos pobres e aos doentes, àqueles que muitas vezes são desprezados e esquecidos, àqueles que não tem com que retribuir (Lc 14,14)” (48). QUESTÕES PARA REFLEXÃO: 1. Refletir sobre as razões da necessidade da missão. 2. Como evangelizar a paróquia para que ela seja uma escola de preparação de discípulos e missionários? 3. Mostrar as consequências práticas desta afirmação da Evangelii Gaudium: “A comunidade missionária experimenta que o Senhor tomou a iniciativa, precedeu-a no amor (cf. 1Jo 4,10) e, por isso, ela sabe ir à frente, tomar iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos” (24). 4. Como, em âmbito de comunidade paroquial, se deve viver a misericórdia como a maior das virtudes, uma vez que o amor e a misericórdia são o presente da fé? Além disso, a fé tem um futuro, que é a esperança. 23 Capítulo IV EVANGELIZAÇÃO COM “ESPÍRITO” O capítulo quinto é o capítulo, a meu ver, mais belo da Evangelii Gaudium. Em vez de ter, como título, a espiritualidade da evangelização, o papa preferiu uma expressão com maior concretude: evangelização com “espírito”. Às vezes, a evangelização é entendida simplesmente como um conjunto de tarefas que são executadas mecanicamente e, com frequência, de modo repetitivo. Essa modalidade quase sempre é incapaz de vencer os obstáculos que encontra. Ao contrário, “quando se fala de uma realidade que tem ‘espírito’ indica-se habitualmente uma moção interior que impele, motiva, encoraja e dá sentido à ação pessoal e comunitária” (261). Essa moção interior não é simplesmente uma convicção, uma ideia, uma ideologia. É um impulso que vem do Espírito Santo. Foi o que aconteceu aos Apóstolos no dia de Pentecostes. Afirma a exortação Apostólica: “[...] uma evangelização com espírito é uma evangelização com o Espírito Santo, visto que ele é a alma da Igreja evangelizadora” (261). Vejamos, agora, os pressupostos de uma evangelização com “espírito”: a) Paixão por Cristo e pelo povo. Diz a Evangelii Gaudium: “A missão é uma paixão por Jesus e simultaneamente uma paixão pelo povo” (268). Afirma o livro dos Atos que os Apóstolos pregavam com “paresia”, vocábulo da língua grega que significa coragem, audácia, paixão. De fato, o Espírito Santo tornou os Apóstolos apaixonados por Cristo e pelo Evangelho. Afirma o livro dos Atos, que narra a primeira história da missão, que os Apóstolos sentiam-se alegres ao sofrerem por causa do nome de Jesus (cf. At 5,41). Quando eram proibidos de pregar o nome de Jesus, eles respondiam: o que vimos e ouvimos não podemos deixar de anunciar (cf. At 4,20). Só pessoas apaixonadas são capazes de tamanha audácia. Sobretudo o apóstolo Paulo, o maior missionário da Igreja até hoje, foi uma pessoa apaixonada por Cristo. Basta recordar algumas de suas palavras: “não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Paulo ainda acrescentava: “fui crucificado junto com Cristo. Ressuscitado com Cristo” (Gl 2,19); “[...] eu trago em meu corpo as marcas de Jesus” (Gl 6,17). Sua paixão por Cristo e pelo Evangelho se expressam nesta declaração: “Pois para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro. Mas, se o viver na carne me dá ocasião de trabalho frutífero, não sei bem o que escolher. Sinto-me num dilema: o meu desejo é partir e ir com Cristo, pois isso me é muito melhor, mas o permanecer na carne é mais necessário por vossa causa” (Fl 1,21-24). Paulo foi um grande místico. A mística consiste numa união amorosa com Deus, que pode chegar pela ação do Espírito Santo, experiência direta de Deus. O místico é, pois, um apaixonado por Deus. Paulo foi um grande místico. Mas, como observou Cerfaux, o centro da mística de Paulo é o Cristo ressuscitado (L. Cerfaux, o cristão 24 na teologia de São Paulo, Ed. Paulinas, São Paulo, 1976, p. 332-335). A paixão por Cristo implica também a paixão pelo povo. Escreve o papa: “para ser evangelizador com ‘espírito’, é preciso também desenvolver o prazer espiritual de estar próximo à vida das pessoas, até chegar a descobrir que isso se torna fonte de uma alegria superior. A missão é uma paixão por Jesus e simultaneamente uma paixão pelo seu povo” (268). b) Evangelização como resposta a uma busca. A evangelização é o primeiro e mais importante serviço que a Igreja presta à pessoa e à humanidade. Ela não é uma espécie de superestrutura, algo acrescentado acidentalmente à vida de uma pessoa ou de um povo. A evangelização é a resposta a um anseio, a uma busca. Existe, de fato, no coração humano, o anseio de encontrar alguém que seja a verdade, o caminho e a vida. Foi este anseio que os gregos expressaram quando pediram a Felipe: “Queremos ver Jesus” (Jo 12,21). A propósito, observa ele, citando a Carta Encíclica de João Paulo II Redemptoris Missio: “O missionário está convencido de que existe já, nas pessoas e nos povos, pela ação do Espírito, uma ânsia – mesmo que inconsciente – de conhecera verdade clara de Deus, do homem, do caminho que conduz à libertação do pecado e da morte. O entusiasmo posto no anúncio de Cristo deriva da convicção de responder a esta ânsia” (265). O papa Francisco completa a afirmação de João Paulo II referindo-se a uma “saudade” de Deus que se expressa na inquietude do coração humano, uma especial tristeza infinita. Escreve o papa: “A nossa tristeza infinita só se cura com o amor infinito” (265). c) Ser sempre discípulo. Jesus reuniu discípulos não para servi-lo, mas para prepará-los para a missão. Discipulado e missão são duas faces da mesma moeda. Por isso o papa afirma na Evangelii Gaudium: “Não digamos que somos discípulos e missionários, mas discípulos missionários. Ser discípulo é, antes de tudo, estar com Jesus. Ter o estilo de vida de Jesus. Sem isso ninguém pode ser missionário, evangelizador: ‘o verdadeiro missionário, que nunca deixa de ser discípulo, sabe que Jesus caminha com ele, no meio da tarefa missionária, fala com ele, responde com ele, trabalha com ele. Sente Jesus vivo com ele, no meio da tarefa missionária. Se uma pessoa não o descobre presente no coração mesmo na entrega missionária, deixa de estar seguro do que transmite, faltam-lhe força e paixão. E uma pessoa que não está convencida, entusiasmada, segura, enamorada, não convence ninguém’” (cf. ibid.). 1) Componentes da evangelização com “espírito”: a) Oração. A evangelização não é uma atividade simplesmente humana. É uma atividade divino-humana. Quem na realidade evangeliza é Cristo. Santo Agostinho, ao comentar a afirmação de João Batista – Eu sou a voz que clama no deserto – afirma: João não era a Palavra. Ele era a voz da Palavra. E conclui: vozes da Palavra foram os profetas e apóstolos, vozes da Palavra são todos aqueles que evangelizam. Como atividade divino-humana, a evangelização precisa da graça. Daí a 25 necessidade da oração. Sem oração, “toda ação corre o risco de ficar vã, e o anúncio, no fim das contas, carece de alma” (259). b) Contemplação. “A melhor motivação para se decidir comunicar o Evangelho é contemplá-lo com amor, deter-se nas suas páginas e lê-lo com o coração. Se o abordarmos dessa maneira, sua beleza deslumbra-nos, volta a nos cativar constantemente. Por isso é urgente recuperar o espírito contemplativo que nos permita redescobrir, cada dia, que somos depositários de um bem que humaniza e ajuda a levar uma vida nova. Não há nada melhor que transmitir aos outros” (204). c) Intercessão. O papa fala da força missionária da intercessão: orar pelos outros, agradecer a Deus pelos outros. Observa: “A intercessão é como ‘fermento’ no seio da Santíssima Trindade. É penetrarmos no Pai e desenvolvermos novas dimensões que iluminam as situações concretas e as vinculam. Podemos dizer que o coração de Deus se deixa comover pela intercessão, mas na realidade ele sempre nos antecipa, pelo que, com a nossa intercessão, apenas possibilitamos que o seu poder, o seu amor a sua lealdade se manifeste mais claramente no povo” (283). O papa recorda que os “grandes homens e mulheres de Deus foram grandes intercessores” (cf. ibid.). Cito o exemplo de Paulo: “em todas as minhas orações, sempre peço com alegria por todos vós [...] pois tenho-os no coração” (Fl 1,4.7). O papa conclui: “Descobrimos, assim, que a intercessão não nos afasta da verdadeira contemplação, porque a contemplação que deixa fora os outros é uma farsa” (281). Podemos citar também o exemplo de santa Teresinha do Menino Jesus, monja contemplativa. Ela desejou viver num carmelo situado em terra de missão. Não conseguiu, mas tornou-se grande missionária no silêncio do carmelo, sacrificando-se e orando pelos missionários, sentindo-se espiritualmente ligada a eles nos trabalhos apostólicos e no martírio. Foi declarada padroeira das missões. Podemos dizer que a intercessão torna a nossa vida uma vida em missão. d) Mística da ressurreição. Muitos não se tornam evangelizadores porque pensam que nada podem mudar. Tais pessoas se esquecem de que a missão não é uma obra simplesmente humana. É divino-humana. Quando Jesus enviou os discípulos em missão, ele disse: “[...] eu estarei convosco todos os dias até o fim dos tempos” (Mt 28,27). A missão conta, portanto, com a presença do Ressuscitado. Observa a Evangelii Gaudium: “[...] recordemos que Jesus Cristo triunfou sobre o pecado e a morte e possui todo poder. Jesus Cristo vive verdadeiramente. Caso contrário, ‘se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação’” (1Co 15,14). Diz-nos o Evangelho que, quando os primeiros discípulos saíram a pregar, “o Senhor cooperava com eles confirmando a Palavra” (Mc 16,20). E o mesmo acontece hoje, somos convidados a descobri-lo, a vivê-lo. Cristo ressuscitado e glorioso é a fonte profunda de nossa esperança, e não nos faltará a sua ajuda para cumprir a missão que nos foi confiada” (275). e) A missão é mariana. Como Mãe do Fundador e Cabeça da Igreja, Nossa Senhora está ligada, de modo único, ao Corpo de Cristo, que é a Igreja. Consequentemente, a missão da Igreja tem um traço mariano. A Evangelii Gaudium 26 denomina Nossa Senhora a mãe da evangelização (284). Repete a expressão de Paulo VI: estrela da evangelização (287). Ela é o ícone feminino da Igreja. Escreve o papa: “há um estilo mariano na atividade evangelizadora da Igreja. Porque sempre que olhamos para Maria, voltamos a acreditar na força revolucionária da ternura e do afeto. Nela vemos que a humildade e ternura não são virtudes dos fracos, mas dos fortes, que não precisam maltratar os outros para se sentir importantes” (288). Maria, continua o papa, “é contemplativa do mistério de Deus no mundo, na história e na vida de cada um e de todos” (cf. ibid.). E, por isso, “ela é um modelo eclesial para a evangelização” (cf. ibid). Chegando ao final da Exortação, o papa faz esta oração: “À Mãe do Evangelho vivente, pedimos a sua intercessão a fim de que este convite para uma nova etapa na Evangelização seja acolhido por toda a comunidade eclesial” (287). QUESTÕES PARA REFLEXÃO: 1. Mostrar, com exemplos, que a evangelização é a resposta a uma busca. 2. Mostrar que o apóstolo Paulo realizou uma evangelização com “espírito”. 3. Comentar a afirmação da Evangelii Gaudium: “A missão é uma paixão por Jesus e simultaneamente uma paixão pelo povo” (268). 4. Refletir sobre a importância de Nossa Senhora para a missão evangelizadora da Igreja. 5. Enumerar os pontos que você achou mais importantes na Exortação Apostólica “A Alegria do Evangelho”. 27 CONCLUSÃO GERAL Creio que o projeto pastoral do pontificado do papa Francisco, exposto na Evangelii Gaudium, está envolvido pelo seu humanismo personalista: “o Evangelho convida, antes de tudo, a responder a Deus que nos ama e salva, reconhecendo-nos nos outros e saindo de nós mesmos para procurar o bem de todos” (39). Trata-se de um humanismo fundamentado numa mística, ou seja, na experiência amorosa e salvífica de Deus em Jesus Cristo. Essa experiência amorosa tem um dinamismo antropológico: “Nós, cristãos, insistimos na proposta de reconhecer o outro [...] de estreitar laços e de nos ajudarmos a ‘carregar os fardos uns dos outros’” (Gl 6,2) (67). Esse dinamismo implica também a comunidade: “No próprio coração do Evangelho, aparece a vida comunitária e compromisso com os outros” (177-178). A própria articulação entre evangelização e promoção humana é uma consequência desse dinamismo. A conversão missionária da Igreja implica também uma renovação da moral. A Evangelii Gaudium trata da questão da relação entre evangelização e moral. A questão da renovação da moral já foi colocada pelo Vaticano II. A Evangelii Gaudium fala, como vimos, não só da hierarquia da verdade da doutrina católica, mas também de uma ordem de importância entre as virtudes morais. Os atos de moralidade devem ser consequência de um estilo de vida sempre mais semelhante com o de Jesus, já que o ser cristão tem sua origem no encontro com ele. Diz a Evangelii Gaudium: “uma pastoral em chave missionária não está obcecada pela transmissão desarticulada dedoutrinas que tentam impor à força de insistir [...] o anúncio concentra-se no essencial” (35). Nesse sentido, a moral cristã não é uma moral de atos, mas da pessoa. Também aqui a boa árvore dá bons frutos. Nesse sentido, escreve o papa: “Torna-se necessária uma Nova Evangelização que ilumine os novos modos de se relacionar com Deus, com os outros e com o ambiente, e que suscite os valores fundamentais. Continua a Evangelii Gaudium: “[...] quando os autores do Novo Testamento querem reduzir a mensagem moral cristã a uma última síntese, ao mais essencial, apresentam-nos a exigência irrenunciável do amor ao próximo” (161). A atenção voltada para as normas em si mesmas pode levar a esquecer a sua fonte, que é o estilo de vida de Cristo. Pode levar a esquecer que a moral cristã é a moral da graça, ou seja, a moral do Espírito como fonte de discernimento e como princípio de ação. Tudo isso tem consequências pastorais: “no seu constante discernimento, a Igreja pode chegar também a reconhecer costumes próprios não diretamente ligados ao núcleo do Evangelho [...]. Não tenhamos medo de revê-los! Da mesma forma, há normas ou preceitos eclesiais que podem ter sido muito eficazes em outras épocas, mas já não tem a mesma força educativa como canais de vida” (43). É necessário, porém, observar que o papa se refere à revisão de normas e preceitos 28 eclesiais que tenham o estatuto diferente da lei moral natural e da lei revelada. Cabe ao Magistério interpretar autenticamente esses preceitos. Não pode mudá-los nem dispensar a sua observância. A conversão missionária da Igreja implica também uma reforma do clero em perspectiva missionária. Isso envolve não só a formação ministrada nos seminários e casas de formação, mas também o ensino da teologia e a vida dos presbíteros. A formação nos seminários precisa ser baseada numa espiritualidade missionária e em práticas missionárias, que substituam os atuais estágios de pastoral, na maioria das vezes, sem nenhum planejamento e revisão crítica. Que nos seminários se realizem experiências de Igreja da “saída”, conforme o ensinamento da Evangelii Gaudium. Os alunos devem ser preparados para servir a Igreja onde for necessário e não só na própria diocese. Quanto ao ensino da teologia, não basta que ela contenha a disciplina de missiologia. É necessário que toda teologia seja ministrada numa perspectiva missionária. A hermenêutica precisa ser querigmática, isto é, na perspectiva da pregação e da conversão. Além de tudo, numa perspectiva existencial, isto é, que responda aos problemas dos indivíduos, da comunidade e da sociedade. Também a vida dos presbíteros precisa ter um dinamismo comunitário. Precisa ter uma dimensão comunitária, baseada na vivência dos conselhos evangélicos: pobreza, castidade e obediência. Não é possível renovar o clero numa perspectiva missionária com presbíteros vivendo no isolacionismo, levando uma vida burguesa, sem nenhuma abertura ao diálogo e à correção fraterna. A missão e a busca da santidade implicam vida comunitária, presença no mundo, mas sem assumir o espírito do mundo: secularismo, consumismo, hedonismo, busca dos primeiros lugares. 29 Direção editorial: Claudiano Avelino dos Santos Coordenação de desenvolvimento digital: Erivaldo Dantas Assistente editorial: Jacqueline Mendes Fontes Revisão: Caio Pereira Manoel Gomes da Silva Filho Mario Roberto de M. Martins Capa: Marcelo Campanhã Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Santos, Benedito Beni dos Evangelizar com Papa Francisco: Comentário à Evangelii Gaudium / Dom Benedito Beni dos Santos. — São Paulo: Paulus, 2014. eISBN 978-85-349-3916-4 1. Documentos papais 2. Encíclicas papais 3. Francisco, Papa, 1936- I. Título. 14-02352 CDD-262.91 Índices para catálogo sistemático: 1. Evangelii Gaudium: Leitura comentada: Documentos papais: Igreja Católica 262.91 2. Evangelii Gaudium : Leitura comentada: Encíclicas papais : Igreja Católica 262.91 © PAULUS – 2014 Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 São Paulo (Brasil) Fax (11) 5579-3627 • Tel. (11) 5087-3700 www.paulus.com.br • editorial@paulus.com.br eISBN 978-85-349-3916-4 30 31 Scivias de Bingen, Hildegarda 9788534946025 776 páginas Compre agora e leia Scivias, a obra religiosa mais importante da santa e doutora da Igreja Hildegarda de Bingen, compõe-se de vinte e seis visões, que são primeiramente escritas de maneira literal, tal como ela as teve, sendo, a seguir, explicadas exegeticamente. Alguns dos tópicos presentes nas visões são a caridade de Cristo, a natureza do universo, o reino de Deus, a queda do ser humano, a santifi cação e o fi m do mundo. Ênfase especial é dada aos sacramentos do matrimônio e da eucaristia, em resposta à heresia cátara. Como grupo, as visões formam uma summa teológica da doutrina cristã. No fi nal de Scivias, encontram-se hinos de louvor e uma peça curta, provavelmente um rascunho primitivo de Ordo virtutum, a primeira obra de moral conhecida. Hildegarda é notável por ser capaz de unir "visão com doutrina, religião com ciência, júbilo carismático com indignação profética, e anseio por ordem social com a busca por justiça social". Este livro é especialmente significativo para historiadores e teólogas feministas. Elucida a vida das mulheres medievais, e é um exemplo impressionante de certa forma especial de espiritualidade cristã. 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A sua palavra deixou-me em paz; repousei tranquilamente: 'Pois bem, o sacrifício foi feito'. Deixou-me. Quem poderia descrever em detalhes quão bela, quão querida é a Mãe celeste? Não, certamente não existe comparação. Quando terei a felicidade de vê-la novamente? Compre agora e leia 34 http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9788534939164/9788534945714/b005771ae528a88f1f9f2184592b56fa http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9788534939164/9788534945714/b005771ae528a88f1f9f2184592b56fa 35 DOCAT Youcat, Fundação 9788534945059 320 páginas Compre agora e leia Dando continuidade ao projeto do YOUCAT, o presente livro apresenta a Doutrina Social da Igreja numa linguagem jovem. Esta obra conta ainda com prefácio do Papa Francisco, que manifesta o sonho de ter um milhão de jovens leitores da Doutrina Social da Igreja, convidando-os a ser Doutrina Social em movimento. 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