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84 Unidade III Unidade III 7 VARIANTES GENÔMICAS: ASPECTOS MOLECULARES E SUAS CONSEQUÊNCIAS CLÍNICAS 7.1 Variantes do genoma As variantes genômicas podem ser a causa de uma gama de doenças e síndromes, mas podem não ter relevância clínica. Assim, na literatura, muitos estudos que avaliam o genoma descrevem tanto a presença de alterações raras e com efeitos significativos, quanto as variantes consideradas benignas. A determinação inequívoca de novas variantes genéticas tem implicações enormes em diferentes campos da biologia e da medicina, particularmente na medicina personalizada. Hoje, as variações de novo (mutações que não foram herdadas de nenhum dos pais) são identificadas por meio do mapeamento das amostras por trio, de pais e filho, formando um genoma parental de referência, para excluir variantes herdadas. 7.2 Tipos de variantes genômicas Entre as variantes genômicas, citam-se: os polimorfismos de único nucleotídeo, conhecidos como SNPs, que compreendem a substituição de um único nucleotídeo da sequência de DNA por outro; as SNVs; as inserções e/ou deleções de um ou alguns nucleotídeos na fita do DNA de um indivíduo, conhecidas como indels; as variações no número de cópias, chamadas de CNVs, que são regiões de deleções e duplicações do DNA, as quais podem variar de tamanho entre aproximadamente 1 kb a muitos megabases (Mb). Outras variantes estruturais relevantes clinicamente, encontradas no DNA humano, são as regiões de homozigosidade, que são trechos longos de homozigosidade genômica, denominados ROHs (regions of homozygosity – regiões de homozigose), que podem ser associados a diferentes doenças recessivas. As SNVs ocorrem quando um único nucleotídeo é alterado na sequência de DNA. As SNVs são de longe o tipo mais comum de mudança de sequência, sendo que existem várias fontes de dano endógeno e/ou exógeno que levam a mutações de substituição de pares de bases únicas e que criam as SNVs. O impacto biológico das SNVs nas regiões codificantes depende do seu tipo, por exemplo, se implicam uma parada na transcrição, interrompendo a proteína antes de seu término (stop codon) ou se a alteração apenas codifica um aminoácido diferente (missense – mutação); nas regiões não codificantes, depende do impacto criado no processamento do RNA ou na regulação dos genes. 85 GENÉTICA E CITOGENÉTICA HUMANA Considera-se que as SNVs ocorrem quando um nucleotídeo é substituído por outro em uma única posição na sequência de DNA. Numericamente, as SNVs são o tipo mais comum de alteração de sequência observada nas comparações de um genoma para outro, e a alta densidade de SNVs polimórficas segregadas na população humana, cerca de 1 SNV, está presente por oitocentas bases entre um único indivíduo diploide e o genoma de referência. Tais características fazem dessas alterações os marcadores ideais para o mapeamento genético. As SNVs herdadas são geralmente classificadas como SNPs, se estiverem presentes em uma frequência moderadamente alta na população (0,1%), embora muitas SNVs herdadas possam existir em frequências alélicas mais baixas da população, ainda assim, são classificadas como polimorfismos benignos e sem associação conhecida da doença. Enquanto os SNPs são polimorfismos que não têm ligação direta ou claramente estabelecida com uma doença, as SNVs estão fortemente correlacionadas a diferentes doenças e são frequentemente referidas como mutações de par de bases únicas ou mutações pontuais. Essas SNVs se enquadram em duas categorias, as quais têm implicações importantes para os testes de diagnóstico. A primeira categoria inclui SNVs relacionadas a doenças constitucionais ou herdadas; essas mutações estão presentes em todas as células de um paciente ou em parte das células, como nos casos de mosaicismo. A segunda categoria engloba as SNVs somáticas, que são mutações pontuais adquiridas em tecidos somáticos e estão ligadas a um fenótipo baseado em tecidos; o fenótipo mais comum associado a mutações somáticas é o câncer. Você sabia que a maioria de SNVs responsáveis por doenças genéticas está dentro de regiões de codificação de genes? 100 1 bp 10 bp 100 bp 1 kb 10 kb 100 kb 1 Mb 10 Mb 100 Mb 102 104 106101 103 105 107 108 SNVs SNPs Indels CNVs Cromossomos Variantes do genoma Figura 62 – Imagem representativa dos tipos e tamanhos das variantes que encontramos ao estudarmos o genoma humano 7.3 Interpretação de SNVs A classificação de SNVs é diretamente dependente de ferramentas de bioinformática, ou seja, é necessário utilizar softwares especificamente desenhados para realizar a análise e a interpretação da variante identificada. Existem várias ferramentas on-line que podem ser usadas para avaliar se uma SNV tem uma associação com doença documentada. De fato, esses softwares permitem comparar os resultados obtidos com os bancos de dados genômicos disponíveis. 86 Unidade III Os bancos de dados (db) mais úteis incluem o HGMD (human genome mutation database – banco de dados de mutações no genoma humano), o dbSNP, o Pub Med e o Omim. Com base nas informações acuradas desses bancos, as SNVs podem ser classificadas em: patogênicas; provavelmente patogênicas; de significado incerto; provavelmente benignas; ou benignas. É muito importante salientar que todas as SNVs são reconhecidas como patogênicas, quando imediatamente associadas a uma doença e a um padrão de herança, o que possibilita não apenas um diagnóstico inequívoco e uma conduta de tratamento, mas também permite a realização do aconselhamento genético. Saiba mais O banco de dados conhecido como PubMed é uma plataforma gratuita com literatura médica e de ciências da vida da Biblioteca Nacional de Medicina dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA. Acesse: www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed Quadro 10 – Bancos de dados disponíveis na internet para a análise de dados de população, doença específica e sequência Bases de dados populacionais Exome Aggregation Consortium http://exac.broadinstitute.org/ Banco de dados de variantes encontradas durante o sequenciamento do exoma de 61.486 indivíduos não relacionados sequenciados como parte de vários estudos específicos de doenças e genéticos populacionais Exome Variant Server http://evs.gs.washington.edu/EVS Banco de dados de variantes encontradas durante o sequenciamento do exoma de vários grandes grupos de indivíduos europeus e afro-americanos 1000 Genomes http://browser.1000genomes.org Banco de dados de variantes com baixa e alta cobertura genômica em sequenciamento direcionado de 26 populações dbSNP http://www.ncbi.nlm.nih.gov/snp Banco de dados de pequenas variações genéticas (tipicamente 50 pb ou menos) enviado de várias fontes dbVar http://www.ncbi.nlm.nih.gov/dbvar Banco de dados de variação estrutural (geralmente superior a 50 pb) enviado de várias fontes Banco de dados de doenças ClinVar http://www.ncbi.nlm.nih.gov/clinvar Banco de dados sobre o significado clínico e relação fenotípica com a variação humana Omim http://www.omim.org Banco de dados de genes humanos e condições genéticas que também contêm uma amostra representativa de genes genéticos associados a doenças variantes Human Gene Mutation Database http://www.hgmd.org Banco de dados de anotações de variantes publicadas na literatura (requer assinatura) 87 GENÉTICA E CITOGENÉTICA HUMANA Locus/Disease/Ethnic/Other-Specific Databases http://www.hgvs.org/dblist/dblist.html HGVS tem uma lista de milhares de dados, com anotações variantes em subconjuntos específicos de variação humana Decipher http://decipher.sanger.ac.uk Banco de dados citogenético-molecular para vincular dados de microarranjos genômicos ao fenótipo usando o browser Ensembl Genome Bancos de dados de sequência NCBI Genome http://www.ncbi.nlm.nih.gov/genome Sequências de referência completas do genoma humano RefSeqGene http://www.ncbi.nlm.nih.gov/refseq/rsg e Locus Reference Genomic (LRG) http://www.lrg-sequence.org Sequência de referência de genes clinicamenterelevantes MitoMap http://www.mitomap.org/MITOMAP/ HumanMitoSeq Sequência de referência revisada de Cambridge (rCRS) para DNA mitocondrial humano 7.4 Interpretação das CNVs Em geral, as CNVs são herdadas, e mais de 12% do genoma de qualquer indivíduo podem conter alterações em número de cópias. Assim, indivíduos saudáveis também apresentam CNVs, o que dificulta a correlação genótipo-fenótipo em muitas situações clinicamente importantes. Até hoje já foram descritas mais de 100 mil CNVs únicas, sendo que a maioria delas são classificadas como alterações benignas do DNA. Normalmente, as CNVs são classificadas utilizando informações reunidas em diferentes bancos genômicos, por exemplo, o banco DGV (Database of Genomic Variants – Banco de Dados de Variantes Genômicas), que relata variantes descritas em indivíduos saudáveis, e o banco Decipher (Database of Chromosomal Imbalance and Phenotype in Humans Using Ensembl Resources – Banco de Dados de Desequilíbrio Cromossômico e Fenótipo em Humanos Utilizando o Conjunto de Recursos), que destaca alterações genômicas associadas a um fenótipo clínico específico. Um panorama dos bancos disponíveis para realizar essa classificação está descrito a seguir. Quadro 11 – Bancos de dados disponíveis na internet para a análise de dados de CNVs Banco de dados Endereço eletrônico Propósito Database of Genomic Variants (DGV) http://dgv.tcag.ca/dgv/app/home Banco de dados de variantes benignas Database of Chromosomal Imbalance and Phenotype in Humans Using Ensembl Resources (Decipher) http://decipher.sanger.ac.uk/ Banco de dados de variantes em afetados. Inclui fenótipo associado a cada alteração European Cytogeneticists Association Register of Unbalanced Chromosome Aberrations (Eucaruca) http://umcecaruca01.extern.umcn. nl:8080/ecaruca/ecaruca.jsp The International Standards for Cytogenomic Arrays (Isca) https://www.iscaconsortium.org/ 88 Unidade III Banco de dados Endereço eletrônico Propósito National Center for Biotechnology Information (NCBI), inclui Online Mendelian Inheritance in Man (Omim) e PubMed http://www.ncbi.nlm.nih.gov/ Banco de dados citogenômicos geral. Contém localização de genes, sondas, SNPs, variantes etc. UCSC Genome Browser http://genome.ucsc.edu/ Ensembl Genome Browser http://www.ensembl.org/index.html De forma geral, são três as principais classificações para as CNVs: as benignas, as patogênicas e as VUS (variants of uncertain significance – significado clínico incerto). As CNVs consideradas benignas ocorrem em regiões com exiguidade de genes, podendo ser regiões duplicadas ou perdidas, mas que são observadas em mais de 1% dos indivíduos hígidos e/ou relatadas no mínimo três vezes em banco de dados com fontes diferentes. Alterações herdadas de pais normais, isto é, sem as mesmas manifestações clínicas do probando, também são classificadas como benignas. As CNVs classificadas como patogênicas são as alterações que foram previamente descritas associadas a uma doença específica, como as síndromes de microdeleção ou de microduplicação. Comumente, as CNVs estão relacionadas a alterações genômicas mais extensas e a regiões ricas em genes, as quais foram relatadas em pacientes fenotipicamente alterados ou foram herdadas de um dos pais que apresenta fenótipo clínico. Por sua vez, as CNVs consideradas como VUS são as variações que envolvem genes que não apresentam uma função que ainda não foi completamente definida. Essas CNVs são alterações descritas tanto em indivíduos considerados hígidos como em pacientes com quadro clínico relevante. 7.5 Importância clínica das variantes genômicas A descoberta dos diferentes tipos de variantes revelou ao longo dos últimos anos a sua associação com diferentes manifestações clínicas que agora chamamos de doenças genômicas. Assim, muitos quadros clínicos, antes difíceis de serem diagnosticados, resultam, na verdade, das variantes genômicas como as CNVs, ou rearranjos submicroscópicos do genoma, e das SNVs, todas descritas previamente neste livro-texto Diversas tecnologias, incluindo as matrizes genômicas como aCGH (comparative genomic array hybridization – hibridação genômica comparativa por matriz), o SNP-array ou o Bead-array (matriz de esfera) e, mais recentemente, o sequenciamento de exoma e sequenciamento genômico completo, permitiram a detecção eficiente das variantes em todo o genoma tanto de indivíduos afetados como em indivíduos controlados. Assim, os estudos sobre a associação entre as variantes e as doenças específicas ou a suscetibilidade a manifestações clínicas têm esclarecido cada vez mais o papel das alterações do genoma nas doenças humanas. 89 GENÉTICA E CITOGENÉTICA HUMANA 7.6 Doenças e as variantes genômicas Conforme estudamos, a genética desempenha um papel, em maior ou menor grau, em todas as doenças. As diferentes variações de nosso DNA, incluindo desde um único gene, desequilíbrios cromossômicos até modificações epigenéticas, produzem efeitos diretos para o desequilíbrio da saúde humana e contribuem para os processos da doença. Além disso, nossa constituição genética tem influência em todos os processos de doenças, incluindo distúrbios comuns, como consequência da multiplicidade de diferenças em nosso DNA. Algumas dessas diferenças, isoladamente ou em combinação, podem tornar um indivíduo mais suscetível a uma doença, por exemplo, predisposição a um tipo de câncer, mas podem tornar o mesmo indivíduo menos suscetível a desenvolver uma enfermidade não relacionada, como o diabetes. O ambiente, incluindo o estilo de vida, também desempenha um papel significativo em muitas condições patológicas, como a dieta e o exercício para controle do diabetes. No entanto, nossas respostas celulares e corporais ao ambiente podem diferir de acordo com o nosso DNA, mostrando como é complexo o entendimento da modulação de nossas variantes frente ao equilíbrio saudável. A genética do sistema imunológico, por exemplo, com uma enorme variação em toda a população, determina nossa resposta à infecção por todos os patógenos. A maioria dos cânceres resulta de um acúmulo de alterações genéticas que ocorrem ao longo da vida de um indivíduo, e essas alterações podem ser influenciadas por fatores ambientais. Entender a genética e o genoma como um todo e sua variação na população humana é essencial para assimilar os processos de doenças. Tal conhecimento fornece a base para terapias curativas, tratamentos benéficos e medidas preventivas. Saiba mais Com tantos desequilíbrios genéticos diferentes, é impossível relatar todos. Para obter informações detalhadas de todas as variantes com associações clínicas e as doenças propriamente descritas, existem sites que fornecem detalhes da literatura médica. genome.gov/education ghr.nlm.nih.gov 7.7 Compreendendo variação versus mutação A definição de mutação sempre foi considerada: qualquer alteração herdável na sequência de DNA, cujo hereditário se refere à divisão celular somática (a proliferação de células nos tecidos) e à herança da linha germinativa (de pai para filho). 90 Unidade III Tais mudanças no DNA podem não ter consequências, mas às vezes levam a diferenças observáveis no indivíduo, ou seja, o fenótipo. No passado, essas alterações na população humana, principalmente quando estavam associadas a um estado de doença, eram chamadas de mutações. No entanto, na rotina clínica atual, particularmente para a genética médica, chamamos as diferenças da sequência de referência como variantes. Conforme estudamos, há variantes benignas (não associadas à doença), patogênicas (associadas à doença), bem como variantes de DNA humano identificadas para as quais ainda não temos certeza do efeito (VUS). Na tabela a seguir, há um exemplo da classificação dessas variantes no câncer. Quadro 12 – Classificação das variantes associadas ao câncer Classe de variantes Descrição Recomendações de vigilância Teste preditivo 5 Definitivamente patogênica Alto risco, de acordo com asdiretrizes atuais Teste genético oferecido a familiares em risco 4 Provavelmente patogênica Alto risco, de acordo com as diretrizes atuais Teste genético oferecido a familiares em risco 3 Incerta Baseada no histórico familiar e em outros fatores de risco conhecidos Nenhum teste genético oferecido 2 Provavelmente benigna Tratar como se nenhuma mutação fosse detectada Nenhum teste genético oferecido 1 Benigna Tratar como se nenhuma mutação fosse detectada Nenhum teste genético oferecido Embora esse sistema tenha sido projetado inicialmente para a classificação de variantes em relação a um papel potencial na predisposição ao câncer, ele também pode ser usado para classificar variantes em outras situações. Tal sistema vem sendo aperfeiçoado, seguindo as diretrizes internacionais. Percorrendo esse raciocínio, as variantes mais frequentes em nosso genoma, referidas como polimorfismos de nucleotídeo único, ou seja, os SNPs são classificados como variantes de risco. Há cerca de 11 milhões de SNPs no genoma humano (aproximadamente 1 em cada 300 pb). Já as pequenas inserções e deleções, conhecidas como indels, são inferiores a 1.000 pb e também são relativamente comuns no genoma humano; a maioria é considerada benigna, com algumas exceções. Pela análise de muitos genomas humanos, é evidente que as CNVs consistem em aproximadamente 12% da sequência do genoma humano, sendo que as maiores CNVs podem conter vários genes completos. Se a frequência populacional de uma CNV atingir 1% ou mais, ela pode ser considerada um polimorfismo de número de cópias, e será classificada como benigna, uma vez que não haverá doenças associadas a essas variantes nos bancos de dados do genoma, conforme destacamos anteriormente. O DNA humano contém grande número de sequências repetitivas, e as variantes repetidas intercaladas constituem aproximadamente 45% do nosso genoma e representam remanescentes de elementos móveis do DNA, chamados de transposons. 91 GENÉTICA E CITOGENÉTICA HUMANA Existem ainda várias classes de repetições em tandem, nas quais as unidades repetidas estão lado a lado, formando matrizes de repetições da mesma sequência ou muito semelhantes. Observação Repetições em tandem são fragmentos idênticos que se repetem um após o outro por centenas ou milhares de vezes. O número de repetições em cada matriz pode variar, gerando múltiplos alelos, de modo que esses locais tenham alta variabilidade dentro da população, portanto, podem ser usados na identificação de indivíduos. As repetições em tandem incluem os minissatélites e os microssatélites. Apesar de estes geralmente serem herdados de forma estável, ou seja, com o mesmo número de repetições de pai para filho, expansões em alguns microssatélites estão associadas à doença. 7.8 Variantes entre indivíduos saudáveis Dado que dois indivíduos não são exatamente iguais (exceto gêmeos idênticos), não é surpresa que isso seja refletido em nosso DNA. O que é surpreendente é a quantidade de variação entre nós. Olhando para qualquer genoma humano, comparado com a sequência de referência, encontraríamos aproximadamente três milhões de SNPs e cerca de duas mil variantes. Os genomas de dois indivíduos não relacionados diferirão em aproximadamente 0,5% de seu DNA (cerca de 15 milhões de bp), e a maior parte dessa variação pode ser atribuída às diferentes CNVs e às grandes deleções. Como a variação de nosso genoma está dentro do DNA não codificante, sabemos que, em média, cada indivíduo tem várias centenas de variantes conhecidas e/ou previstas como prejudiciais à função do gene, incluindo variantes que levam a produtos proteicos truncados (incompletos). Além disso, o número total de genes funcionais por humano pode variar em até 10% entre os indivíduos como consequência direta da presença de CNVs, grandes deleções, e variantes com perda de função. Diante desse enorme nível de variação, a questão central não é por que algumas pessoas são afetadas por doença devido a mutações herdadas, mas como qualquer um de nós consegue permanecer relativamente saudável. Observação Claramente não é necessário que todos os nossos genes funcionem: para muitos genes, apenas uma cópia funcional é suficiente. No entanto, agora compreendemos que algumas variantes, encontradas em nosso genoma, principalmente os SNPs individuais, podem levar a uma maior suscetibilidade a doenças comuns. 92 Unidade III 7.9 Variação entre populações A maior quantidade de variações é encontrada nas populações de ascendência africana. De fato, cada grupo de imigrantes da África trouxe conjuntos de variantes com eles. As variantes comuns tendem a ser compartilhadas entre todas as populações, enquanto variantes raras têm maior probabilidade de serem mais específicas para determinadas populações ou populações relacionadas. Algumas das diferenças podem estar associadas à adaptação ambiental, por exemplo, pigmentação da pele e/ou enzimas para desintoxicar toxinas vegetais ingeridas na dieta. Essas mesmas enzimas também são responsáveis pelo metabolismo de muitas drogas farmacêuticas e/ou recreativas, assim, variantes genéticas podem levar alguns indivíduos a serem metabolizadores ultrarrápidos ou lentos de uma mesma substância, o que pode se traduzir em uma resposta desfavorável aos medicamentos ou a efeitos colaterais adversos. Como exemplo, temos a deficiência de diidropirimidina desidrogenase, que reflete uma resposta adversa no tratamento de câncer com o 5-fluorouracil, sendo duas a três vezes mais comum em populações afro-americanas do que em caucasianos. 7.10 Mutações de novo e mosaicismo A maioria das variantes em nosso genoma foi herdada de um de nossos pais. No entanto, nosso DNA é constantemente bombardeado com agentes lesivos ao DNA e, além disso, toda vez que o DNA de uma célula é replicado antes da divisão, existem muitas chances de haver erros. O sequenciamento genômico de trios (criança e ambos os pais) demonstrou que, em média, cada indivíduo possui 74 SNVs novos que não estavam presentes em nenhum dos pais, além de aproximadamente três novas inserções e/ou deleções. Assim, aproximadamente 1-2% das crianças terão uma CNV de novo maior que 100 kb. Já os microssatélites têm uma frequência de mutação relativamente alta, com ganho ou perda de uma unidade de repetição ocorrendo em aproximadamente 1 por 1.000 microssatélites por gameta por geração. Lembrete Uma nova mutação que não foi herdada de nenhum dos pais é chamada de mutação de novo. Em contraste com a aneuploidia, que na maioria das vezes é consequência de erro meiótico durante a geração de oócitos, novas mutações são quase quatro vezes mais comuns na linha germinativa masculina do que na linha germinativa feminina, fato que provavelmente está relacionado ao alto número de divisões celulares durante a espermatogênese. 93 GENÉTICA E CITOGENÉTICA HUMANA Para ambos os sexos, a taxa de novas variantes aumenta com a idade. Contudo, novamente, o aumento é mais acentuado na linha germinativa masculina. Sabe-se que a maioria das novas variantes terão pouco ou nenhum efeito sobre a saúde, particularmente aquelas fora das sequências de codificação, mas algumas são associadas à doença. Novas variantes que ocorrem durante a embriogênese podem levar aos casos de mosaicismo: algumas células do indivíduo têm essa nova variante, outras não. O mosaicismo para uma nova mutação também pode estar presente nas gônadas, (mosaicismo gonadal), de modo que uma nova variante possa ser transmitida a menos de 50% da prole, dependendo da porcentagem de células gonadais nas quais a nova variante está presente. Observação Novas variantes que ocorrem durante a embriogênese e durante o desenvolvimento também geram algumas diferenças entre os genomas de gêmeos idênticos. Muito raramente, ocorre a fusão de dois embriões e esta gera uma quimera: um indivíduo que tem duas linhas celulares geneticamente distintas. Quando a constituição do cromossomo do mesmo sexo está presenteem ambas as linhas celulares, a suspeita de quimerismo pode vir à tona com a observação de uma linhagem celular predominante nas gônadas e outra linhagem predominante nas células sanguíneas. A fusão de dois embriões de sexo diferente pode levar a características presentes em ambos os sexos, sendo que o quimerismo é encontrado em aproximadamente 13% dos casos de hermafroditismo. Observação A enorme quantidade de variações entre os genomas humanos individuais pode dificultar a determinação de quais variantes são benignas e quais podem estar associadas a uma doença. Mesmo onde uma variante associada à doença está presente, ela estará presente dentro de um contexto genômico de milhões de outras diferenças da sequência de “referência”, e algumas delas podem impactar na gravidade dessa doença no indivíduo. 8 A GENÉTICA E AS DOENÇAS COMPLEXAS Os padrões de herança claros associados a doenças de um único gene facilitaram a identificação das alterações genéticas causais para essas condições. Todavia, o aumento da atenção agora está focado nas contribuições genéticas para doenças multifatoriais complexas, como diabetes, doenças cardíacas ou esquizofrenia, em que a doença é o resultado de uma interação complexa de múltiplas influências genéticas e ambientais. 94 Unidade III O impacto de uma variante individual em um gene pode ser muito pequeno, mas quando presente junto de múltiplas variantes em outros genes, no contexto de um ambiente específico, pode levar a um risco aumentado de doença. O mesmo vale para muitos traços peculiares e individuais, como altura ou fenótipos comportamentais, por exemplo, agressividade ou busca de novidades. O diabetes tipo 2 (DM2) exemplifica muito bem uma doença complexa que está aumentando a incidência em todo o mundo. As principais contribuições ambientais para o DM2 estão relacionadas à dieta e ao exercício: dietas ricas em calorias no contexto de um estilo de vida menos ativo, geralmente envolvendo longos períodos à frente de um computador ou televisor. Esse estilo de vida sedentário denota um forte contraste com o ambiente em que nossos ancestrais viveram; características que antes poderiam ter sido vantajosas evolutivamente, como um metabolismo voltado à economia de energia, tornaram-se críticas para o desenvolvimento do DM2. Identificar os fatores genéticos subjacentes a essa doença é desafiador devido aos pequenos efeitos das contribuições individuais. Enquanto o diabetes tipo 1 (T1D) é caracterizado pela perda da produção de insulina como consequência da destruição autoimune das células das ilhotas pancreáticas, o T2D é mais comumente associado à resistência à insulina – o corpo não é mais capaz de responder adequadamente à insulina. O DM2 normalmente tem início tardio (> 35 anos) e está associado à obesidade, embora o início em idades mais jovens esteja aumentando. 8.1 Estudos familiares As pistas iniciais de que a genética desempenha um papel em distúrbios complexos como o T2D vieram de estudos familiares, em particular, o estudo de gêmeos. Se um par de gêmeos monozigóticos, ou seja, idênticos, é afetado por uma doença monogênica como a fibrose cística, é praticamente certo que o outro gêmeo também terá a mesma doença, em outras palavras, é concordante, porque eles têm DNA praticamente idênticos. No entanto, para gêmeos dizigóticos, ou seja, não idênticos, que compartilham, em média, 50% de seu DNA, a chance de ambos apresentarem a mesma doença é de 50%. Para uma doença de origem totalmente ambiental, seria de se esperar pouca diferença na concordância ao comparar pares de gêmeos dizigóticos com monozigóticos. Para a T2D, a concordância é de aproximadamente 70% para gêmeos monozigóticos, mas apenas 25% para gêmeos dizigóticos, indicando, portanto, envolvimento genético significativo. Além disso, o risco de DM2 é maior para qualquer indivíduo se um pai ou mãe também for afetado, e maior ainda se ambos forem afetados. A contribuição relativa de fatores genéticos para um fenótipo de doença é conhecida como “herdabilidade” e, para estimativas de herdabilidade em T2D, variam entre 25 e 80%. 95 GENÉTICA E CITOGENÉTICA HUMANA Lembrete O impacto de uma variante individual em um gene pode ser muito pequeno, mas quando presente com múltiplas variantes em outros genes, no contexto de um ambiente específico, pode levar a um risco aumentado de doença. 8.2 Identificando os lócus genéticos em doenças complexas Uma maneira de identificar os locais envolvidos é uma abordagem de gene candidato. Para o T2D, os possíveis candidatos podem ser genes envolvidos no metabolismo da glicose, na resposta à insulina, ou na predisposição à obesidade. A investigação do gene PPARG, com base em seu papel conhecido na diferenciação de adipócitos e na homeostase da glicose, identificou um polimorfismo (SNP) comum, o qual era protetor para o DM2. No entanto, devido à complexidade das redes reguladoras e metabólicas na célula, o número de potenciais genes candidatos a T2D é imenso, e investigar completamente todos os possíveis candidatos exigiria um grande investimento de tempo e dinheiro. Além disso, olhando apenas para os genes que devem desempenhar um papel com base no entendimento atual, alguns elementos-chave genômicos podem ser perdidos. Assim, com o intuito de facilitar a identificação de locais de suscetibilidade, abordagens baseadas em estudos de ligação genética ou associação foram usadas por diferentes grupos. Tais abordagens se baseiam na observação de que a recombinação genética não ocorre aleatoriamente em todo o nosso genoma, mas, em vez disso, tende a ocorrer em “pontos quentes” (hot spots) espalhados pelos cromossomos. Entendemos que alguns segmentos específicos do genoma tendem a permanecer juntos por muitas gerações. Isso significa que podemos usá-los como marcadores genéticos, e, na maioria dos vezes, esses marcadores são SNPs. Logo, os SNPS são usados como pistas do genoma para descobrir segmentos que servirão de marcadores e, em seguida, procurar nas populações para testar se esses marcadores específicos se associam à doença. Essa abordagem é conhecida como GWAS (genome wide association studies – estudo de associação global do genoma). Uma das dificuldade com o estudo do tipo GWAS é que, mesmo com alto rigor estatístico, a reprodutibilidade não é garantida e os resultados de diferentes estudos podem parecer contraditórios, embora isso possa refletir a existência de muitas outras variáveis entre os grupos de estudo. 96 Unidade III Assim, grandes estudos de meta-análises tentaram reunir resultados de vários GWAS para determinar a significância em larga escala. É importante observar que a associação de um SNP a uma característica ou condição específica não indica necessariamente uma causa, mas é bastante provável que o SNP, através de um vínculo estreito, tenha sido herdado juntamente com a alteração que contribui para a característica, representando, na melhor das hipóteses, apenas um risco elevado para desenvolver a doença pesquisada. Depois que um lócus for identificado pelo GWAS, o próximo passo será examinar a região genômica para destacar quais genes nessa região provavelmente serão relevantes para o fenótipo observado e para verificar se a associação pode ser confirmada por outros estudos, que precisarão incluir análises funcionais em células e/ou modelos animais. Observação Até hoje, mais de 120 lócus genéticos foram identificados pelo GWAS para T2D. O GWAS pode ser uma maneira eficaz de vincular variantes comuns a doenças associadas, mas variantes raras também podem desempenhar um papel significativo em algumas famílias e subpopulações, por exemplo, o alelo p.Glu508Lys de HNF1A em nativos americanos. A identificação de variantes raras adicionais provavelmente virá de abordagens que envolvem o sequenciamento do genoma. Deve-se notar que as variantes podem aumentar ou diminuir o risco de doença, dependendo de seu efeito funcional. O mecanismo pelo qual as variantespodem contribuir para as doenças complexas muitas vezes não é óbvio; para alguns lócus implicados na DT2, há uma ligação clara à função pancreática e à homeostase da glicose ou obesidade, mas o significado de outros lócus identificados pelo GWAS é bem menos claro. À primeira vista, a função do produto CDKAL1, modificação do transcrito do RNA, não tem relação com o diabetes, mas um potencial impacto surge quando se considera a repercussão do defeito de tradução da lisina na clivagem da pró-insulina. Outro lócus relevante é o CDKN2A/2B, que codifica produtos envolvidos no ciclo celular e na proliferação celular. É possível que exista um link para o número geral de células das ilhotas do pâncreas, uma vez que ter mais células das ilhotas pode melhorar a capacidade de sustentar a produção de insulina. 97 GENÉTICA E CITOGENÉTICA HUMANA Quadro 13 – Exemplos de lócus genéticos implicados no risco de T2D Gene Função Comentários PPARG Receptor proliferador-ativador de peroxissomo-γ; um fator de transcrição da família PPAR que tem papel na regulação da diferenciação celular e no metabolismo de glicose e lipídios Receptor-alvo para as tiazolidinedionas, que são drogas sensibilizadoras de insulina usadas no tratamento de T2D. A variante p.Pro12Ala (representando 12% dos alelos caucasianos e do leste asiático) é protetora para T2D TCF7L2 Fator de transcrição, envolvido na estimulação da proliferação de células β pancreáticas e na produção de GLP-1, que estimula a secreção de insulina O alelo T do SNP rs7903146 não é apenas um forte fator de risco para o DM2, mas esse alelo também foi associado a uma melhor resposta a dois medicamentos comuns para o DM2: sulfonilureia e metformina HNF1A Fator nuclear 1 α dos hepatócitos; fator de transcrição necessário para o desenvolvimento e a função normal das ilhotas hepáticas e pancreáticas A variante p.Glu508Lys é extremamente rara (5 por 10.000 alelos) e ocorre predominantemente em indivíduos de ascendência nativa americana HNF1B Fator nuclear 1 β dos hepatócitos; fator de transcrição necessário para o desenvolvimento e a função normal das ilhotas hepáticas e pancreáticas Uma variante comum (rs4430796) que é protetora para T2D está associada ao aumento do risco de câncer de próstata KCNJ11 Subunidade dos canais de potássio, necessária nas células β pancreáticas para a regulação da secreção de insulina estimulada pela glicose Esses canais de potássio são direcionados pela sulfonilureia, um tratamento para o DM2. As variantes ativadoras estão associadas ao diabetes neonatal, enquanto as variantes de perda de função levam à hiperinsulinemia na infância KCNQ1 Subunidade dos canais de potássio, das células β pancreáticas para a inibição da secreção de insulina estimulada pela glicose Para dois SNPs no KCNQ1, o risco aumentado de T2D é visto apenas quando o alelo de risco é transmitido pela mãe por causa do imprinting SLC30A8 Transportador de zinco; o zinco é necessário como cofator por muitas proteínas e como íon sinal Variante missense comum, p.Trp325Arg, está associada ao aumento do risco de diabetes, enquanto diversas variantes raras de perda de função são protetoras CDKN2A/2B O CDKN2A codifica duas proteínas: o inibidor da cinase dependente de ciclina, p16INK4, e a proteína p14ARF, que funcionam nas vias de p53/RB. CDKN2B gera uma transcrição antissentido, não codificante, do mesmo local Variantes nessa região genômica mostraram associação com doenças cardiovasculares, câncer, periodontite e glaucoma CDKAL1 Metiltiotransferase que modifica o tRNA da lisina para aumentar a estabilidade da interação códon-anticódon e, assim, aumentar a fidelidade da incorporação de lisina durante a tradução A pró-insulina contém dois resíduos de lisina, um dos quais está no local de clivagem usado para gerar insulina. A tradução incorreta desse códon de lisina pode gerar pró-insulina resistente à clivagem FTO Gene associado à massa gorda e à obesidade; codifica uma desmetilase de ácido nucleico FTO é o lócus mais significativo conhecido para identificar genes relacionados à obesidade 8.3 Câncer: variantes versus epigenética O câncer afeta aproximadamente uma em cada quatro pessoas em todo o mundo, com uma estimativa de milhões de novos casos a cada ano e uma previsão de que haverá 23,6 milhões por ano até 2030. 98 Unidade III No Reino Unido, existem quase 990 novos casos diagnosticados todos os dias, o que equivale a um novo diagnóstico aproximadamente a cada dois minutos. Nos EUA, existem mais de 4.600 novos casos todos os dias. Essas taxas estão crescendo, devido ao aumento do tamanho da população e ao aumento da longevidade, assim, espera-se que mais de um terço dos casos de câncer na Europa serão diagnosticados em pessoas com 75 anos ou mais. Existe uma variedade enorme de neoplasias, indicando os diferentes tecidos e as células das quais o câncer se originou. Os tipos mais comuns são câncer de mama, próstata, pulmão e intestino, que, juntos, representam mais de 53% de todos os casos. No geral, metade das pessoas diagnosticadas com câncer sobrevivem à doença mais de dez anos, e isso está melhorando, pois há quarenta anos representavam apenas 24%. No entanto, cada tipo de câncer mostra uma taxa de mortalidade muito diferente, por exemplo, 98% das pessoas diagnosticadas com câncer testicular sobrevivem por mais de dez anos após o diagnóstico, enquanto o número é de apenas 1% para os pacientes com câncer de pâncreas. Embora essa variedade nos casos de neoplasia apresente diferentes padrões de doenças e taxas de sobrevivência, o ponto comum de todos os cânceres é que as células perderam os parâmetros de controle normal sobre crescimento e movimento. As células cancerígenas proliferam de maneira descontrolada e isso pode levar à formação de um nódulo ou tumor. Quando o crescimento da massa de células é limitado e as células mantêm certas características normais, não invadem os tecidos adjacentes nem se espalham para outras partes do corpo, o tumor é considerado benigno. No entanto, se o crescimento se tornar mais descontrolado, de modo que as células se dividam indefinidamente e se espalhem para outras partes do corpo, o câncer é considerado maligno e os tumores que se formam em locais secundários são chamados de metástases, fator que é a principal causa de mortalidade nessa doença. Existem vários fatores contribuintes que permitem que as células cancerígenas cresçam dessa maneira descontrolada, sendo que as características das células cancerígenas podem ser resumidas da seguinte forma: • Apresentam uma capacidade inerente de dividir. • Não respondem a fatores do ambiente celular que poderiam inibir seu crescimento. • Desenvolvem maneiras para evitar sua destruição pelo sistema imunológico. • Superam o controle do ciclo celular normal, que limita a divisão celular somática normal. • As células neoplásicas liberam fatores que estimulam as células normais ao redor a liberar outros fatores que apoiarão seu crescimento; em outras palavras, as células cancerígenas podem promover um ambiente permissivo para o seu crescimento. 99 GENÉTICA E CITOGENÉTICA HUMANA • Adquirem a capacidade de mover-se e invadir outros tecidos. • Promovem o crescimento de um suprimento sanguíneo para os tumores para fornecer o oxigênio e os nutrientes que as células cancerígenas precisam para crescer. • O genoma das células cancerígenas se torna mais propenso a mutações. • Tornam-se resistentes aos mecanismos normais de morte celular. • As células ajustam suas vias metabólicas para apoiar melhor a rápida proliferação celular. Fica evidente que todas essas alterações sofridas por uma célula normal são provocadas por diferentes mutações somáticas no genoma das células cancerígenas e/ou por modificações epigenéticas. Assim, o câncer é essencialmente uma doença de mutações sucessivas. O genoma de uma célula cancerígena está repleto de variantes patogênicas somáticas. De fato, emalguns tipos de câncer, como o de pulmão e nos casos de melanoma, pode haver centenas de milhares de mutações. Muitas dessas mutações são observáveis no nível do cariótipo, incluindo duplicações cromossômicas inteiras e parciais, deleções, inversões e translocações. Além disso, as células cancerígenas costumam ter um grande número de alterações genômicas pontuais (SNVs patogênicos). Muitas dessas alterações estarão envolvidas no processo da doença em algum grau, algumas reconhecidas como sendo as mutações que originaram o tumor, no entanto, a célula também acumula mutações causais, sendo um desafio fazer distinção. Embora existam vários genes conhecidos por serem poderosos oncogenes quando mutados, e outros críticos, como os supressores de tumor, as células cancerígenas nunca apresentam apenas uma mutação causal. Isso ocorre porque, para que a célula cancerígena adquira todas as alterações (conforme descrito anteriormente), são necessárias mutações em vários genes para superar os processos regulatórios normais de crescimento, e isso também se reflete na incidência de câncer. As estatísticas mostram que o maior fator de risco para câncer é a idade. Quanto mais idoso o indivíduo, maior a probabilidade de desenvolver câncer; na verdade, a maioria dos tipos de câncer é bastante rara nos jovens. O câncer é causado por múltiplas alterações no genoma celular. Mutações ocorrem e se acumulam nas células do corpo ao longo da vida. A grande maioria delas será inofensiva e pode não afetar o fenótipo celular. No entanto, com o tempo, à medida que as alterações aumentam, existe o risco, uma chance estatística, de que uma célula sofra mutações causais suficientes para começar a desenvolver propriedades cancerígenas e, com o tempo, isso pode progredir para o aparecimento da doença. 100 Unidade III Observação Diferentes agentes podem acelerar a taxa de mutação nas células e também aumentar o risco para o câncer, por exemplo, a superexposição à luz solar, considerando que os raios UV são sabidamente mutagênicos, aumenta o risco do aparecimento do melanoma, um tipo de câncer de pele. Da mesma forma, a fumaça do cigarro contém múltiplos mutagênicos e o fumo eleva consideravelmente o risco de câncer de pulmão. 8.3.1 Oncogenes e os supressores tumorais Oncogenes são genes cuja ativação contribui para o desenvolvimento de câncer. Os oncogenes geralmente são versões mutantes ou variantes patogênicas de genes celulares normais; na verdade, os genes não mutados são frequentemente chamados proto-oncogenes por esse motivo, e isso se reflete na função normal do gene, que está envolvida no controle do crescimento celular. Assim, genes que promovem ou estão envolvidos na divisão celular, ou seja, na mitose celular, ou inibem a morte celular programada, nos processos de apoptose, diferenciação, quiescência ou senescência são todos genes que, quando mutados, podem se tornar oncogênicos. Além disso, alguns patógenos também carregam oncogenes, por exemplo, um pequeno número de vírus pode levar a um risco maior de cânceres específicos, porque codifica genes que promovem a proliferação ou sobrevivência celular. Estima-se que aproximadamente 15% dos cânceres tenham se desenvolvido com o envolvimento de um agente infeccioso, por exemplo, alguns vírus do papiloma humano podem aumentar o risco de se desenvolver câncer cervical. Muitas proteínas expressas por oncogenes em potencial atuam em um processo chamado transdução de sinal, são fatores de transcrição que são ativados por esse mecanismo. Transdução de sinal é o método pelo qual uma célula converte um sinal, normalmente recebido do exterior da célula, para uma mudança na expressão do gene que levará a uma resposta. Por exemplo, se um fator de crescimento atua sobre uma célula, isso dispara um sinal que passa pelo citoplasma, para induzir a expressão dos genes necessários para iniciar a divisão celular. Isso geralmente acontece pelo fator de crescimento, que interage com um receptor na superfície da célula. A interação ativa o receptor, o que desencadeia uma série de mudanças no citoplasma das células. Os fatores de transcrição são frequentemente ativados por esse processo por meio da fosforilação sobre resíduos específicos da serina ou da treonina, resultando em sua translocação para o núcleo para regular a expressão gênica. É importante ressaltar que, uma vez concluído o sinal, todos os componentes serão desativados. Mutações nos genes envolvidos nesse processo que levam à superativação da proteína, ou em excesso, podem resultar em excesso de sinalização, instruindo a célula a se dividir continuamente. 101 GENÉTICA E CITOGENÉTICA HUMANA Essencialmente, todos os tipos de mutação já foram observados na conversão de um proto-oncogene em um oncogene, incluindo duplicação de genes, mutação pontual, deleção ou rearranjo parcial e até translocação cromossômica. Mutações oncogênicas tendem a ter ganho de função e, portanto, constumam ser dominantes. Tais mutações geralmente levam à superexpressão do gene ou à superativação. Existem três principais mecanismos mutacionais pelos quais a superexpressão gênica é alcançada. • Amplificação do gene, com elevação da expressão devido ao aumento do número de cópias. • Nova justaposição de sequências que melhoram a expressão, por exemplo, através de translocação cromossômica. • Mutações nas sequências de controle da expressão do gene, que impedem o silenciamento de genes ou melhoram diretamente a expressão; além disso, a modificação epigenética das sequências promotoras de genes pode atuar para aumentar ou suprimir a expressão. Um exemplo de mutação que leva à superexpressão acontece com o gene que codifica a proteína receptora HER2, também conhecida como ERBB2, um membro da família de tirosina quinases do receptor do fator de crescimento epidérmico, o EGFR, que está frequentemente mutado no câncer de mama. Um tipo de mutação HER2 encontrada nas células cancerígenas é a amplificação. O gene inteiro é duplicado, resultando em mais de uma cópia, às vezes várias cópias. Isso leva ao excesso de produção da proteína dentro da célula. Como consequência, a célula envia mais sinais ao núcleo para iniciar a mitose, o que contribui para o estado canceroso ao aumentar a proliferação celular. Observação Esses novos conhecimentos possibilitaram o desenvolvimento de um medicamento chamado Herceptin, que bloqueia a ação do HER2 e é um cotratamento eficaz para o câncer de mama. Outro exemplo de mutação que causa superexpressão gênica é exemplificado pelo gene BCL2 no linfoma folicular, um tipo de câncer de células B. A proteína BCL2 fica na superfície das mitocôndrias e inibe a apoptose. Se uma célula está destinada a morrer, no ciclo celular normal de morte programada, a superexpressão de BCL2 inibe esse mecanismo. As células do linfoma folicular exibem uma translocação cromossômica típica, justapondo parte do cromossomo 18, com o gene BCL2, ao cromossomo 14, com um gene da cadeia pesada de imunoglobulina, a IGH. O resultado é que o BCL2 fica sob o controle de uma sequência intensificadora que normalmente direciona a expressão do gene IGH nas células B, mas nas células mutantes leva à superexpressão do BCL2. Assim, as células B ficam resistentes à apoptose celular e isso contribui para o desenvolvimento de linfoma de células B. 102 Unidade III Existem vários mecanismos mutacionais pelos quais a atividade de uma proteína codificada pode ser aumentada ou tornada constitutiva. Tais processos incluem mutações pontuais em resíduos regulatórios críticos, por exemplo, a perda de locais de fosforilação regulatória e a exclusão de domínios reguladores, que podem ocorrer por deleção simples ou resultar de rearranjos maiores, como translocação cromossômica, ou ativação de mutações catalíticas nos domínios de interação. As proteínas que transmitem sinais de crescimento nas células devem ser perfeitamente reguladas. Essas proteínas geralmente existem em um estado inativo,são brevemente ativadas por transdução de sinal e, em seguida, retornam a um estado inativo, controlando a proliferação celular. Assim, as mutações que levam à atividade aumentada desses sinais podem ser oncogênicas. Um exemplo clássico disso ocorre com os genes RAS (H-RAS, N-RAS e K-RAS). Esses três genes relacionados codificam pequenas proteínas que são essenciais em várias vias de sinalização celular e no desenvolvimento de vários cânceres, portanto, o RAS é referido como um “interruptor molecular”. As proteínas RAS se ligam ao PIB ou ao GTP (di ou trifosfato de guanosina). Quando ligada ao PIB, a proteína está inativa. Como consequência da sinalização dos receptores, o RAS alterna para se ligar ao GTP e, ao fazer isso, altera a conformação e se torna ativo, assim, pode interagir com a próxima proteína da cadeia para transmitir o sinal de ativação. Na ausência de um sinal de ativação, as proteínas RAS são rapidamente desativadas por meio de uma atividade intrínseca da GTPase, capaz de hidrolisar o GTP ligado ao PIB. Em apenas alguns locais ao longo do gene, a mutação que altera um único aminoácido, normalmente os códons 12, 13 ou 61, pode impedir a hidrólise de GTP, bloqueando o RAS no estado ativo ligado à GTP. Outro exemplo de ativação de proteína é observado com o gene C-SRC, que codifica uma tirosina proteína quinase. A proteína C-SRC localiza-se na superfície interna da membrana plasmática e transmite os sinais mitogênicos de vários receptores do fator de crescimento. A atividade da quinase da proteína é controlada por um local regulador na extremidade C-terminal, a localização de um resíduo de tirosina crítico (Tyr527). O status de fosforilação de Tyr527 é determinado por outras proteínas tirosina cinases e fosfatases e, quando Tyr527 é fosforilado, isso inibe a atividade de quinase de C-SRC. Variantes patogênicas que excluem esse resíduo resultam em uma proteína que é constitutivamente ativa e continua retransmitindo sinais de crescimento para o núcleo. A mutação pode ser tão pequena quanto uma mutação pontual, de modo que o resíduo de tirosina seja perdido ou substituído por um aminoácido alternativo. Tais mutações são frequentemente encontradas no câncer de cólon, pulmão, fígado, mama e pâncreas. Mais um exemplo que leva à perda de um domínio regulador é visto com uma translocação cromossômica que leva à expressão de uma proteína de fusão, derivada de dois genes, chamada fusão BCR-ABL. Essa translocação cromossômica específica, que acontece entre os cromossomos 9 e 22, é conhecida com cromossomo Philadelphia, sendo característica da leucemia mieloide crônica e leva à perda de um domínio regulador do gene ABL1, que codifica uma tirosina quinase. 103 GENÉTICA E CITOGENÉTICA HUMANA A proteína de fusão possui atividade quinase constitutiva, que promove a divisão celular. Genes supressores de tumor (TSGs) são genes cuja ação inibe o crescimento de células tumorais, portanto sua inativação é vantajosa para uma célula cancerígena. Consequentemente, a função de vários TSGs é perdida em todas as formas de câncer. A perda de função pode ser alcançada por mutação que afeta uma região crítica da proteína ou por perda de expressão; esta última é frequentemente provocada por deleções ou, alternativamente, por modificação epigenética de sequências reguladoras de genes para suprimir a expressão. Vários TSGs funcionam para inibir a progressão do ciclo celular, cada um agindo em diferentes pontos do ciclo, ou em diferentes tecidos, ou sob diferentes circunstâncias. O ciclo celular é dirigido por um complexo de proteínas, incluindo ciclinas e parceiras, as cinases dependentes de ciclina (CDK). As CDKs, por sua vez, ao longo do ciclo, fosforilam e ativam uma infinidade de proteínas que orquestram o ciclo, avançando desde a fase inicial de crescimento (G1) até a síntese de DNA (S), prosseguindo com a conclusão da síntese de DNA e o crescimento contínuo (G2) e mitose (M). Um dos atores centrais do ciclo celular é um TSG chamado gene de retinoblastoma (RB). No estado não fosforilado, a proteína RB inibe a entrada na fase S e o progresso do ciclo celular, obstruindo fatores cruciais de progressão do ciclo celular. Quando uma célula recebe sinais para sofrer divisão, isso ativa os complexos ciclina/CDK e um dos substratos é RB. À medida que a RB se torna fosforilada, ela libera os fatores de progressão do ciclo celular para permitir que o ciclo celular avance. Se o RB é perdido da célula, esse mecanismo inibitório crítico é perdido, tornando a célula sujeita à proliferação descontrolada. Muitas células cancerígenas mostram perda completa da expressão de RB. Isso significa que ambos os alelos devem ser afetados, seja por deleção, seja por supressão epigenética. No nível do fenótipo celular, a perda de RB é recessiva, com uma cópia funcional suficiente para controlar o ciclo celular, no entanto, em cânceres herdáveis, a questão dominante/recessiva é mais complexa. Muitos outros produtos TSGs funcionam em processos que não estão diretamente relacionados ao ciclo celular, afetando as condições de crescimento do tumor e seu ambiente. Por exemplo, se um tumor sólido não adquire um suprimento sanguíneo para fornecer oxigênio e glicose suficientes às células em divisão, ele pode crescer pouco mais do que alguns milímetros de diâmetro. O TSG denominado von Hippel-Lindau (BVS) codifica uma enzima necessária nos processos de degradação de proteínas; uma ubiquitina ligase, seu principal alvo, HIF (fator induzível por hipóxia), é uma proteína-chave que controla o crescimento de vasos sanguíneos a partir de vasos existentes (angiogênese). Normalmente, a angiogênese ocorre quando a atividade metabólica é alta e a disponibilidade de oxigênio baixa, como em um músculo em crescimento em resposta ao exercício, mas, caso contrário, é mantida reprimida. Mutações na BVS resultam na perda da capacidade de causar degradação do HIF, permitindo a ativação persistente do HIF, gerando a angiogênese irrestrita necessária ao crescimento do tumor. 104 Unidade III 8.3.2 Os tipos de câncer mostram perfis de mutação característicos Vários oncogenes são conhecidos há várias décadas e, historicamente, muitos foram identificados em virtude da ação de retrovírus em sistemas de modelos de tumores em animais. Muitos deles sofrem mutações em tipos específicos de câncer e com frequências diferentes, por exemplo, mutações no gene RAS são encontradas em aproximadamente 60% dos cânceres pancreáticos, 50% dos cânceres de cólon, 20% dos cânceres de pulmão, mas raramente (1%) nos rins. Vários TSGs críticos foram descobertos como resultado da determinação da variante patogênica nas síndromes de câncer familiares, como o retinoblastoma hereditário. Além disso, há muito se sabe que certos tipos de mutações são características de tipos específicos de câncer, por exemplo, células de linfoma folicular carregam uma translocação cromossômica envolvendo o lócus BCL2 e as células de linfoma de Burkitt sempre abrigam uma translocação envolvendo o gene C-MYC. No entanto, a grande maioria dos oncogenes e TSGs dá apenas uma pequena contribuição ao desenvolvimento da doença e, portanto, é mais difícil de discernir. O enfrentamento desse problema foi revolucionado pelos enormes avanços nas tecnologias de sequenciamento de genoma nas últimas décadas. Assim, com os grandes projetos de sequenciamento comparando o genoma mutado de um tumor com o derivado do tecido normal do mesmo indivíduo, foi possível identificar as mutações causais nesse câncer. Seguindo essa abordagem, não apenas foram identificadas muito mais variantes patogênicas, portanto, genes que contribuem para o processo do câncer, mas também foi descoberto que os tipos de câncer apresentam perfis característicos de mutações somáticas e podem conduzir a informações sobre as opções de tratamento. 8.3.3 Fatores epigenéticos relacionados às neoplasias malignas Além da mutação, a superexpressão de oncogenes e perda ou expressãoreduzida de TSGs são encontradas nas células cancerígenas através da modificação epigenética das sequências de controle de expressão. Os genes cujos produtos são modificadores epigenéticos são frequentemente mutados por eles mesmos nas células cancerígenas. A mutação desses genes, ou sua expressão anormal como consequência da modificação epigenética de suas sequências de controle, leva à modelagem aberrante da cromatina e expressão alterada de múltiplos genes. Verificou-se que o silenciamento epigenético de TSGs desempenha um papel significativo na gênese do câncer. Além disso, a mutação nos genes modificadores epigenéticos pode ter efeitos generalizados e, em alguns casos, eles podem ser vistos como TSGs. Por exemplo, a mutação de perda de função no gene da DNA metiltransferase 3A (DNMT3A) é frequentemente encontrada em tumores de células sanguíneas, em neoplasias linfoides e mieloides. 105 GENÉTICA E CITOGENÉTICA HUMANA A perda de DNMT3A parece aumentar a capacidade proliferativa das células e inibir a diferenciação. Por outro lado, outros genes modificadores genéticos têm mutações de ganho de função em células cancerígenas. Constatou-se que o gene codificador de histona-metiltransferase EZH2 é ativado por mutação pontual ou é superexpressado por amplificação de genes em uma variedade de tumores. No entanto, esse gene não pode ser simplesmente classificado como oncogene, pois sua perda é observada em outros tumores indicativos de um papel do TSG em alguns tipos de células. Assim, a modificação epigenética alterada dos genes é generalizada nas células cancerígenas, porém seu controle é altamente complexo. 8.3.4 Câncer hereditário e a predisposição ao câncer Três fatores determinam essencialmente se uma célula se torna cancerosa: o ambiente (incluindo estilo de vida), o acaso e o genótipo. Como já estudamos, os mutagênicos ambientais, como luz solar e a fumaça do tabaco, aumentam claramente o risco de câncer e, embora alguns sejam altamente controversos, fatores alimentares como o álcool também podem influenciar o risco. A estatística mostra que apenas uma pequena proporção de todas as mutações somáticas possíveis será causadora nos processos de câncer, e é por isso que os agentes cancerígenos são descritos como fatores que aumentam o risco de câncer. O genótipo é muito importante. As variantes herdáveis de perda de função em alguns TSGs aumentam o risco de câncer de maneira tão substancial que se apresentam como variantes patogênicas dominantes; no entanto, contribuem para uma proporção relativamente pequena de cânceres em geral. Isso é exemplificado pela perda hereditária de variantes de função em TP53, RB, BRCA1 e BRCA2. O câncer de mama é comum, atinge aproximadamente uma em cada oito mulheres. Apenas 3% desses casos são causados por variantes patogênicas herdadas em BRCA1, BRCA2 ou TP53. Por outro lado, o retinoblastoma é um câncer infantil muito raro, em média 45 crianças diagnosticadas por ano. Destas, cerca de 40% carregam variantes patogênicas herdadas no gene RB. A perda de variantes de função germinativa no gente TP53 causa a síndrome de Li-Fraumeni, afetando aproximadamente de um a quatro indivíduos a cada 20 mil; é caracterizada por múltiplos casos de tumores primários de início precoce. O risco de desenvolver câncer nesse indivíduo é de aproximadamente 50% aos 30 anos, chegando a 90% aos 70 anos. O aparente paradoxo de que a perda de função desses TSGs é recessiva no fenótipo celular, mas dominante no indivíduo, é justificado pela hipótese de Knudson, apresentada inicialmente para explicar esse fenômeno em relação ao gene RB e ao retinoblastoma familiar a partir do qual o gene foi descoberto. 106 Unidade III A função de um alelo é herdada inativada e o outro alelo é inativado por mutação somática ou silenciamento epigenético, de modo que os tumores que surgem nesses indivíduos exibem perda de função de ambos os alelos RB. O mesmo se aplica a outros TSGs e tipos de tumor, incluindo a perda hereditária da função TP53 e o desenvolvimento de tumores com síndrome de Li-Fraumeni e variantes herdáveis de perda de função do BRCA1 e BRCA2 no câncer de mama. Algumas variantes de alelos patogênicos herdáveis aumentam o risco de câncer em um grau pequeno, mas significativo, por exemplo, pacientes com uma variante hiperativada do gene PIK3CD, um proto-oncogene que funciona na transdução de sinal, sofrem da síndrome PI3Kδ ativada por distúrbio dominante (APDS), mas também apresentam um risco aumentado de linfoma de células B. Além das claras variantes genéticas herdadas e de alto risco associado ao câncer, o perfil genético de um indivíduo tem um efeito profundo na predisposição ao câncer. Milhares de polimorfismos ou variantes de alelos podem aumentar ou diminuir o risco de câncer em um pequeno grau ou sob circunstâncias específicas. Combinações de muitos desses alelos de médio ou baixo risco podem ter um efeito composto sobre o risco. Esses alelos de risco baixo, médio e específico da condição estão sendo identificados e explorados por meio de abordagens baseadas em sequenciamento massivo; depois, são associados aos dados de bioinformática gerados, por exemplo, pelo projeto 100 mil Genomas. Como tal, embora as estatísticas hoje deem essa impressão, não há realmente uma distinção clara entre cânceres “hereditários” e “espontâneos”, a melhor descrição seria uma escala móvel de risco herdado. A grande proporção de cânceres atualmente não classificados como hereditários surgiu no contexto genômico com um certo valor de risco. Os estudos maciços do GWAS e de sequenciamento em andamento mantêm uma promessa enorme para o futuro; chegará um momento em que o genótipo de um indivíduo poderá ser usado para determinar o risco de certas doenças ao longo da vida, particularmente o câncer, e isso poderá ser usado para sugerir medidas ou tratamentos preventivos no estilo de vida. Enquanto os estudos genéticos tradicionalmente se concentram nos efeitos de variantes em genes individuais, há agora uma mudança para a consideração do impacto de todo o genoma na saúde e na medicina. Muitas condições com forte base genética, como T2D, epilepsia, cardiomiopatia hipertrófica e deficiência intelectual estão associadas, não a variantes patogênicas em genes únicos, mas a variantes em qualquer gene em um número crescente de genes. Existem 84 genes nos quais as variações relatadas estão associadas à epilepsia como sintoma central e várias centenas de outros genes cujas variantes levam a condições com a epilepsia aparecendo como parte de um espectro mais amplo de sintomas. Existem mais de seiscentos genes nos quais há relatos de que variantes patogênicas estão associadas à deficiência intelectual e a lista continua se expandindo. 107 GENÉTICA E CITOGENÉTICA HUMANA Como explicado anteriormente, o câncer resulta de um acúmulo de mutações somáticas que levam à ruptura das vias que normalmente regulam processos, incluindo proliferação celular, morte celular e motilidade celular. Essas vias envolvem coletivamente informações provenientes de produtos de centenas de genes (mais de 1% do nosso genoma), e é um desafio identificar todos os genes nos quais a mutação pode contribuir para o câncer, as mutações causadoras. Além disso, o genoma herdado de todos os indivíduos influencia o risco de desenvolver certos tipos de câncer, sobre os quais se constrói o perfil somático da mutação. Abordagens do sequenciamento do genoma completo agora também estão sendo usadas por grupos colaborativos de cientistas e consórcios para investigar a predisposição genética à doença e a contribuição da mutação somática. Para solucionar as lacunas em nossa compreensão de genes envolvidos em doenças raras e distúrbios complexos e genes associados ao câncer, bem como melhorar a compreensão de nosso genoma como um todo, é preciso criar projetos mundiais para processar uma quantidade de dados genômicos suficiente para obter êxito na questão, estudandoa etiologia de doenças complexas, entre elas as neoplasias. 8.4 Hemoglobinopatias As hemoglobinopatias são um grupo de doenças causadas por defeitos genéticos que acarretam uma estrutura anormal da hemoglobina (Hb) ou sua produção insuficiente, e são as doenças hereditárias monogênicas da hemoglobina mais comuns no mundo. A grande variação nas manifestações clínicas nesse grupo de pacientes é atribuível a fatores genéticos e ambientais. A concentração de hemoglobina é o resultado da interação entre variação genética e fatores ambientais, incluindo estado nutricional, sexo, idade e altitude. A diversidade genética que influencia essa proteína é complexa e difere amplamente entre as populações. Variantes relacionadas a Hb anormais ou características alteradas dos eritrócitos aumentam o risco de anemia. As mais prevalentes estão relacionadas às anormalidades herdadas de globinas que afetam a produção e a estrutura da Hb. A variação nos genes que codificam enzimas e proteínas da membrana nos glóbulos vermelhos também influencia a vida útil dos eritrócitos e o risco de anemia. A maioria dessas variantes é rara. A variabilidade interindividual dos parâmetros hematológicos também é influenciada pela variação genética comum em todo o genoma. Algumas das variantes identificadas estão associadas à produção de Hb, eritropoiese e metabolismo do ferro. Hoje existem bancos de dados especializados que foram desenvolvidos para organizar e atualizar o grande corpo de informações disponíveis sobre variação genética relacionada à variação de Hb, como frequência, distribuição geográfica e significado clínico. 108 Unidade III Diferentes causas podem conduzir a uma deficiência quantitativa na produção da cadeia da globina, resultando em desequilíbrio associado a um fenótipo talassêmico. A maioria das variantes da hemoglobina surge de substituições de aminoácidos. Algumas hemoglobinopatias podem ser fatais se não tratadas; felizmente, o transplante de células-tronco hematopoiéticas, que é a única cura estabelecida, está se tornando cada vez mais seguro e econômico. Até o momento, foram descritas mais de mil mutações que alteram a estrutura e/ou a função das hemoglobinas humanas. Contudo, apenas algumas variantes são capazes de desestabilizar a função de forma suficiente para produzir anormalidades clínicas ou morbidade. Observação Curiosamente, a α-talassemia é muito prevalente nas regiões endêmicas de malária e protege contra a forma grave da infecção por Plasmodium falciparum. 8.4.1 Genética das hemoglobinas A Hb é a proteína mais abundante nos eritrócitos, cuja função é transportar oxigênio dos pulmões para os tecidos. É importante entender que qualquer condição que reduz a concentração de Hb ou diminui a massa de glóbulos vermelhos (RBC) pode causar anemia. Assim, vários fatores podem levar a essa condição, incluindo deficiências nutricionais, perda aguda ou crônica de sangue, inflamação crônica, doenças infecciosas, anormalidades nas hemácias e variantes genéticas que afetam a estrutura da Hb. Três mecanismos básicos que afetam as hemácias causam anemia: produção reduzida; aumento da destruição, ou seja, a hemólise; ou a perda, ou hemorragia, devido a defeitos que podem ser intrínsecos a hemácias e a seus precursores ou ser extrínsecos. A molécula de Hb é composta de duas subunidades de cadeias peptídicas da globina tipo α codificadas pelos genes HBA1 e HBA2 e duas subunidades dos peptídeos globina do tipo β codificadas pelo gene HBB, além de porções heme (anéis porfirínicos) necessárias para o transporte de oxigênio. Esses genes abrigam o maior número de variantes causadoras de anormalidades e têm sido extensivamente investigados por décadas. Algumas dessas variantes podem reduzir a produção de Hb e aumentar a hemólise. Outro grupo de variantes que afetam as concentrações de Hb e o risco de anemia, é encontrado em genes expressos em eritrócitos que codificam proteínas e enzimas estruturais que podem afetar a forma, a função e a vida útil das hemácias e aumentar a hemólise. 109 GENÉTICA E CITOGENÉTICA HUMANA Na última década, fatores genéticos que influenciam a variação interindividual de Hb e outros parâmetros hematológicos foram estudados usando o sequenciamento de genoma completo. Esses estudos revelaram um espectro mais amplo de variantes que modulam essas características. Essa variação notavelmente diversa abrange a síntese de Hb, metabolismo do ferro, eritropoiese, função eritrocitária e estabilidade. A molécula de Hb é composta de duas subunidades de cadeias peptídicas de globina α-like codificadas pelo genes HBA1 e HBA2 e duas subunidades de cadeias peptídicas de globina β-like codificados pelo gene HBB, juntamente com o grupo heme necessário para o transporte de oxigênio. Esses genes contêm o maior número de variantes causadoras de anormalidades e têm sido continuamente investigados por décadas. Algumas dessas variantes podem reduzir a produção de Hb e aumentar hemólise. Outro grupo de variantes que afetam as concentrações de Hb e o risco para anemia são encontrados em genes expressos em eritrócitos que codificam proteínas estruturais e enzimas que podem afetar a forma, a função e a vida útil das hemácias, além de provocarem o aumento da hemólise. Utilizando o sequenciamento de genoma completo, compreendemos melhor como os fatores genéticos influenciam a variação interindividual da Hb, além de outros parâmetros importantes para essa doença. Esses estudos revelaram um espectro mais amplo de variantes que modulam essas características. Essa variação, notavelmente diversa, abrange a síntese de Hb, o metabolismo do ferro, a eritropoiese, a função eritrocitária e a estabilidade da molécula. 8.4.2 Produção de Hb Os genes que codificam formas de α-globina estão localizados no cromossomo 16, na região 16p13.3 e aqueles que codificam a β globina (ε, γ e δ) estão no cromossomo 11, na região 11p15.5 1. Os genes da globina α e β estão dispostos ao longo do cromossomo na ordem em que são expressas durante o desenvolvimento, e suas combinações determinam o tipo de Hb produzida. A ativação sequencial e o silenciamento dos genes da globina são estritamente controlados. O HS-40 é o principal elemento regulador do lócus da α globina, enquanto a região de controle do lócus é uma importante região reguladora, a montante da cadeia da β globina. A produção da forma embrionária de Hb (ε) na parte inicial do primeiro trimestre ocorre dentro dos eritrócitos derivados do saco vitelino. Durante o segundo semestre da gravidez, a produção de eritrócitos enucleados começa nas células-tronco e progenitoras no fígado fetal e a globina β predominante muda para γ-globina. Essas cadeias combinam-se com as cadeias de α-globina (α2γ2) para produzir Hb fetal (HbF). 110 Unidade III Essa forma produz a maioria da Hb neonatal e, logo após o nascimento, há uma mudança da expressão predominante da HbF para a Hb adulta, que é regulada pela interação dos fatores de transcrição e outras proteínas e complexos com função repressora que envolvem modelagem de cromatina e modificadores epigenéticos. Essa troca é mediada pela repressão da cadeia γ pela regulação transcricional realizada pelo fator de transcrição BCL11A em progenitores eritroides definitivos. A transição do HbF para o HBA é clinicamente relevante, uma vez que variações nos genes que regulam a síntese de globinas e a maturação dos eritrócitos podem levar a concentrações e funcionalidade anormais dessa proteína. A Hb adulta é composta de HbA1, HbA2 e HbF. A primeira representa 98% do conteúdo de eritrócitos e é formada por duas cadeias α- e duas β (α2β2). Os 2% restantes são compostos de HbA2, contendo duas cadeias α- e duas δ- (α2δ2) e HbF. As porcentagens podem variar com base nos seguintes aspectos: • idade; • genética; • consumo de medicamentos; • condições subjacentes. O diagnóstico de algumas doenças da Hb requer a integração de achados clínicos e exames laboratoriais. Algunsexemplos com informações sobre genes relacionados à Hb e a formas herdadas de anemia são mostrados no quadro a seguir. Quadro 14 – Bancos de dados baseados na Web que contêm informações sobre variação genética associada às concentrações de hemoglobina Database Weblink Descrição HbVar https://globin.bx.psu.edu/hbvar/menu.html Banco de dados especializado de alterações na sequência genômica, levando a variantes de Hb e todos os tipos de hemoglobinopatias IthaGenes https://www.ithanet.eu/db/ithagenes Banco de dados especializado de variações de sequência que afetam os distúrbios da Hb, incluindo os lócus da globina e modificadores da doença e polimorfismos relevantes para o diagnóstico clínico LOVD https://www.lovd.nl Coleção on-line centrada no gene e exibição de variações de DNA NCBI https://www.ncbi.nlm.nih.gov Contém bancos de dados de subunidades, como ClinVar, SNP, dbVar e Gene, que agregam informações sobre variação genômica e seus fenótipos 111 GENÉTICA E CITOGENÉTICA HUMANA Database Weblink Descrição EMBL-EBI https://www.ebi.ac.uk/services/dna-rna Fornece bancos de dados abrangentes (DGVa, ENA e Ensemble) para procurar todos os tipos de dados de variação genética e suas relações com a saúde Orphanet https://www.orpha.net/consor/cgi-bin/index.php Fornece bancos de dados abrangentes (DGVa, ENA e Ensemble) para procurar todos os tipos de dados de variação genética e suas relações com a saúde Gard https://rarediseases.info.nih.gov/ diseases/6520/glucose-6-phosphate- dehydrogenase-deficiency Contém informações sobre o G6PD Nord https://raredisease.org Contém informações sobre doenças raras para diferentes usuários NIH https://research.nhgri.nih.gov/RBCmembrane Fornece informações sobre doenças relacionadas à membrana dos glóbulos vermelhos Observação Os bancos de dados genômicos são muito utilizados no processo de elaboração de laudos de testes genéticos, possibilitando a comparação entre as variantes detectadas no exame e o padrão existente nos bancos de dados populacionais. Assim, pode-se concluir se um resultado de exame está alreado ou normal. 8.4.3 Variação nos genes HBA1, HBA2 e HBB Os genes HBA1, HBA2 e HBB contêm um grande número de inserções, deleções, SNPs e mutações pontuais menos frequentes associadas a concentrações de Hb e risco de anemia. Algumas dessas variantes são muito frequentes e têm grandes efeitos nas concentrações de Hb. O gene da β-globina apresenta um número maior de variantes que a subunidade α. Os fenótipos relacionados à variação desses genes são amplamente diversos, mesmo entre indivíduos com a mesma variante. Muitos deles não são considerados patogênicos, enquanto outros podem ter manifestações clínicas que variam de anemia hipocrômica leve, doença hematológica moderada a formas crônicas graves, com anemia dependente de transfusão (TDT) e danos a múltiplos órgãos. As anormalidades da Hb são altamente prevalentes em algumas áreas, por exemplo, em regiões propensas à malária na África, nos países mediterrâneos, no Oriente Médio, no subcontinente indiano e no sudeste da Ásia. Taxas mais baixas de algumas dessas anormalidades foram relatadas na América Latina e nos Estados Unidos. As frequências dos alelos de risco variam entre regiões geográficas e grupos étnicos, e alguns deles produzem as doenças monogênicas mais comuns em todo o mundo, que representam aproximadamente 3,4% das mortes. 112 Unidade III Dentre 300 e 400 mil bebês que nascem a cada ano com um distúrbio de Hb clinicamente significativo, 83% são de doença falciforme e 17% de talassemia. Cerca de 7% da população mundial são portadores de variantes genéticas relacionadas aos distúrbios da Hb. A maior prevalência dessas doenças ocorre em países em desenvolvimento, embora um aumento em sua frequência tenha sido relatado em outras regiões do mundo, devido a alterações demográficas. Um estudo recente da taxa global de anemia estimou que 11,6% dos casos femininos e 9,9% masculinos de anemia são causados por hemoglobinopatias. As doenças relacionadas à Hb são causadas por mutações e/ou deleções nos genes da α ou β-globina, produzindo defeitos intrínsecos da hemácias que podem resultar em anemia, o que ocorre por causa da vida útil mais curta dos eritrócitos, da hemólise e de outras patologias sistêmicas, dependendo de uma ou mais variantes patogênicas específicas que estejam presentes, além de modificadores genéticos e outros fatores. Essas doenças podem estar agrupadas em variantes estruturais da Hb que produzem moléculas com propriedades anormais, como polimerização aumentada, solubilidade alterada ou afinidade de ligação ao oxigênio e síndromes de talassemia, que resultam da produção defeituosa das cadeias α ou β da Hb. As talassemia α e β, juntamente com anemia falciforme, HbC e HbE (HBB: c.79 G> A), compõem as doenças monogênicas mais comuns que afetam as concentrações de Hb. Trata-se de doenças mendelianas recessivas, de modo que os portadores heterozigotos apresentam anormalidades leves ou inexistentes e podem transmitir uma cópia do gene para uma variante de Hb para seus filhos. Formas co-herdadas de anormalidades da Hb existem em áreas geográficas com alta prevalência dessas doenças e estão relacionadas ao amplo espectro de manifestações clínicas. Fatores como seleção natural, casamento consanguíneo em alguns países e aumento da expectativa vida em indivíduos afetados devido a tratamentos melhorados contribuíram para a concentração de distúrbios relacionados à Hb em regiões específicas. 8.4.4 Doença falciforme A doença falciforme (DF) representa um grupo de doenças relacionadas à hemoglobinopatia estrutural bastante comum. Essa doença é a causa genética mais importante da mortalidade infantil em todo o mundo e é caracterizada por hemácias deformadas que causam uma doença vaso-oclusiva, vasculopatia e inflamação sistêmica, afetando a qualidade de vida e diminuindo a expectativa de vida em cerca de trinta anos. A causa é uma mutação de ponto único (missense) que substitui um ácido glutâmico por um resíduo de valina na posição 6 da cadeia da β-globina. Esse SNP (rs334) produz a forma característica de HbS da SCA. 113 GENÉTICA E CITOGENÉTICA HUMANA A característica da SCA (HbSA) é considerada benigna e fornece alguma proteção contra a malária durante a infância. O genótipo HSS causa a doença falciforme, sendo caracterizado por hemólise e bloqueio de vasos sanguíneos. Os eritrócitos afetados têm vida curta, levando à anemia. Observação Fatores ambientais, como altitude, poluição do ar ou fumo têm um efeito deletério nas anemias falciforme 8.4.5 Hemoglobina C A hemoglobina C (HbC) é causada por uma substituição sem sentido do ácido glutâmico pela lisina na posição 6 no gene HBB (rs33930165). Essa variante é frequente na África Ocidental e também tem sido associada à proteção da malária. A HbC pode ser herdada junto com a HbS, produzindo um fenótipo mais suave. 8.4.6 Hemoglobina E A hemoglobina E (HbE) é uma das formas mais comuns de variação nos genes HBB e é considerada uma variante estrutural e uma talassemia. A variação é HBB: c.79G> A (rs33950507). Essa é uma substituição sem sentido, alterando um resíduo de glutamina por lisina na posição 26. Apresenta uma frequência extremamente alta, atingindo uma taxa de portadores de 70% em algumas populações. A HbE também está associada à proteção da malária falciparum. Os heterozigotos mostram microcitose leve com eritrócitos frágeis e leve anemia hemolítica. A síntese da Hb ocorre a uma taxa ligeiramente mais baixa e se comporta fenotipicamente como uma forma leve de β-talassemia. A combinação de HbE com variantes de α e β-talassemia é frequente e produz uma diversidade significativa de fenótipos de anemia. 8.4.7 Talassemias As síndromes da talassemia são as doenças genéticas mais comuns no mundo, afetando quase 200 milhões de pessoas. Entre 1% e 5% da população global são portadores dessa doença. A expressão diminuída ou ausente de uma
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