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OAB EXAME DE ORDEM DIREITO PROCESSUAL PENAL Capítulo 04 1 CAPÍTULOS Capítulo 1– Sistemas Processuais. Princípios. Capítulo 2 – Aplicação da Lei Processual Penal. Capítulo 3 – Inquérito policial. Capítulo 4 (você está aqui!) – Ação penal. Capítulo 5 – Competência Criminal. Capítulo 6 – Das provas. Capítulo 7 – Das prisões. Capítulo 8 – Questões e processos incidentes. Capítulo 9 – Sujeitos e Comunicação dos atos. Capítulo 10 – Processo e Procedimentos. Capítulo 11 – Sentença e Nulidades Capítulo 12 – Recursos Capítulo 13 – Ações Autônomas 2 SOBRE ESTE CAPÍTULO E ai, OABeiro! Tudo certinho? A apostila de número 04 do nosso curso de Direito Processual Penal tratará sobre Ação Penal, matéria que é comumente cobrada no Exame de Ordem ao decorrer desses anos! De acordo com a nossa equipe de inteligência, esse assunto esteve presente 7 VEZES nos últimos 3 anos, sendo considerado um assunto de altíssima recorrência. Assim, é imprescindível que você dedique um tempo para estudar este conteúdo com calma e responda as questões que tratam sobre o referido tema, ok? Aqui, a banca costuma seguir o seu padrão: Apresentar um caso hipotético, pelo qual a resposta é respaldada na legislação vigente. Por isso, recomendamos a leitura atenta da letra seca da lei e entendimentos jurisprudenciais, e sempre em companhia de alguma doutrina à sua escolha. Adicionamos questões de outras carreiras jurídicas para que você assimile ainda mais o conteúdo visto, ok? 😉 Lembre-se: A resolução de questões é a chave para a aprovação! Vamos juntos! 3 SUMÁRIO DIREITO PROCESSUAL PENAL ............................................................................................................... 5 Capítulo 4 .................................................................................................................................................. 5 4. Ação Penal.................................................................................................................................................................... 5 4.1 Introdução ................................................................................................................................................................ 5 4.1.1 O Processo penal tem lide?.............................................................................................................................. 6 4.2 Condições da ação penal .................................................................................................................................. 7 4.2.1 Condições genéricas da ação penal ............................................................................................................. 8 4.2.2 Justa Causa ........................................................................................................................................................... 15 4.2.3 Condições específicas da ação penal ........................................................................................................ 16 4.2.4 Condições de prosseguibilidade da ação penal ................................................................................... 17 4.2.5 Condições objetivas de punibilidade ........................................................................................................ 18 4.3 Pressupostos processuais ............................................................................................................................... 19 4.4 Modalidades de ação penal .......................................................................................................................... 22 4.5 Ação Penal Pública ............................................................................................................................................ 24 4.5.1 Ação penal pública incondicionada ........................................................................................................... 24 4.5.2 Ação penal pública condicionada ............................................................................................................... 25 4.6 Ação Penal Privada ............................................................................................................................................ 29 4.6.1 Ação penal privada propriamente dita ..................................................................................................... 30 4.6.2 Ação penal privada personalíssima ............................................................................................................ 31 4.6.3 Ação penal privada subsidiária da pública ............................................................................................. 31 4.7 Requisitos da denúncia e da queixa-crime ............................................................................................ 33 4.8 Princípios da ação penal pública ................................................................................................................ 35 4.8.1 Princípio do ne procedat iudex ex officio ............................................................................................... 35 4 4.8.2 Princípio do ne bis in idem ........................................................................................................................... 35 4.8.3 Princípio da obrigatoriedade ........................................................................................................................ 36 4.8.4 Princípio da indisponibilidade ...................................................................................................................... 37 4.8.5 Princípio da intranscendência ....................................................................................................................... 38 4.8.6 Princípio da (in)divisibilidade ........................................................................................................................ 38 4.8.7 Princípio da oficialidade/ autoritariedade ............................................................................................... 39 4.8.8 Princípio da oficiosidade ................................................................................................................................. 39 4.9 Princípios da ação penal privada ................................................................................................................ 40 4.9.1 Princípio da oportunidade ............................................................................................................................. 40 4.9.2 Princípio da disponibilidade .......................................................................................................................... 42 4.9.3 Princípio da indivisibilidade ........................................................................................................................... 44 QUADRO SINÓTICO .............................................................................................................................. 46 QUESTÕES COMENTADAS ................................................................................................................... 48 GABARITO ............................................................................................................................................... 61 QUESTÃO DESAFIO ................................................................................................................................ 62 GABARITO QUESTÃO DESAFIO ........................................................................................................... 63 LEGISLAÇÃO COMPILADA .................................................................................................................... 65 JURISPRUDÊNCIA ...................................................................................................................................66 MAPA MENTAL ...................................................................................................................................... 72 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................................... 73 5 DIREITO PROCESSUAL PENAL Capítulo 4 4. Ação Penal 4.1 Introdução Segundo Renato Brasileiro (2018), o direito de ação penal é o direito público subjetivo da parte acusadora de pedir ao Estado-Juiz que, mediante o devido processo legal, aplique o direito penal objetivo em um caso concreto. O direito de ação se fundamenta no art. 5º, XXXV da CF/88, que determina que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Perceba que o direito de ação penal não é exercido pelo acusador conta o acusado. O direito de ação penal é exercido contra o Estado, presentado pela figura do juiz, para que ele exerça a sua jurisdição, ou seja, para que ele diga o direito a ser aplicado ao caso concreto. Não confunda direito de ação com a ação penal/processo! O direito de ação é o direito de exigir do Estado o exercício da jurisdição, enquanto a ação propriamente dita, o processo, é uma relação jurídica que se inicia com o exercício do direito de ação. 6 O direito de ação penal é um direito público – é exercido contra o Estado, pois a atividade jurisdicional que se pretende provocar é de natureza pública; subjetivo – é titularizado pelo Ministério Público, pelo ofendido ou por seu representante legal, que podem exigir do Estado a prestação da jurisdição em um caso concreto; abstrato – independentemente do resultado do processo penal, o direito de ação existe e pode ser exercido mesmo em casos de improcedência do pedido da acusação; autônomo – o direito de ação não se confunde com o direito material que se pretende tutelar; determinado e específico – é conexo a um determinado fato concreto especificamente imputado a um agente; e instrumental – apesar de não se confundir com o processo, o direito de ação serve para dar início a ele e, consequentemente, instrumentalizar a solução dos conflitos. A ação penal tem fundamento legal tanto no Código Penal, como no Código de Processo Penal, pois é matéria relacionada com o direito de punir do Estado, o que lhe atribui caráter de norma mista – material e processual. Portanto, na sucessão de leis no tempo, aplicamos a lei mais favorável ao réu quando ela versar sobre as condições da ação e sobre as causas extintivas de punibilidade relacionadas à representação ou à ação penal de iniciativa privada. 4.1.1 O Processo penal tem lide? A clássica concepção de lide, segundo Carnelutti, é de um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. Sabendo que a preservação da liberdade individual do inocente interessa tanto ao Estado quanto a condenação do culpado, podemos afirmar que o conceito de lide concebido por Carnelutti não deve ser aplicado ao processo penal. Pense bem: no processo penal o Estado deve perseguir apenas a correta aplicação da lei, inocentando quem for inocente e sancionando quem for culpado. Não há, necessariamente, um conflito de interesses. O promotor deve ser promotor de justiça e não promotor de acusação. Por isso, o Ministério Público tem legitimidade, por exemplo, para requerer a absolvição do réu e, inclusive recorrer em seu benefício. 7 Ademais, não há pretensão resistida quando o réu está de acordo com o pedido condenatório da acusação e, ainda assim, é indispensável a sua defesa técnica. Ao contrário do Processo Civil, a lide não é um elemento obrigatório do processo penal. Em vez de “lide”, no processo penal existe a pretensão punitiva, que é o poder do Estado de exigir de quem comete um crime a submissão à sanção penal. Segundo Badaró (2009), é através da pretensão punitiva que o Estado procura tornar efetivo o ius puniendi. Entretanto, essa pretensão punitiva não pode ser resolvida sem um processo, sendo uma pretensão que já nasce insatisfeita. 4.2 Condições da ação penal Segundo a teoria eclética, adotada pelo nosso Código de Processo Civil, o direito de ação é o direito ao julgamento do mérito da causa, independentemente de ser ou não favorável ao pedido do autor. A existência desse direito não está relacionada com a existência do direito material que se pretende tutelar, mas está vinculada à determinadas condições, requisitos formais, chamados de condições da ação, desenvolvidas pelo processualista Liebmem. O Código de Processo Penal não especifica quais são as condições da ação, apenas afirma que, se elas não estiverem presentes, a inicial acusatória deve ser rejeitada. Com isso, usamos subsidiariamente o Código de Processo Civil para definir as condições da ação. As condições da ação são aferidas à luz da relação jurídica de direito material objeto do processo, mas não se confunde com o seu mérito. Segundo a teoria da asserção, a presença das condições da ação deve ser apreciada pelo juiz com base nas informações prestadas na peça inicial, que devem ser tomadas como verdadeiras para esta finalidade de filtro processual. Elas devem ser analisadas de forma preliminar e sumária, ou seja, no processo penal elas devem ser averiguadas no momento do juízo de admissibilidade da denúncia. Se as condições estiverem ausentes, deve ser expedida uma sentença terminativa de carência de ação, sem formação de coisa julgada material. 8 Entretanto, no processo penal é perfeitamente possível o reconhecimento da sua nulidade absoluta por carência das condições da ação em qualquer momento. Por fim, se for necessária uma cognição mais aprofundada pelo juiz para a análise da presença das condições da ação, a carência da ação será questão de mérito, com formação de coisa julgada formal e material. Exemplo: com o final do processo penal, o juiz reconheceu que a denúncia foi oferecida contra um inocente. Nesse caso, o magistrado deve proferir uma sentença absolutória de mérito, que fará coisa julgada formal e material. Caso o juiz tivesse reconhecido a falha da denúncia no momento do seu recebimento, deveria declarar a ilegitimidade passiva ad causam e extinguir o processo sem resolução de mérito. No processo penal as condições da ação se dividem em condições genéricas, aplicáveis a qualquer ação penal, e condições específicas, também chamadas de condições de procedibilidade, aplicáveis apenas em determinadas infrações, acusados ou situações previstas em lei. 4.2.1 Condições genéricas da ação penal Parte da doutrina entende que o processo penal deve seguir uma teoria geral do processo e, por isso, define como condições genéricas da ação penal as mesmas condições da ação civil – legitimidade e interesse de agir. Sem elas, a denúncia deverá ser rejeitada. Legitimidade de agir, ou legitimatio ad causam, é a pertinência subjetiva da ação. Como assim? Há legitimidade de agir quando uma situação prevista em lei permite que determinado sujeito proponha uma demanda judicial e que outro determinado sujeito seja demandado no respectivo polo passivo. Assim, temos a legitimidade ativa quando o autor afirma ser titular do direito subjetivo material objeto da demanda, e legitimidade passiva quando a obrigação que corresponde àquele direito é do demandado. Quanto à legitimidade ativa no processo penal temos o seguinte cenário: AÇÃO PENAL PÚBLICA Ministério Público 9 Em casos excepcionais, teremos como legitimados ativos o curador especial, os sucessores do ofendido, ou até mesmo entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, assim como associações destinadas à defesa dos interesses e dos direitos do consumidor. Conflito de atribuições entre os Ministérios Públicos: quando há um conflito de atribuição entre órgãos do mesmo MP estadual,quem deve dirimir esse conflito e determinar quem é o legitimado é o respectivo Procurador-Geral de Justiça; e quando há um conflito de atribuição entre os vários Ministérios Públicos da União – MPF, MPT, MPM, MPDFT – quem deve dirimir esse conflito e determinar o legitimado é o Procurador-Geral da República. Quando há um conflito de atribuição entre Ministérios Públicos distintos, seja um MP estadual contra outro MP estadual, ou um MP estadual contra o MP Federal, quem deve dirimir esse conflito e determinar quem é o legitimado, segundo o Supremo Tribunal Federal, é o Procurador Geral da República – PGR. Olha que observação legal: quem vai resolver o conflito de competência entre as jurisdições é o STJ, e por muito tempo o STF entendeu que esse tribunal também resolveria os conflitos entre os MPs diferentes por ser um “conflito virtual de competência”. Depois, o STF passou a entender que ele próprio deveria dirimir os conflitos entre o Ministério Público estadual e o Ministério Público Federal, pois isso seria um conflito de competência entre o estado e a União. Entretanto, quando falamos de MP estamos tratando de atribuições e não de competências! Por isso, atualmente, o Supremo entende que esses conflitos são decididos pelo AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA Ofendido ou seu representante legal 10 próprio PGR. Esse entendimento causa muita polêmica, tendo em vista que o PGR é o chefe do MP da União, sem nenhum tipo de hierarquia dentro do MP estadual. Portanto, o primeiro passo para analisar o preenchimento das condições da ação no processo penal é saber se ela é pública ou de iniciativa privada. Depois, passamos para o polo passivo. Tem legitimidade passiva o agente que supostamente é autor, coautor ou partícipe de uma infração penal – crime ou contravenção. Como a autoria é tema de mérito no processo penal, muitos doutrinadores ensinam que ela não tem relevância no exame preliminar das condições da ação. Entretanto, isso é uma afirmação equivocada. Como vimos, pela teoria da asserção, para a verificar se há condições da ação, as informações trazidas na inicial devem ser tomadas como verdadeiras. Se, sem nenhum juízo de valorativo de provas, for possível verificar que o acusado não é autor, coautor ou partícipe da infração penal a ele imputada pela acusação, a inicial deve ser rejeitada por carência das condições da ação, especificamente, por ilegitimidade passiva. É perfeitamente possível um equívoco de digitação na denúncia ou a existência de homônimos, identificáveis em uma análise sumária. Por exemplo, é possível que a denúncia seja feita erroneamente contra a testemunha, o que permite de plano a rejeição da denúncia por carência de legitimidade passiva, dispensada qualquer dilação probatória. A pessoa jurídica tem legitimidade no processo penal? E em relação à legitimidade passiva, é admitida a denúncia contra pessoa jurídica apenas nos casos de crimes ambientais, por força de determinação constitucional. 11 Quanto à legitimidade passiva, atualmente já é fato que a pessoa jurídica possui direitos da personalidade inerentes ao indivíduo, na medida de sua compatibilidade. O próprio Código Civil dispõe em seu art. 52 que se aplica às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. Entre esses direitos da personalidade está o direito à honra, bem jurídico tutelado penalmente no capítulo V do Código Penal. A pergunta é: se uma pessoa jurídica for vítima de uma difamação, que protege a honra objetiva, está legitimada a propor ação penal? Sim! A pessoa jurídica é dotada de honra objetiva e pode ser vítima de difamação, figurando no polo ativo da demanda criminal mediante queixa-crime. A legitimidade que estamos estudando agora não se confunde com a legitimatio ad processum, que é a capacidade de estar em juízo, pressuposto processual de validade. A capacidade processual é a possibilidade de exercer direitos e deveres processuais. O ofendido menor de 18 anos não tem capacidade processual para oferecer queixa-crime, portanto, o seu representante legal deve atuar no processo, não como parte, mas como aquele que dá à parte capacidade de estar em juízo. A capacidade processual e a legitimidade processual também não se confundem com a capacidade postulatória, que é a aptidão de postular perante o Poder Judiciário. Se o ofendido não for advogado, deve suprir essa incapacidade por meio da representação voluntária necessária. Por fim, não podemos confundir a capacidade processual, a capacidade postulatória e a legitimidade com a capacidade de ser parte, que é pressuposto de existência do processo. A capacidade de ser parte é decorrência da capacidade de adquirir direitos e contrair obrigações. Especificamente no processo penal, além das pessoas físicas e jurídicas, alguns entes são classificados como pessoas formais. Por exemplo, as entidades e órgãos da Administração direta ou indireta destinados à defesa dos direitos e interesses do consumidor, mesmo que sem 12 personalidade jurídica, são legitimados para atuar como assistentes do MP e para ajuizar queixa- crime subsidiária em caso de inércia do órgão ministerial. Sobre o tema da legitimidade processual, ainda destacamos a seguinte classificação: Legitimidade ordinária: segundo o art. 18 do CPC, ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico. Portanto, em regra, só é possível pleitear a defesa de direito próprio em nome próprio. No âmbito do processo penal, temos a legitimidade ordinária nos casos de ação penal pública, pois a própria CF/88 outorga a sua titularidade ao MP. Legitimidade extraordinária: é a exceção no ordenamento jurídico e deve ser expressamente prevista em lei a autorização para que alguém possa pleitear em nome próprio interesse alheio. Também chamada de substituição processual, a legitimidade extraordinária ocorre no processo penal em casos como o da ação penal de iniciativa privada, caso em que o ofendido ou o seu representante legal age em nome próprio na defesa de interesse do Estado, que continua sendo o titular da pretensão punitiva. Não confunda: a legitimidade extraordinária com a sucessão processual. Esta última ocorre quando um sujeito assume a posição de outro no processo, ocorrendo uma mudança subjetiva da relação jurídica processual. Há uma troca de sujeitos, como ocorre no caso previsto no art. 31 do CPP - No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. A legitimidade extraordinária também não se confunde com a representação processual. Há representação processual quando o sujeito está em juízo defendendo direito alheiro em nome alheio. O representante processual não é parte no processo, a parte é o representando, trata-se de um instituto relacionado à capacidade de estar em juízo, como ocorre na ação penal de iniciativa privada quando o ofendido é menor de 18 anos e precisa de um representante legal para estar em juízo. 13 Quando o ofendido for menor de 18 anos, mentalmente enfermo, ou retardado mental e não tiver representante legal ou os interesses deles colidirem, será nomeado um curador especial pelo juiz, de ofício ou a requerimento do MP. Ao contrário da representação, na legitimidade extraordinária o substituto processual é parte e o substituído não é, por mais que os seus interesses estejam sendo discutidos no processo. Outra condição genérica da ação penal é o interesse de agir. Ele está relacionado com a utilidade da prestação jurisdicional que se pretende com o exercício do direito de ação. O acusador deve demonstrar na sua inicial a necessidade de recorrer ao Judiciário para obter a tutela pretendida. Não é o momento de analisar a legitimidadeda pretensão, deve-se apenas analisar se é preciso a providência judicial pleiteada para alcançar o resultado pretendido pelo autor. O interesse de agir deve ser analisado sobre o trinômio da necessidade x adequação x utilidade: Necessidade de obtenção da tutela jurisdicional pleiteada; Adequação entre o pedido e a proteção jurisdicional; e Utilidade/ eficácia da atividade jurisdicional para satisfazer o interesse do autor. A necessidade estará presente nas situações em que o autor não puder alcançar o bem da vida pretendido sem a intervenção judicial. No caso da pretensão punitiva, sempre haverá necessidade, que está implícita em qualquer ação penal condenatória. Isso ocorre porque nenhuma sanção penal poderá ser aplicada sem o devido processo legal – princípio nulla pena sine judicio. A adequação é o ajustamento da providência judicial requerida com o resultado pretendido de solução do conflito. Como só temos um tipo de ação penal condenatória, a adequação é um aspecto do interesse de agir que não tem muita relevância no processo penal, salvo nas ações penais não condenatórias. 14 Por fim, a utilidade consiste na eficácia da atividade jurisdicional para satisfazer o interesse do autor. Portanto, só haverá utilidade se houver possibilidade de realizar o jus puniendi estatal com a eventual aplicação de sanção penal ao fim do processo. Você já ouviu falar em prescrição virtual ou prescrição em perspectiva? Quando antes ou durante o processo penal fica constatado que em eventual condenação a pena que será imposta ao acusado inevitavelmente será fulminada pela prescrição da pretensão punitiva retroativa, dizemos que há prescrição virtual, ou prescrição em perspectiva. Por exemplo, em um furto simples, com pena de reclusão de 1 a 4 anos, se o acusado é menor de 21 anos, primário e com bons antecedentes, mesmo antes de começar o processo já é possível vislumbrar que a eventual sentença condenatória fixará a pena no mínimo legal. Ademais, o prazo para a prescrição da pretensão punitiva para a pena de 1 ano, que é de 4 anos, deve ser diminuído pela metade devido a idade do acusado, passando a ser de 2 anos. Se entre a data do crime e a data da vista dos autos pelo MP já se passaram mais de 2 anos, o Promotor já pode vislumbrar a prescrição retroativa até mesmo antes de propor a ação penal. A prescrição virtual não tem previsão em nosso ordenamento jurídico, portanto, não pode ser usada como argumento para requerer o arquivamento de um inquérito em vez de propor a ação penal. Mas, quando nos deparamos com casos assim, podemos dizer que há falta interesse de agir por inexistência de utilidade para o processo? Grande parte da doutrina defende que, nesses casos, o MP deve requerer o arquivamento do inquérito policial com base na falta de interesse de agir. Apesar disso, a jurisprudência dos Tribunais Superiores não aceita essa tese, argumentando que, além de não ter previsão legal da 15 prescrição virtual, essa prática violaria o princípio da não culpabilidade, pois partiria do pressuposto que o acusado seria condenado no final do processo. Nesse contexto, o STJ editou a Súmula 438 que dispõe: “é inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”. Além disso, a Lei 12.234 de 2010 deu nova redação ao art. 110, §1º do CP, que passou a dispor: “A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa”. Com isso, acabou a prescrição da pretensão punitiva retroativa entre a data do crime e a data do recebimento da inicial acusatória. 4.2.2 Justa Causa A justa causa é o suporte probatório mínimo, constituído da prova de materialidade e dos indícios suficientes de autoria da infração penal, que vai embasar a peça acusatória. A pergunta que se faz é: a justa causa é uma das condições genéricas da ação penal? Sobre o assunto temos três correntes doutrinárias. A primeira afirma que a justa causa é uma condição da ação específica do processo penal; a segunda corrente doutrinária afirma que a justa causa é uma condição da ação penal, mas não tem natureza autônoma, pois na verdade a justa causa é o interesse de agir no processo penal; e a terceira linha de pensamento afirma que a justa causa não é uma condição da ação, apesar se precisar ser analisada no processo penal. A primeira corrente é a majoritária na doutrina brasileira, mas o art. 395 do CPP trata as condições da ação e a justa causa como coisas diferentes, tratando de cada uma em incisos diferentes quando elenca as hipóteses de rejeição da denúncia ou queixa, o que fortalece a terceira corrente doutrinária. 16 Para os defensores da primeira corrente, a previsão da justa causa em separado das condições da ação no CPP quis apenas ressaltar a necessidade de sua observação, e não estaria diferenciando-as. A necessidade do destaque para a justa causa se fundamentaria porque o CPP não expressa quais seriam as condições da ação, usando subsidiariamente as condições do processo civil que, obviamente, não trata da justa causa. Independentemente da posição adotada, é fato que a presença da justa causa é indispensável para a admissibilidade da inicial acusatória. Você sabe o que é justa causa duplicada? Nos crimes de lavagem de capitais não basta a presença de lastro probatório mínimo quando à ocultação de bens, direitos ou valores, também é indispensável que na denúncia fique comprovado que tais bens, direitos ou valores são provenientes direta ou indiretamente de infração penal. Portanto, o acusador deve demonstrar na inicial a prova da materialidade do crime de lavagem de capitais e da infração penal antecedente. Ressalta-se que o crime de lavagem de capitais será punível mesmo que se desconheça a autoria da infração antecedente, que seu autor seja isento de pena ou que esteja extinta a sua punibilidade. 4.2.3 Condições específicas da ação penal Em determinas situações, além das condições genéricas da ação penal, incluída a justa causa, a lei exige o preenchimento de condições específicas para o exercício do direito de ação. 17 Elas também devem ser verificadas no momento de admissibilidade da inicial acusatória e, se não estiverem presentes, também será causa de rejeição da denúncia ou queixa. Caso a ausência das condições específicas não seja notada no momento adequado, nada impede que em outra fase processual, quando o magistrado perceber a sua ausência, o processo seja anulado ab initio. Temos como exemplos de condições específicas da ação penal: Representação do ofendido – nos crimes de ação penal pública condicionada à representação. Requisição do Ministro da Justiça – nos crimes de ação penal pública condicionada à requisição, como por exemplo, crimes contra a honra do Presidente da República. Provas novas quando o inquérito policial tiver sido arquivado por falta de provas – de acordo com a Súmula 524 do STF, “arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do Promotor, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas”. Provas novas após a preclusão da decisão de impronúncia – em crimes dolosos contra a vida, de competência do Tribunal do Júri, se o juiz não se convencer da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria, fundamentadamente, irá impronunciar o acusado. Entretanto, enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, é possível nova denúncia se houver prova nova, que passa a ser condição específica para o exercício do direito de ação. Autorização da Câmara dos Deputados – por dois terços de seus membros, a Câmarade Deputados precisa autorizar a instauração de processo contra o Presidente da República, o seu Vice-Presidente e contra os Ministros de Estado. Trânsito em julgado da sentença que anule o casamento por erro ou impedimento – para os crimes de induzimento a erro essencial e de ocultação de impedimento de casamento. 4.2.4 Condições de prosseguibilidade da ação penal As condições da ação penal são as condições de procedibilidade, e devem estar presentes para que o processo tenha início. Elas não se confundem com as condições de 18 prosseguibilidade, que são condições supervenientes da ação, necessárias para que o processo prossiga. Um exemplo de condição de prosseguibilidade é o art. 152 do CPP, que determina a suspensão do processo até que o acusado se restabeleça de doença mental que sobreveio à infração. Portanto, a retomada da higidez mental do acusado no caso de insanidade superveniente é uma condição de prosseguibilidade do processo. Enquanto isso não acontecer, o processo fica suspenso, paralisado, com o prazo prescricional correndo normalmente – é o que a doutrina chama de crise de instância. Outro exemplo de condição de prosseguibilidade que podemos citar é o seguinte: com a entrada em vigor da Lei 9.099/95, que trata dos Juizados Especiais, passou-se a exigir representação do ofendido ou do seu representante legal para a propositura da ação penal nos crimes de lesão corporal leve e culposa. Sabemos que a representação é uma condição de procedibilidade, mas nos casos dos processos em andamento quando a lei dos Juizados Especiais entrou em vigor, a representação era uma condição de prosseguibilidade. O ofendido, ou o seu representante legal, foi intimado para que no prazo de 30 dias oferecesse a representação, sob pena de decadência. 4.2.5 Condições objetivas de punibilidade As condições objetivas de punibilidade são aquelas que, por questões de política criminal, a punibilidade do sujeito fica condicionada à presença de elementos ou circunstâncias que não estão expressas no tipo penal e são exteriores à conduta do agente. Elas não se confundem com as condições da ação penal, que estão relacionadas ao exercício do direito de ação; enquanto as condições objetivas de punibilidade estão relacionadas com o direito penal. Por isso, a ausência de condição da ação gera a anulação do processo, e não a absolvição do respectivo acusado. Ao contrário, a ausência de condição objetiva de punibilidade impede o início da persecução penal e, se mesmo assim for proposta a ação penal, haverá absolvição do acusado, decisão de mérito que faz coisa julgada formal e material. 19 Essas condições são objetivas porque independem de dolo ou culpa agente, pois são fatos externos à sua conduta. Conceitua-se a condição objetiva de punibilidade como um acontecimento futuro e incerto que é exigido pelo legislador para que o fato se torne punível. Exemplos de condição objetiva de punibilidade: a sentença declaratória de falência para os crimes previstos na Lei 11.101/05 – Lei de Falências; e a decisão final do procedimento administrativo nos crimes materiais contra a ordem tributária. 4.3 Pressupostos processuais Os pressupostos processuais, assim como as condições da ação, também são necessários para a admissibilidade da inicial acusatória. Portanto, a ausência de algum dos pressupostos do processo ensejará a rejeição da denúncia ou queixa. Eles podem ser classificados como subjetivos ou objetivos. Os subjetivos se relacionam com o juiz e com as partes, enquanto os objetivos Quanto ao juiz, temos os seguintes pressupostos processuais: a investidura, a competência e a imparcialidade. A investidura de um magistrado pode ocorrer de várias formas, por exemplo, no primeiro grau ela se dá após a aprovação em concurso de provas e títulos e, nos tribunais, os seus membros podem ser investidos através de promoção na carreira de juiz pelos critérios de antiguidade ou de merecimento, além da possibilidade de investidura através das vagas do quinto constitucional. A competência, que é a medida de jurisdição de um magistrado; e a imparcialidade, que consiste na falta de interesse do juiz na causa, sem nenhum tipo de impedimento ou suspeição. Quanto às partes, são pressupostos processuais que ela tenha capacidade de ser parte, capacidade processual e capacidade postulatória. Para ter capacidade de ser parte é preciso ter mais de 18 anos. Se um acusado tiver menos de 18 anos responderá um processo de acordo com as regras do ECA e o CPP será usado apenas de forma subsidiária. 20 Lembre-se que o inimputável por doença mental tem capacidade de ser parte em um processo penal, até mesmo porque existe ações de prevenção penal, que são aquelas que não objetivam a condenação do acusado, mas sim a sua absolvição impropria e aplicação de uma medida de segurança. Portanto, se o examinador te preguntar se o inimputável tem capacidade de ser parte no processo penal, você vai responder: DEPENDE! O inimputável por idade não tem capacidade de ser parte, mas o inimputável por doença mental, tem. 😉 A capacidade processual, por sua vez, consiste na capacidade de exercer plenamente os atos da vida civil. Para as pessoas que não possuem capacidade processual, o juiz deve nomear, de ofício ou a requerimento, um curador, que vai representar a parte que não tem capacidade processual no decorrer do processo. No caso do inimputável por doença mental que vimos acima, ele tem capacidade de ser parte, pode ser réu no processo penal, mas não tem capacidade processual, pois não é capaz de exercer os atos da vida civil. Por isso, nos processos penais que tenham como parte um inimputável por doença mental, deve existir um curador. Com isso, podemos afirmar que o inimputável menor de 18 anos não tem capacidade processual e nem capacidade de ser parte no processo penal, enquanto o inimputável por doença mental, apesar de ter capacidade de ser parte, não tem capacidade processual. Por fim, a capacidade postulatória é a capacidade de atuar em juízo, que pertence ao advogado. Quanto ao réu, existe no processo penal a autodefesa e a defesa técnica, obrigatória e que precisa de capacidade postulatória para ser exercida. Ou seja, o réu do processo penal 21 precisa de um advogado para suprir a falta de capacidade postulatória (salvo se ele for advogado), seja ele contratado, defensor público ou defensor dativo. Também é exigida a capacidade postulatória quando a vítima (ou o seu representante legal) ingressa como autor em uma ação penal. Ela deve possuir capacidade de ser parte e capacidade processual, entretanto, a sua falta de capacidade postulatória é suprida por um advogado. Assim, podemos afirmar que titularidade da ação penal de iniciativa privada é da vítima, mas o seu exercício se dá por intermédio do advogado. Ademais, é claro que se a própria vítima for advogado(a), poderá exercer a capacidade postulatória em causa própria. Os pressupostos processuais de caráter objetivo se dividem em pressupostos processuais intrínsecos e extrínsecos. Os pressupostos extrínsecos consistem na ausência de alguma causa impeditiva, como a litispendência e a coisa julgada. E o pressuposto processual intrínseco é a regularidade do processo. 22 4.4 Modalidades de ação penal A ação penal de conhecimento pode ser dividida em modalidades dependendo da razão da provocação da tutela jurisdicional. Em regra, ela é condenatória, mas também temos ação penal de natureza constitutiva e declaratória. A ação penal condenatória pode ser própria ou imprópria. A primeira visa sancionar o réu, enquanto a segunda, a ação penal condenatória imprópria, vida a prevenção – é a hipótese em que o próprio MP reconhece a imputabilidade por doença mental e pede a absolvição imprópria do acusado, com aplicação de medida de segurança. Pressupostosprocessuais Subjetivos Juiz Investidura Competência Imparcialidade Partes Capacidade de ser parte Capacidade processual Capacidade postulatória Objetivos Extrínsecos Litispendência Coisa julgada Intrínsecos Regularidade do processo 23 A ação de natureza constitutiva visa criar, modificar ou extinguir uma situação jurídica e, no processo penal, isso ocorre nas ações de revisão criminal, pedido de homologação de sentença estrangeira, pedido de extradição passiva e no habeas corpus para anular processo por ausência de citação. Mais rara, mais não impossível, a ação penal de natureza declaratória objetiva a declaração da existência ou não de uma relação jurídica, como por exemplo, um habeas corpus que vise a declaração da extinção de punibilidade. Não é possível imaginar a existência de um processo cautelar autônomo no âmbito penal, mas é perfeitamente possível a concessão de medidas cautelares que, inclusive, são muito comuns nas situações em que providências urgentes sejam necessárias para garantir o exercício da jurisdição. Por fim, a ação penal pode ser de execução. Ao contrário do processo civil, em que a execução obedece ao princípio da demanda, no processo penal a execução deve ocorrer de ofício. Atenção para a novidade! Após muito debate doutrinário e jurisprudencial, o Pacote Anticrime, Lei 13.964/19, alterou o art. 51 do Código Penal para afirmar que a pena de multa deve ser executada perante o juiz da execução penal. Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. 24 No tema do presente capítulo nos interessa apenas as ações penais condenatórias, também chamadas de ação penal propriamente ditas, que buscam a condenação ou a absolvição imprópria do acusado. Elas são classificadas como ação penal de iniciativa pública e ação penal de iniciativa privada. 4.5 Ação Penal Pública A ação penal de iniciativa pública, ou simplesmente ação penal pública, é titularizada pelo Ministério Público, de acordo com o art. 129, I da CF: “são funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”. Para promover a ação pública, o MP utilizará a denúncia como peça inaugural, que deve conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas. 4.5.1 Ação penal pública incondicionada A regra no sistema jurídico é que a ação penal seja pública incondicionada, portanto, quando a lei não disser expressamente qual o tipo de ação penal aplicado ao crime, ele será de ação penal pública incondicionada, na qual o MP é o titular e não se submete às condições específicas de representação ou requisição para exercer o direito de ação. AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PÚBLICA INCONDICIONADA CONDICIONADA DE INICIATIVA PRIVADA PROPRIAMENTE DITA PERSONALÍSSIMA SUBSIDIÁRIA 25 Art. 24, § 2º, CPP – Seja qual for o crime, quando praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da União, Estado e Município, a ação penal será pública. Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção. 4.5.2 Ação penal pública condicionada A ação penal pública pode ser condicionada à representação do ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça. Nesses casos, o Ministério Público continua sendo o titular da ação penal, mas não pode exercer o seu direito de ação de ofício, como nos casos de ação penal pública incondicionada. Quando a lei exige a representação do ofendido ou a requisição do Ministro da Justiça, o MP só está autorizado a oferecer a denúncia quando essas condições estiverem presentes. Art. 24, do CPP – Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. A ação penal será condicionada à representação do ofendido em crimes como a ameaça, a lesão corporal leve ou culposa, o furto de coisa comum, entre outros. Preste atenção em algumas considerações importantes relacionadas à matéria: Os crimes de lesão corporal leve ou culposa cometidos no contexto de violência doméstica ou familiar contra a mulher, que se enquadram na Lei Maria da Penha, são de ação penal pública incondicionada, pois o dispositivo que condicionada a persecução penal desses crimes à representação do ofendido está na Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados 26 Especiais), que não se aplica aos casos da Lei Maria da Penha por disposição expressa do seu art. 41. Existem casos de ação penal pública condicionada à representação no âmbito de incidência da Lei Maria da Penha, como o crime de ameaça. A Lei 13.718/18 transformou todos os crimes contra a dignidade sexual em crimes de ação penal pública incondicionada. Antes de 25 setembro de 2018, a regra era a de que os crimes sexuais seriam de ação penal pública condicionada à representação do ofendido (exceções: vítima menor de 18 anos ou vítima vulnerável – casos em que a ação penal já era pública incondicionada). A Lei 13.718/18 é uma lei processual mista por tratar da matéria de ação penal, por isso, aplicamos a regra do direito material na sua sucessão no tempo, ou seja, a lei nova deve retroagir apenas para beneficiar o réu. Como a nova lei de 2018 não exige mais a condicionante para o exercício da ação, ela prejudicaria os agentes que cometeram o crime antes da sua vigência e não foram representados. Portanto, ela não deve retroagir, devemos aplicar a nova lei apenas para os crimes cometidos após 25/09/2018. A Súmula 608 do STF dispõe que “no crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada” e, apesar de muito criticada pela doutrina, só se aplica aos crimes praticados antes da Lei 13.718/18. O estelionato, tipificado no art. 171 do CP como “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento” passou a ser, em regra, de ação penal pública condicionada à representação do ofendido por meio do pacote anticrime – Lei 13.964/19, que entrou em vigor 24/01/2020. As exceções, casos em que o crime de estelionato continua sendo de ação penal pública incondicionada, são: quando a vítima for a Administração Pública direta ou indireta, criança ou adolescente, pessoa com deficiência mental, maior de 70 anos ou incapaz. A representação do ofendido é uma condição específica de procedibilidade que consiste em qualquer manifestação inequívoca da vontade de deflagrar a persecução penal em juízo. 27 Não é exigido qualquer rigor formal, como por exemplo, a presença de advogado, servindo como representação até mesmo a notitia criminis apresentada verbalmente em delegacia e reduzida à termo. O direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público, ou à autoridade policial.1 A titularidade do poder de representar é do ofendido ou do seu representante legal, contudo, se ele morrer ou for declarado ausente por meio de decisão judicial, esse poder passará aos seus sucessores – C.A.D.I.: cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Art. 24, § 1º, do CPP – Nocaso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de representação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Para realizar a representação, o ofendido possui um prazo de natureza decadencial de 6 meses, contados do conhecimento da autoria do delito. Por ser um prazo decadencial, é de direito matéria, ou seja, inclui o dia do início na contagem e desconsidera as frações de dia. Ademais, é improrrogável, não se interrompe e nem se suspende. Formulada a representação, é possível a retratação do ofendido até o momento do oferecimento da denúncia pelo MP. Art. 25. A representação será irretratável, depois de oferecida a denúncia. Especificamente nos casos de aplicação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), a retratação da representação da ofendida é possível, mas deve atender requisitos próprios previstos no art. 1 Vide questão 03 dessa apostila 28 16: só será admitida perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público. É possível a retratação da retratação? Apesar de não existir previsão legal, a doutrina majoritária entende que é possível uma nova representação depois da retratação, ou seja, uma retratação da retratação. Portanto, é possível que o ofendido represente e se retrate quantas vezes quiser até o fim do prazo decadencial – 6 meses contados do reconhecimento da autoria. A representação do ofendido é de caráter objetivo, ela se refere ao fato e não à pessoa. Assim, se o ofendido representar um dos coautores, o Ministério Público poderá oferecer denúncia quanto a todos os demais agentes envolvidos. Por fim, devemos salientar que a representação do ofendido não vincula o Ministério Público. Ela funciona como uma autorização e como um pedido, mas se o membro do MP entender que não há motivos para processar o agente, não estará obrigado. A ação penal será pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça em crimes contra a honra do Presidente da República, de Chefe de Governo Estrangeiro, praticados no exterior por estrangeiro contra brasileiro, e em outros casos previstos na Lei de Segurança Nacional. Ao contrário da representação do ofendido, a requisição do Ministro da Justiça deve ser feita formalmente, sem prazo decadencial estabelecido. Portanto, enquanto não houver a prescrição do crime, o Ministro da Justiça poderá oferecer a requisição ao Ministério Público. A requisição do Ministro da Justiça também tem eficácia objetiva, ou seja, se refere ao fato e não ao seu agente. Portanto, a partir da requisição o Ministério Público poderá oferecer denúncia sobre todos os participantes do fato, independentemente de citados ou não pelo Ministro. 29 Apesar de se chamar “requisição”, assim como a representação do ofendido, a requisição do Ministro da Justiça não vincula o MP, que tem independência funcional e não está subordinado hierarquicamente ao Ministério da Justiça. Cabe retratação da requisição do Ministro da Justiça? diferentemente do que ocorre com a retratação da representação do ofendido, o tema não foi tratado pela lei e a jurisprudência nunca teve oportunidade de se manifestar sobre o assunto. Na doutrina, alguns defende, que não seria possível essa retratação porque não há previsão legal e a retratação demonstraria grande instabilidade institucional, pois a requisição de um Ministro de Estado é um ato político. Por outro lado, uma doutrina mais moderna defende que a retratação da requisição seria possível exatamente porque não há uma proibição legal e a mudança de um ato político é perfeitamente compatível com o regime democrático de direito. 4.6 Ação Penal Privada A ação penal de iniciativa privada é titularizada pelo ofendido ou pelo seu representante legal, que a promoverá mediante queixa-crime, seguindo todos os requisitos da denúncia – exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas – e por intermédio de advogado. Mesmo não sendo titular das ações penais privadas, o Ministério Público deve atuar em todos os atos do processo como custos legis, ou melhor, como afirma a doutrina mais moderna, como custos juris. Portanto, podemos afirmar que não existe processo penal sem participação do Ministério Público. Existem três tipos de ação penal de iniciativa privada: a ação penal privada exclusiva, também chamada de ação penal exclusivamente privada, ou ainda de ação penal privada propriamente dita; a ação penal privada personalíssima; e a ação penal privada subsidiária da pública, também chamada de ação penal privada supletiva. 30 4.6.1 Ação penal privada propriamente dita A ação penal privada propriamente dita é a regra entre os crimes de ação penal privada. O seu titular é o ofendido ou o seu representante legal e em caso de sua morte ou declaração de ausência por decisão judicial, a legitimidade ativa da ação penal passará para o seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (o famoso CADI). Obs.: quando a legislação se refere ao cônjuge, podemos interpretar de forma a abranger o companheiro e a companheira. Para a apresentação da queixa-crime, o ofendido ou o seu representante legal possui o prazo decadencial de 6 meses, contados do conhecimento da autoria.2 Os exemplos clássicos de crimes de ação penal privada são os crimes contra a honra – calúnia, injúria e difamação. Entretanto, temos algumas exceções, casos em que esses crimes não serão de ação penal privada: primeiramente, a ação penal será pública incondicional nos casos de injúria real ou de crimes eleitorais contra a honra; a ação penal será pública condicionada à representação do ofendido em crimes de injúria qualificada e em crimes contra a honra de funcionário público no exercício de suas funções ou em razão delas; e a ação penal será pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça quando o crime contra a honra for cometido contra o Presidente da República ou contra Chefe de Governo estrangeiro.3 Quanto ao crime contra a honra de funcionário público, o STF editou a Súmula 714 que dispõe: “É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do ministério público, 2 Vide questão 01 desse material 3 Vide questão 04 desse material 31 condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções”. Posteriormente o próprio Supremo explicou que, em verdade, a legitimidade é alternativa, pois não seria possível que o ofendido e o MP atuassem ao mesmo tempo como titulares da ação penal. Portanto, na prática, ou o funcionário público ofendido oferece a queixa-crime, ou ele oferece representação para que o Ministério Público possa denunciar. 4.6.2 Ação penal privada personalíssima A ação penal privada personalíssima se diferencia da ação penal privada propriamente dita porque nela a morte da vítima não permite que a titularidade da ação seja passada para os seus sucessores (CADI). Ou seja, só a vítima pode oferecer a queixa-crime e a sua morte extingue a punibilidade do infrator. Só existem dois casos de ação penal personalíssima no Brasil, e ambos estão tipificados no art. 236 do Código Penal – erro essencial sobre a pessoa no casamento e a ocultação dolosa de impedimento no casamento, que não seja um casamento anterior (que seria crime de bigamia). A ação penal depende do oferecimento da queixa-crime pelo contraente do casamento que foi enganado, dentro do prazo decadencial de 6 meses, que tem como marco inicial o trânsito em julgado da sentença judicial que anular ocasamento. Portanto, ação penal não pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sentença cível que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento. 4.6.3 Ação penal privada subsidiária da pública Por fim, a ação penal privada subsidiária da pública pode ser proposta nas situações em que o Ministério Público, titular da ação penal pública, fica inerte por mais tempo do que a lei 32 autoriza, sem oferecer a denúncia, requisitar novas diligências, declinar a competência, suscitar conflito de competência, e nem requerer o arquivamento do inquérito. Nessas situações, o ofendido (ou o seu representante legal) está autorizado a propor uma queixa-crime subsidiária, mesmo que o crime seja de ação penal pública, no prazo decadencial de 6 meses, contados do fim do prazo legal previsto para o MP se manifestar, sem essa manifestação. Lembre-se que a ação penal subsidiária deve ser intentada pelo ofendido. Por isso, não são todos os crimes de ação penal pública que admitem a ação penal privada subsidiária, pois nem todos os crimes possuem um ofendido específico, como por exemplo, o tráfico de drogas e os crimes ambientais, que chamamos de crimes vagos – crimes que atingem a coletividade. Nas ações penais privadas subsidiárias cabe ao Ministério Público, aditar a queixa, repudiá- la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal. Em todas as modalidades de ação penal privada o Ministério Público pode fazer um aditamento da queixa-crime, sem acrescentar fato e réus. Entretanto, especificamente na ação penal privada subsidiária o MP tem ampla legitimidade de aditamento, podendo, inclusive, acrescentar corréus. Ademais, a ação penal privada subsidiária da pública não é compatível com o perdão do ofendido ou com a perempção, que são institutos típicos das outras ações penais privadas e que extinguem o processo e a punibilidade do réu. Caso haja o perdão do querelante ou a 33 perempção na ação penal privada subsidiária, o Ministério Público deve retomar o processo como seu titular. 4.7 Requisitos da denúncia e da queixa-crime O CPP estabelece quatro requisitos para a inicial acusatória – denúncia ou queixa.4 Exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias; Qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo; Classificação do crime; e Rol de testemunhas. Os dois primeiros são considerados essenciais e, portanto, obrigatórios. Assim, a falta de um deles faz com a denúncia ou queixa seja rejeitada por inépcia. Todavia, os outros dois requisitos não são essenciais e, portanto, mesmo que não estejam presentes será possível receber a denúncia ou queixa. A exigência de exposição do fato criminoso em todas as suas circunstâncias significa que o fato deve ser narrado na peça acusatória, permitindo que o réu possa conhecer o que a ele está sendo imputado e exercer o seu direito de defesa. Exposição do fato criminoso, os crimes societários e os crimes multitudinários: Os crimes societários são aqueles praticados por intermédio de pessoas jurídicas. Não é a pessoa jurídica que comete o crime, pois isso só pode ocorrer nos crimes ambientais, mas ela serve para que pessoas naturais pratiquem a conduta criminosa, como ocorre em uma sonegação fiscal, por exemplo. Já os crimes multitudinários são aqueles praticados em multidão. 4 Vide questão 07 e 08 desse material 34 Nos crimes societários, ao denunciar os sócios, o MP não tem como individualizar e narrar todas as condutas e fatos em suas circunstâncias. A exigência desse requisito para o recebimento da denúncia dificultaria a ação do MP ao ponto de gerar impunidade dos autores. Visto isso, a jurisprudência passou a aceitar em determinados casos, como nos crimes societários e nos crimes multitudinários, a denúncia genérica, que é aquela que não preenche o primeiro requisito do art. 41 do CPP. Quando for possível a apresentação da denúncia genérica basta que MP demonstre a vinculação dos acusados ao fato criminoso, sem necessariamente pormenorizar a sua atuação. Prioritariamente a lei exige como segundo requisito da peça acusatória a qualificação do acusado, com seu nome completo, profissão, estado civil, sua documentação... Se essa qualificação não for possível, é necessário que a parte autora esclareça formas de identificar o agente. Imagine que um sujeito preso em flagrante não se identifica na forma civil e a sua identificação criminal não encontra correspondência nos bancos de dados disponíveis. Nessa hipótese é plenamente possível descrevê-lo na peça acusatória a partir de outros elementos, até mesmo com o seu número de registro no sistema carcerário. A classificação do crime não é um requisito essencial da peça acusatória porque o juiz não está vinculado a ele para proferir a sua decisão. No processo penal o juiz está vinculado aos fatos narrados. Portanto, se o acusador narra um furto e insere a conduta do agente no tipo penal do roubo, o juiz analisará o furto. Por fim, o rol de testemunhas deve ser apresentado no momento da denúncia ou queixa, quando for necessário. A testemunha é apenas um dos vastos meios de provas admitidos no direito, assim, um processo pode ser instruído por outras provas que não seja essa. Temos então um requisito que não é essencial, pois a sua ausência não causará rejeição da peça acusatória. Especificamente em relação à queixa-crime, se o querelante não for advogado, ainda temos a exigência da procuração com poderes especiais específicos para o oferecimento da 35 inicial, apontando quem se quer processar e qual o fato pelo qual se quer processar. Caso a queixa seja oferecida sem essa procuração, o juiz não deve rejeitar a denúncia de plano, deve dar oportunidade para que o vício seja sanado. Tradicionalmente era entendido que a juntada dessa nova procuração com poderes especiais deveria ocorrer dentro do prazo decadencial da ação penal. Entretanto, o STJ definiu que essa alteração da queixa pode ser feita à qualquer tempo. 4.8 Princípios da ação penal pública 4.8.1 Princípio do ne procedat iudex ex officio Com a adoção do sistema acusatório pelo nosso ordenamento jurídico, o órgão de acusação deve obrigatoriamente ser distinto do órgão julgador. Portanto, o juiz não pode dar início ao processo de ofício. Também é a partir do princípio do ne procedat iudex officio que retiramos proibição de o juiz proferir provimento à matéria que não tenha sido levada ao processo pelas partes (princípio da correlação entre a acusação e a sentença). O princípio em análise impede que o magistrado inicie uma ação penal condenatória de ofício, mas não impede que possam conceder habeas corpus de ofício quando, no curso do processo, verificarem que alguém está sofrendo ou presta a sofrer coação ilegal. Por fim, cabe destacar que a inércia do juiz é aplicável tanto à ação penal pública, como à ação penal privada. 4.8.2 Princípio do ne bis in idem Também conhecido como princípio da inadmissibilidade da persecução penal múltipla, o princípio do ne bis in idem é aplicável tanto à ação penal pública, quanto à ação penal privada. Ele significa que ninguém pode ser processado duas vezes pela mesma imputação. Assim, entende-se que duas ações penais são idênticas quando têm o mesmo acusado no polo passivo e o mesmo fato criminoso a ele atribuído. 36 Portanto, se um acusado for absolvido de um crime por falta de provas, depois do respectivo trânsito em julgado não é mais possível oferecer uma nova denúncia ou queixa em relação ao mesmo fato, mesmo que com novas provas. Até mesmo se a decisão absolutória ou extintiva de punibilidadefor proferida por um juiz incompetente, o acusado fica impedido de ser novamente processado pelos mesmos fatos perante a justiça competente. A decisão do juízo incompetente não é inexistente, mas sim nula. Sabendo que não há revisão criminal pro societate, não é possível que o agente seja novamente processado pela mesma imputação. Reforçamos que a aplicação do princípio do ne bis in idem só ocorre quando o fato imputado ao agente for o mesmo. No HC 285.589/MG, a 5ª Turma do STJ decidiu que se o agente tiver sido condenado em uma primeira ação penal pelo crime de roubo contra uma instituição bancária não poderá ser condenado por crime de roubo contra o gerente do banco em um segundo processo se ambos os crimes aconteceram no mesmo contexto fático. Devemos aplicar o princípio da consunção ao objeto do processo penal, ou seja, tudo o que pode ser imputado ao acusado no mesmo fático deve ser feito sob pena de jamais poder vir a sê-lo novamente. Por fim, o princípio do ne bis in idem não pode ser aplicado aos casos em que o primeiro julgamento baseado em certidão de óbito falsa. Nesses casos, o Supremo entende que é possível a revogação da decisão que extingue a punibilidade do acusado por inexistência de coisa julgada em sentido estrito. Caso contrário, o acusado estaria se beneficiando de uma conduta ilícita. 4.8.3 Princípio da obrigatoriedade Diante da prova da materialidade de infração penal e indícios suficientes de autoria ou participação, o Ministério Público é obrigado a oferecer a denúncia. 37 Exceções ao princípio da obrigatoriedade: nos crimes de menor potencial ofensivo, o MP pode propor uma transação penal; no acordo de colaboração premiada é possível cláusula que desobrigue o MP de oferecer a denúncia; e o acordo de não persecução penal, que não está previsto em lei, mas apenas em uma resolução do CNMP, por meio do qual o MP pode deixar de oferecer denúncia em algumas situações. O acordo de não persecução penal vem sendo muito criticado por não ser previsto em lei, mas quem defende a sua constitucionalidade alega que o Supremo Tribunal Federal entende que as resoluções do CNJ e do CNMP possuem normatividade primária, ou seja, têm força de lei. 4.8.4 Princípio da indisponibilidade De acordo com o princípio da indisponibilidade, o Ministério Público não pode desistir da ação penal. Esse princípio ainda se estende à fase recursal, ou seja, além de não poder desistir da ação penal, o MP não pode desistir dos recursos que eventualmente tenha interposto. Interessante notar que na fase recursal não vigora o princípio da obrigatoriedade, portanto, o MP não é obrigado a recorrer, mas, se eventualmente o fizer, não poderá desistir. Nos casos em que, após o oferecimento da denúncia, o próprio representante do MP se convence da inocência do acusado, ele deve requerer a sua absolvição (que não vincula o juiz), mas não desistir ou abandonar a ação. 38 Sobre o assunto, vale a pena destacar que o art. 385 do CPP dispõe que nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. A exceção ao princípio da indisponibilidade é a suspensão condicional do processo, instituto previsto na lei dos Juizados Especais que estabelece a possibilidade de o MP propor a suspensão do processo entre 2 e 4 anos, desde que o sujeito cumpra algumas condições. Passado o prazo e cumpridas as condições, haverá a extinção do processo e da punibilidade do agente. 4.8.5 Princípio da intranscendência O princípio da intranscendência é um princípio aplicável tanto à ação penal pública quanto à ação penal privada. Ele é derivado do princípio da intranscendência das penas, do direito penal, também chamado de princípio da pessoalidade das penas ou de princípio da personalidade das penas. No direito penal ele significa que a pena não pode passar da pessoa do condenado, enquanto no processo penal ele significa que a condição de réu não pode passar da pessoa do réu. Portanto, se o réu morre, extingue-se o processo, pois ninguém poderá sucedê-lo nesta condição. 4.8.6 Princípio da (in)divisibilidade Quando temos mais de um autor ou partícipe em um fato criminoso, mas só há indícios suficientes de autoria para subsidiar uma denúncia contra um ou alguns deles, majoritariamente, a doutrina e a jurisprudência aplicam o princípio da divisibilidade da ação penal pública. 39 Segundo esse princípio, nada impede que o Ministério Público ofereça denúncia contra um ou alguns autores ou partícipes do crime e continue a investigar o(s) outro(s), que pode(m) ou não ser processado(s) a posteriori. Se o MP se convencer dos indícios de autoria do(s) autor(es) ou partícipe(s) que continuou investigando, poderá aditar a primeira denúncia ou oferecer uma nova, dependendo da conveniência do momento processual. Os doutrinadores, minoritários, que defendem a aplicação do princípio da indivisibilidade na ação penal pública não negam essa possibilidade de primeiro denunciar um(ns) agente(s) e depois outro(s), mas afirmam que, como ao final o MP deve processar todos eles, o princípio a ser aplicado é o da indivisibilidade da ação penal, que é a ideia de que todos os envolvidos precisam ser processados, como um desdobramento do princípio da obrigatoriedade. 4.8.7 Princípio da oficialidade/ autoritariedade O princípio da oficialidade significa que a titularidade da ação penal pública pertence a um órgão oficial do Estado – que é o Ministério Público. O princípio da autoritariedade, muitas vezes tratado como sinônimo do princípio da oficialidade, significa que devemos ter uma autoridade pública à frente da ação penal pública – que é o membro do MP. 4.8.8 Princípio da oficiosidade O princípio da oficiosidade é a possibilidade de o Ministério Público agir de ofício, independentemente de provocação. Atenção: o princípio da oficiosidade só se aplica aos casos de ação penal pública incondicionada, que é aquela que não depende de representação do ofendido ou do seu representante legal e nem de requisição do Ministro da Justiça. 40 4.9 Princípios da ação penal privada 4.9.1 Princípio da oportunidade Ao contrário da ação penal pública que obedece ao princípio da obrigatoriedade, na ação penal privada temos a incidência do princípio da oportunidade. Assim, se o ofendido está diante da prova da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria ou participação, ele não está obrigado a oferecer a queixa-crime, que só será oferecida se lhe parecer conveniente e oportuno. A renúncia é o instituto que concretiza o princípio da oportunidade, portanto, ocorre antes do exercício da ação penal. A renúncia pode ser expressa ou tácita. A primeira ocorre quando formalmente o ofendido declara que não vai exercer o seu direito de ação. A renúncia expressa constará de declaração assinada pelo ofendido, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais.5 A Renúncia é um assunto que o examinador ama cobrar quando se trata da ação penal. Vejamos como este assunto foi cobrado no exame de ordem: (XXIV EXAME DE ORDEM – FGV - 2017) Lívia, insatisfeita com o fim do relacionamento amoroso com Pedro, vai até a casa deste na companhia da amiga Carla e ambas começam a quebrar todos os porta-retratos da residência nos quais estavam expostas fotos da nova namorada de Pedro. Quando descobre os fatos, Pedro procura um advogado, que esclarece a natureza privada da ação criminal pela prática do crime de dano. 5 Vide questão 02 e 05 desse material 41 Diante disso, Pedro opta por propor queixa-crime em face de Carla pela prática do crime de dano (Art. 163, caput, do Código Penal), já que nunca mantiveram boarelação e ele tinha conhecimento de que ela era reincidente, mas, quanto a Lívia, liga para ela e diz que nada fará, pedindo, apenas, que o fato não se repita. Apesar da decisão de Pedro, Lívia fica preocupada quanto à possibilidade de ele mudar de opinião, razão pela qual contrata um advogado junto com Carla para consultoria jurídica. Considerando apenas as informações narradas, o advogado deverá esclarecer que ocorreu A) renúncia em relação a Lívia, de modo que a queixa-crime não deve ser recebida em relação a Carla. B) renúncia em relação a Lívia, de modo que a queixa-crime deve ser recebida apenas em relação a Carla. C) perempção em relação a Lívia, de modo que a queixa-crime deve ser recebida apenas em relação a Carla. D) perdão do ofendido em relação a Lívia, de modo que a queixa-crime deve ser recebida apenas em relação a Carla. Observação: A questão acima citada e o seu respectivo comentário encontram-se no final da apostila! Não deixe de dar uma conferida, ok? 😉 A renúncia tácita ocorre quando o ofendido fica inerte, deixando correr o prazo decadencial para propor a ação que, em regra, é de 6 meses contados do conhecimento da autoria; ou quando o ofendido pratica ato incoerente com a vontade de processar alguém criminalmente. Atenção: nos crimes do CPP, a aceitação de uma indenização não representa uma renúncia tácita. Já nos crimes do Juizado Especial, a aceitação de uma indenização pode representar uma composição civil dos danos, que extingue a punibilidade do agente. Ainda, vale destacar que a renúncia quanto ao exercício do direito de queixa contra um dos autores do crime se estende aos demais coatores e partícipes. Assim, o ofendido deve processar todos infratores, ou não processar nenhum. A fiscalização da obediência dessa regra 42 cabe ao Ministério Público, que deve aditar a queixa caso verifique que o querelante não acusou todos os agentes. O ato de renunciar é unilateral, ou seja, não depende da concordância do ofensor. 4.9.2 Princípio da disponibilidade Na ação penal privada é perfeitamente possível que o querelante, depois de oferecida a queixa-crime, desista da ação penal. Vimos que o instituto que concretiza o princípio da oportunidade é a renúncia, agora, temos dois institutos que concretizam o princípio da disponibilidade: o perdão do ofendido e a perempção. O perdão do ofendido ocorre durante o processo e precisa da concordância do acusado (trata-se de um ato bilateral). Se o querelado aceitar o perdão, haverá extinção do processo e da sua punibilidade. Art. 55, do CPP – O perdão poderá ser aceito por procurador com poderes especiais. Assim como a renúncia, o perdão do ofendido também se estende a todos os querelados. Entretanto, como se trata de um ato bilateral, podemos dizer que a proposta de perdão se estende a todos, mas ele só produzirá efeitos para aqueles que o aceitarem. Havendo recusa de algum(ns) querelado(s), o processo deve continuar normalmente apenas contra ele(s). O perdão tem o prazo de 10 dias para ser aceito ou recusado. Passados esses 10 dias sem resposta do querelado, considera-se que há aceitação. É o que chamamos de perdão tácito. A perempção também extingue o processo e a punibilidade do querelado. Ela ocorrer nas seguintes hipóteses legais previstas no art. 60 do CPP: 43 Quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias seguidos; Quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36; Art. 31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.6 Art. 36. Se comparecer mais de uma pessoa com direito de queixa, terá preferência o cônjuge, e, em seguida, o parente mais próximo na ordem de enumeração constante do art. 31, podendo, entretanto, qualquer delas prosseguir na ação, caso o querelante desista da instância ou a abandone. Quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais; Quando, sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor. Os sucessores de uma pessoa jurídica são previstos no seu respectivo contrato ou estatuto social. Caso ele seja silente quanto à sucessão, incide o art. 60, IV do CPP. 6 Vide questão 10 desse material. 44 Os institutos estudados – renúncia, perdão do ofendido e perempção – só se aplicam às ações privadas propriamente ditas e às ações privadas personalíssimas. Não é possível aplicá- los nos casos de ação penal privada subsidiária da pública. Nesse contexto, alguns autores falam em perempção imprópria, que seria uma das hipóteses de perempção do art. 60 do CPP em ação penal privada subsidiária da pública. Entretanto, a perempção imprópria não extinguiria o processo e nem a punibilidade do agente, mas sim faria com que o Ministério Público reassumisse a titularidade do processo. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NA AÇÃO PENAL PRIVADA Instituto Momento Forma Aceitação RENÚNCIA Antes do início do processo Expressa ou tácita Não precisa PERDÃO Após o início do processo Expresso ou tácito Precisa 4.9.3 Princípio da indivisibilidade7 Segundo o princípio da indivisibilidade, a queixa-crime não pode ser oferecida apenas contra alguns dos autores do crime. O querelante deve processar todos os coautores e partícipes, ou nenhum deles. 7 Vide questão 09 desse material. 45 O Ministério Público deve zelar pela aplicação desse princípio como custos legis na ação penal de iniciativa privada. Portanto, caso verifique que o autor não processou todos os envolvidos no fato criminoso, o MP tem o dever de se pronunciar para que o querelante regularize a sua peça inicial ou reconheça a sua renúncia em relação a todos. O MP não pode incluir os agentes que faltam na queixa crime porque ele não é titular da ação. 46 QUADRO SINÓTICO DIREITO DE AÇÃO Conceito Direito público subjetivo da parte acusadora de pedir ao Estado-Juiz que, mediante o devido processo legal, aplique o direito penal objetivo em um caso concreto. Características Público Subjetivo Abstrato Autônomo Delimitado e específico instrumental CONDIÇÕES DA AÇÃO Condições genéricas Condições específicas Legitimidade Interesse de agir Justa causa Representação do ofendido Requisição do Ministro da Justiça Provas novas quando o inquérito for arquivado por fata de provas Provas novas após a preclusão da decisão de impronúncia Autorização da Câmara dos Deputados Trânsito em julgado da sentença que anule casamento por erro ou impedimento ... PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS Subjetivos Objetivos JUIZ PARTES EXTRÍNSECOS INTRÍNSECOS 47 Investidura Competência Imparcialidade Capacidade de ser parte Capacidade processual Capacidade postulatória Litispendência Coisa julgada Regularidade do processo REQUISITOS DA DENÚNCIA OU QUEIXA Exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias Qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo Classificação do crime Rol de testemunhas, quando necessário AÇÃO PENAL DE INICITIVA PÚBLICA Incondicionada Condicionada à representação do ofendido à requisição do Ministro da Justiça DE INICIATIVA PRIVADA Propriamente dita Personalíssima Subsidiária da
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