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DESCRIÇÃO A análise da base teórica, normativa e jurisprudencial sobre a intervenção do Estado na propriedade privada e sobre os bens públicos no Direito Administrativo brasileiro. PROPÓSITO Compreender os conceitos básicos, apresentar os elementos do ordenamento jurídico e discutir sobre a compreensão dos tribunais brasileiros acerca da temática da intervenção do Estado na propriedade privada e do regime jurídico dos bens públicos. PREPARAÇÃO Antes de iniciar o conteúdo deste tema, tenha em mãos um Vade Mecum ou compilado de legislações sobre Direito Administrativo. OBJETIVOS MÓDULO 1 Reconhecer a competência e os fundamentos da intervenção do Estado na propriedade privada MÓDULO 2 Listar as modalidades de intervenção do Estado na propriedade privada MÓDULO 3 Identificar os bens públicos e suas características MÓDULO 1 Reconhecer a competência e os fundamentos da intervenção do Estado na propriedade privada INTRODUÇÃO Por muito tempo, o direito de propriedade era encarado como um direito que servia de barreira a qualquer intervenção estatal. Caberia ao Estado exclusivamente proteger o direito de propriedade. É por isso que, em sua concepção clássica, o direito de propriedade caracterizava-se por ser absoluto, exclusivo e perpétuo. As características clássicas do direito de propriedade são: Clique nas setas para ver o conteúdo. Objeto com interação. Trata-se de um direito absoluto, que confere a seu titular o poder de usar a coisa conforme melhor lhe aprouver. É um direito classicamente entendido como direito exclusivo, oponível erga omnes a qualquer terceiro que pretenda também dele fazer uso. Também se trata de um direito perpétuo, que não se extingue com o advento de qualquer termo. Caberia a cada particular, portanto: Usar (extrair as utilidades da coisa) Fruir (extrair os frutos naturais ou civis do bem) Dispor sobre os bens de sua titularidade Essa noção absoluta do direito de propriedade cedeu a uma concepção mais equilibrada entre interesses públicos e privados. Com o tempo, a dogmática do Direito Administrativo passou a admitir intervenções do Estado na propriedade privada com base em fundamentos de diversas ordens — constitucionais, teóricas e legais. Na nova ordem constitucional, em especial, o direito de propriedade perdeu seu caráter absoluto, tendo em vista a constitucionalização da função social da propriedade (art. 5º, XXIII). E, por conseguinte, em face da constitucionalização da função social da propriedade, esta não cumpre mais com seu papel social senão respeitando o interesse público geral na propriedade privada. Em outras palavras, e segundo o entendimento do ministro João Otávio de Noronha (STJ, 2019), em sede de interesse público geral, “função social da sociedade é o seu uso sem prejudicar a coletividade”. Mais ainda, segundo o ministro do Tribunal da Cidadania, a função social da propriedade reflete-se na proteção do meio ambiente, fazendo com que o Estado e as pessoas tenham responsabilidade em “relação à defesa do patrimônio natural e à utilização consciente de algo que é bem comum de uso do povo” (STJ, 2019), visto que: (…) meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental coletivo e, mais do que coletivo de localização nacional, é um direito transnacional. É um direito que cada país, que cada cidadão tem que fazer prevalecer, para que toda a humanidade possa gozar de qualidade de vida no presente e no futuro. EXEMPLO Desse modo, podemos perguntar: Você pode cercar a água que passa em sua propriedade e privar seu vizinho do uso, porque, com o que passa em sua propriedade, você faz o que quer? Ou você tem que permitir que a água corra, para que todos dela possam se aproveitar? Você pode queimar seu pasto, jogando fumaça no ar e poluindo o ar que o vizinho da cidade próxima respira? A função social da propriedade irradia-se a outros campos protetivos do Direito, como, por exemplo: Imagem: Shutterstock.com Na impossibilidade de penhora de imóvel em construção com finalidade de residência familiar, em razão da violação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da função social da propriedade, cuja consequência, nesse caso, constitui-se no direito social à moradia (art. 6º da CF/1988 – CF/1988; Acórdão nº 1.261.248 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal – TJDF). Imagem: Shutterstock.com Na mitigação do sequestro de valores de pessoa jurídica, em razão da função social relativa à necessidade de continuidade da atividade econômica, porque a Constituição da República (art. 170, II) estabelece como princípio da atividade econômica a função social da propriedade, que não se limita ao direito de propriedade, mas também a necessidade de manter a atividade econômica em si, em virtude de sua relevância no cenário nacional, para a coletividade de pessoas que dela dependem direta e indiretamente (Acórdão nº 1.246.041, 00072920320198070001, relator Jair Soares, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 30/4/2020). MODALIDADES DE INTERVENÇÃO Em razão de tais circunstâncias, hoje se entende que o Estado tem poder geral implícito para intervir na propriedade privada. Essas intervenções podem ser as seguintes: RESTRITIVAS javascript:void(0) Limitação administrativa, ocupação temporária, requisição administrativa, servidão administrativa e tombamento. SUPRESSIVAS DO DIREITO DE PROPRIEDADE Desapropriação. As diversas modalidades de intervenção administrativa sobre a propriedade atuam tanto sobre esses poderes inerentes ao direito de propriedade — isto é, poderes de usar, fruir e dispor sobre os bens de sua titularidade — quanto relativizando essas características supracitadas. Cada modalidade de forma mais acentuada, portanto, vai produzir um impacto ou efeito sobre o direito de propriedade. Cada modalidade, à sua maneira, é reconhecida no ordenamento com vistas a realizar interesses contrapostos ao direito de propriedade, igualmente protegidos pela ordem constitucional. Trata-se de instrumentos administrativos de realização de interesses constitucionalmente tutelados, que encontram seu modo de realização dos interesses nas restrições ao direito de propriedade. COMPETÊNCIA O regime jurídico da propriedade privada é disciplinado, em grande parte, pelo Código Civil (CC). Segundo o art. 22, I, II e III, da CF/1988, é da competência da União legislar sobre o Direito Civil, o direito de propriedade, a desapropriação e a requisição. Todavia, as restrições administrativas ao direito de propriedade decorrem também de competências legislativas de cunho administrativo, o que abarca a competência legislativa comum de todos os entes da Federação: UNIÃO javascript:void(0) ESTADOS DISTRITO FEDERAL MUNICÍPIOS ATENÇÃO Determinadas restrições também se sobrepõem a matérias de competência legislativa e material comum entre os entes políticos, tais como meio ambiente, saúde, proteção ao patrimônio histórico, direito urbanístico. Por tudo isso, entende-se que todos os entes da Federação têm competência para delimitar o conteúdo das possibilidades de intervenção na propriedade privada, limitadas às hipóteses previstas na CF. Assim, é possível afirmar que o regime jurídico de propriedade, embora delimitado, de forma genérica, por regras do direito privado (em especial no CC), também é definido, de forma integradora, por normas de Direito Administrativo, que impõem limites e possibilidades para a exploração e o uso de tais bens. FUNDAMENTOS As intervenções estatais no direito de propriedade decorrem de fundamentos normativos e dogmáticos. Do ponto de vista normativo, a CF/1988 reconhece uma série de ferramentas para a intervenção estatal, desde normas mais gerais, que atribuem à Administração Pública o poder de ordenação (a exemplo dos princípios da ordem econômica previstos no art. 170, entre os quais se encontra a função social da propriedade; e das regras sobre o Estado regulador, disciplinadas no art. 174 da Carta Magna), até regras específicassobre tipos de intervenção (a exemplo da desapropriação e da ocupação temporária). A função social da propriedade (arts. 5º, XXII, XXIII, 182, § 2º, 186, 170, III, da CF) é normalmente apontada como um dos fundamentos para essas intervenções administrativas sobre o direito de propriedade. Seriam formas que, ao lado das formas do Direito Civil, condicionam, restringem, conformam o direito de propriedade, de modo a assegurar que esse direito cumpra também sua função social. ATENÇÃO É possível incluir ainda fundamentos dogmáticos para justificar a intervenção do Estado na propriedade privada. Sabendo-se que o regime jurídico administrativo revela um conjunto de regras e princípios que disciplinam prerrogativas e sujeições da Administração Pública, calcadas na noção de supremacia do interesse público sobre o particular, as formas interventivas do Estado representam um conjunto de prerrogativas atribuídas ao Estado para dar concretude a seus objetivos sociais e econômicos. Por isso, para a doutrina majoritária, as formas interventivas do Estado na propriedade se inserem em um contexto amplo do exercício de seu poder de polícia, cujo conceito pode ser encontrado no art. 78 do Código Tributário Nacional (CTN). Por fim, a doutrina também encontra fundamento para as restrições administrativas na propriedade a partir da teoria do domínio eminente. Trata-se de um elemento estudado na Teoria Geral do Estado, segundo o qual o Estado, por aspectos relacionados com sua soberania sobre todo o seu território, tem o poder de intervir na propriedade privada. A teoria do domínio eminente é rejeitada por diversos autores. Por se tratar de orientação que remonta ao período dos Estados absolutistas, a literatura do Direito Administrativo costuma ressaltar o caráter autoritário da noção de domínio eminente. COMENTÁRIO A título de exemplo, Marçal Justen Filho ressalta que a teoria do domínio eminente “não traduz corretamente a relação política e jurídica entre o Estado e a sociedade. Não se pode admitir perante o vigente regime constitucional o domínio eminente do Estado sobre os bens privados” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 1030). No vídeo a seguir, o professor Renato Toledo comenta sobre a intervenção do Estado na propriedade, seus fundamentos jurídicos e normativos, e a competência dos entes para as intervenções. Vamos assistir! VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. QUAL DOS SEGUINTES FUNDAMENTOS NÃO PODE SER UTILIZADO PARA JUSTIFICAR AS COMPETÊNCIAS ESTATAIS DE INTERVENÇÃO NA PROPRIEDADE PRIVADA? A) Teoria do domínio eminente. B) Função social da propriedade. C) Poder de ordenação estatal. D) Poder de polícia. E) Teoria da noção absoluta da propriedade. 2. NÃO CONSTITUI FORMA DE INTERVENÇÃO RESTRITIVA À PROPRIEDADE PRIVADA: A) Desapropriação. B) Tombamento. C) Ocupação temporária. D) Requisição administrativa. E) Servidão administrativa. GABARITO 1. Qual dos seguintes fundamentos não pode ser utilizado para justificar as competências estatais de intervenção na propriedade privada? A alternativa "E " está correta. A noção absoluta do direito de propriedade, segundo a qual o direito de propriedade era encarado como um direito que servia de barreira a qualquer intervenção estatal, cedeu a uma concepção mais equilibrada entre interesses públicos e privados. E, por conseguinte, passou- se a admitir intervenções do Estado na propriedade privada com base em fundamentos de diversas ordens — constitucionais, teóricos e legais. 2. Não constitui forma de intervenção restritiva à propriedade privada: A alternativa "A " está correta. Pelo fato de a desapropriação ser uma intervenção supressiva ao direito da propriedade, eis que o proprietário perde sua titularidade da propriedade. MÓDULO 2 Listar as modalidades de intervenção do Estado na propriedade privada INTRODUÇÃO Após o estudo do fundamento da intervenção do Estado na propriedade e da competência para tanto, no presente módulo serão abordadas diferentes formas de intervenção do Estado na propriedade. O Estado intervém na propriedade privada por diversos mecanismos. É preciso analisar um a um. SERVIDÃO ADMINISTRATIVA A servidão administrativa é a modalidade de intervenção restritiva da propriedade privada que institui um direito real público sobre determinada propriedade privada em favor da Administração Pública, para atendimento de um interesse público específico e devidamente justificado. Trata-se, portanto, de uma intervenção estatal que restringe o caráter absoluto e exclusivo do direito de propriedade. As servidões têm caráter individualizado, porque atingem um bem do proprietário, que pode ser chamado de imóvel serviente. A servidão administrativa impõe o uso limitado ou compartilhado da propriedade de um particular. Não há transferência do domínio ou da posse do bem, tampouco transferência do uso total a terceiros ou ao Poder Público. ATENÇÃO As servidões administrativas não se confundem com as servidões civis (regidas pelos arts. 1.378 a 1.389 do CC). Por força do art. 40 do Decreto-lei nº 3.365/1941, a servidão administrativa se submete à disciplina da desapropriação (razão pela qual a competência legislativa para disciplinar essa forma de intervenção é privativa da União Federal, conforme o art. 22, II, da CF). Diferentemente das servidões civis, a servidão administrativa independe da contiguidade e pode impor obrigação de fazer sobre o particular. São exemplos de servidões administrativas: Foto: Shutterstock.com As imposições estatais para instalação de linhas de transmissão de energia elétrica, oleodutos e gasodutos. OU Foto: Shutterstock.com Servidões de passagem para acesso entre vias públicas, praças, praias etc. Há ainda servidões decorrentes da proximidade de determinados bens particulares de bens ou serviços públicos. EXEMPLO Em torno de aeroportos, há servidões administrativas, nas quais os proprietários têm não apenas obrigações de não edificar, como também de tolerar que os funcionários da Administração Pública ou da concessionária realizem determinadas obras e intervenções. Daí o reconhecimento de hipóteses bem diferidas de servidões administrativas no ordenamento brasileiro. As principais características da servidão administrativa são as seguintes: Clique nas setas para ver o conteúdo. Objeto com interação. Trata-se de direito real, cabendo inscrevê-la no Registro Geral de Imóveis (RGI), salvo nos casos em que a servidão administrativa for instituída pela via legislativa. A servidão administrativa não pode ser presumida. A servidão administrativa não se extingue pela prescrição. Trata-se de intervenção com caráter perpétuo e permanente. Sua extinção ocorre apenas se o bem serviente for desafetado. A servidão administrativa é indenizável, nos termos do art. 40 do Decreto-lei nº 3.365/1941. A servidão é indenizável, pois se traduz em uma restrição que atinge propriedade privada de forma singular e específica. A indenização, todavia, é condicionada à existência de efetivo prejuízo, que deve ser comprovado pelo particular. As servidões simples que não importam em prejuízos — a exemplo da instalação de placas em muros de propriedades privadas para indicar os nomes das ruas em determinada localidade — não são objeto de indenização, em geral. Foto: Shutterstock.com O direito à indenização é calculado do mesmo modo que na desapropriação, conforme a Súmula nº 56 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). As servidões podem ser instituídas por: SÚMULA Nº 56 Súmula 56/STJ – Desapropriação. Servidão. Juros compensatórios devidos. CF/88, art. 5º, XXIV. “Na desapropriação para instituir servidão administrativa são devidos os juros compensatórios pela limitação de uso da propriedade”. ACORDO ADMINISTRATIVO javascript:void(0) SENTENÇA JUDICIAL VIA LEGISLATIVA As servidões por acordo ou por sentença judicial são disciplinadas pelas regras do processo de desapropriação, conforme estipulado pelo art. 40 do Decreto-lei nº 3.365/1941.Nesses casos, para que a servidão venha a ser implementada, impõe-se a edição de declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social para fins de servidão por meio de decreto editado pelo chefe do Poder Executivo. Trata-se de ato de natureza política. Após a edição do ato, a Administração Pública (ou a entidade para a qual foi delegada a promoção dos atos executórios da servidão, a exemplo de concessionárias de serviços públicos) poderá negociar com o particular a instituição da servidão pela via amigável, e, em caso de não haver solução consensual, caberá o ajuizamento de ação de instituição de servidão. Há divergências doutrinárias quanto à possibilidade de instituição de servidões pela via legal. De todo modo, nossa legislação prevê essas figuras, a exemplo das: SERVIDÕES DE TERRENOS MARGINAIS Arts. 31, parágrafo único; 11, § 2º, e 12 do Código de Águas, bem como art. 39 da Lei nº 1.507/1867. SERVIDÃO DE AQUEDUTO Arts. 117, 120 e 138 do Código de Águas. SERVIDÕES INCIDENTES SOBRE PRÉDIOS VIZINHOS A IMÓVEIS TOMBADOS Art. 18 do Decreto-lei nº 25/1937. javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) REQUISIÇÃO ADMINISTRATIVA A requisição é a possibilidade de uso de bens de propriedade particular, de forma excepcional, quando o Estado necessita de tal bem por questões de iminente perigo público, assegurando- se ao particular a indenização a posteriori. EXEMPLO No caso de enchente que assola uma cidade, é possível que haja a requisição de barcos privados para atendimento médico da população. As requisições administrativas são previstas expressamente na CF (art. 5º, XXV). A competência legislativa sobre o tema é exclusiva da União Federal (art. 22, III). Nesse contexto, a requisição é regida pelo Decreto-lei nº 4.812/1942, podendo incidir sobre bens móveis, imóveis e serviços. De todo modo, todos os entes da Federação têm competência material para requisitar bens. ATENÇÃO O administrador não é livre para fazer uso da requisição, devendo estar presente uma situação de grave perigo que coloque em risco a coletividade e esteja prestes a se consumar ou a expandir. Veja-se que, em emergências, a Administração Pública dispõe de outras ferramentas para obtenção de bens e serviços a seu favor, a exemplo das contratações diretas por dispensa de licitação. Por isso, o ato de requisição deve ser justificado à luz das circunstâncias do caso concreto, com a exposição das razões pelas quais outras alternativas menos autoritárias são inviáveis de ser implementadas. REQUISIÇÕES ADMINISTRATIVAS DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19 Durante a pandemia da Covid-19, foi editada a Lei nº 13.979/2020, em que se previu a requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa para enfrentamento da emergência de saúde pública (art. 3º, VII). Referida disposição permitiu que fossem requisitados leitos hospitalares, respiradores, máscaras, álcool em gel etc. Foto: Shutterstock.com Ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6.362, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a competência comum dos entes federativos para a requisição de bens, delimitando os parâmetros materiais de legitimidade para o uso do referido instrumento. Confira-se: Foto: Shutterstock.com javascript:void(0) AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 13.979/2020, QUE DISPÕE SOBRE MEDIDAS PARA O ENFRENTAMENTO DA EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA DECORRENTE DA COVID-19. COMPETÊNCIA COMUM DOS ENTES FEDERADOS PARA CUIDAR DA SAÚDE. ARTS. 23, II, E 196 DA CF. FEDERALISMO COOPERATIVO. REQUISIÇÃO ADMINISTRATIVA VOLTADA PARA O CONFRONTO DA PANDEMIA DO CORONAVÍRUS. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO PRELIMINAR DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. INDISPENSABILIDADE, TODAVIA, DO PRÉVIO SOPESAMENTO DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS E ANÁLISES SOBRE INFORMAÇÕES ESTRATÉGICAS. MEDIDA QUE, ADEMAIS, DEVE OBSERVAR OS CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. FIXAÇÃO DE NOVOS REQUISITOS PARA A REQUISIÇÃO PELO JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE EM FACE DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. I – A Constituição Federal prevê, ao lado do direito subjetivo público à saúde, a obrigação de o Estado dar-lhe efetiva concreção, por meio de “políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196). II – Esse dever abrange todos os entes federados, inclusive as comunas, os quais, na seara da saúde, exercem uma competência administrativa comum, nos termos do art. 23, II, do Texto Constitucional. III – O federalismo cooperativo, adotado entre nós, exige que a União e as unidades federadas se apoiem mutuamente no enfrentamento da grave crise sanitária e econômica decorrente da pandemia desencadeada pelo novo coronavírus. IV – O Plenário do STF já assentou que a competência específica da União para legislar sobre vigilância epidemiológica, da qual resultou a Lei 13.979/2020, não inibe a competência dos demais entes da federação no tocante à prestação de serviços da saúde (ADI 6.341-MC-Ref/DF, redator para o acórdão Ministro Edson Fachin). V – Dentre as medidas de combate à pandemia, a Lei 13.979/2020 estabelece que qualquer ente federado poderá lançar mão da “requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa” (art. 3º, VII). VI – Tais requisições independem do prévio consentimento do Ministério da Saúde, sob pena de invasão, pela União, das competências comuns atribuídas aos Estados, Distrito Federal e Municípios, os quais, todavia, precisam levar em consideração evidências científicas e análises sobre as informações estratégicas antes de efetivá-las (art. 3º, § 1º). VII – Como todas as ações estatais, as requisições administrativas precisam balizar-se pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, só podendo ser levadas a cabo após a constatação de que inexistem outras alternativas menos gravosas. VIII – Essa fundamentação haverá de estar devidamente explicitada na exposição de motivos dos atos que venham a impor as requisições, de maneira a permitir o crivo judicial. IX – Ao Judiciário, contudo, é vedado substituir-se ao Executivo ou ao Legislativo na definição de políticas públicas, especialmente aquelas que encontrem previsão em lei, considerado o princípio da separação dos poderes. X – A requisição administrativa configura ato discricionário, que não sofre qualquer condicionamento, tendo em conta o seu caráter unilateral e autoexecutório, bastando que fique configurada a necessidade inadiável da utilização de um bem ou serviço pertencente a particular numa situação de perigo público iminente, sendo por isso inexigível a aquiescência da pessoa natural ou jurídica atingida ou a prévia intervenção do Judiciário. XI – A criação de novos requisitos para as requisições administrativas por meio da técnica de interpretação conforme à Constituição (art. 3º, caput, VII, da CF e § 7º, III, da Lei 13.979/2020), não se aplica à espécie, dada a clareza e univocidade da disposição legal impugnada. XII – Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI nº 6.362, rel. min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgada em 2/9/2020, DJe 9/12/2020). OCUPAÇÃO TEMPORÁRIA A ocupação temporária é um instrumento administrativo que permite a utilização pelo Estado da propriedade privada por prazo determinado para fins de interesse público, especificados em lei, mediante indenização de eventuais prejuízos, comprovados e a posteriori. A doutrina extrai fundamento para a ocupação temporária também do art. 5º, XXV, da CF. Não se trata nem de limitação administrativa, nem de servidão administrativa, que são restrições perpétuas, permanentes, ao passo que a ocupação temporária é uma restrição ao usoda coisa pelo proprietário por prazo determinado. Entende-se, de forma geral, que o regime jurídico aplicável à ocupação temporária é o mesmo da requisição administrativa, diferenciando-se os institutos por seu objeto: Requisição administrativa Recai sobre bens móveis. Ocupação temporária Recai sobre bens imóveis. EXEMPLO São exemplos de ocupação temporária a possibilidade de uso de terrenos contíguos a estradas em obras e o uso de escolas e clubes durante o período eleitoral. Note-se que, no segundo caso, não há situação de eminente perigo público, embora haja justificativa de interesse público para implementação da restrição à propriedade privada. Quando a ocupação temporária está vinculada a um processo de desapropriação, a indenização é cabível, em geral, nos termos do art. 36 do Decreto-lei nº 3.365/1941. Para as demais hipóteses de obras e serviços públicos, não haverá indenização, exceto se provocar prejuízo efetivo. LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS As limitações administrativas incidem sobre as faculdades de uso, modificação e ocupação da propriedade em prol de finalidades públicas específicas previstas no ordenamento jurídico. A possibilidade de instituição de limitações administrativas decorre do poder geral de ordenação do Estado sobre as propriedades privadas. As limitações são determinações, de caráter geral e abstrato, emitidas pelo Estado. Podem traduzir imposição de fazer, de se abster ou de deixar de fazer. As principais características das limitações administrativas são: Generalidade Unilateralidade Imperatividade Não confiscatoriedade (isto é, não acarretam a perda da propriedade ou o dano patrimonial grave) Não indenizabilidade Vejamos alguns exemplos de limitações administrativas: Os recuos; os muros e passeios; os alinhamentos; os nivelamentos; as restrições de uso decorrentes de leis de zoneamento; os gabaritos para construção; a imposição de limpeza de terreno; a permissão de vistorias; a vigilância sanitária; a obrigação de manter calçada etc. Foto: Shutterstock.com Há três formas de limitações administrativas: Clique nas setas para ver o conteúdo. Objeto com interação. Proibição de um modo concreto do exercício de um direito. Privação de uma das faculdades integrantes do conteúdo do direito. Imposição de deveres especiais ou requisitos específicos para o exercício do direito. A generalidade e a baixa intensidade levam à ideia de que o gravame deve ser suportado pelo particular como mero ônus decorrente da vida em sociedade. Trata-se de uma distribuição equitativa dos ônus, pois todos suportam esse ônus igualmente em prol da sociedade. Por isso, entende-se, de forma geral, que as limitações administrativas não são indenizáveis. Não faria sentido um direito de indenização de todos contra todos, seria o direito de indenização de todos os proprietários na mesma situação contra a sociedade personificada pelo Estado. EXEMPLO LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. PRÉDIO CONSIDERADO UNIDADE DE INTERESSE DE PRESERVAÇÃO, POR DECRETO DO PREFEITO MUNICIPAL DE CURITIBA. LIMITAÇÃO GENÉRICA, GRATUITA E UNILATERAL AO EXERCÍCIO DO DIREITO DOS PROPRIETÁRIOS, EM PROL DA MEMÓRIA DA CIDADE, QUE TEM BASE NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 180 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECUSA DE AUTORIZAÇÃO PARA DEMOLIÇÃO QUE NÃO IMPORTA AFRONTA AO DIREITO DE PROPRIEDADE. RECURSO NÃO CONHECIDO. (RE nº 114.468, rel. min. Carlos Madeira, 2ª Turma, julgado em 31/5/1988, DJ 24/6/1988). Há exceções à não indenizabilidade das limitações administrativas construídas pela doutrina e pela jurisprudência nacional. Quando o interesse público determina uma intervenção maior do que o mero condicionamento ou limitação do direito, entramos no campo dos sacrifícios de direito — situações em que os gravames impostos pelo Estados importam em restrições mais severas sofridas de forma individualizada por determinado titular de um bem privado. As características típicas dos sacrifícios de direito são: Imagem: Shutterstock.com UNILATERALIDADE Imagem: Shutterstock.com IMPERATIVIDADE Imagem: Shutterstock.com SINGULARIDADE Assim, os sacrifícios tendem a ser indenizáveis, visto que, nesses casos, não há divisão equitativa dos ônus sociais. Segundo a doutrina, há quatro critérios para distinção entre limitações e sacrifícios de direitos, para fins de indenizabilidade: Imagem: Shutterstock.com CRITÉRIO DA TRANSFERÊNCIA PATRIMONIAL Há sacrifício quando o bem é deslocado das mãos de seu titular original para as de outrem. Imagem: Shutterstock.com CRITÉRIO DO VEÍCULO INSTITUIDOR O condicionamento é imposto por lei, e o sacrifício, por ato administrativo ou judicial. Imagem: Shutterstock.com CRITÉRIO DA GENERALIDADE VERSUS SINGULARIDADE O condicionamento seria imposto por ato geral e abstrato, enquanto o sacrifício, por medidas singulares. Imagem: Shutterstock.com INTENSIDADE Ainda que de caráter geral e abstrato, a limitação importa em sacrifício quando (i) elimina o conteúdo mínimo do direito (esvaziamento do conteúdo econômico); ou (ii) importa em onerosidade excessiva. Quando há sacrifício de direito, é cabível ação de desapropriação indireta, em que o particular pleiteia indenização do Poder Público. Aplica-se, por analogia, o art. 35 do Decreto-lei nº 3.365/1941. TOMBAMENTO O tombamento é uma forma de restrição à propriedade privada decorrente de procedimento administrativo voltado à tutela do patrimônio histórico e artístico nacional, com fundamento constitucional imediato no art. 216, § 1º, da CF. Trata-se de restrição parcial da propriedade, que não afeta sequer a posse do bem, mas impõe obrigações de fazer, de não fazer e de suportar sobre o bem tombado. Podem ser objeto de tombamento tanto os bens imóveis quanto os bens móveis, sejam eles materiais ou imateriais. A competência legislativa para disciplinar o tombamento é concorrente (art. 24, VII, da CF), de modo que compete à União editar normas gerais sobre o tema e aos Estados suplementar a matéria de acordo com as peculiaridades locais. No âmbito federal, o processo de tombamento é regulado pelo Decreto-lei nº 25/1937. Entende-se que a Lei Geral de Processos Administrativos (Lei nº 9.784/1999) aplica-se subsidiariamente, conforme jurisprudência do STF: Foto: Wagner Fontoura / Wikimedia commons / CC BY 2.0. Centro Histórico de Manaus. AGRAVO INTERNO NA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. ADMINISTRATIVO. PROCESSO DE TOMBAMENTO. CENTRO HISTÓRICO DE MANAUS. DECRETO-LEI Nº 25/1937. REGRAMENTO ESPECÍFICO PRÓPRIO QUE DISCIPLINA O INSTITUTO DO TOMBAMENTO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI Nº 9.784/1999. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE DA NORMA. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A proteção jurídica do patrimônio cultural brasileiro, enquanto direito fundamental de terceira geração, é matéria expressamente prevista no texto constitucional (art. 216 da CRFB/1988). 2. A ordem constitucional vigente recepcionou o Decreto-Lei nº 25/1937, que, ao organizar a javascript:void(0) proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, estabeleceu disciplina própria e específica ao instituto do tombamento, como meio de proteção de diversas dimensões do patrimônio cultural brasileiro. (ACO nº 1.966, AgR, rel. min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 17/11/2017, DJe 27/11/2017). A competência material para implementação do tombamento, por sua vez, é comum a todos os entes da Federação, conforme o art. 23, III, da CF. ATENÇÃO O tombamento é medida sujeita à reserva de administração. Segundo a jurisprudência do STF, o tombamento não pode ser instituído por lei. Entende-se que o Legislativo não tem a expertise necessária para aferir se o bem integra ou não o patrimônio histórico e artístico. Trata-se de juízo técnico (e não político), que deve ser feito por profissionais especializados. “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL Nº 1.713, DE 3 DE SETEMBRO DE 1997. QUADRAS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO DA ASA NORTE E DA ASA SUL. ADMINISTRAÇÃOPOR PREFEITURAS OU ASSOCIAÇÕES DE MORADORES. TAXA DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO. SUBDIVISÃO DO DISTRITO FEDERAL. FIXAÇÃO DE OBSTÁCULOS QUE DIFICULTEM O TRÂNSITO DE VEÍCULOS E PESSOAS. BEM DE USO COMUM. TOMBAMENTO. COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO PARA ESTABELECER AS RESTRIÇÕES DO DIREITO DE PROPRIEDADE. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 2º, 32 E 37, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. (…) 5. O tombamento é constituído mediante ato do Poder Executivo que estabelece o alcance da limitação ao direito de propriedade. Incompetência do Poder Legislativo no que toca a essas restrições, pena de violação ao disposto no artigo 2º da Constituição do Brasil.” (ADI nº 1.706, rel. min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 9/4/2008, DJe 12/9/2008). Foto: Heitor Carvalho Jorge / Wikimedia commons / CC BY-SA 3.0. Estádio do Pacaembu, tombado em 1998, por se tratar de um "testemunho da história do futebol paulistano”. Há diferentes classificações e modalidades de tombamento previstas no Decreto-lei nº 25/1937. Quanto ao procedimento ou constituição De ofício Quando atingir bens públicos (art. 5º) Voluntário Em se tratando de bens particulares, quando o próprio proprietário do bem requerer o ato de tombamento da Administração Pública (art. 7º) Compulsório Sobre bens particulares, quando o ato de tombamento não é impulsionado pelo proprietário do bem (arts. 8º e 9º) Quanto à eficácia (art. 10) Provisório Quando o processo administrativo para instituir o tombamento ainda não se finalizou Definitivo Quando há inscrição definitiva no Livro do Tombo Quanto aos destinatários Geral Quando atinge todos os bens situados em um bairro ou cidade — como ocorre, por exemplo, com a cidade de Ouro Preto Individual Quando atinge um bem determinado Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal O procedimento do tombamento se divide em duas fases: Inicialmente, há uma decisão prévia materializada em um decreto do Poder Executivo, seguido da manifestação do órgão técnico sobre o valor do bem para fins de tombamento. Em seguimento, o proprietário do bem é notificado (art. 10) para apresentar impugnação ao ato de tombamento (art. 9º). O processo é, então, remetido ao Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para decidir sobre o tema (art. 9º, § 3º). Se a entidade administrativa decidir pelo tombamento, haverá homologação pelo ministro da Cultura, e, posteriormente, realizar-se-á a inscrição no Livro Tombo. Embora a transcrição no RGI não integre o procedimento de tombamento, tal ato é necessário para a incorporação e a produção de efeitos do ato, conforme art. 13 do Decreto-lei nº 27/1935. Os efeitos do tombamento são os seguintes: Imodificabilidade do bem tombado, salvo autorização da entidade administrativa (art. 17). Limites à alienabilidade do bem tombado (arts. 12, 13, § 1º, e 22). Sujeição à fiscalização das entidades administrativas (art. 20). Insuscetibilidade de desapropriação, salvo para manter o próprio tombamento (art. 19). Restrições a imóveis vizinhos (art. 18), que não podem impedir ou reduzir a visibilidade do bem tombado. São impostas obrigações positivas e negativas ao proprietário do imóvel. Ele passa a ser obrigado a: Clique nas setas para ver o conteúdo. Objeto com interação. Promover as obras de conservação do bem ou levar a necessidade dessas obras ao conhecimento da autoridade competente (art. 19). Observar o direito de preferência (art. 22). Não sair do país com o bem tombado (arts. 14 e 15). Não poder destruir, demolir ou mutilar o bem tombado (art. 17). Suportar a fiscalização das autoridades públicas (art. 20). Também são impostas obrigações para a Administração Pública (arts. 13, 19, §§ 1º e 2º, e 20). Essas obrigações evidenciam que o tombamento traz ônus para o Poder Público, que chama a si a responsabilidade de preservar o bem tombado. ATENÇÃO Tradicionalmente, o tombamento é tido por gratuito, já que não impede (apenas limita) o uso do bem pelo proprietário. Cada vez mais, porém, doutrina e jurisprudência vêm defendendo a onerosidade do tombamento, a depender da extensão com que incide sobre o bem. Assim, se o tombamento em determinado caso deixar de ser uma limitação para tornar-se um sacrifício de direito, haverá direito à indenização, observando-se os mesmos critérios adotados nos casos das limitações administrativas. DESAPROPRIAÇÃO A desapropriação é um procedimento, sempre administrativo e quase sempre judicial, por meio do qual o Poder Público (ou seus delegatários, ou seja, é possível também que os concessionários e permissionários de serviços públicos procedam às desapropriações), mediante prévia declaração de necessidade, ou utilidade pública, ou interesse social, impõe ao proprietário a perda de um bem. E esse bem pode ser um bem corpóreo ou incorpóreo, substituindo o bem desapropriado do patrimônio do proprietário por uma indenização, em geral (porque há exceções constitucionais), prévia, justa e em dinheiro. A desapropriação é a forma mais intensa de intervenção do Estado na propriedade privada. Trata-se de intervenção supressiva do direito de propriedade, atingindo seu caráter perpétuo. Em razão disso, a desapropriação não é ato autoexecutório, de modo que só é aperfeiçoada após regular procedimento, que pode se encerrar na fase administrativa ou se estender à fase judicial. A desapropriação é uma modalidade de aquisição originária da propriedade: o bem expropriado ingressa no patrimônio público desembaraçado e livre de quaisquer ônus. Eventual direito ou ônus sobre a coisa se sub-roga no preço pago a título de indenização, nos termos do art. 31 do Decreto-lei nº 3.365/1941. A desapropriação é prevista, na CF, nos seguintes artigos: ART. 5º, XXIV (desapropriação por necessidade ou utilidade pública) ART. 182, § 4º, III (desapropriação por interesse social para fins urbanísticos) ART. 184 (desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária) ART. 243 (desapropriação-confisco) A desapropriação por necessidade ou utilidade pública segue os regimes e as características gerais da desapropriação. As demais se diferem por aspectos específicos: DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA É uma hipótese de desapropriação-sanção, isto é, trata-se de uma desapropriação com natureza jurídica de sanção administrativa em razão do descumprimento da função social da propriedade agrária. Sua indenização se dá mediante títulos da dívida agrária, resgatáveis em até 20 anos, e somente pode ser promovida pela União Federal. Podem os Estados e municípios desapropriar para fins de reforma agrária? A modalidade do art. 184 da CF é de competência exclusiva da União, mas nada impede que Estados e municípios promovam a desapropriação por interesse social, mas com base no art. 2º da Lei nº 4.132/1962. Assim, mesmo que a propriedade esteja descumprindo a função social, não se dispensará a “justa e prévia indenização em dinheiro”. “DESAPROPRIAÇÃO. ESTADO-MEMBRO. REFORMA AGRÁRIA. PRÉVIA INDENIZAÇÃO. DINHEIRO. A Turma, ao prosseguir o julgamento, entendeu, por maioria, que é possível a qualquer ente federado propor, por interesse social, ação de desapropriação de imóvel rural, mediante prévia e justa indenização em dinheiro (art. 5º, XXIV, da CF/1988 e art. 2º da Lei nº 4.132/1962). Note- se não se tratar de desapropriação nos moldes do art. 184 da CF/1988, de competência exclusiva da União. Precedentes citados do STF: liminar na SS 2.217-RS, DJ 9/9/2003; do STJ: RMS 16.627-RS.” (REsp. nº 691.912/RS, rel. originário min. José Delgado, rel. para acórdão min. Teori Albino Zavascki, julgado em 7/4/2005). DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS URBANÍSTICOS É também uma hipótese de desapropriação-sanção por descumprimento da função social da propriedade (nesse caso, urbana). A indenização é paga em títulos da dívida pública resgatáveis em até dez anos. DESAPROPRIAÇÃO-CONFISCO Também é uma hipótese de desapropriação-sanção em facede terras destinadas ao cultivo de plantas psicotrópicas. Nesse caso, não há qualquer indenização ao proprietário. Qual é a extensão da desapropriação-confisco? Confira-se o Informativo nº 540 do STF: A expropriação de glebas a que se refere o art. 243 da CF há de abranger toda a propriedade e não apenas a área efetivamente cultivada (CF: “Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”). Com base nesse entendimento, o Tribunal proveu recurso extraordinário interposto pela União contra acórdão proferido pelo TRF da 1ª Região que concluíra que apenas a área onde efetivamente cultivada a planta psicotrópica deveria ter sido expropriada, pelos seguintes fundamentos: a) gleba seria parcela de um imóvel, tendo em conta a literalidade do art. 243 da CF; b) o art. 5º, LIV, da CF dispõe que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”; c) o perdimento da totalidade do imóvel violaria o princípio da proporcionalidade. Reputou-se insubsistente o primeiro fundamento, haja vista que gleba é uma área de terra, um terreno e não uma porção dessa área. Asseverou-se, no ponto, que a linguagem jurídica prescinde de retórica e que cada vocábulo nela assume significado no contexto no qual inserido. Assim, no art. 243 da CF, gleba só poderia ser entendida como propriedade, está sujeita à expropriação quando nela localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas. Repeliu-se, de igual modo, o segundo argumento, porquanto o devido processo legal, no caso dos autos, teria sido observado, tendo em conta que a União propusera ação expropriatória contra o recorrido, regularmente processada. Por fim, afastou-se a terceira assertiva, visto que ela seria uma oposição ao que o poder constituinte estabeleceu, ou seja, que a expropriação da totalidade da gleba onde foram localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas seria desproporcional, como se o TRF apontasse, corrigindo-o, um desvio do poder constituinte. (RE nº 543.974/MG, rel. min. Eros Grau, 26/3/2009). A competência legislativa sobre a desapropriação é privativa da União (art. 22, II, da CF). A desapropriação por utilidade pública é regulamentada, no Brasil, por meio do Decreto-lei nº 3.365/1941. Trata-se de procedimento a ser observado por todos os entes da Federação, que detém competência comum para promover o ato de desapropriação. Os feixes de competência para a promoção do ato de desapropriação são divididos em duas etapas: FASE DECLARATÓRIA A competência declaratória para declarar que um bem está sujeito à força expropriatória do Estado é promovida pelo ente político (União, Estados, Distrito Federal e municípios), ou seja, pessoas jurídicas de direito público interno. COMPETÊNCIA DE EXECUÇÃO Pode ser delegada a autarquia, fundação, empresas estatais ou mesmo concessionárias particulares de serviço público, nos termos do art. 3º do Decreto-lei nº 3.365/1941. Essa autorização poderá se dar na via legal ou contratual (por exemplo, no contrato de concessão de determinado serviço público). O decreto expropriatório representa a fase declaratória do processo de desapropriação. O ato em questão declara haver interesse público sobre determinado bem, seja por necessidade, seja por utilidade pública (art. 5º do Decreto-lei nº 3.365/1941), seja por interesse social (art. 2º da Lei nº 4.132/1962). O decreto expropriatório é editado pelo chefe do Poder Executivo e deve particularizar o bem, de modo a individualizá-lo, bem como indicar o fundamento da desapropriação e sua finalidade. Em casos excepcionais, admite-se que a declaração de utilidade pública seja promovida pelo Poder Legislativo (art. 8º do Decreto-lei nº 3.365/1941). javascript:void(0) javascript:void(0) Foto: Shutterstock.com O decreto expropriatório produz, por si só, alguns efeitos sobre o bem a ser desapropriado: O bem fica sujeito à fase executória da desapropriação. É previsto um prazo decadencial de cinco anos para a propositura da ação, nos termos do art. 10 do Decreto-lei nº 3.365/1941. O proprietário é obrigado a tolerar medições e vistorias em sua propriedade, nos termos do art. 7º do Decreto-lei nº 3.365/1941. O decreto expropriatório fixa o estado do bem para efeitos de indenização, nos termos do art. 26, § 1º, do Decreto-lei nº 3.365/1941 e da Súmula nº 23 do STF. VOCÊ SABIA Quaisquer bens podem ser objeto de desapropriação. Quanto aos bens públicos, entende-se que a União pode desapropriar bens de Estados, Distrito Federal e municípios, sendo necessária a autorização legislativa, nos termos do art. 2º, § 2º, do Decreto-lei nº 3.365/1941. A recíproca não é verdadeira. Bens da União não podem ser desapropriados. Já aos Estados e ao Distrito Federal só cabe a desapropriação de bens municipais. A doutrina critica a previsão do art. 2º, § 2º, do Decreto-lei nº 3.365/1941. Para alguns autores, referida disposição é inconstitucional, visto que cria hierarquia entre os entes da Federação — no sistema federativo brasileiro, os entes têm igualdade do ponto de vista normativo. A destinação pública conferida ao bem pelo decreto expropriatório é irreversível (art. 35 do Decreto-lei nº 3.365/1941). O desvio de finalidade na destinação originária do bem é chamado tredestinação. A tredestinação só é considerada ilícita, contudo, quando a nova destinação conferida ao bem não lhe confere um objetivo de interesse público. Assim, segundo o entendimento majoritário, a simples atribuição de destinação pública diversa da prevista no decreto expropriatório não vicia a desapropriação. Quando a tredestinação for ilícita, o particular poderá reaver o bem (retrocessão) ou pleitear indenização pela desapropriação indireta. Uma vez editado o decreto expropriatório, a Administração Pública poderá negociar com o proprietário uma indenização adequada para o bem. Em caso de acordo, a desapropriação será promovida pela via amigável, com a transferência da propriedade registrada no RGI. Caso, contudo, haja impasse entre as partes, será necessário que a Administração Pública promova a desapropriação do bem pela via judicial. A via judicial pode ser necessária também por outras circunstâncias — como quando há dúvida quanto à titularidade do bem. Foto: Shutterstock.com A ação de desapropriação é um procedimento judicial com rito próprio, destinado exclusivamente a debater o valor da indenização. Segundo os arts. 9º e 20 do Decreto-lei nº 3.365/1941, não cabe ao juízo reconhecer matérias estranhas à indenização, a exemplo das razões de conveniência e oportunidade para escolha do bem a ser desapropriado. Por isso, entende-se que a cognição dos processos judiciais de desapropriação é restrita. Isso não impede que o expropriado possa ajuizar ação ordinária para anulação do decreto expropriatório, oportunidade na qual o Poder Judiciário poderá exercer controle amplo sobre as razões da promoção da desapropriação. Demonstrada a urgência pela Administração Pública, o Poder Judiciário poderá determinar, por meio de decisão liminar, a imissão provisória na posse do bem expropriado, mediante prévio depósito (art. 15 do Decreto-lei nº 3.365/1941). Embora a legislação não tenha exigência do gênero, é comum que o Poder Judiciário determine uma avaliação prévia e provisória por perícia, condicionando, para a imissão provisória, um depósito de ao menos 50% do valor arbitrado. Tal circunstância ocorre sobretudo nos casos em que a avaliação feita unilateralmente pela Administração Pública é notoriamente aquém do valor de mercado do bem expropriado. O caráter “justo e prévio” da indenização se refere à perda da propriedade, segundo entendimento consagrado pelo STF. Assim, entende-se que a imissão provisóriana posse não depende do pagamento da integralidade da indenização devida — de modo que o art. 15 do Decreto-lei nº 3.365/1941 não contraria a CF. A ação de desapropriação segue o rito ordinário previsto no Código de Processo Civil (CPC): Contestação. Dilação probatória, que se traduz basicamente em prova pericial de avaliação do bem expropriado. Prolatação da sentença pelo juiz, fixando o valor da indenização, que não se limita ao valor do bem. A sentença judicial tem o condão de: Fixar o valor da indenização. Declarar a legalidade da desapropriação. Purgar o bem desapropriado de quaisquer ônus e gravames, ingressando o bem no patrimônio público livre e desimpedido. Todavia, a sentença não opera a transmissão na propriedade — visto que, em razão da regra constitucional de indenização prévia, a transferência somente pode ocorrer após o efetivo pagamento integral da indenização. No vídeo a seguir, o professor Renato Toledo fala sobre as espécies de desapropriação e das principais características do instituto. Vamos assistir! VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. (FCC – 2012 – PGM – JOÃO PESSOA/PB – PROCURADOR MUNICIPAL) A SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA PRETENDE INSTALAR, EM TERRENO DE PROPRIEDADE MUNICIPAL, UM CINEMA AO AR LIVRE, COMO INSTALAÇÃO PERMANENTE DEDICADA A INCENTIVAR A CULTURA CINEMATOGRÁFICA NO MUNICÍPIO. COMO TELA DE PROJEÇÃO, SERÁ UTILIZADA A PAREDE LATERAL, SEM JANELAS, DE UM EDIFÍCIO PARTICULAR LINDEIRO AO TERRENO PÚBLICO. ANALISANDO A QUESTÃO, O PROCURADOR RESPONSÁVEL PELA CONSULTORIA JURÍDICA DA SECRETARIA ALERTA SOBRE A POSSIBILIDADE DE QUE O PROPRIETÁRIO PRIVADO QUEIRA DAR OUTRA UTILIZAÇÃO À FACHADA CEGA — POR EXEMPLO, LOCANDO-A PARA ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS —, SENDO CONVENIENTE UTILIZAR- SE DE INSTRUMENTO JURÍDICO QUE GARANTA O FUNCIONAMENTO PERMANENTE DO CINEMA. DIANTE DA SITUAÇÃO, É RECOMENDÁVEL QUE O MUNICÍPIO SE UTILIZE DO SEGUINTE INSTITUTO: A) Requisição administrativa. B) Ocupação temporária. C) Permissão de uso. D) Servidão administrativa. E) Desapropriação. 2. (FCC – 2020 – TJ/MS – JUIZ SUBSTITUTO) A PROPÓSITO DO PROCEDIMENTO DA DESAPROPRIAÇÃO, A REDAÇÃO VIGENTE DO DECRETO-LEI Nº 3.365/1941 ESTATUI QUE: A) A desapropriação deverá se efetivar mediante acordo ou judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e, decorrido tal prazo, este caducará. B) Notificado administrativamente o expropriado, ele terá o prazo de 15 dias para aceitar ou rejeitar a oferta de indenização, sendo o silêncio considerado aceitação. C) A alegação de urgência deve constar obrigatoriamente do decreto de utilidade pública e obrigará o expropriante a requerer a imissão provisória dentro do prazo improrrogável de 120 dias a contar de sua publicação. D) Uma vez notificado pelo expropriante, o particular que não concordar com a indenização oferecida poderá optar por resolver a questão por mediação ou arbitragem. E) A ação, quando a União for autora, será proposta no Distrito Federal ou no foro da capital do estado onde for domiciliado o réu, perante o juízo privativo, se houver; se for o Estado o autor, será proposta no foro da capital respectiva; sendo outro o autor, no foro da situação dos bens. GABARITO 1. (FCC – 2012 – PGM – João Pessoa/PB – Procurador Municipal) A Secretaria Municipal de Cultura pretende instalar, em terreno de propriedade municipal, um cinema ao ar livre, como instalação permanente dedicada a incentivar a cultura cinematográfica no município. Como tela de projeção, será utilizada a parede lateral, sem janelas, de um edifício particular lindeiro ao terreno público. Analisando a questão, o procurador responsável pela consultoria jurídica da Secretaria alerta sobre a possibilidade de que o proprietário privado queira dar outra utilização à fachada cega — por exemplo, locando-a para anúncios publicitários —, sendo conveniente utilizar-se de instrumento jurídico que garanta o funcionamento permanente do cinema. Diante da situação, é recomendável que o município se utilize do seguinte instituto: A alternativa "D " está correta. A servidão administrativa é o instituto correto a ser utilizado, visto que impõe o uso limitado ou compartilhado da propriedade de um particular, não havendo transferência do domínio ou da posse do bem, tampouco transferência do uso total a terceiros ou ao Poder Público (que é o caso apresentado, isto é, utilizar-se-ia apenas um espaço de facha de um prédio, a qual não era utilizada por este, e haverá a utilização, por parte da comunidade como um todo, do cinema). Por fim, como se trata de servidão administrativa, tal independe da contiguidade e pode impor obrigação de fazer sobre o particular. 2. (FCC – 2020 – TJ/MS – Juiz Substituto) A propósito do procedimento da desapropriação, a redação vigente do Decreto-lei nº 3.365/1941 estatui que: A alternativa "D " está correta. Com a edição da Lei nº 13.129, de 27 de maio de 2015, que alterou a Lei nº 9.307/1996, a legislação brasileira passou a admitir que a Administração Pública direta e indireta possa se utilizar da arbitragem para dirimir litígios referentes a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º, §§ 1º e 2º). A arbitragem pode ser realizada na etapa administrativa do processo expropriatório (art. 10 do Decreto-lei nº 3.365/1941), antes do ingresso com a ação judicial respectiva, ou no curso da ação, após a suspensão do processo deliberada consensualmente pelas partes. MÓDULO 3 Identificar os bens públicos e suas características INTRODUÇÃO Para que a Administração Pública possa promover suas missões atribuídas pelo ordenamento, ela precisa dispor de bens materiais que lhe deem suporte para tanto. Em razão das finalidades às quais esses bens estão atrelados, o Direito Administrativo passou a reconhecer a necessidade de conferir à propriedade da Administração Pública determinadas características especiais, assim entendidas como aquelas necessárias para resguardar o interesse público. Segundo o art. 98 do CC: “São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem” Portanto, todos os bens, móveis, imóveis, se moventes, materiais ou imateriais, corpóreos ou incorpóreos, que integrem o patrimônio de uma pessoa jurídica de direito público interno, serão bens públicos para todos os fins de Direito no Brasil. Ou seja, a esses bens se aplicará o regime jurídico especial dos bens públicos. Chama-se domínio público o conjunto de todos os bens públicos existentes no território nacional. Pela definição legal, o domínio público é composto do conjunto de todos os bens integrantes do patrimônio de todas as pessoas jurídicas de direito público existentes no país. Esse conceito não se confunde com o de domínio eminente. Os bens públicos podem ser caracterizados quanto à sua titularidade entre: BENS FEDERAIS BENS ESTADUAIS E DISTRITAIS BENS MUNICIPAIS Os bens públicos também podem ser caracterizados quanto à sua destinação: BENS DE USO COMUM (ART. 99, I, DO CC) BENS DE USO ESPECIAL (ART. 99, II, DO CC) BENS DOMINICAIS (ART. 99, III, DO CC) BENS DE USO COMUM (ART. 99, I, DO CC) São os bens que se destinam (por lei ou por sua natureza) à utilização geral pelos indivíduos, independentemente do ente da Federação aos quais pertencem. Podem ser estaduais, federais ou municipais. Embora sejam de uso geral do povo, a Administração Pública pode regulamentar as formas de seu uso, limitar seu acesso ou até mesmo impedir em determinadas hipóteses. Além disso, pode haver cobrança para seu uso, desde que as regras de utilização sejam genéricas e aplicadas de forma isonômica entre a população. Não é necessário o consentimento individualizado (autorização específica) da Administração Pública para que se possa ter acesso aos bens de uso comum. BENS DE USO ESPECIAL (ART. 99, II, DO CC) São os bens que visam à execução dos serviços administrativos e dosserviços públicos em geral, para a realização de suas atividades e a consecução de seus fins. Trata-se do aparelhamento material da Administração para atingir seus fins. Em geral, seriam bens comumente classificados como privados (a exemplo de edifícios), mas que, pela destinação que lhes é conferida, passam a ser de uso especial (a exemplo de uma repartição pública). Podem ser usados pelos indivíduos, mas em conformidade com as condições previamente estabelecidas (horário etc.). BENS DOMINICAIS (ART. 99, III, DO CC) São bens que integram o patrimônio da Administração Pública, mas que não têm destinação pública específica. É uma classificação residual dos bens públicos da Administração Pública. Podem ser aplicados pelo Poder Público para a obtenção exclusiva de renda (por exemplo, por meio de aluguéis). São terras devolutas, terrenos de marinha sem destinação, prédios públicos desativados, bens móveis inservíveis, dívida ativa. Essa categoria abrange os bens objeto de direito real das pessoas jurídicas de direito público sem destinação a uma finalidade específica de interesse público. AFETAÇÃO, DESAFETAÇÃO E REGIME JURÍDICO Como visto, a classificação dos bens públicos pode variar em razão das circunstâncias de estarem ou não afetados a finalidades públicas. Agora, vejamos os fatos administrativos em relação a bens públicos: AFETAÇÃO É um fato administrativo pelo qual se atribui ao bem público uma destinação pública especial de interesse direto ou indireto da Administração. Isso significa que um bem público pode ter a afetação por algum instrumento formal (a exemplo de uma lei ou de um ato administrativo) ou pela mera circunstância da destinação que lhe é conferida ser para a promoção de alguma finalidade pública. DESAFETAÇÃO É o fato administrativo pelo qual um bem público é desativado, deixando de servir à finalidade pública anterior. Tal como a afetação, a retirada da destinação de interesse público pode se dar tanto pela via formal quanto pela via dos fatos (a exemplo de uma praça incendiada ou de um prédio público demolido). Em alguns casos, a legislação exige formas específicas para a desafetação do bem público, sendo a via legislativa a forma pela qual comumente se desafetam os bens públicos. O regime jurídico dos bens públicos apresenta características peculiares em razão das finalidades públicas que promovem. INALIENABILIDADE A primeira característica do regime jurídico dos bens públicos é sua inalienabilidade (ou, para alguns autores, a alienabilidade condicionada), característica essa expressamente prevista nos arts. 100 e 101 do CC. javascript:void(0) javascript:void(0) Segundo o art. 100 do CC, os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem sua qualificação, na forma que a lei determinar. Já o art. 101 estabelece que os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei. Na absoluta maioria dos casos, a autorização legislativa faz-se necessária, pois a alienação de patrimônio é medida que extrapola os poderes de gestão do administrador público. Isto é, a disposição sobre o patrimônio público não é medida meramente administrativa, mas que depende do consentimento da população em geral. SAIBA MAIS Na nova legislação sobre licitações e contratos administrativos (Lei nº 14.133/2021), há um capítulo exclusivamente dedicado à alienação de bens públicos. A sistemática legal é muito similar àquela prevista no art. 17 da Lei nº 8.666/1993. Segundo o art. 76 da Lei nº 14.133/2021, a alienação de bens da Administração Pública está subordinada à existência de interesse público devidamente justificado e deverá ser precedida de avaliação, e, nos casos de bens imóveis, estes deverão ser objeto de autorização legislativa e da promoção de licitação na modalidade leilão, salvo nas hipóteses de dispensa previstas no inciso I do dispositivo em questão (dação em pagamento, investidura, permuta etc.). No caso de bens móveis, não há a necessidade de autorização legislativa para a alienação do bem público. A novidade está na previsão do art. 77 da Lei nº 14.133/2021, segundo a qual, para a venda de bens imóveis, será concedido direito de preferência ao licitante que, submetendo-se a todas as regras do edital, comprove a ocupação do imóvel objeto da licitação. IMPENHORABILIDADE A segunda característica do regime jurídico dos bens públicos é sua impenhorabilidade, nos termos do art. 100 da CF. Segundo a sistemática brasileira, os bens públicos estão sujeitos ao regime dos precatórios, de modo que a execução contra a Fazenda Pública não permite a penhora de bens da Administração Pública. A ratio é salvaguardar os bens públicos de alienação por meio de penhoras. De nada adiantaria a inalienabilidade se fosse possível a transferência do bem público por meio de constrições decorrentes de execuções judiciais. O patrimônio público — e, em especial, o interesse público — ficaria desprotegido, caso isso fosse possível. NÃO ONERABILIDADE A terceira característica do regime jurídico dos bens públicos é sua não onerabilidade. Onerar um bem significa dá-lo em garantia ao credor em caso de inadimplemento de obrigação. Os bens públicos não podem ser gravados com direitos reais em favor de terceiros pelas mesmas razões pelas quais não podem ser penhorados ou alienados. Trata-se de regra também prevista no art. 1420 do CC. ATENÇÃO Quando o Poder Público, pela via contratual, der um bem público em garantia, essa estipulação será nula. A exceção se dará em casos muito específicos previstos na legislação, a exemplo dos fundos garantidores previstos na Lei nº 11.079/2004, que regulamenta as parcerias público-privadas (PPP). IMPRESCRITIBILIDADE A quarta característica do regime jurídico dos bens públicos é sua imprescritibilidade, conforme disposto nos arts. 183, § 3º, e 191, parágrafo único, da CF e no art. 102 do CC. A imprescritibilidade significa que os bens públicos são insuscetíveis de ser adquiridos por usucapião (uma forma de prescrição aquisitiva), independentemente de sua categoria (de uso comum do povo, de uso especial ou dominical, nos termos da Súmula nº 340 do STF). Vejamos o entendimento jurisprudencial do STJ: Foto: Shutterstock.com RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO IMÓVEL PERTENCENTE À REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S.A. RFFSA. ESTRADA DE FERRO DESATIVADA. IMPOSSIBILIDADE DE SER USUCAPIDO. LEI Nº 6.428/77 E DECRETO-LEI Nº 9.760/46. 1. Aos bens originariamente integrantes do acervo das estradas de ferro incorporadas pela União, à Rede Ferroviária Federal S.A., nos termos da Lei número 3.115, de 16 de março de 1957, aplica-se o disposto no artigo 200 do Decreto-lei número 9.760, de 5 de setembro de 1946, segundo o qual os bens imóveis, seja qual for a sua natureza, não são sujeitos a usucapião. 2. Tratando-se de bens públicos propriamente ditos, de uso especial, integrados no patrimônio do ente político e afetados à execução de um serviço público, são eles inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis. 3. Recurso especial conhecido e provido. (STJ. REsp. nº 242.073/SC). IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA A quinta característica do regime jurídico dos bens públicos é a imunidade tributária recíproca, prevista no art. 150, IV, da CF. Segundo a regra constitucional, os entes federativos não podem cobrar impostos sobre patrimônio, renda e serviços uns dos outros. Trata-se de uma regra que pretende preservar o pacto federativo, mas que alcança apenas os impostos, e não os demais tributos (taxas e contribuições). Imagem: Shutterstock.com Por vezes, o STF reconhece a extensão das características do regime jurídico dos bens públicos aos bens das empresas públicas e sociedades de economia mista com capital javascript:void(0) majoritariamente estatal que prestam serviço público não concorrencial (a exemplo dos Correios). Vejamos: IMUNIDADE RECÍPROCA Tributário. Imunidade recíproca. Art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal.Extensão. Empresa pública prestadora de serviço público. Precedentes da Suprema Corte. 1. Já assentou a Suprema Corte que a norma do art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal alcança as empresas públicas prestadoras de serviço público, como é o caso da autora, que não se confunde com as empresas públicas que exercem atividade econômica em sentido estrito. Com isso, impõe-se o reconhecimento da imunidade recíproca prevista na norma supracitada. 2. Ação cível originária julgada procedente. (ACO nº 765, rel. min. Menezes Direito, Tribunal Pleno, julgado em 13/5/2009). TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA CONTROLADA POR ENTE FEDERADO. CONDIÇÕES PARA APLICABILIDADE DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRAÇÃO PORTUÁRIA. COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (CODESP). INSTRUMENTALIDADE ESTATAL. ARTS. 21, XII, f, 22, X, e 150, VI, a DA CONSTITUIÇÃO. DECRETO FEDERAL 85.309/1980. 1. IMUNIDADE RECÍPROCA. CARACTERIZAÇÃO. Segundo teste proposto pelo ministro-relator, a aplicabilidade da imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, a da Constituição) deve passar por três estágios, sem prejuízo do atendimento de outras normas constitucionais e legais: 1.1. A imunidade tributária recíproca se aplica à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado, cuja tributação poderia colocar em risco a respectiva autonomia política. Em consequência, é incorreto ler a cláusula de imunização de modo a reduzi-la a mero instrumento destinado a dar ao ente federado condições de contratar em circunstâncias mais vantajosas, independentemente do contexto. 1.2. Atividades de exploração econômica, destinadas primordialmente a aumentar o patrimônio do Estado ou de particulares, devem ser submetidas à tributação, por apresentarem-se como manifestações de riqueza e deixarem a salvo a autonomia política. 1.3. A desoneração não deve ter como efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre-concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita. Em princípio, o sucesso ou a desventura empresarial devem pautar-se por virtudes e vícios próprios do mercado e da administração, sem que a intervenção do Estado seja favor preponderante. 2. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. EXPLORAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADMINISTRAÇÃO PORTUÁRIA. CONTROLE ACIONÁRIO MAJORITÁRIO DA UNIÃO. AUSÊNCIA DE INTUITO LUCRATIVO. FALTA DE RISCO AO EQUILÍBRIO CONCORRENCIAL E À LIVRE-INICIATIVA. Segundo se depreende dos autos, a Codesp é instrumentalidade estatal, pois: 2.1. Em uma série de precedentes, esta Corte reconheceu que a exploração dos portos marítimos, fluviais e lacustres caracteriza-se como serviço público. 2.2. O controle acionário da Codesp pertence em sua quase totalidade à União (99,97%). Falta da indicação de que a atividade da pessoa jurídica satisfaça primordialmente interesse de acúmulo patrimonial público ou privado. 2.3. Não há indicação de risco de quebra do equilíbrio concorrencial ou de livre-iniciativa, eis que ausente comprovação de que a Codesp concorra com outras entidades no campo de sua atuação. 3. Ressalva do ministro-relator, no sentido de que “cabe à autoridade fiscal indicar com precisão se a destinação concreta dada ao imóvel atende ao interesse público primário ou à geração de receita de interesse particular ou privado”. Recurso conhecido parcialmente e ao qual se dá parcial provimento. (RE nº 253472, rel. min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 25/8/2010, DJe 1/2/2011). No vídeo a seguir, o professor Renato Toledo aborda o regime jurídico dos bens públicos. Vamos assistir! AQUISIÇÃO, GESTÃO, ALIENAÇÃO E ESPÉCIES A aquisição de bens pela Administração Pública segue o rito das licitações públicas, conforme disciplinado pelo art. 37, XXI, da CF e pela Lei nº 14.133/2021. ATENÇÃO Em casos específicos, a licitação poderá ser excepcionada, em momentos nos quais a aquisição pela via licitatória for inviável ou quando o legislador possibilitar a aquisição pela via da contratação direta para promoção de finalidades públicas específicas. A gestão do patrimônio público é de responsabilidade da Administração Pública, podendo ser esse múnus delegado à iniciativa privada. Nesse contexto, é possível destacar concessões de parques públicos, de zoológicos, de rodovias etc. Considerando o movimento de consensualidade e de parcerias público-privadas, é cada vez mais comum que a gestão dos bens públicos também seja compartilhada com particulares, deixando de ser uma exclusividade do Poder Público. Foto: Shutterstock.com Quando os bens são utilizados por particulares, esse uso pode ser: COMUM OU PRIVATIVO Nesse sentido, é importante delimitar os instrumentos pelos quais os bens públicos podem ser utilizados pelos particulares. Os instrumentos para uso de bens públicos são: AUTORIZAÇÃO DE USO Ato administrativo unilateral, com conteúdo discricionário (isto é, a Administração Pública tem margem de poder decisório para definir os critérios de aceitabilidade e de uso do bem público) e precário (ou seja, pode ser revogado a qualquer tempo por motivos de conveniência e oportunidade da Administração Pública). A autorização de uso não gera direito subjetivo ao particular. A concessão do ato de autorização não depende de realização de prévia licitação pública. PERMISSÃO DE USO Ato administrativo com as mesmas características da autorização (unilateral, discricionário e precário), mas que regula relações em que há interesses convergentes entre a Administração Pública e o particular. Geralmente, a doutrina costuma identificar o caráter intuitu personae da permissão de uso — do que decorreria a necessidade de licitação, conforme orientação de José dos Santos Carvalho Filho (2020) e Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2005). Quando são sujeitas a prazo, as permissões geram expectativas legítimas da Administração Pública quanto a seu cumprimento. Nesses casos, embora o ato seja precário, a jurisprudência reconhece direito do particular à indenização pela revogação da permissão, caso haja investimentos que não foram amortizados. CONCESSÃO DE USO Contrato de direito público, de natureza sinalagmática, em que a Administração Pública concede o uso privativo de determinado bem público a um particular, geralmente incluindo-se obrigações quanto à gestão daquele patrimônio. A concessão de uso pode ser remunerada ou gratuita e independe de maior ou menor interesse da pessoa concedente. Destina-se a atividades de maior vulto, mais onerosas e que dependem de longo prazo para tornar a relação economicamente sustentável. Por isso, as concessões de uso dependem de realização de licitação pública para seleção da melhor proposta entre possíveis interessados. CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO É regulamentada pelo Decreto nº 271/1967. Trata-se de uma relação jurídica de direito real, e não pessoal. Os fins da concessão de direito real de uso são os previamente fixados em sua lei reguladora. O contrato poderá ser revogado se for descumprida alguma de suas cláusulas ou se for dada destinação diversa ao bem em relação ao fim estipulado no negócio jurídico. ENFITEUSE OU AFORAMENTO Permite o uso privativo a título de domínio útil, conforme regulamentado no art. 2.038 do CC e no Decreto nº 9.760/1946, em relação aos bens da União. LOCAÇÃO As locações de imóveis dos entes públicos são regidas pelo CC e pela legislação específica para o tipo contratual. A Lei nº 14.133/2021 trouxe regramento especial sobre o tema, dispondo que a locação de imóveis deverá ser precedida de licitação e avaliação prévia do bem, de seu estado de conservação, dos custos de adaptações e do prazo de amortização dos investimentos necessários (art. 51). Por fim, é importante registrar alguns bens públicos em espécie: Foto: Shutterstock.com TERRAS DEVOLUTAS São as terras que não se acham aplicadas a algum uso público e nem se encontram no domínio particular por qualquer título legítimo. Dito de outraforma, são terras vagas. As terras devolutas são, em geral, dos estados (art. 26, IV, da CF). Embora a competência estadual esteja prevista na Constituição, alguns estados transferiram aos municípios parte dessas terras. As terras devolutas são consideradas bens dominicais, conforme a classificação do CC, visto que não são aplicadas a nenhuma destinação pública específica. As terras devolutas são disciplinadas no art. 225, § 5º, da CF e, em relação à União Federal, no art. 5º do Decreto-lei nº 9.760/1946. Foto: Shutterstock.com TERRENOS DE MARINHA São bens da União, disciplinados pelo art. 2º do Decreto- lei nº 9.760/1946 e pelo art. 13 do Código de Águas (Decreto nº 24.643/1934). São considerados terrenos de marinha aqueles que, banhados pelas águas do mar ou dos rios navegáveis, vão até 33 metros para a parte da terra, contados desde o ponto a que chega o “preamar médio” (esse instituto, previsto na legislação, refere-se ao estado do lugar em que se situa o bem no tempo em que foi editada a legislação sobre o tema, em 1831). Os terrenos de marinha são considerados, geralmente, as áreas que margeiam rios, lagoas e mares. É por isso que bens em tais áreas devem pagar taxas previstas no ordenamento, tais como foros, laudêmios e taxas de ocupação. Foto: Shutterstock.com ILHAS As ilhas também pertencem ao patrimônio público. Podem ser marítimas (isto é, oceânicas e costeiras), fluviais e lacustres, nos termos dos arts. 20, IV, e 26, II e III, da CF; tais dispositivos delimitam aquelas pertencentes à União ou aos estados da Federação. As ilhas são consideradas bens dominicais quando não afetadas ao uso comum do povo ou a alguma destinação especial pela Administração Pública, nos termos do art. 25 do Código de Águas – Decreto nº 24.643/1934). Foto: Shutterstock.com ÁGUAS No Brasil, toda água é afetada ao patrimônio público, nos termos dos arts. 20, III, e 26, I, da CF; tais dispositivos delimitam aquelas pertencentes à União ou aos estados da Federação. No entanto, a competência para legislar é exclusiva da União, nos termos do art. 22, IV, da CF. As águas podem ser bens públicos de uso comum do povo ou dominicais. Foto: Shutterstock.com PRAIAS MARÍTIMAS As praias marítimas são bens públicos de uso comum pertencentes à União, nos termos do art. 20, III e IV, da CF. Embora haja notícias que possam confundir, não se admitem praias particulares no Direito brasileiro. Assim, quando determinada praia tiver seu acesso obstruído por alguma propriedade particular, devem ser criadas servidões que garantam o acesso para o uso geral do povo daquele bem público. Imagem: Shutterstock.com MINAS E JAZIDAS Os recursos minerais, inclusive os do subsolo, pertencem à União, nos termos dos arts. 20, IX, e 176, § 2º, da CF. A propriedade do solo é destacada do subsolo para fins de aproveitamento e exploração, que poderão ser concedidos ao particular, nos termos do Código de Minas (Decreto-lei nº 1.986/1940), da Lei nº 6.567/1978, da Lei nº 7.805/1989 e da Lei nº 13.575/2017, que criou a Agência Nacional da Mineração (ANM). VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. (ADAPTADA DE CESPE – 2018 – DPE/PE – DEFENSOR PÚBLICO) COM RELAÇÃO À DISCIPLINA DOS BENS PÚBLICOS, ASSINALE A OPÇÃO CORRETA: A) À exceção dos bens dominiais não afetados a qualquer finalidade pública, os bens públicos são impenhoráveis. B) A ocupação irregular de bem público não impede que o particular retenha imóvel até que lhe seja paga indenização por acessões ou benfeitorias por ele realizadas, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça. C) Aos municípios pertencem as terras devolutas não compreendidas entre aquelas pertencentes à União. D) Os terrenos de marinha são considerados bens públicos da União. E) Bens de uso comum do povo, destinados à coletividade em geral, não podem, em nenhuma hipótese, ser privativamente utilizados por particulares. 2. (ADAPTADA DE FGV – 2015 – OAB – EXAME DE ORDEM UNIFICADO – XVI – PRIMEIRA FASE) O PRÉDIO QUE ABRIGAVA A BIBLIOTECA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE MOLHADINHO FOI PARCIALMENTE DESTRUÍDO EM UM INCÊNDIO, QUE ARRUINOU QUASE METADE DO ACERVO E PREJUDICOU GRAVEMENTE A ESTRUTURA DO EDIFÍCIO. OS LIVROS RESTANTES JÁ FORAM TRANSFERIDOS PARA UMA NOVA SEDE. O PREFEITO DE MOLHADINHO PRETENDE ALIENAR O PRÉDIO ANTIGO, AINDA CHEIO DE ENTULHO E ESCOMBROS. SOBRE O CASO DESCRITO, ASSINALE A AFIRMATIVA CORRETA: A) Não é possível, no ordenamento jurídico atual, a alienação de bens públicos. B) O antigo prédio da biblioteca, bem de uso especial, somente pode ser alienado após ato formal de desafetação. C) É possível a alienação do antigo prédio da biblioteca, por se tratar de bem público dominical. D) Por se tratar de prédio com livre acesso do público em geral, trata-se de bem público de uso comum, insuscetível de alienação. E) Em razão do incêndio, a avaliação do valor do imóvel é dispensada. GABARITO 1. (Adaptada de Cespe – 2018 – DPE/PE – Defensor Público) Com relação à disciplina dos bens públicos, assinale a opção correta: A alternativa "D " está correta. São bens da União, disciplinados pelo art. 2º do Decreto-lei nº 9.760/1946 e pelo art. 13 do Código de Águas (Decreto nº 24.643/1934). 2. (Adaptada de FGV – 2015 – OAB – Exame de Ordem Unificado – XVI – Primeira Fase) O prédio que abrigava a biblioteca pública do município de Molhadinho foi parcialmente destruído em um incêndio, que arruinou quase metade do acervo e prejudicou gravemente a estrutura do edifício. Os livros restantes já foram transferidos para uma nova sede. O prefeito de Molhadinho pretende alienar o prédio antigo, ainda cheio de entulho e escombros. Sobre o caso descrito, assinale a afirmativa correta: A alternativa "C " está correta. A legislação positiva prevê que os bens, após integrados ao patrimônio da União, sofrem de peculiar inalienabilidade, podendo ser alienados os bens dominicais, nos termos do art. 101 do CC brasileiro, pelas formas de contratação adotadas pelo direito privado ou público, desde que, necessária e obrigatoriamente, os bens estejam desafetados e que haja interesse público na alienação. Art. 101 do CC: “Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei”. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Como é possível notar, diversas são as relações entre o Direito administrativo e o Direito de propriedade: Propriedades particulares Como vimos no início do material, o Estado tem diversas prerrogativas que lhe conferem a capacidade de intervir nas propriedades particulares, sejam elas intervenções restritivas ou supressivas. É nesse contexto que o ordenamento jurídico reconhece a possibilidade de promover limitações administrativas, servidões, requisições, ocupações temporárias, tombamentos e desapropriações, cada qual com suas características e regime jurídico próprio. Patrimônio público Já em relação ao patrimônio público, é possível reconhecer um regime jurídico especial para os bens da Administração Pública — regime jurídico esse criado para garantir a continuidade dos serviços públicos e a proteção do patrimônio pertencente à coletividade. É por isso que tais bens têm características como inalienabilidade, não onerabilidade, impenhorabilidade, imprescritibilidade e imunidade tributária recíproca e têm regras próprias para sua gestão, aquisição, venda e uso por particulares. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2020. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.19 ed. São Paulo: Atlas, 2005. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. Belo Horizonte: Forum, 2011. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 44. ed. Salvador: Juspodivm, 2020. PRESIDENTE do STJ diz que Amazônia deve ser preservada para todo o mundo. STJ. Publicado em: 22 ago. 2019. Consultado na internet em: 13 maio 2021. EXPLORE+ Para aprofundamento do tema, veja as seguintes sugestões de
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