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MÓDULO 3: PROTOZOÁRIOS SANGUÍNEOS: DOENÇA DE CHAGAS COORDENADORES: Prof. João Carlos de Aquino Almeida Profª. Adriana Jardim de Almeida TUTORAS: Tânia Machado de Carvalho Tatiana Andrade Rocha da Silva 1. Doença de Chagas A Doença de Chagas é uma doença encontrada nas Américas, também conhecida como tripanossomíase ou tripanossomose americana. A infecção apresenta uma fase aguda, com lesões localizadas e outra crônica, que pode produzir quadros clínicos variados e incuráveis. Destacam- se, por sua gravidade, a cardiopatia chagásica, as dilatações os órgãos cavitários, que afetam principalmente o aparelho digestivo, além de distúrbios neurológicos. As lesões cardíacas são responsáveis pela elevada mortalidade, especialmente na fase crônica da doença, que pode sobrevir mesmo 10 a 20 anos depois do processo agudo. 1.1. Agente etiológico A Doença de Chagas é causada por um protozoário flagelado, o Trypanossoma cruzi, normalmente encontrado no sangue de vários animais, como tatus, tamanduás, gambás, raposas e cutias. Esses animais são considerados reservatórios naturais do tripanossomo. No sangue dos vertebrados, o T. cruzi se apresenta sob a forma de tripomastigota, que é extremamente móvel, e, nos tecidos, como amastigotas (não possui parte externa do flagelo e apresenta pouca motilidade). No tubo digestivo dos insetos vetores encontram-se principalmente como epimastigotas (forma onde o flagelo emerge e mantém-se colado a membrana celular pela membrana ondulante) ou tripomastigotas (forma infectante). Ocorrendo um ciclo com a transformação do parasito, dando origem as formas infectantes presentes nas fezes do inseto. O Trypanossoma cruzi apresenta várias variações morfológicas, fisiológicas e ecológicas, além de variações quanto a sua infectividade e patogenicidade, o que leva muitos autores a pensarem que não se trate de uma espécie bem definida nas sim de um “complexo cruzi”, englobando várias entidades. Com base em estudos de DNA ribossômico, três grupos de T.cruzi foram propostos. O grupo 1 é aquele encontrado em animais silvestres e triatomíneos que com eles convivem, mantêm-se no ciclo silvestre produzindo no homem infecções esporádicas e assintomáticas. O grupo 2 é o prevalente nas áreas endêmicas da doença e tem como principal vetor o Triatoma infestans, adaptando-se com esse vetor a um ciclo doméstico nas habitações rústicas das zonas rurais, sendo responsável pelas formas sintomáticas graves da doença. O grupo 3, de ocorrência mais rara, é também uma zoonose de animais silvestres, mas ainda em estudos a cerca de seu papel epidemiológico. 1.2. Vetor A maioria das espécies conhecidas vive no meio silvestre, associadas a uma diversidade de fauna e flora. É importante ter em mente que essa associação a habitats é dinâmica, ou seja, uma espécie hoje considerada exclusivamente silvestre, pode tornar-se domiciliada se as condições em que vive forem alteradas. Das 140 espécies de triatomíneos conhecidas atualmente, 69 foram identificadas no Brasil e são encontradas em vários estratos florestais, de todos os biomas. Com a interrupção da transmissão vetorial por Triatoma infestans no país, quatro outras espécies de triatomíneos têm especial importância na transmissão da doença ao homem: T. brasiliensis, Panstrongylus megistus, T. pseudomaculata e T. sordida. Espécies como o T. rubrovaria, no Rio Grande do Sul, e Rhodnius neglectus, em Goiás, têm sido encontradas colonizando o domicílio. O T. vitticeps (Rio de Janeiro e Espírito Santo) e o P. lutzi (Ceará e Pernambuco) merecem atenção pelas altas taxas de infecção natural. Por sua vez, R. nasutus é frequentemente capturado no peridomícilio do nordeste brasileiro (Ceará e Rio Grande do Norte). Na Amazônia, as espécies mais encontradas são R. pictipes, R. robustus, P. geniculatus, P. lignarius e T. maculata. As espécies do gênero Rhodnius encontram-se predominantemente associadas a palmeiras, enquanto as espécies do gênero Triatoma e Panstrongylus, vivem preferencialmente em associação com hospedeiros terrestres. Algumas poucas espécies, ao longo de seu processo evolutivo, adaptaram-se aos domicílios e às estruturas construídas no peridomicílio, como galinheiros e chiqueiros, e tornaram-se mais importantes na transmissão da doença ao homem. Os triatomíneos são insetos grandes, medindo de 1 a 4 cm de comprimento. Possuem hábitos noturnos. Durante o dia mantêm-se escondido e a noite, saem para se alimentar. A picada é indolor, podendo demorar 20 minutos ou mais, e em algumas pessoas provoca intensa reação alérgica. Em lugares sombrios, ou quando famintos, picam também de dia. Durante o ato de alimentar-se ou depois os insetos costumam defecar, fato muito importante na transmissão da doença, visto que as formas infectantes de T. cruzi (tripanossomos metacíclicos) são eliminadas exclusivamente pelas fezes dos insetos. A maioria das espécies de triatomíneos deposita seus ovos livremente no ambiente, entretanto, algumas possuem substâncias adesivas que fazem com que os ovos fiquem aderidos ao substrato. Essa é uma característica muito importante, uma vez que ovos aderidos às penas de aves e outros substratos podem ser transportados passivamente por longas distâncias, promovendo a dispersão da espécie. A introdução no domicílio de materiais com ovos aderidos (como folhas de palmeiras para cobertura de casas e lenha) pode favorecer o processo de colonização. A oviposição ocorre entre 10 a 30 dias após a cópula e o número de ovos varia de acordo com a espécie e, principalmente, em função do estado nutricional da fêmea. Uma fêmea fecundada e alimentada pode realizar posturas por todo o seu período de vida adulta. Reservatório é um sistema ecológico complexo formado por uma ou mais espécie, responsável pela manutenção de um parasito na natureza. Esse sistema deve ser consistente e considerado sempre em uma escala espaço-temporal única. Portanto, considera-se reservatório não mais uma espécie animal, mas um sistema ecológico (formado por uma ou mais espécies) no qual o parasita sobrevive. Esse sistema deve ser duradouro, abundante e incluir uma grande proporção da biomassa de mamíferos locais. Alguns animais silvestres, como quatis, mucuras e tatus, aproximam-se das casas, frequentando galinheiros, currais e depósitos na zona rural e periferia das cidades. Em alguns casos, como os morcegos, compartilham ambientes com o homem e animais domésticos. Desse modo, essas espécies podem estar servindo como fonte de infecção aos insetos vetores que ocupam os mesmos habitats dos humanos. 1.3. Ciclo biológico O ciclo de vida do Trypanosoma cruzi se inicia quando o barbeiro, inseto hematófago do gênero Triatoma, esconde-se em buracos no chão, nas paredes e entre a palha da cobertura das casas de pau a pique. Durante a noite ele pica geralmente no rosto das pessoas onde também defeca. Nas suas fezes são comuns as formas infestantes do T.cruzi (tripomastigotas metacíclicos), que podem penetrar na pele quando a pessoa coça o local da picada, causando pequenas escoriações. Nessa região surge um edema característico, o chagoma, indicando a lesão inicial. Através de mucosas ou por ferimentos na pele, estes infectam células do hospedeiro, como as do coração. No interior destas, o parasito ganha forma arredondada, sem flagelo (amastigotas), multiplicando- se por divisão binária. Instalam-se no tecido muscular, especialmente o do coração. Na fase crônica, o principal sintoma é a miocardite, que leva a pessoa a morte por insuficiência cardíaca. Quando as células estão repletas de parasitos, eles novamente mudam de forma (tripomastigotas sanguícola), e com a ruptura da célula hospedeira disseminam-se pela corrente sanguínea, sendo capazes de infectar novos tecidos e órgãos. Se o indivíduo ou animal infectado é picado pelo barbeiro, os parasitos em seusangue podem ser transmitidos ao inseto. No intestino deste, mudam mais uma vez de forma (epimastigotas), multiplicam-se e tornam-se, novamente, formas infectantes, que são eliminadas junto com as fezes e a urina do inseto. Fecha-se, assim, o ciclo. 1.4. Mecanismos e ciclos de transmissão A tripanossomíase era, primitivamente, uma zoonose de animais silvestres, e só mais tarde, adquiriu o caráter de zoonose de animais domésticos e de endemia humana. Do ponto de vista epidemiológico podemos distinguir: um ciclo de transmissão silvestre, outro paradoméstico e um terceiro relacionado mais estreitamente com a endemia humana. O ciclo silvestre da tripanossomíase é mantido entre os mamíferos silvestres (hospedeiros intermediários - tatus, morcegos e gambás) e o T. cruzi, esse fato sendo o resultado adaptativo da convivência dos triatomíneos (hematófagos obrigatórios) com esses animais silvestres. O ciclo paradoméstico ocorre em virtude dos animais silvestres que vivem próximos das casas ou que frequentam o peridomicílio mostrando graus variáveis de parasitismo, mantendo os focos epidêmicos com características interessantes para a compreensão da epidemiologia da tripanossomíase, bem como para a problemática de controle ou de erradicação. O ciclo doméstico baseia-se no fato dos insetos alojarem-se nas pobres casas de pau à pique (barro cru com paredes fendilhadas), habitadas por uma parte considerável da população rural, o que torna os animais domésticos (cães e gatos) e o próprio homem, fontes de infecção nesse ciclo. Infecções ocasionais são produzidas, eventualmente, quando os homens penetram em ambientes silvestres: trabalhando nas florestas, abrindo estradas, construindo barragens, fazendo derrubadas, atuando nos garimpos ou em outras circunstâncias; mas também quando os triatomíneos silvestres paradomésticos penetram casualmente no interior das habitações próximas. Outra modalidade de transmissão ocasional é a que se dá por transfusões de sangue, quando os doadores estão com parasitemia. Os inquéritos e exames de rotina feitos em bancos de sangue têm mostrado frequência de indivíduos infectados por T. cruzi entre os candidatos a doador. A taxa de exames de sangue positivos é maior entre os doadores procedentes de áreas rurais, das áreas endêmicas, muitos dos quais atuam como doadores remunerados, em vista do êxodo rural, do desemprego e da miséria que atinge. A Doença de Chagas também pode ser transmitida de forma congênita, embora o conhecimento precário sobre a incidência de transmissão transplacentária seja pequeno, acaba levando naturalmente a uma subestimação do problema. Existe ainda a possibilidade do contágio por vias digestivas, frequente entre animais e que comprovadamente também pode ocorrer em humanos devido a contaminação de alimentos com triatomíneos moídos com a cana de açúcar ou com o açaí ou, então poluídos por gambás. 1.5. Sintomas e sinais clínicos O período de incubação do parasita varia entre uma e três semanas. Depende da via de penetração, do inóculo, da estirpe do T.cruzi em causa e as condições do paciente. Nas transmissões transfusionais esse período tende a ser mais longo e pode-se estender por mais de 60 dias. Em sua fase inicial a Doença de Chagas pode apresentar uma sintomatologia tão fugas que passa inteiramente despercebida. Apresentando febre pouco característica e uma reduzida resposta celular no teste intradérmico. No período correspondente a localização dos tripanossomos no sangue (fase aguda), a característica principal é a febre, seguida de sensação de fraqueza, poliadenite e aumento do fígado e do baço. Pode acompanhar outros sintomas como: astenia, cefaleia, dores pelo corpo e anorexia. O período febril varia de 30 a 45 dias. Nas formas agudas mais graves, surgem quadros de miocardite, com taquicardia e outras alterações de ritmo, abafamento de bulhas, aumento da área cardíaca e sinais de insuficiência circulatória (edemas de estase, congestão hepática, falta de ar nos esforços, etc.). Em crianças com menos de 5 anos a mortalidade é elevada. Em alguns pacientes, as formas crônicas sintomáticas podem seguir-se imediatamente ao período agudo; ou instalar-se depois de um intervalo assintomático de duração variável: muitos anos as vezes. Também podem instalar-se sem que tenha havido um quadro agudo característico como se manifesta nas áreas endêmicas. Duas formas clínicas são muito importantes pela frequência com que ocorrem e pela gravidade que podem apresentar: a cardiopatia crônica e os “megas”, megaesôfago e megacólon respectivamente. Na cardiopatia crônica devida ao Trypanossoma cruzi observamos, desde simples arritmias até os sinais e sintomas de uma insuficiência cardíaca compensada ou descompensada. Os pacientes com arritmias queixam-se de palpitações, sensação de parada no coração e vertigens. Nos casos de bloqueio atrioventricular, há bradicardia acentuada, com crises vertiginosas e, por vezes, ataques convulsivos, decorrentes da má irrigação cerebral. Outra caracterização da fase crônica é o aumento do coração. Nos casos com os “megas” ou seja, as perturbações funcionais do esôfago e do cólon (megaesôfago e megacólon) começam a manifestar-se, em alguns casos, apenas decorridos um a três meses da fase aguda. Os primeiros sintomas são sempre de disfagia. O paciente tem dificuldade de deglutir alimentos sólidos, como arroz, e bebe água para ajudar o alimento a descer. Surge depois uma tendência a regurgitação. Nos casos mais avançados, a disfagia é substituída pela sensação de plenitude intratorácica retroesternal. A dor epigástrica ou retroesternal tende a melhorar com a ingestão de líquidos; soluços, intensa salivação e emagrecimento, são outras manifestações clínicas. As lesões intestinais (colopatias) causam inicialmente constipação, que vai se agravando pouco a pouco. O doente começa a fazer uso de laxativos suaves e termina por necessitar de catárticos e lavagens intestinais. 1.6. Prevenção e controle Os principais objetivos do controle baseiam-se na interrupção dos ciclos parasitários domésticos e paradomésticos, e da transmissão por transfusões de sangue. Os triatomíneos visados pelas campanhas preventivas são, pois, os que vivem nas casas e suas dependências, ou que invadem suas casas com frequência vindos do exterior. O combate aos triatomíneos é realizado aplicando-se inseticidas com ação residual nas paredes das casas, depósitos, galinheiros, currais e estábulos em que se verifique a presença de insetos adultos, ninfas ou ovos; ou de todas as construções da localidade da área endêmica. O êxito das campanhas de desinsetização não deve esconder que a medida mais radical para interromper a transmissão da doença de Chagas nos domicílio é a substituição dos casebres de taipa (construções de pau a pique barreadas) e outros tipos igualmente insalubres de moradias por casas construídas dentro das normas técnicas e higiênicas mínimas aceitáveis, onde os triatomíneos não encontram condições de implantar-se. Também devem ser implantadas medidas de educação sanitária com a participação da comunidade objetivando o esclarecimento das populações que vivem em áreas endêmicas, além de despertar-lhe a consciência para os riscos da doença, inerentes às más condições de habitação, terá que motivá-las a buscar soluções práticas para o problema. Entre estas encontram- se a impermeabilização das paredes, sempre que possível, e o uso de inseticidas domésticos (ou defensivos agrícolas). A participação da comunidade nos programas de controle da endemia deve ser promovida e estimulada para que a população local assuma parte da responsabilidade na execução dos programas de luta e exija a continuidade das operações profiláticas ou a correta aplicação das medidas de vigilância epidemiológica. Elemento importantepara a vigilância é o reconhecimento e a denúncia de focos residuais, feitos pela população esclarecida aos serviços de controle. Como medida profilática da Doença de Chagas em bancos de sangue duas medidas são utilizáveis para impedir a transmissão por transfusão: a) exclusão de todos os candidatos doadores de sangue que examinados, revelaram-se positivos nos testes sorológicos para diagnóstico da infecção por T.cruzi; b) adição de substâncias tripanossomicidas às partidas de sangue destinadas à transfusão, sempre que não for possível a identificação e a exclusão dos doadores suspeitos. Comprovou-se que o corante violeta de genciana é eficiente para impedir a transmissão da doença de Chagas, após 24 horas de contato, quando adicionada na proporção de 0,25 gramas do corante para cada litro de sangue. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 1. REY, L – Parasitologia, 3ª edição. RJ – Guanabara Koogan S.A, 2001. 2. REY, L – Bases da Parasitologia Médica, 2ª edição – Guanabara Koogan S.A, 2002. 3. COELHO, C & CARVALHO, A.R – Manual de Parasitologia Humana, 2ª edição – Editora ULBRA 4. BEHRMAN, KLIEGMAN E JENSON – Tratados de Pediatria –– 17ª EDIÇÃO – SAUNDERS ELSEVIER
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