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ESCOLA: PROFESSORA: ALUNO: Faça a Leitura do conto “Elevador a Serviço” da escritora carioca Cristiane Sobral. Elevador a Serviço Cristiane Sobral Manhã de sol. Primeiras horas. Ela saiu de casa para mais um dia de ensaios. Com passos tranquilos, resolveu pegar o elevador de serviço, já que o outro parecia ter travado na recepção. Entrou no elevador do prédio de luxo no 12º andar assoviando uma música de Jovelina Pérola Negra. O elevador estava vazio. Gostava mesmo da Jovelina, pois seu ouvido musical fora moldado em casa, desde a infância, quando sua mãe cantava e alimentava os filhos com palavras de exaltação à cultura negra. Seria interessante, nesse momento da sua carreira de cantora, discutir com a equipe a possibilidade de montar um show com um repertório de música da Jovelina, Clementina de Jesus, Dona Ivone Lara e outras cantoras e compositoras negras que mereciam e deviam mesmo ser homenageadas como pilares do nosso patrimônio cultural. Sua inspiração foi suspensa pela parada do elevador, no oitavo andar. Não gostava muito de elevadores. De repente, eis que o apertado recinto abriu suas portas para uma senhora branca de meia-idade. Não era muito simpática, nem parecia confortável naquele exíguo elevador de serviço. Malena achou melhor desligar a sua rádio interna e ficar atenta. Não gostava de olhares de soslaio. Acabara de receber um. Daqueles olhares com texto e subtexto. A senhora, começou a tossir. Não era um bom sinal. Por ser artista, Malena costumava observar muito bem as pessoas. A senhora logo soltou o seu primeiro petardo: - Bom dia! Acho que estamos com problemas nos elevadores. De qualquer forma, ouvi dizer que agora os elevadores são para todos. A síndica me disse, inclusive, que o nosso condomínio vai seguir as normas e leis, para evitar problemas. Acho justo. Malena respondeu com um suscinto “bom dia”. - Nossa! Não tinha reparado como você é simpática. E bonita! Parabéns pelo seu cabelo! Acho o máximo quando as mulatas assumem a sua raça. É um sinal de evolução. O elevador travou no quinto andar. - Desculpe o meu mau jeito, a intromissão...mas sabe o que é? Será que você não poderia me indicar alguém assim como você para trabalhar em minha casa? Preciso tanto de uma empregada! Quero dizer... Sem preconceitos algum. Na minha família nunca houve isso. Tive uma empregada que herdei dos meus pais; cuidou de todos lá em casa. Ela foi minha mãe de leite. Infelizmente faleceu recentemente. Mas cuidamos de tudo, já que não tinha família nem teve filhos. Uma mulher muito valiosa. O caso típico da alma branca, rara hoje em dia. Muitos primos brigavam para tê-la em casa. Não sei se encontraremos mais alguém tão dedicado. Está tão difícil contratar! Não entendo essa confusão toda. Aliás, somos todos empregados, não é verdade? Mas hoje, encontrei você aqui por um motivo especial, sabe? Deus tem um propósito para tudo! Eu sou muito católica! Malena não estava enganada. Não mesmo. Ali, travada no elevador onde aquela senhora, racista, queria posar de “miss mito da democracia racial brasileira”. Bem que ela percebeu, desde que mudara, que não havia moradores negros no prédio. Negros? Só os motoristas, porteiros e empregados. Mas não acreditava em lugares interditados em parte alguma do planeta. Era uma mulher livre. Tinha que dar uma resposta à altura. Respirou fundo: - Muito obrigada pelos elogios. Não é todo dia que recebemos notícias de pessoas que oferecem empregos em elevadores, não é? Realmente, os tempos são outros. Mas veja a coincidência! Sabe, eu também estou procurando alguém que possa me atender profissionalmente, assessorar quero dizer. Será que a senhora não teria alguma indicação? Uma filha, uma sobrinha ou afilhada? Se for bem qualificada, eu pago salário justo, faço questão de estabelecer relações de trabalho coerentes com os novos tempos. O conhecimento deve ser valorizado, não é verdade? Nas relações trabalhistas, tudo deve ser feito de forma “clara” para evitar equívocos, principalmente em um país como o Brasil, com séculos de herança escravocrata. Não é tempo de repetir antigos erros. Nossas relações de trabalho e convivência precisam ser revistas, hoje e sempre. Não é verdade? Impossível descrever a palidez da senhora. O elevador, que agora estava descendo, foi invadido pelo som de sua tosse compulsiva, seguido de um pedido de desculpas em tom baixo, logo acompanhado por um sorriso em tom amarelo. Ela ainda disse: - Esses elevadores de serviço costumam favorecer o acúmulo de bactérias. Finalmente o elevador voltou a funcionar, a porta abriu, anunciando a chegado ao térreo. Malena já saiu do prédio com o celular na mão, pronta para ligar para o seu produtor, certa de que faria o show, de que invocaria a memória das ancestrais. Estava decidida. Não bastava ser contra o racismo. Isso não era suficiente, não mudaria o estado das coisas. Era uma questão de ação, de defender as razões da cor com alegria. As canções de Jovelina Pérola Negra, ora afastadas do seu pensamento pela interrupção da triste senhora, voltaram com força, cantou para o seu produtor um trecho de Elos da Raça em que Pérola Negra do samba já dizia: “agora é formar uma corrente com elos resistentes daqueles que levam um bom tempo para arrebentar... é ou não é? é o espaço deixa caminhar com seus passos essa nova geração e dar condições a essa raça de terminar com essa farsa deixar esse povo sofrido mostrar seu valor seu valor...” Malena, sentia-se muito conecta com sua ancestralidade e com sua arte. Sonharia e lutaria por um tempo em que todos pudessem frequentar elevadores sem terem que viver cenas que remetessem a um tempo de forte cumplicidade com a discriminação racial. Responda: 1) Quem são as personagens desse conto? 2) Quem é a protagonista desse texto? 3) Depois da leitura do conto descreva, com suas palavras ou com passagens do texto, a personagem Malena. 4) Você já tinha ouvido falar sobre Jovelina Pérola Negra, Dona Ivone Lara ou Clementina de Jesus? O que essas artistas têm em comum? 5) “Uma mulher muito valiosa. O caso típico da alma branca, rara hoje em dia.” A expressão destacada é racista? Explique. 6) Liste expressões ou termos racistas que você já ouviu. 7) A senhora branca, personagem do conto, foi racista? Explique. 8) Porque a senhora ficou pálida com a resposta de Malena? 9) “Bem que ela percebeu, desde que mudara, que não havia moradores negros no prédio. Negros? Só os motoristas, porteiros e empregados.” O que a autora quis acentuar nesta passagem do texto? 10) Pesquise e relate uma notícia sobre episódios racistas. Você poderá pesquisar em jornais, revistas, sites, etc.