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1 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 3 2 SEGURANÇA DOS ALIMENTOS EM UNIDADES DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO.. ............................................................................................................ 4 2.1 Segurança dos alimentos: conceitos básicos .................................................... 4 2.2 História e perspectivas da segurança dos alimentos ......................................... 7 2.3 Importância da produção de alimentos com qualidade ................................... 14 2.4 Manual de Boas Práticas de Manipulação e Fabricação de Alimentos ........... 18 3 GESTÃO DA QUALIDADE NA SEGURANÇA ALIMENTAR .............................. 21 3.1 Ferramentas para a gestão de qualidade e processos .................................... 26 3.2 Procedimentos Operacionais Padronizados .................................................... 27 4 INDICADORES DA QUALIDADE HIGIÊNICO-SANITÁRIA DE ALIMENTOS E PADRÕES MICROBIOLÓGICOS PARA ALIMENTOS ......................................... 28 4.1 Análise de Risco e Pontos Críticos de Controle .............................................. 37 4.2 Risco tolerável ................................................................................................. 39 4.3 Risco químico .................................................................................................. 40 4.4 Risco físico... ................................................................................................... 41 4.5 Os riscos físicos estão classificados em duas categorias, quais sejam. ......... 41 4.6 Risco biológico ................................................................................................ 42 4.7 Doenças transmitidas por alimentos (DTAs) ................................................... 44 5 INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION ....................... 49 5.1 Sistema 5S.... .................................................................................................. 51 6 LEGISLAÇÕES .................................................................................................. 53 7 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 56 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 SEGURANÇA DOS ALIMENTOS EM UNIDADES DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO 2.1 Segurança dos alimentos: conceitos básicos O ato de alimentar-se é inerente ao ser humano. A alimentação é tida como patrimônio cultural, pois cada grupo populacional possui características específi cas em relação aos seus hábitos alimentares, que vão ao encontro do que a terra produz em cada região. Sendo essencial para a sobrevivência humana, a alimentação sempre foi motivo de constante busca para melhorar o modo de produzir, transportar, armazenar, preparar e conservar os alimentos (VENTURI, 2020). http://hoje.unisul.br No entanto, quando um alimento é produzido, armazenado ou distribuído de maneira inadequada, isso pode levar a casos de doenças transmitidas por alimentos (DTAs) e inclusive ao óbito. Portanto, é cada vez maior a preocupação de órgãos nacionais e internacionais com a segurança alimentar. Os problemas gerados pelas DTAs acarretam diversos fardos não somente para o indivíduo http://hoje.unisul.br/ 5 doente, o qual tem sua qualidade de vida afetada, mas também para o sistema de saúde e socioeconômico (VENTURI, 2020). O nutricionista é o profissional capacitado para fazer cumprir as legislações sobre as boas práticas de higiene nos serviços de alimentação coletiva. Ele capacita os colaboradores e zela pelo cumprimento das normas, visando sempre garantir que o alimento seja servido ao cliente de maneira segura. Para que essas ações sejam realizadas com eficácia, é importante que o profissional compreenda os conceitos relacionados aos processos de garantia da segurança dos alimentos, compreendendo que ela está diretamente relacionada às disciplinas de microbiologia e higiene dos alimentos (VENTURI, 2020). É comum confundir os conceitos de segurança alimentar e de segurança dos alimentos. São dois conceitos semelhantes e com implicações diretas na saúde da população (VENTURI, 2020). ▪ Segurança dos alimentos: refere-se a alimentos em si seguros para o consumo. Ou seja, diz respeito àquele alimento que é produzido e distribuído sob condições higiênico-sanitárias adequadas, ou seja, livre de contaminações, sejam elas químicas, físicas ou biológicas. É um alimento que não oferece nenhum tipo de risco à saúde do consumidor final (WALLS et al., 2019). ▪ Segurança alimentar: refere-se ao direito humano à uma alimentação de qualidade e em quantidade suficiente para garantir as necessidades diárias do indivíduo, e que tenha como base práticas alimentares que promovam saúde e respeitem a diversidade cultural, ambiental, econômica, e que sejam também socialmente sustentáveis (BRASIL, 2006, documento on-line). Outro termo usado no âmbito da segurança dos alimentos é “risco”. Nesse contexto, risco é uma “[...] combinação da frequência, ou probabilidade, e das consequências da ocorrência de uma situação de perigo específica” (BERTOLINO, 2010). Isso significa que o risco é uma estimativa do quanto um alimento contaminado pode ter efeito adverso na saúde de um indivíduo ou população. Já o “risco tolerável” é quando o nível de risco não é suficiente para causar dano à saúde do consumidor final. Os riscos tolerados são inclusive dispostos em legislações, pois muitas vezes fazem parte da vida cotidiana da população. Os limites para cada tipo 6 de risco foram analisados por especialistas em cada área, o que garante que não há risco de causar dano ao consumidor (VENTURI, 2020). Existem três categorias de risco: risco químico, físico e biológico. Em cada grupo de risco, existem níveis de contaminação que são considerados aceitáveis. Os riscos químicos envolvem agentes que produzem efeitos danosos à saúde, sejam eles de ocorrência natural ou adicionados aos alimentos de maneira intencional ou não intencional. Nesse grupo estão incluídos os contaminantes químicos, como produtos de limpeza saneantes e desinfetantes (VENTURI, 2020). Os riscos físicos ocorrem pela presença de matérias estranhas que não fazem parte dos alimentos, indicando uma condição insalubre que pode ter ocorrido em alguma das etapas do processo de produção. Nessa classificação estão incluídos materiais como pedras, fragmentos de equipamentos usados para processamento de alimentos, insetos, joias, entre outros. Esses materiais podem causar danos físicos no indivíduo, como asfixia, perfurações ou lesões corporais (VENTURI, 2020). Osriscos biológicos são responsáveis pelas doenças transmitidas por alimentos. Ao contrário dos riscos químicos e físicos, os riscos biológicos advêm de microrganismos ou de suas toxinas quando em contato com alimentos (VENTURI, 2020). Os riscos físicos se subdividem em inevitáveis e evitáveis. Os inevitáveis envolvem aqueles materiais que podem ocorrer durante o processamento do alimento e também como um subproduto inerente, ou seja, a sujeira da batata, fragmentos de insetos presentes em frutas, etc. Outro tipo de risco inevitável se dá pela formação natural de cristais em alimentos como queijo e molho de peixe. Já os riscos evitáveis são aqueles que ocorrem quando as boas práticas de higiene não são observadas à risca (VENTURI, 2020). Uma unidade de alimentação e nutrição (UAN) deve fornecer alimentos com qualidade nutricional e também qualidade higiênico-sanitária, garantindo que o alimento consumido não irá causar qualquer tipo de dano ao consumidor, ou seja, que esteja livre de contaminações químicas, físicas ou biológicas. Para que isso ocorra, é necessário que o nutricionista atue supervisionando todas as etapas do 7 processo produtivo, garantindo que todas as medidas higiênico- -sanitárias sejam cumpridas. Essas medidas estão incluídas em materiais como Manual de Boas Práticas de Higiene, Procedimentos Operacionais Padronizados (POPs), Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle e outras metodologias de avaliação e gerenciamento de riscos (VENTURI, 2020). As Boas Práticas de Higiene constituem um conjunto de orientações que devem ser cumpridas pelos manipuladores de alimentos desde o momento em que estes são selecionados para utilização no processo produtivo até sua entrega ao cliente para o consumo. O objetivo das boas práticas é que os níveis de contaminação estejam dentro ou abaixo do tolerável, evitando doenças alimentares nos consumidores (VENTURI, 2020). Por sua vez, os POPs descrevem de maneira clara e objetiva como cada uma das boas práticas de manipulação de alimentos deve acontecer e com qual frequência devem ser realizadas na unidade produtora de alimento (VENTURI, 2020). A Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle tem como finalidade identificar, avaliar e controlar os perigos que podem surgir durante um processo produtivo. É uma ferramenta importante de controle higiênico-sanitário, pois foca em medidas de prevenção, ou seja, prevê um possível problema antes que ele ocorra. É internacionalmente aceita como uma medida de controle e segurança dos alimentos (VENTURI, 2020). 2.2 História e perspectivas da segurança dos alimentos A segurança dos alimentos é uma preocupação que remonta aos tempos mais antigos. Mesmo que a Idade da Pedra não tenha deixado esse tipo de registro, é possível que nossos ancestrais da época se contaminassem com certa frequência, considerando que comiam carnes, peixes, grãos, cogumelos e outros alimentos que poderiam conter compostos tóxicos. O processo de seleção dos 8 alimentos pode ter ocorrido devido à percepção do que lhes fazia mal ou não (VENTURI, 2020). https://pt-br.ecolab.com Com o advento do fogo, os alimentos passaram a ser cozidos, mas mesmo assim não era possível eliminar completamente os microrganismos patogênicos ou suas toxinas. Algumas evidências demonstram que os ancestrais pré-históricos morriam por problemas de saúde com idade entre 20 e 30 anos. As sociedades sofriam constantemente com intoxicações geradas por parasitas que contaminavam águas e alimentos. Há inclusive registros de parasitas como a tênia em múmias egípcias (SATIN, 2014a). Ainda que o Egito fosse considerado um império bastante sofisticado, a higiene de então era muito precária, sendo comum ciclos de reinfecção fecal–oral em todas as classes da população (VENTURI, 2020). A Grécia Antiga passa a nos proporcionar registros mais evoluídos a respeito da forma de alimentação. Gregos e romanos descrevem em seus registros alimentos envenenados e efeitos do consumo de plantas tóxicas, incluindo cogumelos venenosos. A história registra, por exemplo, a morte de todos os membros da família de Eurípides por consumirem cogumelos venenosos (SATIN, https://pt-br.ecolab.com/ 9 2014a). Nessa época, tornou-se comum que os empregados experimentassem os alimentos antes que fossem servidos aos seus superiores, para evitar que acabassem intoxicados (VENTURI, 2020). No período medieval na Europa, registros indicam que tanto intoxicações alimentares quanto adulterações de alimentos eram comuns. Animais doentes eram abatidos juntamente com animais sadios, sendo que os doentes muitas vezes eram tratados com adulterantes para mascarar evidências de baixa qualidade do produto. Nessa época, especiarias eram usadas para esconder o cheiro de carne estragada (SATIN, 2014a). No período do Renascimento, a base alimentar advinha de grãos e leguminosas. Com o avanço das tecnologias para a produção de grãos, ocorreu um aumento significativo na sua produção. No entanto, ao final do século XIII, uma instabilidade política causou recessão em toda a Europa. No início do século XIV, as más condições climáticas reduziram a produção de grãos. Naquele período, havia frio e chuvas intensas, o que dificultou o plantio e crescimento de grãos. Os estoques mofaram devido à grande umidade. Todo esse conjunto de fatores gerou fomes calamitosas entre os anos de 1315 e 1317, devastando a Europa. Para sobreviver, os camponeses reuniam alimentos encontrados nas florestas, como raízes, plantas, nozes e cogumelos, o que não foi suficiente para saciar a fome da população (VENTURI, 2020). Pesquisas demonstram que os fungos dos grãos foram responsáveis por grande mortalidade infantil, que, consequentemente, fez reduzir o crescimento populacional e gerou muitos impactos sociais. Acreditou-se até o ano de 1970 que o contaminante fúngico Fusarium era responsável pelas mortalidades. O Fusarium é um produtor de micotoxina encontrado em solos e plantas e responsável por podridões em leguminosas, grãos e gramíneas. No entanto, foram descobertas outras toxinas que estavam envolvidas na mortalidade, como a zearalenona, que causa graves deformações nos órgãos reprodutivos, e a fumonisina, que também causa dando irreversíveis em órgãos e está relacionada com câncer de esôfago. Mas a toxina mais letal era a tricoteceno, produzida pelo Fusarium. Ela infecta grãos como milho, trigo, cevada, centeio e arroz (SATIN, 2014b). 10 Outro problema que ocorreu nesse período se deu no reinado de Luís XIV, que governou a França de 1643 a 1715. A pedido do rei, foi construído um local no meio rural chamado Marly-le-Roi como um retiro real. Nas áreas contíguas às habitações reais foram instaladas latrinas. Estudos revelaram que os parasitas predominantes entre o rei e seus súditos eram Ascaris lumbricoides, Trichuris e Fasciola hepatica. Essas espécies eram comumente encontradas em animais e em solo contaminado, e com isso os legumes e verduras frescas também eram contaminados. Considerando que naquela época o consumo desses alimentos era privilégio dos ricos e os processos de higiene eram precários, os indivíduos eram facilmente contaminados e muitas vezes chegavam a óbito devido às infecções geradas pelos parasitas. Em relação ao consumo de carnes contaminadas com tênia, na época eram malcozidas, o que contaminava facilmente os indivíduos (VENTURI, 2020). No período da Revolução Industrial, ocorreu um grande impulso na agricultura, devido à mecanização desenvolvida para o meio rural. Além disso, o aumento das fábricas demandava um grande número de trabalhadores, que saíam do meio rural para a cidade, a fim de trabalhar nas indústrias. Esse acúmulo de pessoas na cidade gerou automaticamente uma maior demanda por alimentos. Assim, ocorreram casos de intoxicação alimentar em massa. A indústriapassou então a desenvolver alimentos enlatados. Com isso, não haveria o problema de desperdício de alimentos e seria reduzida a incidência de intoxicação alimentar. Uma das descobertas mais importantes da época foi o processo de pasteurização, resultado do trabalho de Louis Pasteur (VENTURI, 2020). Em 1818, a competição francesa pela indústria da conservação de alimentos passou a lançar alimentos conservados em latas de metal, inaugurando uma nova era no mercado de conservas. A partir desse período, passaram a ser enlatados leite, sopas, verduras, carnes, entre outros alimentos (VENTURI, 2020). Na segunda metade do século XIX, houve uma explosão de melhorias nas tecnologias voltadas à produção e processamento de alimentos, e a maneira como os alimentos eram consumidos também passou por uma evolução. O século XX se inicia com o consumidor passando a consumir mais alimentos frescos, como 11 legumes e frutas, preparados em casa. No entanto, as tecnologias para a conservação segura dos alimentos também se aprimoraram, enquanto a produção em larga escala barateou muitos produtos. São criadas leis sobre segurança alimentar para evitar que as empresas adulterassem os alimentos. Mesmo assim, muitas empresas burlavam as leis e casos de intoxicações eram relatados (SATIN, 2014c). No Japão, ainda no início do século XX, a empresa de produtos químicos Nippon Chisso, localizada na cidade de Minamata, despejava desejos químicos no rio da cidade. Como era uma localidade basicamente pesqueira, os pescadores passaram a observar e se revoltar contra a mortandade dos peixes. Porém, como a empresa havia se tornado a base da economia da região, os pescadores não foram ouvidos. Em maio de 1956, o hospital local passou a receber pacientes com convulsões, agitações, coma e óbitos. O médico do hospital, Dr. Hosokawa, pesquisou hospitais da região e encontrou os mesmos sintomas. Os médicos entenderam que não se tratava de uma nova doença e sim resultado da contaminação dos peixes por compostos tóxicos liberados pela empresa, que por sua vez contaminavam a população local que os consumia. O Dr. Hosokawa demonstrou os agravos resultantes do não tratamento de dejetos por parte da Nippon Chisso, mas a empresa mandou que ele se calasse e destruísse os arquivos. Os casos continuaram acontecendo sem que nenhuma medida do governo fosse tomada. O problema da contaminação se agravou quando crianças começam a nascer deficientes, com paralisia, malformações, retardo mental, surdez e convulsões. Devido ao grande número de casos, o governo interviu, obrigando a empresa a pagar uma multa aos sobreviventes, mas o valor pago foi muito menor que o valor definido, e a empresa alegou não ser responsável (VENTURI, 2020). Em 1965, novos casos começaram a aparecer em cidades distantes de Minamata, chamando a atenção de pesquisadores e médicos. Outra empresa, a Showa Denko, foi responsabilizada, mas assim como a Nippon Chisso, negou a culpa. Em 1968, o governo finalmente reconheceu a relação entre as doenças e a contaminação das águas. No leito de morte, o Dr. Hosokawa ordenou a divulgação de todas as suas pesquisas, que por ordem da empresa vinham sendo mantidas 12 em segredo. Após longos anos de negociação, em 2005 a decisão final foi tomada (50 anos após a primeira vítima), com o governo se comprometendo a auxiliar as mais de 3.000 vítimas da doença de intoxicação da cidade de Minamata (SATIN, 2014c). Outro caso alarmante de contaminação alimentar ocorreu na Espanha no ano de 1981, quando crianças começaram a ser internadas com diagnóstico de pneumonia atípica. No entanto, logo apareceram outros sintomas, como edema pulmonar, dor de cabeça, astenia, coceira no couro cabeludo, erupção cutânea, dor abdominal e febre. A evolução da doença afetava o sistema nervoso sensorial e causava intensa dor muscular, levando a dificuldade de deglutição, perda acentuada de peso, aumento de triglicerídeos e colesterol sanguíneo, hipertensão pulmonar, entre outros sintomas, até o óbito. Um médico investigou 210 das crianças que estavam sob seus cuidados e conseguiu relacionar que todas faziam uso de “óleo de colza” (VENTURI, 2020). Este óleo, devido ao preço mais acessível que o azeite, era comprado por pessoas mais carentes financeiramente. O óleo de colza tradicionalmente é rico em ácido erúcico e glucosinolatos, que estão associados a consequências graves à saúde. Para agravar a situação, ao óleo de colza era acrescentado anilina, sendo reprocessados para que ficassem com boa qualidade para uso industrial e não comestível. O laboratório aduaneiro sabia da importação do óleo desnaturado com anilina e nada fez (VENTURI, 2020). Passada a epidemia, que durou 40 dias, o governo anunciou o causador da doença, que foi o óleo de cozinha contaminado e que era vendido sem rótulo. Nesse período, mais de 20 mil casos foram diagnosticados e 1.663 mortes relatadas. O governo espanhol paga anualmente indenização aos afetados pela contaminação. Após o problema, a indústria espanhola desenvolveu um óleo de colza com níveis extremamente baixos de compostos tóxicos e hoje este produto é conhecido como óleo de canola. Além disso, esses dois infames episódios fizeram com que os governos criassem leis mais rigorosas para o controle de adulteração alimentar e descarte de dejetos em rios e lagos, mudando o perfil da segurança dos alimentos (SATIN, 2014c). 13 Em dezembro de 1981, houve um grave surto de diarreia hemorrágica em White City, cidade norte-americana do estado de Oregon. Médicos locais não conseguiram identificar qual era a bactéria causadora, chamando um especialista do Center for Disease Control and Prevention (CDC), que conseguiu identificar a bactéria Escherichia coli O157:H7, tendo sido identificada pela primeira vez em 1975 e armazenada nos laboratórios do CDC (VENTURI, 2020). Em seguida, mais dois surtos ocorreram nos estados de Michigan e Oregon, ambos envolvendo lanchonetes da rede McDonald’s. Assim, os pesquisadores descobriram que a indústria de processamento de hambúrgueres estava contaminada. Em 1982, o resultado foi publicado, sendo considerado uma raridade essa bactéria ser letal em uma dose tão baixa. Como conclusão, a equipe descreveu erros no processamento da carne e no processo de cocção (VENTURI, 2020). Em 1993, um novo surto de intoxicação com diarreia hemorrágica ocorreu em Seattle. Equipes do departamento de saúde identificaram hambúrgueres contaminados com Escherichia coli O157:H7 na rede de lanchonetes Jack In The box. Mais de 70 filiais estavam envolvidas na contaminação e quatro crianças foram a óbito, além de mais de 700 pessoas contaminadas (VENTURI, 2020). O “incidente Jack In The Box” foi um divisor de águas nos Estados Unidos em relação à segurança alimentar, devido à morte de crianças. Esse surto alertou toda uma nação para os problemas relacionados à segurança dos alimentos (SATIN, 2014c). Com isso, representantes de diferentes órgãos, como serviços de saúde, indústria alimentícia, CDC, agentes de saúde, Departamento de Agricultura e muitos outros se reuniram para determinar mudanças nos padrões de segurança alimentar. A abordagem ficou conhecida como farm-to-table, ou seja, “da fazenda até a mesa”, e incluía todos os procedimentos de segurança dos alimentos em todas as etapas do processo produtivo, evitando riscos de contaminações alimentares e garantindo a segurança do consumidor final. Nos Estados Unidos, a Iniciativa da Segurança Alimentar Nacional iniciou um programa de revisões continuadas que permanecem até hoje sobre os sistemas de vigilância alimentar (SATIN, 2014c) 14 2.3 Importância da produção de alimentos com qualidade A segurança alimentar está relacionada à produção e distribuição de alimentos livres de contaminantes físicos, químicos e biológicos, tanto de modo intencionalou incidental. Porém, controlar a entrada de contaminantes na cadeia alimentar é uma tarefa difícil, pois estes podem ocorrer a qualquer momento, desde a colheita até a fase de consumo. Vários fatores são responsáveis pela ocorrência desses contaminantes na produção de alimentos, incluindo condições sanitárias precárias, práticas inadequadas de manuseio e de fabricação, transporte e armazenamento inadequados e uso de matérias-primas contaminadas (FORSYTHE, 2013). Em razão de todos esses fatores que podem afetar a qualidade dos alimentos, é possível ver que há muitos desafios para a segurança alimentar, tais como: ▪ o aumento crescente de doenças transmitidas pelos alimentos (DTAs); ▪ a rápida mudança de tecnologias de produção, processamento e comercialização de alimentos; ▪ o desenvolvimento de sistemas de controle de alimentos baseados na ciência, com foco na proteção do consumidor; ▪ o comércio internacional de alimentos e a necessidade de harmonização dos padrões de segurança e qualidade dos alimentos; ▪ mudanças no estilo de vida, incluindo rápida urbanização, conscientização crescente do consumidor sobre questões de segurança e qualidade dos alimentos e aumento da demanda por melhor informação (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS, 2016). Nas últimas décadas, houve uma demanda crescente dos consumidores por alimentos seguros e de alta qualidade. O rápido desenvolvimento econômico e as mudanças recentes na cadeia de suprimentos alimentares contribuíram para aumentar o interesse pela questão da qualidade no setor de alimentação coletiva, pois o consumo de alimentos que contenham substâncias e microrganismos 15 indesejáveis pode levar às DTAs, que são muito comuns tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento, sendo consideradas como o problema de saúde mais difundido no mundo contemporâneo e uma importante causa de diminuição da prosperidade econômica (FORSYTHE, 2013). Nos países em desenvolvimento, as DTAS continuam sendo um sério risco à saúde e uma importante causa de morbimortalidade. Além do sofrimento físico, a perda de produção e dos ganhos, os custos da hospitalização e a perda de alimentos são consequências socioeconômicas dessas doenças. Portanto, produzir alimentos seguros e com qualidade em nível nacional e global é essencial para preservar a saúde humana (VENTURI, 2018). Os termos alimento seguro e qualidade às vezes podem ser confusos. Alimento seguro refere-se a todo o alimento livre de contaminantes que podem prejudicar a saúde do consumidor. Não é negociável. Já a qualidade inclui todos os outros atributos que influenciam o valor de um produto para o consumidor. Isso inclui atributos negativos, como deterioração, contaminação com sujeira, descoloração, odores desagradáveis e atributos positivos como origem, cor, sabor, textura e método de processamento dos alimentos. Essa distinção entre alimento seguro e qualidade tem implicações para a instalação de políticas públicas e no sistema de controle de qualidade de alimentos (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS, 2016). Na opinião dos consumidores, o conceito de qualidade de um produto alimentício parece ser intimamente relacionado à percepção de que este é seguro. Quando se verifica a relação entre qualidade e segurança alimentar, percebe-se que as pessoas são mais propensas a considerar um produto alimentar como seguro se o considerarem de alta qualidade. Portanto, a preocupação com a segurança e a qualidade dos produtos alimentícios deve se concentrar em vários aspectos do produto, como as características organolépticas, a higiene, a qualidade nutricional, o local de produção e os aspectos éticos na produção dos alimentos (BOSONA; GEBRESENBET, 2018). Vários estudos destacaram o fato de que a definição de qualidade não é unificada, mas depende, antes, da perspectiva pela qual é avaliada. Para Espejel, 16 Fandos e Flavian (2007), o conceito de qualidade do produto pode ser analisado sob duas perspectivas principais: a qualidade objetiva e a qualidade percebida. Qualidade objetiva: refere-se à natureza técnica, mensurável e verificável de produtos/serviços, processos e controles de qualidade. Qualidade percebida: refere-se aos julgamentos de valor ou percepções de qualidade dos consumidores. Ainda é dividida em dois fatores que permitem ao consumidor avaliar os produtos: atributos intrínsecos que estão relacionados aos aspectos físicos de um produto e atributos extrínsecos que estão relacionados ao produto, mas não na parte física deste. A Figura 1 mostra um exemplo dos atributos intrínsecos e extrínsecos dos alimentos. Como pode ser visto, a percepção da qualidade e escolha dos alimentos pelos consumidores é uma questão complexa. De um lado, há os produtores que reclamam que os consumidores não estão dispostos a pagar por uma melhor qualidade, de outro lado, os consumidores reclamam que a qualidade dos alimentos não é boa o suficiente e os políticos afirmam que a qualidade dos alimentos não é levada a sério o suficiente como parâmetro competitivo da indústria de alimentos (ESPEJEL; FANDOS; FLAVIAN, 2007). 17 Ou seja, os consumidores têm desejos complexos, vagos e por vezes contraditórios em relação à qualidade dos alimentos. Os produtores têm a difícil tarefa de entender esses desejos, tentando determinar quais deles podem ser realizados de maneira lucrativa, traduzindo-os em processos de produção e depois comunicando aos consumidores sobre as qualidades oferecidas. Os políticos podem melhorar as possibilidades de escolha dos consumidores por meio de esquemas de rotulagem e marcas de qualidade, mas eles também podem interpretar mal como os consumidores veem a qualidade, e não definem padrões ou categorias de qualidade de maneira que os consumidores percebam como relevantes (BOSONA; GEBRESENBET, 2018). Para Brunso, Fjord e Grunert (2002), existem quatro aspectos principais na percepção da qualidade e na escolha dos alimentos pelos consumidores. Em primeiro lugar, do ponto de vista do consumidor, a qualidade é subjetiva. A qualidade de um produto alimentar está na mente do consumidor – alguns aspectos do produto são percebidos como bons e outros como ruins. Alguns, por exemplo, bom gosto, são bons porque levam ao reforço hedônico imediato da compra de alimentos. Outros são bons porque o consumidor acredita ter consequências positivas, como uma melhoria na saúde, no meio ambiente ou na sociedade em geral (VENTURI, 2018). Em segundo lugar, a qualidade dos alimentos do ponto de vista do consumidor abrange cada vez mais dimensões intangíveis. Somente as propriedades sensoriais dos alimentos são realmente acessíveis aos consumidores. Efeitos na saúde, produção orgânica e tecnologia usada são aspectos invisíveis e intangíveis dos alimentos e produtos. Para identificá-los, os consumidores usam indicadores que eles constroem de acordo com seus próprios modelos de funcionamento da produção de alimentos (VENTURI, 2018). Em terceiro lugar, como consequência, a percepção da qualidade é em grande parte uma questão do ambiente de informações em que a percepção da qualidade ocorre. O mesmo produto será percebido de maneira diferente em um supermercado e em uma loja de alimentos naturais. Adicionar uma marca ou um rótulo pode fazer a diferença (VENTURI, 2018). 18 Em último lugar, não há dúvida de que o preço é um parâmetro importante na escolha do consumidor. A falta de interesse em pagar por uma certa qualidade não significa necessariamente falta de interesse em qualidade. Isso pode ocorrer em razão de muitas outras razões, como: ▪ o produto não tem a qualidade específica reivindicada pelo fabricante; ▪ o consumidor não considera que a melhoria da qualidade valha o diferencial de preço; ▪ o consumidornão percebe que o produto realmente tem a qualidade específica. Com a crescente preocupação sobre a qualidade e a segurança dos alimentos, várias ferramentas de gestão de qualidade têm sido criadas para atender às expectativas dos consumidores e oferecer um alimento seguro que contemple também as exigências de comercialização, a redução de custos e perdas e a otimização da produção (VENTURI, 2018). 2.4 Manual de Boas Práticas de Manipulação e Fabricação de Alimentos De acordo com a Resolução CFN nº 380/2005, o Manual de Boas Praticas é um [...] documento formal da unidade ou serviço de alimentação e nutrição, elaborado pelo nutricionista responsável técnico, onde estão descritos os procedimentos para as diferentes etapas de produção de alimentos e refeições e prestação de serviço de nutrição e registradas as especificações dos padrões de identidade e qualidade adotados pelo serviço, devendo seu cumprimento ser supervisionado por nutricionista. (BRASIL, 2005). 19 https://consultoradealimentos.com.br O manual de BPF deve ser um documento que retrata a realidade da empresa, sendo, portanto, exclusivo e intransferível. Mudanças que ocorram na empresa, após a sua confecção, devem ser atualizadas. O conteúdo é feito com base nos elementos das BPFs e deve mostrar o status atual da empresa, bem como as medidas operacionais e de controle que esta adota para a recomendação de cada elemento. Esse documento deve estar acessível aos funcionários e também às autoridades sanitárias (MELLO, 2017). O manual de Boas Práticas deverá ser redigido de maneira a descrever as atividades realizadas no serviço de alimentação para atender aos itens exigidos pela legislação sanitária. Deve-se incluir, no mínimo, segundo a Resolução ANVISA RDC nº 216/2004, os requisitos higiênico-sanitários dos edifícios; a manutenção e a higienização das instalações, dos equipamentos e dos utensílios; o controle da água de abastecimento; o controle integrado de vetores e pragas urbanas; a capacitação profissional; o controle da higiene e da saúde dos manipuladores; o manejo de resíduos; e o controle e a garantia de qualidade dos alimentos preparados (MELLO, 2017). O primeiro passo para a elaboração e implementação desse manual é a realização de um diagnóstico situacional, ou seja, o levantamento das condições https://consultoradealimentos.com.br/ 20 higiênico-sanitárias do estabelecimento. Este poderá ser feito por intermédio da aplicação de uma lista de verificação da adoção das BPFs ou do check-list (MELLO, 2017). Segundo Seixas et al. (2008), a lista de verificação é uma das ferramentas utilizadas para implantar e aperfeiçoar as BPFs na área de alimentos. Estas nos permitem fazer uma avaliação preliminar das condições higiênico-sanitárias de um estabelecimento produtor de alimentos. Ressalta-se também que essa avaliação inicial permite levantar itens não conformes e, a partir dos dados coletados, traçar ações corretivas a para adequação dos requisitos, buscando eliminar ou reduzir riscos físicos, químicos e biológicos que possam comprometer os alimentos e a saúde do consumidor de alimentos. Essa ferramenta é empregada para verificar as porcentagens de conformidades e não conformidades referentes à legislação em vigor (BRASIL, 2014). A partir das informações identificadas por meio da lista de verificação, será realizado um relatório que apresentará as não conformidades observadas e a indicação das ações corretivas que deverão ser adotadas a fim de adequar o estabelecimento (MELLO, 2017). Não existe um modelo pronto para esse documento, o Manual de Boas Práticas de Fabricação é único para cada estabelecimento, no caso de redes e franquias, pois, por mais semelhança que possa haver entre as unidades, cada um deve ter o seu individualizado. Não basta apenas ter um Manual de Boas Práticas de Fabricação, é fundamental que toda a equipe de funcionários conheça e aplique seu conteúdo de maneira integral. O responsável técnico do estabelecimento é quem elabora, implanta e mantém atualizado esse manual (MELLO, 2017). Junto ao Manual de Boas Práticas, devem estar anexados os Procedimentos Operacionais Padronizados (POPs). O POP é um documento organizacional que traduz o planejamento do trabalho a ser executado. É uma descrição detalhada de todas as medidas necessárias para a realização de uma tarefa (MELLO, 2017). 21 O POP tem como objetivo manter o processo em funcionamento por meio da padronização e da minimização de desvios na execução da atividade, ou seja, ele busca assegurar que as ações tomadas para a garantia da qualidade sejam padronizadas e executadas conforme o planejado (MELLO, 2017). É um documento que descreve passo a passo como executar as tarefas no estabelecimento e deve ser seguido rigorosamente. O POP destaca as etapas da tarefa, os responsáveis por fazê-la, os materiais necessários e a frequência em que deve ser feita (MELLO, 2017). O Manual de Boas Práticas para Manipulação de Alimentos, juntamente com a implantação dos Procedimentos Operacionais Padronizados (POP), regulamentados pela Resolução RDC nº 275, de 21 de outubro de 2002, e o sistema de Análise de Perigos de Pontos Críticos de Controle (APPCC) constituem os programas de Segurança Alimentar que podem ser utilizados no setor da alimentação coletiva. Ao serem implantados, propiciam um controle de qualidade efetiva dos processos de manipulação nos serviços de alimentação, seja nos restaurantes comerciais ou nas Unidades de Alimentação e Nutrição (UAN), garantindo assim alimentos seguros aos consumidores (MELLO, 2017). 3 GESTÃO DA QUALIDADE NA SEGURANÇA ALIMENTAR A garantia da qualidade dos alimentos é a precisão e a exatidão pelas quais os vários requisitos de qualidade são medidos e controlados para fornecer um alimento que atenda às necessidades de um consumidor. Isso fornece a confiança de que um serviço de alimentação coletiva ou uma indústria de alimentos cumprem os requisitos de qualidade. Na fabricação de produtos alimentícios, a qualidade é um requisito importante, visto que os consumidores são suscetíveis a qualquer forma de contaminação que possa ocorrer durante o processo de fabricação. A maioria dos consumidores geralmente necessita e deseja saber informações sobre a fabricação e o processamento, especialmente para saber o tipo de ingredientes presentes em 22 razão de exigências alimentares, nutricionais ou condições médicas (BRUNSO; FJORD; GRUNERT, 2002). A gestão eficiente da qualidade implica em atividades de melhoria contínua em cada nível operacional e em todas as áreas de produção de alimentos. Essa gestão combina comprometimento, disciplina e um esforço crescente de todos os envolvidos no processo de produção e técnicas fundamentais de gerenciamento e administração, com o objetivo de melhorar continuamente todos os processos. Para isso, os setores precisam ser estruturados organizacionalmente, estabelecer políticas e programas de qualidade, medir a satisfação dos clientes e até usar mais ferramentas e metodologias de qualidade. Especificamente para o setor de alimentação, envolve também o conhecimento e a aplicação de técnicas e programas para a segurança alimentar (PAIVA, 2013). A gestão da qualidade na segurança alimentar deve incluir os seguintes aspectos: ▪ fornecer um alto nível de proteção à saúde; ▪ basear-se em dados científicos de alta qualidade, transparentes e independentes após avaliação de riscos, gerenciamento de riscos e comunicação de riscos; ▪ garantir o direito dos consumidores de ter acesso a informações precisas e suficientes; ▪ prever o rastreamento de produtos alimentícios e sua recuperação em caso de problemas; ▪ garantir que apenas alimentos seguros e razoavelmente apresentados sejam colocados no mercado (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATIONOF THE UNITED NATIONS, 2016). A integridade e a segurança dos produtos alimentícios devem ser garantidas por meio da identificação e avaliação de todas as operações empregadas no processamento, a fim de evitar possíveis contaminações e adulterações que possam expor os consumidores a riscos à saúde. Na última década, mais e mais produtores de alimentos vêm adotando programas como as Boas Práticas de Fabricação ou Manipulação (BPF/BPM), os Procedimentos 23 Operacionais Padronizados (POPs) e a Análise de Risco e Pontos Críticos de Controle (APPCC), além dos sistemas de gestão da qualidade e segurança, como as normas ISO 9001 e ISO 22000 (ISO do inglês International Organization for Standardization, em português “Organização Internacional de Padronização”). Esses programas surgiram em resposta à perda de confiança do consumidor na qualidade e segurança dos alimentos, à necessidade de as autoridades protegerem a saúde dos consumidores e à necessidade de garantir a qualidade dos alimentos e a segurança em operações comerciais (GIOVANNUCCI; SATIN, 2007). Os sistemas podem ser classificados de acordo com a extensão das atividades que eles exercem. ▪ Sistemas básicos de segurança: BPM, BPF e POPs. ▪ Sistema avançados de segurança: APPCC. ▪ Sistema básicos de gestão da qualidade: ISO 9001. ▪ Gerenciamento integrado de segurança alimentar: ISO 22000. ▪ Sistema avançados de gestão da qualidade: ISO 9004 (PAIVA, 2013). É importante fazer distinção entre os termos garantia e gestão. Garantia refere-se a um produto em si e envolve os sistemas de garantia de segurança e garantia de qualidade, como BPF, BPM e APPCC, que são mandatórios, ou seja, os produtores de alimentos são obrigados pela legislação a aplicar esses programas. Estes podem ser alcançados adotando-se uma sistemática e estrutura organizacional, implementando atividades de controle, processos, procedimentos e recursos de acordo com as normas que constituem a base para a qualidade e a higiene (ROTARU et al., 2005). Por outro lado, o termo gestão ou gerenciamento corresponde à organização geral de uma empresa no que diz respeito à qualidade dos produtos (incluindo segurança) e envolve os sistemas de gestão da qualidade (ISO 9000 e ISO 22000), bem como outros programas como o 5S, entre outros. Esses sistemas são implementados voluntariamente e são utilizados com o objetivo de tornar a empresa mais competitiva e eficiente, orientada à qualidade para melhorar o 24 produto e o processo, aumentando os níveis de negócios de qualidade e garantindo a satisfação do cliente (ROTARU et al., 2005) A implementação dos sistemas de gestão de qualidade garante que dois requisitos importantes sejam atendidos: ▪ Requisitos dos clientes: confiança na capacidade da organização de fornecer o produto e serviço desejado, atendendo consistentemente às suas necessidades e expectativas. ▪ Requisitos da organização: interna e externamente e em um nível ótimo com um uso eficiente dos recursos disponíveis (materiais, força de trabalho, tecnologia e informação) (ROTARU et al., 2005) O Quadro 1 apresenta os requisitos essenciais que uma empresa deve apresentar para implementar a garantia de qualidade e segurança na indústria de alimentos. Quadro 1. Requisitos essenciais para a garantia de qualidade e segurança na indústria de alimentos Características Requisitos gerais Gestão de qualidade Planejar e compartilhar responsabilidades. Atribuir recursos humanos e materiais adequados. Garantir um sistema de qualidade eficaz. Funcionários Criar uma estrutura organizacional apropriada. Descrever os cargos principais (organograma). Treinar funcionários. Desenvolver competências de comportamento e atitude. Supervisionar a higiene pessoal e a saúde. Áreas de produção e equipamento Garantir instalações e equipamentos adequados – construções, instalações, manutenção, condições ambientais, higienização, limpeza e validação da limpeza. Documentação Documentar, desenvolver, aprovar, atualizar, distribuir e arquivar documentação Processamento Validar os processos. 25 Evitar a contaminação cruzada durante a fabricação. Comprar boas matérias-primas. Garantir a qualidade do processo para produtos intermediários, a granel ou finais. Cumprir os requisitos legais de rotulagem. Garantir a boa qualidade dos produtos finais (quarentena, armazenamento, manuseio e entrega). Acompanhar os produtos rejeitados, recuperados e/ ou devolvidos (rastreamento e identificação). Controle de qualidade Aplicar técnicas de amostragem. Validar o método analítico. Inspecionar o(s) processo(s). Manter, verificar e calibrar os dispositivos de medição e monitoramento. Regulamentos Aplicar requisitos obrigatórios. Seguir os requisitos contratuais. Reclamações de consumidores Lidar com as reclamações. Documentar as retiradas/revogações. Analisar as decisões. Autoinspeção Realizar auditoria(s) interna(s). Verificar conformidade e ação corretiva. Relações com fornecedores Identificar e selecionar os principais fornecedores. Comunicar-se de forma clara e aberta. Compartilhar informações e planos futuros. Estabelecer atividades conjuntas de desenvolvimento e melhoria. Inspirar, incentivar e reconhecer melhorias e conquistas Fonte: Adaptado de Rotaru et al. (2005). Ao implementar um sistema de gestão de qualidade e segurança dos alimentos, algumas restrições são importantes, como a falta de recursos financeiros e humanos, as restrições de tempo e a falta de conhecimento e experiência da equipe. Portanto, é necessário que haja uma compreensão da relação entre certos elementos específicos (envolvimento da equipe, comunicação e liderança), 26 elementos externos (nível de competição, relações com fornecedores, clientes e autoridades) e elementos estruturais (tamanho e estrutura da empresa). Somente se todos esses elementos forem bem abordados, as organizações terão a preparação para implementar um sistema de gerenciamento avançado (PAIVA, 2013). 3.1 Ferramentas para a gestão de qualidade e processos Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, as BPF e BPM abrangem um conjunto de medidas que devem ser adotadas pelas indústrias de alimentos e pelos serviços de alimentação, a fim de garantir a qualidade sanitária e a conformidade dos alimentos com os regulamentos técnicos. Elas são baseadas na análise de risco e são projetadas para minimizar e controlar os riscos à segurança do produto durante a preparação. Mais especificamente, para os serviços de alimentação, a legislação sanitária federal RDC nº 216/2004 regulamenta essas medidas em caráter geral, aplicável aos estabelecimentos que realizam algumas das seguintes atividades: manipulação, preparação, fracionamento, armazenamento, distribuição, transporte, exposição à venda e entrega de alimentos preparados ao consumo, tais como cantinas, bufês, comissarias, confeitarias, cozinhas industriais, cozinhas institucionais, delicatéssens, lanchonetes, padarias, pastelarias, restaurantes, rotisserias e congêneres. As comissarias instaladas em portos, aeroportos, fronteiras e terminais alfandegários devem, ainda, obedecer aos regulamentos técnicos específicos. As BPF e BPM incluem recomendações nas seguintes áreas: ▪ edificação, instalações, equipamentos, móveis e utensílios; ▪ higienização de instalações, equipamentos, móveis e utensílios; ▪ controle integrado de vetores e pragas urbanas; ▪ abastecimento de água; 27 ▪ manejo dos resíduos; ▪ manipuladores; ▪ matérias-primas, ingredientes e embalagens; ▪ preparação do alimento; ▪ armazenamento e transporte do alimento preparado; ▪ exposição ao consumo do alimento preparado; ▪ documentação e registro; ▪ responsabilidade (BRASIL, 2004). As responsabilidades e os benefíciosda implementação das BPF e BPM implicam principalmente no cumprimento de normas nacionais e internacionais de alimentos para melhorar a gestão da qualidade e segurança. Isso leva a uma melhor eficiência e organização e, mais importante, reduz o risco de comercializar produtos contaminados, com a resultante perda de reputação. É importante ressaltar que a implantação de boas práticas é mandatória, ou seja, é uma exigência da legislação. Além da implementação das boas práticas, a legislação também exige que o estabelecimento tenha um manual de boas práticas com todas as informações referentes ao local e às suas práticas rotineiras de higiene. 3.2 Procedimentos Operacionais Padronizados A padronização dos procedimentos é uma ferramenta de gestão envolvida na preparação, no treinamento e no controle de padrões dentro do serviço de alimentação coletiva. Tais normas são regulamentadas pela legislação federal RDC nº 275/2002 (BRASIL, 2002). Os POPs são documentos que apresentam a descrição de forma bem clara e objetiva das instruções para a realização das principais operações de produção de um alimento. Nesse documento, devem estar descritos também o nome ou a 28 função dos responsáveis pelas atividades e a frequência com que a atividade deve ser realizada. 4 INDICADORES DA QUALIDADE HIGIÊNICO-SANITÁRIA DE ALIMENTOS E PADRÕES MICROBIOLÓGICOS PARA ALIMENTOS Na virada do século XX, foi necessário desenvolver um método para garantir a qualidade e a segurança da água usada para consumo humano. Essa abordagem foi feita para garantir que a água não estivesse contaminada com bactérias patogênicas, fecais e também com a Salmonella. Como na época os ensaios para Salmonella eram demorados e trabalhosos, entendeu-se que avaliar outras bactérias que estavam presentes no trato gastrointestinal, como a Escherichia coli, por exemplo, seria mais confiável que avaliar a Salmonella, pois acreditava-se que se a água estivesse contaminada com matéria fecal, a E. coli estaria presente e permaneceria por mais tempo que a Salmonella no abastecimento de água. Assim, a E. coli passou a ser um microrganismo “indicador” no lugar da Salmonella e outros patógenos de origem fecal. No entanto, a E. coli pertence a um grupo de microrganismos chamado coliformes. Então passou-se a realizar juntamente com o teste da E. coli o teste para verificar coliformes, embora nem todos os coliformes sejam de origem fecal. A expressão microrganismos indicadores permanece até hoje e é muito usada para determinar condições de higiene em estabelecimentos que manipulam alimentos (HALKMAN; HALKMAN, 2014). Microrganismos indicadores são globalmente usados para monitorar a qualidade da água e também prever a presença de patógenos em ambientes onde ocorre a manipulação de alimentos e água (HALKMAN; HALKMAN, 2014). Um indicador microbiológico de higiene é um microrganismo, ou um grupo de microrganismos considerados (patogênicos ou não), ou um produto metabólico gerado por microrganismos, que revelam um potencial problema de qualidade, 29 higiene e até mesmo de segurança, dado um nível mínimo (ou dose mínima) de contaminação. Pode-se incluir nesse conceito: ▪ potencial presença de um perigo para a saúde do consumidor, incluindo o risco da presença de um microrganismo patogênico ou seu metabólico; ▪ não cumprimento das boas práticas de higiene nos processos de fabricação, armazenamento e distribuição; ▪ contaminação de matéria-prima; ▪ risco potencial de deterioração rápida ou alteração da qualidade organoléptica dos alimentos. Convencionou-se, portanto, utilizar alguns grupos de microrganismos como indicadores de qualidade higiênico-sanitária dos alimentos (GERBA, 2015). Na prática, o indicador ideal deve apresentar as seguintes características: ▪ geralmente não é patogênico; ▪ deve estar sistematicamente presente (mesmo que apenas em nível baixo) e de maneira que possa ser detectado; ▪ deve ser detectável, preferivelmente com métodos de contagem de maneira simples, rápida e barata; ▪ deve ter o mesmo hábitat que o agente patogênico alvo; ▪ deve ser membro da microflora intestinal de animais de sangue quente. Uma vez escolhido o microrganismo indicador, considera-se geralmente como boa prática mantê-lo para propósitos de avaliação do controle do processo. Principais grupos e usos de indicadores: ▪ Microrganismos heterotróficos aeróbios ou facultativos, mesófilos, psicrotróficos e termófilos viáveis: este grupo é muito usado para avaliar aspectos higiênicos dos processos produtivos. ▪ Bactérias anaeróbias. ▪ Indicadores de contaminação fecal: neste grupo estão incluídos os coliformes totais, termotolerantes nos quais predominantemente tem-se a E. coli. Família Enterobacteriaceae (grupo importante por ser um bom indicador de 30 contaminação de Salmonella em ovos). Enterococcus, estes são indicadores de contaminação de origem fecal animal basicamente. E Clostridium perfringens, outro indicador de contaminação fecal, mas em água. ▪ Indicadores como Streptococcus salivarum e S. aureus, bactérias mesófilas produtoras de esporos, clostrídios sulfito redutores, bolores e leveduras, além dos microrganismos halófilos, proteolíticos, lipolíticos e osmofílicos. Deve-se sempre lembrar que a escolha do microrganismo indicador dependerá da característica do alimento que se deseja analisar. Contagem aeróbica total a 30°C: indicador do nível de higiene global do produto, desde o nível de higiene da matéria-prima recebida até o produto final. Pode ser também considerado como indicador de contaminação da matéria-prima. A contagem aeróbia total ou contagem padrão de placas é um dos métodos microbiológicos mais comuns usados para avaliar a qualidade geral dos alimentos. Esse teste não diferencia tipos de bactérias, mas descreve o número de unidades formadoras de colônia (UFC) que existem em uma área definida (por exemplo, 1 cm2 ) da superfície analisada. Normalmente, é realizada usando um ágar nutriente capaz de possibilitar o crescimento máximo de microrganismos presentes na amostra, capazes de crescer quando incubadas a 30–35°C por aproximadamente 48 horas. A contagem total viável é um indicador do estado higiênico da produção de alimentos e mostra possíveis cargas microbianas e fontes de contaminação (JHA, 2016). Bactérias do grupo coliformes Descrevem resumidamente alguns gêneros da família das enterobactérias. Algumas bactérias coliformes estão associadas aos intestinos (cólon) de animais de sangue quente (chamados coliformes fecais), enquanto outros estão relacionados ao material vegetal. Bactérias do grupo coliformes são consideradas microrganismos indicadores, porque a presença delas nos alimentos ou na água indica a presença de patógenos entéricos e pode significar condições sanitárias 31 insuficientes, por isso são frequentemente usadas para monitorar a qualidade da água e dos alimentos. Suas características bioquímicas comuns são uma reação positiva à lactose, bem como uma reação negativa à oxidase. Essas bactérias são facilmente identificáveis utilizando meios nutrientes que contêm substratos cromogênicos para a sua enzima β-galactosidase (exemplo: X-GAL). São definidas como anaeróbicas facultativas, sem formação de esporos, que fermentam a lactose produzindo gás e ácido a 35°C em um período de 24 ou 48 horas. Na análise laboratorial, diversos meios bacteriológicos são usados para detectar coliformes em alimentos e água, incluindo caldo lauril sulfato, caldo triptose, caldo verde brilhante e ágar m-Endo, sendo que estes contêm lactose, como o açúcar fermentável primário. Um teste muito usado para determinação de coliforme é a técnica do número mais provável (NMP), técnica que consiste em três etapas. A primeira etapa é a presuntiva, usando caldo lauril triptose lactose,no qual se observa o crescimento com a formação de gás no tubo de Duran colocado de maneira invertida no tudo de ensaio. A segunda etapa consiste no segundo teste, chamado de confirmatório, realizado usando-se o meio eosina azul de metileno (BEM) ou Endo ágar, e nesse ensaio utilizam-se os positivos dos tubos para inocular nas placas, com a fermentação da lactose, as bactérias crescem com coloração verde brilhante ou com um centro escuro (HALKMAN; HALKMAN, 2014). A terceira etapa consiste no teste completo. Outro meio de detecção de coliformes é usando a técnica da membrana filtrante. Esse teste é de execução mais fácil que a técnica NMP. Para essa técnica, utiliza-se geralmente uma membrana (porosidade de 0,45 µm) que intercepta as bactérias na sua superfície. A membrana deve estar saturada com meio Endo ou outro preparado para incubar na placa contendo ágar. Depois, a membrana é colocada sob um filtro em um sistema de filtração a vácuo, no qual o alimento devidamente homogeneizado é filtrado. Com o processo de filtragem concluído, a membrana é colocada em uma placa de petri com meio ágar para avaliar o crescimento microbiano. O passo a passo pode ser observado na Figura 2. 32 Outra técnica usada para detecção de coliformes é o teste de presença- - ausência (P-A). Este não é um teste quantitativo, mas indica a presença ou não de microrganismos indicadores. Esse teste usa o sistema Colilert, que se baseia no fato de as bactérias coliformes totais produzirem a enzima β-galactosidade, esta hidrolisa o substrato o-nitrofenil-β-D-galactopiranosídeo para nitrofenol amarelo. Nesse teste, em um tubo contendo o lauril sulfato triptose (caldo lactose) e a amostra já devidamente homogeneizada, quando adicionado substrato fluorogênico (glicuronídeo de 4-metilumbeliferona), a mistura produz uma reação com produto final azul fluorescente (visível sob luz ultravioleta de onda longa), sendo esse resultado visto apenas quando a E. coli está presente na amostra. Pode-se observar na Figura 3 como ficam as amostras contendo coliformes (amarelo) e E. coli (azul fluorescente) (GERBA, 2015). 33 Coliformes termotolerantes E. coli As bactérias coliformes fecais (atualmente nomeadas como termotolerantes) podem ser indicativas de contaminação fecal e a presença potencial de patógenos associados à material de animais de sangue quente (por exemplo, Salmonella, E. coli O157:H7, etc.). Esses microrganismos podem ser separados do grupo total de coliforme pela sua capacidade de crescer e fermentar a lactose a temperaturas elevadas (44,5°C para água e 45,5°C para alimentos em 24–48 horas). Fora desses hospedeiros, os coliformes fecais geralmente têm tempo de vida curto em comparação com as bactérias coliformes que são de vida livre e não associado com o trato digestório de seres humanos ou animais. A categoria fecal contém bactérias patogênicas e não patogênicas. Um exemplo típico de coliformes fecais é a bactéria E. coli. Para ser considerado como indicador de contaminação fecal, os microrganismos devem: ▪ ser específicos do trato intestinal; ▪ estar presente em grande número nas fezes para ser detectado facilmente em água/alimentos após a diluição; indicando presença de 34 ▪ ser capaz de sobreviver a temperaturas elevadas durante a análise microbiológica; ▪ ser facilmente detectado, mesmo em números muito baixos. A Escherichia coli atende a esses critérios e, portanto, é comum ser usada como indicador de contaminação fecal e como indicador de higiene e segurança alimentar. Entre os procedimentos alternativos de análise, diferentes métodos foram desenvolvidos com base na detecção de enzimas que são específicos para E. coli. Estas são baseadas no uso de fluorosubstratos gênicos com os mais comumente usados 4-metilumbeliferil-ß-D-glucuronídeo (MUG). Esse substrato é usado em meios líquidos e sólidos e detecta a atividade de ß-glucuronidase (GUR) codificada pelo gene uidA em E. coli. A presença de E. coli é caracterizada por essa enzima que metaboliza MUG para liberar o 4-metilumbeliferil. Esses resultados são observados a partir de fluorescência sob luz ultravioleta de onda longa (366 nm) (JAY; GOLDER; LOESSNER, 2005). Enterobacteriaceae São bactérias Gram-negativas, em forma de bastonete, que têm tipicamente 1-5 µm de comprimento. Consideradas como mesófilas, mas algumas espécies podem ser psicrotróficos. Anaeróbios facultativos e a maioria são móveis, mas também existem gêneros sem mobilidade. Fazem parte normal da flora intestinal que é encontrada no trato intestinal de humanos e animais. Também se espalham amplamente no ambiente (por exemplo, solo e água). Alguns gêneros são patogênicos e podem causar doenças graves, como Citrobacter, Enterobacter, Escherichia, Hafnia, Klebsiella, Kluyvera, Morganella, Proteus, Salmonella, Serratia, Shigella e Yersinia (HALKMAN; HALKMAN, 2014). A família Enterobacteriaceae não pode produzir oxidase e pode ser distinguida de gêneros semelhantes por esse critério. Todos os membros da família 35 Enterobacteriaceae fermentam a glicose com produção de ácido e reduzem os nitratos. As contagens de Enterobacteriaceae são um método eficaz para avaliar ambientes, como o contato com alimentos pós-processamento, superfícies contaminadas e ajudar a determinar rapidamente fontes potenciais de contaminação. Enterobacteriaceae pode ser um grupo de indicadores superior aos coliformes como indicadores de saneamento, porque, coletivamente, têm maior resistência ao meio ambiente que os coliformes e pode avaliar melhor a glicose positiva, negativa para lactose, e membros da microflora de alimentos. Os métodos de detecção geralmente são baseados em técnicas de semeadura em placas contendo meios sólidos com sais biliares e glicose, como o ágar bile vermelho violeta com glicose (JHA, 2016). A presença de Enterobacteriaceae é um indicador útil de higiene e de contaminação pós-processamento de alimentos processados por calor. Essa família tem sido usada como indicadora de qualidade alimentar e segurança alimentar (GERBA, 2015). Enterococcus São microrganismos Gram-positivos que pertencem às bactérias intestinais, bem como as Enterobacteriaceae Gram-negativas. Os Enterococcus podem aparecer como contaminações em uma variedade de alimentos fermentados. Sua presença em produtos alimentícios tem sido considerada como uma indicação de condições sanitárias precárias durante a produção e o processamento. Por outro lado, os Enterococcus são usados especificamente como culturas iniciais para os processos de fermentação de uma variedade de alimentos. Afirma- se que desempenham um papel importante no desenvolvimento das propriedades organolépticas dos alimentos fermentados. Para a água, a presença deles serve como um indicador de contaminação fecal. Só aparecerão na água se forem inseridos por contaminações com fezes humanas ou animais (HALKMAN; HALKMAN, 2014). 36 Bolores e leveduras São capazes de contaminar os alimentos e são responsáveis pela rápida deterioração do alimento contaminado. Em razão da sua capacidade de produzir substâncias tóxicas ou alergênicas, os bolores são especialmente predestinados para constituir um potencial risco para a saúde. Como esses organismos podem ser rapidamente espalhados por poeiras, as superfícies no ambiente de produção serão constantemente contaminadas. Portanto, eles devem ser levados em consideração e adicionados aos planos de amostragem do monitoramento geral de higiene. Levedura e contagem de bolores são indicadores mais relevantes para avaliar o tempo de vida de prateleira do que bactérias, sendo essa recomendação para produtos com baixo pH, como frutas e produtos de frutas. Bolores e leveduras são geralmente enumerados em alimentoscomo indicadores de qualidade. Como grupo, as leveduras e os bolores são diversificados e podem crescer em praticamente qualquer tipo de alimento. Leveduras são uma causa comum de deterioração de alimentos, particularmente em alimentos ácidos, como frutas e sucos de frutas e alimentos com atividade de água reduzida (Aw), principalmente em produtos de confeitaria. Embora os bolores não causem infecção via alimentos, algumas cepas são capazes de produzir micotoxinas, que pode causar doença crônica grave se consumida. Leveduras são anaeróbios facultativos, fungos monocelulares (Ascosporidae), fermentando substrato de açúcar a CO2 e H2 O. Sob condições anaeróbicas, as leveduras fermentam açúcar em álcool e CO2 . Essas qualidades são comercialmente usadas na indústria de cerveja, vinho e panificação. Saccharomyces cerevisiae é a cepa mais comum usada para fins industriais. Em termos de gêneros de deterioração de alimentos, a Candida desempenha um papel importante. Está localizada na mucosa humana e animal (nariz e garganta). A palavra mofo é comumente usada para a parte visível dos fungos presentes na superfície de alimentos contaminados. Sob a superfície, os fungos formam o micélio que não pode ser reconhecido a olho nu. Bolores específicos, bem 37 como leveduras, são utilizados para fins industriais (por exemplo, a produção de queijo). Gêneros nocivos de fungos também existem e são capazes de produzir toxinas (micotoxinas). Quase todos os bolores têm um potencial alergênico relacionado às suas capacidades de formar esporos. A levedura e os fungos sobrevivem em uma ampla variedade de condições: pH 2-9; temperaturas de 5 a 35°C; e uma Aw de 0,85 ou menos. Como indicadores de qualidade, eles podem ser usados para avaliar a aceitabilidade de ingredientes, como características organolépticas, estabilidade e vida de prateleira de um produto. Leveduras osmofílicas podem crescer a uma Aw tão baixa quanto 0,65 e são utilizadas como indicadores em alimentos com baixa Aw, tal como doces, xaropes e concentrados de suco. Leveduras e fungos são identificados pelo procedimento de contagem de placas com meio ágar, geralmente suplementado com agentes inibidores para crescimento de bactérias. Os agentes seletivos mais comumente usados na contagem de levedura e bolores são cloranfenicol e diclorano. As placas são inoculadas por espalhamento e, em seguida, são incubadas em 28°C por 3 a 7 dias. Além disso, a contagem de bolores Howard é aplicada para detectar a inclusão de material mofado em conservas de frutas e geleias, preservar produtos de tomate, bem como avaliar a condição sanitária de processamento em fábricas de conservas. O método de contagem de bolores baseado em Howard é avaliado com base na presença ou ausência de hifas, com observação em microscópios (JAY; GOLDER; LOESSNER, 2005; GERBA, 2015; JHA, 2016). 4.1 Análise de Risco e Pontos Críticos de Controle O risco é uma “[...] combinação da frequência, ou probabilidade, e da(s) consequência(s) da ocorrência de uma situação de perigo específica” (BERTOLINO, 2010, p. 297), ou seja, é uma estimativa da probabilidade e gravidade dos efeitos adversos à saúde em populações expostas que podem resultar de um perigo alimentar. A legislação brasileira estabelece alguns parâmetros considerados 38 como riscos toleráveis para os riscos biológicos, físicos e químicos (VENTURINI, 2019). O sistema APPCC envolve uma análise completa dos perigos nos sistemas de produção, manuseio, processamento e consumo de um produto alimentício. Ele é amplamente reconhecido como o melhor método para garantir a segurança do produto e está se tornando internacionalmente reconhecido como uma ferramenta para controlar os riscos de segurança de origem alimentar (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS, 2011; FORSYTHE, 2013). Esse sistema tem uma abordagem sistemática e científica do controle de processos, projetado para evitar a ocorrência de falhas, garantindo que os controles sejam aplicados nas etapas de processamento em que possam ocorrer riscos ou situações críticas. Para isso, o sistema APPCC combina informações técnicas atualizadas com procedimentos detalhados para avaliar e monitorar o fluxo de alimentos em um serviço de alimentação coletiva. O sistema é baseado em sete princípios: 1. Realizar uma análise de perigo. 2. Determinar os pontos críticos de controle. 3. Estabelecer os limites críticos. 4. Estabelecer um sistema para monitorar o controle de cada ponto crítico de controle. 5. Estabelecer a ação corretiva a ser tomada quando o monitoramento indicar que um ponto de controle crítico específico não está sob controle. 6. Estabelecer procedimentos de verificação para confirmar que o sistema APPCC está sendo realizado de maneira efetiva. 7. Estabelecer documentação referente a todos os procedimentos e registros apropriados a esses princípios e sua aplicação (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS, 2011). A implementação do sistema APPCC necessita da disponibilidade de um certo nível de recursos financeiros para investir na infraestrutura e garantir as operações. Além disso, deve haver um número suficiente de pessoas qualificadas 39 e que compreendam os princípios do sistema APPCC e a importância de implementá-lo. Esses fatores são geralmente uma restrição para a implementação, especialmente em pequenas e médias empresas (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS, 2011). https://agenciabrasilia.df.gov.br 4.2 Risco tolerável O risco tolerável é considerado aquele “[...] risco que foi reduzido a níveis que podem ser suportados pela organização, considerando-se suas obrigações legais e sua política do sistema de gestão integrado. É tolerável o risco na perspectiva da segurança dos alimentos quando não existe risco à saúde do consumidor” (BERTOLINO, 2010, p. 297). Em outras palavras, risco tolerável é um nível adotado após este ser considerado seu impacto na saúde pública por uma equipe de experts, então, é realizada a viabilidade tecnológica e as implicações que este tem na sociedade e na economia, quando comparado com outros riscos que https://agenciabrasilia.df.gov.br/ 40 fazem parte da vida cotidiana da população (RASPOR; JEVSNIK; AMBROžIC, 2016). A exemplo, a RDC nº. 12, de 2001, descreve os limites toleráveis de microrganismos que podem ser encontrados nos mais diversos grupos de alimentos, considerando que valores encontrados acima do tolerável podem causar uma DTA (VENTURINI, 2019). 4.3 Risco químico O risco químico refere-se a qualquer agente químico presente de ocorrência natural ou adicionado em um alimento e que tem potencial para produzir efeitos adversos à saúde ou que tenham propriedades inerentes para causar danos. Os riscos químicos abrangem uma ampla gama de contaminantes químicos ou produtos químicos que podem estar presentes, por exemplo, em embalagens e, em razão do contato com o alimento, irão contaminá-lo. Outra forma de contaminação é por meio de produtos químicos utilizados para limpeza e desinfecção de ambientes, equipamentos e utensílios, pois poderão entrar em contato com o alimento (FORSYTHE, 2013). a) Compostos tóxico presentes naturalmente no alimento e que têm capacidade de causar alergias ou outros danos no indivíduo, como as aflotoxinas e as toxinas de moluscos. b) Uma substância química ou uma combinação de vários compostos químicos que podem ter sido intencional ou não intencionalmente adicionados aos alimentos durante alguma das etapas da cadeia produtiva. Fazem parte deste grupo agentes químicos como pesticidas e fungicidas, produtos usados para lubrificar equipamento e agentes de limpeza e de desinfecção. Os riscos químicos podem vir de várias fontes e podem ser introduzidos nos alimentos em diferentes pontosda cadeia alimentar, indo da fazenda para a mesa. 41 Eles podem ser amplamente classificados de acordo com a forma como são introduzidos na produção de alimentos da seguinte maneira: ▪ ingredientes; ▪ materiais de embalagem; ▪ equipamento de contato com o produto e a superfície da máquina; ▪ práticas operacionais e ambiente de processamento; ▪ contaminantes induzidos pelo processo (DAOLERT, 2019). 4.4 Risco físico Os riscos físicos são matérias estranhas que geralmente não fazem parte do alimento, indicam uma possível condição insalubre durante o processamento, a produção, o armazenamento e a distribuição de alimentos, além de serem prejudiciais quando esses materiais chegam ao corpo, podendo levar a uma série de problemas de saúde, incluindo ferimentos. Os materiais estranhos presentes nos alimentos podem ser considerados perigosos em razão da sua constituição, incluindo dureza, nitidez, tamanho e forma, os quais podem causar lesões e perfurações ou até mesmo levar à asfixia (FORSYTHE, 2013). 4.5 Os riscos físicos estão classificados em duas categorias, quais sejam. ▪ Inevitáveis: os alimentos contêm diferentes materiais estranhos que podem surgir durante o processamento ou mesmo como subproduto, que são inerentes à natureza, por exemplo sujeiras em batatas, restos de fragmentos de insetos em frutas, etc. ▪ Evitáveis: materiais estranhos que aparecem nos alimentos em razão da manipulação inadequada ou da ausência de boas práticas de higiene e podem 42 ser evitados, como presença de plásticos, joias, fragmentos de vidro, pedras e restos de animais. ▪ Em algumas situações pode ocorrer a formação de cristais em alimentos como queijos e molhos de peixe. Esses são formados pelo próprio processo de produção do alimento, mas para que seja possível verificar se realmente são cristais minerais e não fragmentos de vidro, deve-se colocar os alimentos em vinagre aquecido ou suco de limão. Se os cristais se dissolverem, significa que foram formados no processo de fabricação do alimento e não apresentam risco a saúde (SINGH et al., 2019) 4.6 Risco biológico Diferentemente dos riscos físicos e químicos, os riscos biológicos são constituídos por microrganismos ou substâncias produzidas por seres vivos, que, ao encontrarem um ambiente favorável em um determinado alimento, irão crescer e se multiplicar. São considerados um grande perigo para o bem-estar do ser humano, pois causam a maioria dos surtos de DTAs. Os riscos biológicos podem ser incorporados aos alimentos/água diretamente do meio ambiente, ou por meio de práticas de higiene ou contaminação cruzada durante o transporte, a manipulação, o processamento, o armazenamento e a distribuição de alimentos. São considerados como riscos biológicos bactérias, fungos, parasitas e vírus patogênicos (SINGH et al., 2019). 43 Para garantir que o consumidor tenha acesso a alimentos seguros, que não causem nenhum tipo de dano, estando livre de riscos químicos, físicos e biológicos, é necessário que os estabelecimentos que participam de todas as etapas do processo produtivo de um alimento incluam medidas de segurança dos alimentos, devendo ser aplicadas desde a produção dos alimentos no campo até a distribuição para o consumidor final. A Organização Mundial da Saúde descreve que um alimento produzido de maneira segura segue três estágios, sendo estes usados para garantir a segurança dos alimentos (FORSYTHE, 2013; SINGH et al., 2019). Resíduos de drogas Migração de compostos e soluções de limpeza Alergênicos endósporos de endósporos domaico, ácido 44 1. Boas práticas de higiene: práticas de higiene que devem ser seguidas durante os processos de produção e distribuição e têm como finalidade reduzir a prevalência e a concentração dos perigos nos alimentos. 2. Análise de perigo e pontos críticos de controle (APPCC): metodologia usada para agir preventivamente na identificação e no controle dos perigos. 3. Avaliação, gerenciamento e comunicação dos riscos: metodologia que foca nas consequências que são geradas quando ocorre a ingestão de perigos (microbiológicos, físicos e químicos) e no estabelecimento dos perigos em toda a cadeia alimentar (BERTOLINO, 2010). Essas ferramentas quando, implementadas, garantem um alimento seguro para o consumidor, garantindo a segurança alimentar (VENTURINI, 2019).. 4.7 Doenças transmitidas por alimentos (DTAs) As DTAs são consideradas como um grave problema de saúde pública, no Brasil e no mundo. Essas doenças podem ser causadas por diversos microrganismos patogênicos (CAMARGO, 2019). A Figura 4 apresenta os principais agentes etiológicos responsáveis por surtos de DTA no Brasil entre os anos de 2000 e 2015, sendo grande a prevalência de surtos de contaminações por bactérias, seguidos pelas contaminações por vírus (CAMARGO, 2019). 45 As DTAs podem ser identificadas quando uma ou mais pessoas apresentam sintomas similares, após a ingestão de alimentos contaminados com microrganismos patogênicos, suas toxinas e/ou por substâncias químicas tóxicas (CAMARGO, 2019). O alimento contaminado, diferente do alimento deteriorado, não apresenta diferenças de cor, odor ou sabor. Portanto, a contaminação não leva a alterações organolépticas no alimento, dificultando sua identificação. Isso ocorre devido à dose infectante de patógenos alimentares geralmente ser menor que a quantidade de microrganismos necessária para degradar o alimento (CAMARGO, 2019). Os surtos de DTAs podem ser investigados através da identificação etiológica laboratorial, exames clínicos, bromatológicos ou por critérios epidemiológicos. Por esses métodos, é possível obter conclusões sobre seus agentes etiológicos, veículos, locais de ocorrência e demais características pertinentes (CARMO et al., 2005). Muitos dos casos de DTAs não são notificados à vigilância sanitária e muitas vítimas não procuram atenção médica porque muitas vezes os sintomas são brandos, dificultando o fornecimento de estatísticas mais fidedignas. No Brasil, os surtos notificados geralmente se restringem àqueles que envolvem maior número Shigella spp. 46 de pessoas ou quando a duração dos sintomas é mais prolongada (CARMO et al., 2005). Outra situação que dificulta a notificação das DTAs é a confusão dos sintomas com outros problemas de saúde. Os sintomas mais comuns são dor de estômago, náusea, vômitos, diarreia e, às vezes, febre. A duração dos sintomas pode variar de poucas horas até mais de cinco dias. Conforme o agente etiológico envolvido, o quadro clínico pode ser mais grave e prolongado, apresentando desidratação grave, diarreia sanguinolenta, insuficiência renal aguda e insuficiência respiratória, entre outros (CAMARGO, 2019). A Figura 5 mostra os principais sinais e sintomas gerados pelas DTAs no Brasil, entre os anos de 2007 e 2016, estando a diarreia presente em mais de 29% dos casos. Com estes dados, é possível traçar um perfil epidemiológico no Brasil para propiciar futuras ações preventivas em saúde pública (CAMARGO, 2019). Entre os fatores que influem sobre a gravidade dos sintomas, podemos destacar: estar em grupos com sistema imunológico mais sensível, tais como Neurológicos 47 crianças, gestantes ou idosos; quantidade de contaminantes no alimento; a quantidade de alimento contaminado ingerido (CAMARGO, 2019). Os microrganismos patogênicos podem contaminar a cadeia produtiva de diversas formas e em diferentes etapas de manipulação, produção ou armazenamento do alimento (CAMARGO, 2019). Os
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