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Unidade I Inclusão e Libras Libras © by Editora Telesapiens Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora Telesapiens. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Libras Elton Castro Rodrigues dos Santos O AUTOR Elton Castro Rodrigues dos Santos Olá a todos! Meu nome é Elton Castro Rodrigues dos Santos, mas podem me chamar apenas de Elton Castro. Sou Bacharel em Administração (ICE) e Licenciado em Pedagogia (UFMT), Especialista em Educação Inclusiva – Libras (IFMT), Mestrado (UFMT) e Doutorado (Unesp) em Educação. Atualmente, estou no último semestre da Licenciatura em Letras Libras na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Tenho experiência docente em há mais de 17 anos na Educação e pude ministrar aulas na Educação Básica, Educação Profissionalizante, Educação Superior e Pós- Graduação. Atuei em diferentes instituições, como Secretaria Municipal de Educação (MT); Senai; UFMT; IFMT; Unemat; UAB; ICEC; Faspec. Sou apaixonado por estudar e busco sempre compartilhar o conhecimento da minha experiência de vida com aqueles que estão iniciando em suas profissões. Por isso fui convidado pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo! ICONOGRÁFICOS Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: INTRODUÇÃO: para o início do desenvolvimento de uma nova compe- tência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamen- to do seu conheci- mento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou dis- cutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últi- mas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma atividade de au- toaprendizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; SUMÁRIO Educação Inclusiva ....................................................................................10 Igualdade nas diferenças .......................................................................................................... 13 Inclusão da pessoa surda no sistema educacional brasileiro ........................ 15 História da Educação de Surdos no Brasil e no Mundo ..............19 Pedro Ponce de Leon e a educação dos surdos..................................................... 21 Educação do surdo no Brasil ..................................................................................................23 Aspectos legais da Libras enquanto Língua .................................. 26 Inclusão de Pessoas Surdas na Escola Regular ........................... 30 Formação de professores para educação de surdos ..........................................35 Salas de recursos multifuncionais nas escolas ........................................................37 Cultura surda no Brasil ............................................................................................................... 40 7 UNIDADE 01 Libras 8 INTRODUÇÃO Você sabia que somente em 2002 a Língua Brasileira de Sinais (Libras) foi oficializada legalmente no Brasil como meio de comunicação e expressão da pessoa como deficiência auditiva e/ou surda? Por isso, a discussão sobre inclusão dessa modalidade linguística no currículo das escolas públicas tem ganhado força e avança cada vez mais rumo à garantia de direitos para esse grupo na sociedade. Dessa forma, é necessário dialogarmos sobre os acontecimentos que antecederam o surgimento dessa Lei. Nesta unidade você poderá trilhar caminhos que perpassam o conceito de inclusão, identificar os meandros da história da educação dos surdos no Brasil, conhecer as legislações pertinentes da Libras e refletir sobre a inserção da pessoa surda na escola regular. Ao longo desta unidade letiva você vai mergulhar neste universo! Libras 9 OBJETIVOS Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 1. Nosso propósito é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes objetivos de aprendizagem até o término desta etapa de estudos: 1. Compreender o processo de inclusão do surdo no sistema educa- cional e a luta por garantia de direitos sociais. 2. Identificar os meandros da história da educação de surdos no Brasil e a quebra de preconceitos sociais e educacionais no país; 3. Aplicar as legislações norteadoras das ações no entorno da Libras; 4. Refletir sobre a inserção da pessoa surda na escola regular e o contexto em que ela ocorre na atualidade. Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao trabalho! Libras 10 Educação Inclusiva INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo você será capaz de compreender o processo de inclusão da pessoa surda no sistema educacional e a luta por garantia de direitos sociais. Isso será fundamental para entender que esse processo traduz uma história marcada por prevalência da exclusão e negação da oportunidade de acesso à educação. Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Você conhece a Declaração dos Direitos Humanos de 1948? Esse documento norteia as discussões sobre inclusão ao determinar, em seu artigo 1º, que: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” (UNESCO, 2019, p. 1). Diante disso, todas as pessoas, com deficiência ou não, têm os mesmos direitos e, assim, todo e qualquer tipo de preconceito não deve ser tolerado. Antes de iniciarmos nossas considerações sobre a inclusão de pessoa com deficiência na sociedade, trataremos de um termo muito importante: exclusão. Antunes (2014) esclarece que em 1990 aconteceu, na Tailândia, a Conferência Mundial de Educação para Todos, que fortaleceu o debate sobre a inclusão de pessoas com deficiência no cenário educacional. Após esse evento ocorreu outro: a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais e Especiais: Acesso Acessibilidade, ocorrida em Salamanca, em 1994, que mudou os rumos dessa discussão e estabeleceu para diferentes países, como o Brasil, um norte para ações relacionadas à pessoa com deficiência. Esse segundo evento deu origem à Declaração de Salamanca, a qual “[...] estabeleceu que os Estados assegurem que a educação de Libras 11 pessoas com deficiências seja parte integrante do sistema educacional” (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p. 1). Figura 1: Somar inteligências para lutar por igualdade de direitos Fonte: Freepik A luta por igualdade de direitos, em sua totalidade, muitas vezes parece um quebra-cabeça, pois perpassa inúmeras instâncias e muitos momentos complexos para sua efetivação, como condições econômicas, culturais, educacionais entre outras. Como se pode requerer direitos se não se sabe da existência deles? Somente a Educação poderá transformar o mundo. Por isso, vários encontros foram realizados a fim de garantir esse direito a todas as pessoas. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 fortaleceu as discussões em torno da problemáticaestabelecida na Declaração de Salamanca e determinou, já no seu art. 1º, que os seres humanos “[...] nascem livres e são iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (Unesco, 1948, p. 2). As pessoas com deficiência também são seres humanos e por isso seus direitos devem ser respeitados. No art. 3º, essa declaração derruba as implicações estabelecidas pelas barbaridades acometidas e descritas nas histórias contra as pessoas Libras 12 que nasciam com deficiência, pois estabelece que “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (Unesco, 1948, p. 3). A Declaração Universal dos Direitos Humanos marca a singularidade das pessoas e o livre arbítrio de escolher seu caminho, pois “[...] tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito incluído a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras” (Unesco, 1948, p. 4). A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi um importante documento para se reafirmar o direito da pessoa com deficiência à educação, tendo suas necessidades educacionais satisfeitas por metodologias que promovam a aprendizagem. O debate sobre inclusão educacional ocorreu em Salamanca. De acordo com os escritos na Declaração de Salamanca (1994, p. 1) participou do evento um conjunto de 88 governos e 25 organizações internacionais que debateu sobre os direitos de todas as pessoas à educação, e não poderiam ficar fora desse contexto: “[...] crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino e reendossamos a Estrutura de Ação em Educação Especial, em que, pelo espírito de cujas provisões e recomendações governo e organizações sejam guiados”. É importante perceber que a exclusão aparece implícita no contexto descrito, pois se discutia sobre a inclusão de pessoas com deficiência na escola regular, uma vez que não era permitido que essas pessoas a frequentassem. Antunes (2014, p. 65) enfatiza que “a exclusão é um fenômeno social, cuja origem pode ser encontrada nos mesmos princípios que nortearam a construção da sociedade moderna”. O processo de exclusão, ainda nas palavras da autora, “foi disseminado na sociedade pela predominância de valores e práticas que reforçam marginalização e preconceitos em relação aos ‘diferentes’, dentre os quais estão as pessoas com deficiência” (ANTUNES, 2014, p. 66). Santos e Teles (2012, p. 78) explicam que, em geral, os países, estabelecem uma postura de negação dos direitos da pessoa com Libras 13 deficiência “[...] de segregação e exclusão, os indivíduos são simplesmente ignorados, abandonados e muitas vezes até mesmo assassinados, devido a sua diferença do conceito de normalidade”. Diante da explicação, o conceito de exclusão está associado à privação de indivíduo e/ou grupos do acesso a diferentes estruturas presentes na sociedade, entre elas a escola. Isso porque as estruturas sociais não aceitam a pessoa com deficiência como sujeito de direito, pois este, na visão equivocada da sociedade, não tem condições de cuidar de si e precisa da ajuda de outras pessoas. O grande desafio que se estabeleceu no evento em Salamanca não foi a questão de incluir o educando com deficiências, mas sim o que deveria ser feito a partir do momento em que o aluno estivesse na escola. “O desafio que confronta a escola inclusiva é no que diz respeito ao desenvolvimento de uma pedagogia centrada na criança e capaz de bem-sucedidamente educar todas as crianças, incluindo aquelas que possuam desvantagens severas” (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p. 4). Por isso, compreende-se que a Declaração de Salamanca foi o início de uma Educação Inclusiva, pois trouxe à cena o debate sobre as particularidades exigidas para a efetivação do processo de inclusão. Igualdade nas diferenças A Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Declaração de Salamanca são marcos históricos na defesa de direitos da pessoa com deficiência, mas outros eventos foram realizados em todo o mundo para buscar a equidade social. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi um desses eventos. O objetivo da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência “[...] é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente” (BRASIL. 2007, p. 16). Consideram-se pessoas com pessoas com deficiência as que possuem “[...] impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, Libras 14 intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas” (BRASIL. 2007, p. 16). A Convenção apregoa normativas que fortalecem os direitos das pessoas com deficiência e determina que não pode ser aceito qualquer tipo de discriminação. Isso ficou muito evidente no art. 2º, que descreve o significado da ação de discriminação por motivo de deficiência dizendo que esta [...] significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável. (BRASIL. 2007, p. 18) A Convenção estabelece, no art. 3º, como princípios: “dignidade, autonomia individual, liberdade de fazer as próprias escolhas, participação e inclusão na sociedade, respeito às diferenças, igualdade de oportunidades, acessibilidade, não discriminação de gênero” (BRASIL. 2007, p. 18). Para efetivação desses princípios, ficaram expressas na convenção recomendações para sensibilização quanto aos direitos das pessoas com deficiência, o que foi concretizado no artigo 9º, que trata da acessibilidade como forma de proporcionar independência à pessoa com deficiência e participação ativa na sociedade. A acessibilidade promove meios para efetivar a “igualdade de oportunidades com as demais pessoas ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive a sistemas e tecnologias da informação e comunicação [...]” (BRASIL. 2007, p. 21). Dessa forma, não é a pessoa com deficiência que deve se adaptar à sociedade, mas sim esta deve oferecer meios para que exista mobilidade e acesso às estruturas sociais, como as demais pessoas sem deficiência, Libras 15 pois “[...] todo ser humano tem o direito à vida e todas as medidas necessárias serão tomadas para assegurar o efetivo exercício desse direito pelas pessoas com deficiência, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas” (BRASIL. 2007, p. 21). O direito de ir e vir deve ser respeitado em sua essência. Nessa conferência também ficou determinado que devem existir intérpretes profissionais da língua de sinais para atendimento à pessoa surda em diferentes instituições, principalmente na escola. Iniciamos esta conversa mostrando um cenário geral para que a inclusão de pessoas com diferentes deficiências aconteça nas estruturas sociais. Com base nessas reflexões, vamos salientar a inclusão de pessoas surdas e a Língua Brasileira de Sinais (Libras), tema de nossa disciplina. Inclusão da pessoa surda no sistema educacional brasileiro Uma conquista que temos que conhecer foi a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que estabelece a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência ou, como é conhecida, o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Essa Lei assegura, a partirdo que foi estabelecido na Convenção sobre os Direitos das Pessoas, “[...] condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (BRASIL, 2015, p. 1). Em seu art. 3º, preconiza que se deve possibilitar a comunicação como forma de interação com as pessoas e com o mundo. Por isso, estabelece que essa comunicação deve ser possibilitada por meio da “Língua Brasileira de Sinais (Libras), a visualização de textos, o Braille, o sistema de sinalização ou de comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos multimídia, assim como a linguagem simples, escrita e oral [...]” (BRASIL, 2015, p. 1). No art. 28, ressalta a incumbência do poder público para a “oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas”. Libras 16 Figura 2: Chega de discriminação Fonte: Freepik O deficiente auditivo e/ou surdo deve lutar contra os preconceitos sociais e buscar seus direitos educacionais. Para isso, a política de inclusão não pode permanecer somente nos registros e no mundo das ideias. Ela deve ser efetivada em todos os setores da sociedade. Mas você sabe definir o que é surdez? O Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, trouxe definições importantes ao conceituar, em seu artigo 4º, o que seria considerado deficiência auditiva e/ou surdez: “perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras, variando de graus e níveis na forma seguinte: a) de 25 a 40 decibéis (db) – surdez leve; b) de 41 a 55 db – surdez moderada; c) de 56 a 70 db – surdez acentuada; d) de 71 a 90 db – surdez severa; e) acima de 91 db – surdez profunda, f) anacusia (perda completa da audição. Pode ocorrer em um ou em ambos os ouvidos)” (BRASIL, 1999, p. 1). Diante do explicitado você deve compreender que ser deficiente auditivo não é a mesma coisa que ser surdo. O deficiente auditivo ouve, Libras 17 mesmo que minimamente, e alguns usam aparelhos para aumentar os decibéis (dB) da audição. A pessoa surda teve perda total da audição por isso não escuta nada. SAIBA MAIS: Para entender mais sobre a Educação dos Surdos clique aqui. Além desse decreto temos outras duas legislações importantes para a educação do surdo. São a Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989. A primeira, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, norteia as ações educacionais no Brasil e a segunda Lei complementa a LDB no que tange aos direitos individuais e sociais das pessoas com deficiência. Como você pode perceber, a legislação garante a inclusão da pessoa com deficiência no sistema educacional, mas só se efetiva se os seguimentos escolares compreendem o sentindo amplo da expressão “Educação Inclusiva”. A Educação Inclusiva pode ser definida como sendo uma “[...] prática da inclusão de todos – independentemente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou cultural – em escolas e salas de aula provedoras, onde as necessidades desses alunos sejam satisfeitas” (STAINBACK; STAINBACK, 1999, p. 21). Não se pode aceitar a ideia de que a inclusão seja somente a questão de acessibilidade na escola. Todas as necessidades educacionais devem ser observadas e satisfeitas para crescimento cognitivo do educando. A legislação brasileira garante o acesso de pessoas com deficiência às escolas regulares e regulamenta o processo de inclusão de maneira a atender às necessidades educacionais especiais de cada estudante, sendo deficientes auditivos, surdos ou ouvintes. Ao negar esse direito a escola estará infringindo as normativas legais e deve ser acionada pelo Ministério Público. Portanto, a educação é um Direito inalienável do cidadão brasileiro. Libras https://bit.ly/2QRmggc 18 A luta por direitos perpassa vários cenários sociais, mas ganha força por meio da aprovação de legislações que garantam o acesso das pessoas com deficiência audita ou surdez à escola. Agora que você conhece as principais legislações educacionais vamos avançar mais um pouco para entendermos cada vez mais a Libras no Brasil. RESUMINDO: Neste capítulo você teve acesso às legislações e aos eventos importantes para entendermos a história da educação da pessoa com deficiência. Adentramos também em nossa temática principal: a Libras. Para isso iniciamos os estudos sobre a educação da pessoa surda, mostrando que as legislações educacionais brasileiras garantem o acesso desta à educação, mas que ainda é uma bandeira de luta, já que essas legislações ainda não foram efetivadas em sua essência e a inclusão no Brasil continua sendo um sonho a ser realizado. Libras 19 História da Educação de Surdos no Brasil e no Mundo INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo você será capaz de entender os acontecimentos que marcaram a história da Educação dos surdos no mundo, com foco especial no Brasil. Isto será fundamental para iniciar nossa viagem para aquisição de conhecimentos sobre a Libras. Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Você agora já sabe o que é surdez e as legislações que contribuem para inclusão do surdo no sistema educacional. Agora vamos entender como ocorreram as reflexões sobre o ensino da pessoa deficiente auditiva e/ou surda no país. Quais eram as maiores dificuldades? O surdo era visto como uma pessoa com capacidade de aprender? Quais os mitos envolvidos da pessoa surda? Figura 3 – Deficiente auditivo e/ou surdo Fonte: Freepik Para trilharmos os caminhos da Educação do surdo no Brasil, precisamos retomar o passado para poder compreender que os Libras 20 preconceitos vivenciados em nosso país, que nasceram há muitos anos e foram repassados de geração para geração. Os estudos de diferentes autores mostram que a pessoa surda, durante a história, passou de amaldiçoada a ligada a divindades, depois a cidadã de direito. Assim, iniciamos nossa trajetória com ações relacionadas ao surdo na antiguidade. Na antiguidade os surdos eram considerados pessoas incapazes (inúteis), até mesmo de cuidarem de si. Apropriaram-se dessa ideologia e a apreenderam “[...] como se fosse verdade absoluta e a tenha absorvido exatamente como lhes foi dito, isto é, que eles eram deficientes, menos válidos, incapazes [...]” (PERLIN, 2002, p. 16). Percebe-se que muitos familiares de pessoas surdas ainda acreditam nessa ideologia. Alguns povos, como os hebreus, acreditavam que era vontade de Deus que uma pessoa nascesse surda e muda, sendo considerado um castigo a essa pessoa por maus feitos cometidos pelos seus pais. Por isso, a pessoa surda era excluída do convívio familiar e social, segregada a uma vida de solidão e sem direito à Educação (PALAZZO; MORAES, 2017). Palazzo e Moraes (2017), em uma retrospectiva história sobre a educação dos surdos, ressaltam que Sócrates (470-399 a.C.) acreditava que o surdo deveria utilizar gesto e mímica para se comunicar. Já Aristóteles (384-322 a.C.) acreditava que o fato de a pessoa não ouvir influenciava diretamente no aprendizado ou na falta deste, pois o pensamento estava diretamente ligado à palavra e sem ela não havia pensamento. O pensamento de Aristóteles (384-322 a.C.) se multiplicou e em Roma era “[...] comum lançarem as crianças surdas (especialmente as pobres) ao rio Tibre, para que fossem cuidadas pelas ninfas” (PALAZZO; MORAES, 2017, p. 12). SAIBA MAIS: Ninfas pertencem à Mitologia Grega e são figuras femininas, consideradas filhas de Zeus. Clique aqui para saber mais. Libras https://bit.ly/31ONoD5 21 Souza (2016, p. 60) acrescenta que os nascidos surdos eram atirados no penhasco com o objetivo de limpar a sociedade de sujeitos imperfeitos e doentes do convívio com pessoas “perfeitas”. “Eram maltratados, humilhados e violentados em todos os sentidos:psicológico, intelectual, linguístico, físico e tantos outros que de igual modo denigrem o ser humano”. IMPORTANTE: No século I, a Igreja Católica considerava os surdos como sendo pessoas sem alma e, com isso, negava-lhes o direito à religião, consequentemente ao sacramento e à salvação da alma. Na antiguidade houve muitos momentos difíceis para os surdos. De acordo com Goldfeld (2001, p. 24), “[...] foram percebidos de formas variadas: com piedade e compaixão, como pessoas castigadas pelos deuses ou como pessoas enfeitiçadas, e por isso eram abandonadas ou sacrificadas”. Pedro Ponce de Leon e a educação dos surdos Na Idade Moderna até o Século XXI, houve mudanças significativas na educação dos surdos, pois houve investimento na saúde e na educação para atender a esse grupo da sociedade. Nesse período surgiu uma figura importante para entendermos a educação da pessoa surda: Bartolo Della Marca d’Ancona (1314-1357). Bartolo era advogado e escritor do século XIV e em seus estudos considerava a possiblidade de comunicação dos surdos por meio da língua de sinais, a que ele chamava de “linguagem gestual” (OLIVIERA et al., 2016). Palazzo e Moraes (2017, p. 14) relatam a existência de um o médico que contribuiu para o avanço na garantia de direitos educacionais dos surdos: Girolano Cardano, que “afirmou que os surdos poderiam ser ensinados. Ele passou a se interessar pela surdez porque seu primogênito Libras 22 era surdo”. Isso, segundo as autoras, ocorreu na mesma época em que o espanhol Pedro Ponce de Leon iniciava seus trabalhos com surdos da elite. ACESSE: A luta da comunidade surda. Clique aqui para acessar. Duarte (2009, p. 21) esclarece que “[...] Pedro Ponce de León (1520- 1584) foi um monge beneditino que recebeu créditos como primeiro professor para surdos. Ponce de León estabeleceu uma escola para surdos no Mosteiro de San Salvador, em Ona Burgos”. León utilizava de alfabetos manuais para ensinar as crianças. Diferentes tentativas de educar os surdos nasceram em todo o mundo, mas foi na França que ocorreu a experiência mais conducente que transformou a vida educacional das pessoas surdas. Charles Michel de L’Épée, conhecido como o pai dos surdos, “[...] fundou a primeira escola pública para surdos, que tinha como objetivo que aprendessem a ler e a escrever” (PALAZZO; MORAES, 2017, p. 16). Figura 4: Língua de sinais Fonte: Freepik Libras https://bit.ly/2Do1rGn 23 O trabalho desenvolvido por De L’Épée era além do ato educativo, pois ele recolhia “[...] surdos abandonados nas ruas de Paris, abrigava-os numa instituição por ele fundada e mantida e percebeu a comunicação desenvolvida pelos acolhidos entre si” (OLIVIERA et al., 2016, p. 8). Por conviver com os surdos, começou a aprender a se comunicar com eles e reconheceu, com isso, que existia uma língua, mas sem gramática definida. Palazzo e Moraes (2017, p. 16) descrevem que De L’Épée observava “[...] a comunicação gestual existente entre as duas irmãs, interessou- se em aprendê-la e buscou sistematizar o ensino desses sinais (sinais realizados na gramática do francês)”. Lopes (2007, p. 44) esclarece que a proposta de educação de surdos criada por De L’Epée contribuiu “[...] como condição de possibilidade para que muitos surdos se articulassem numa comunidade surda e para que a modalidade linguística desse grupo pudesse ser reconhecida como uma forma de comunicação e um método de aprendizagem”. Educação do surdo no Brasil A história da comunidade surda no Brasil foi marcada por tardios reconhecimentos e garantias de direitos. O que mais impressiona é o fato de os acontecimentos serem contados por ouvintes. Isso demarca um cenário de abandono e de não acesso à educação, pois se as pessoas surdas tivessem as mesmas oportunidades, escreveriam a própria história. De acordo com Perlin e Miranda (2003, p.217), “[...] olhar a identidade surda dentro dos componentes que constituem as identidades essenciais com as quais se agenciam as dinâmicas de poder. É uma experiência na convivência do ser na diferença”. Strobel (2008), em seus estudos sobre a história da educação dos surdos no Brasil, ressalta um fato importante para demarcar o tempo histórico dessa trajetória, dizendo que houve uma iniciativa para a educação da pessoa surda datada de 1857, isso porque na família imperial havia uma pessoa parcialmente surda, o Príncipe Luís Gastão de Orléans (Conde d’Eu), esposo da Princesa Izabel. A convite do Imperador D. Pedro Libras 24 II, chegou ao Brasil, em 1855, um professor francês surdo chamado Édouard Huet Merlo (1822-1882). O professor Édouard Huet possuía conhecimentos de como se ministravam aulas para pessoas surdas. Essa iniciativa desencadeou uma importante ação: a criação de uma escola para atendimento a esse grupo social. “No dia 26 de setembro de 1857 foi fundada a primeira escola para surdos no Rio de Janeiro, o ‘Imperial Instituto dos Surdos-Mudos’ que, depois de algumas alterações, hoje é denominado ‘Instituto Nacional de Educação de Surdos’ (INES)”. IMPORTANTE: A contribuição de Édouard Huet para a educação do surdo no Brasil se fortalece quando esse professor, surdo desde os 12 anos, entrega a D. Pedro II uma carta comem que demonstra sua intenção de fundar uma escola pública para a comunidade surda (STROBEL, 2008). Atualmente o INES é a mais conceituada instituição educacional para atendimento da pessoa surda. Outro marco para a garantia de direitos educacionais da pessoa surda foi expresso pela Carta Constitucional de 1988, sancionada em 22 de outubro do mesmo ano, em seu art. 6º, que todos os cidadãos brasileiros possuem o direito, entre outros, à educação, devendo o Estado prover esse direito (BRASIL, 1988). Os Artigos 206 e 208 determinam algo crucial para a educação da comunidade surda: os princípios de igualdade de condições não somente para o acesso às instituições de ensino, mas para permanência nelas, com gratuidade do ensino público (BRASIL, 1988). A Lei nº 9.394, conhecida com LDB, estabelece diretrizes para a educação no Brasil. Essa Lei foi sancionada em 20 de dezembro de 1996 e estabelece, no art. 59°, a necessidade de as instituições escolares desenvolverem métodos e técnicas que atendam às necessidades educacionais do educando (BRASIL, 1996). Essa Lei corrobora com a Libras 25 Constituição Federal do Brasil ao enfatizar que a Educação é um direito inalienável dos brasileiros, com deficiências ou não. RESUMINDO: Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que a história da pessoa surda foi marcada por lutar contra os preconceitos sociais e buscar seus direitos educacionais. Aprendeu que, no passado, a pessoa surda passou de amaldiçoada e jogada no abismo a ligada a divindades e depois a cidadã de direitos. Foi Pedro Ponce de Leon que percebeu a possibilidade de o surdo ser capaz de aprender e iniciou uma escola para surdos no monastério, mas foi Charles Michel de L’Épée, conhecido como pai dos surdos, que revolucionou a educação do surdo em todo mundo, inclusive no Brasil. Você compreendeu que nosso país seguiu o mesmo modelo dos demais e tratou o surdo como se fosse um doente, um incapaz de aprender, e apesar da aprovação de várias legislações estamos distantes da inclusão nas escolas regulares como demanda a legislação brasileira. Agora você está preparado para continuarmos nossa viagem no mundo da Libras? Vamos lá! Libras 26 Aspectos legais da Libras enquanto Língua INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo você será capaz de entender a legislação que consolidou a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como a língua utilizada pela pessoa surda para se comunicar e interagir com o mundo, bem como compreendê-lo. Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Você sabia que o art.18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, traz como garantia para o surdo ter um intérprete para promover a interação em diferentes momentos sociais? Essa lei foi criada para normatizar e estabelecer critérios para a promoção da acessibilidade para as pessoas com diferentes tipos de deficiências. Estabelece que fica a cargo do Poder Público criar e efetivar “[...] a formação de profissionais intérpretes de escrita em Braille, linguagem de sinais e de guias- intérpretes, para facilitar qualquer tipo de comunicação direta à pessoa portadora de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação” (BRASIL, 2000, p. 1). No Brasil, a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, foi muito aguardada pela comunidade surda, pois regulamentou a Libras como sendo a língua oficial da população surda no país. Essa legislação traz, em seu art. 1º: “É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e outros recursos de expressão a ela associados” (BRASIL, 2002, p. 1). Agora a comunidade surda tem garantida sua língua oficial no Brasil para se comunicar e se expressar livremente. De acordo com a Lei nº 10.436/02: “[...] a Libras é um sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria. Constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil” (BRASIL, 2002, p. 1). Agora você já conseguiu entender uma propriedade muito importante da Libras: ela é de natureza visual-motora. Como está Libras 27 determinado no art. 2º, o poder público deve garantir, juntamente com “[...] as empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil” (BRASIL, 2002, p. 1). Isso está escrito na legislação do país e deveria ser cumprido. No art. 4º fica estabelecido que os poderes federais, estaduais e municipais devem garantir a inclusão do ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras) “[...] nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior [...], como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), conforme legislação vigente”. REFLITA: Com a Constituição Federal do Brasil de 1988, a Lei nº 9.394/96, a Lei n. 10.098/2000 e a Lei n. 10.436/02, a inclusão da pessoa com deficiência, principalmente surdez, passou a ser cumprida nas escolas públicas? Depois de três anos de vigência da Lei nº 10.098/02, em 22 de dezembro de 2005 foi aprovado o Decreto nº 5.626, que regulamenta a Lei nº 10.436/02. Esse Decreto fez avançar muitos requisitos favoráveis à expansão da Libras regulamentada em 2002. Nele ficou estabelecido que “[...] considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais (Libras)” (BRASIL, 2005, p. 1). O decreto também fortalece e esclarece a prerrogativa da obrigatoriedade da disciplina de Libras na grade curricular dos cursos de licenciatura. “[...] nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério” (BRASIL, 2005, p. 1). Libras 28 ACESSE: Para saber mais sobre as prerrogativas do Decreto nº 5.626/05, clique aqui. Por mais que se tenham as legislações, a inclusão do surdo ainda não acontece como demandam as leis brasileiras. Para entendermos a inclusão da pessoa surda na escola de ensino regular: criança, adolescente ou adulto, vamos nos reportar aos estudos de Guarinello (et al., 2006) sobre a inclusão do aluno surdo no ensino regular sob o olhar dos professores de escolas da rede pública, os quais abordam temas importantes e levam à compreensão de que ainda há muito a mudar no país para que essa inclusão aconteça. A pesquisa teve como recorte o Estado do Paraná, mas descreve uma realidade muito atual no Brasil. Um dado importante apontado pela pesquisa é que os professores sempre têm como parâmetro de ensino-aprendizagem dos surdos a evolução dos alunos ouvintes, como “[...] se a entrada desse sujeito na linguagem escrita acontecesse da mesma forma que a do ouvinte. Como se os ouvintes aprendessem da mesma maneira” (GUARINELLO et al., 2006, p. 11). Os mesmos autores acrescentam: Para que haja inclusão do aluno surdo é necessário que as pessoas envolvidas no processo educacional façam um esforço, no sentido de se livrarem de modelos predeterminados de homem, de entenderem a importância de que o aluno realize suas próprias elaborações, que compartilhe suas dúvidas, suas descobertas e seu poder de decisão. (GUARINELLO et al., 2006, p. 13) Não há uma receita de como ministrar aulas para alunos surdos. O importante é que o professor e demais técnicos que convivam com esse aluno, saibam Libras para que haja comunicação e interação entre estes e o aluno com surdez. “A inclusão de surdos no ensino regular significa mais do que apenas criar vagas e proporcionar recursos materiais; requer uma escola e uma sociedade inclusivas, que assegurem igualdade de oportunidades a todos os alunos [...]” (GUARINELLO et al., 2006, p. 14). Libras http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm 29 Mendes, Figueiredo e Ribeira (2015, p. 33) corroboram com o estudo apresentado anteriormente e acrescentam que a inclusão “[...] não pode ser concebida como mera inserção, alocação, integração do aluno surdo no espaço escolar, mas como aquela que atente à diversidade e contemple conhecimentos sobre as especificidades de todos os alunos”. Não se pode aceitar a inclusão somente quando a escola pública oferta possiblidade de acesso à pessoa surda, pois esse processo é bem mais complexo que isso, requer práticas educativas diferenciadas, compromisso e respeito ao diferente, “[...] que apontam para qualidade das relações estabelecidas no espaço escolar, o domínio e o uso da Língua de Sinais pelos professores e interprete é condição necessária, porém não suficiente para que a inclusão seja bem-sucedida” (MENDES; FIGUEIREDO; RIBEIRA, 2015, p. 40). RESUMINDO: A luta da população surda perpassou gerações e mesmo a Constituição Federal de 1988 determina que essas pessoas têm direitos como qualquer outro cidadão. Essa prerrogativa foi muitas vezes negada, sendo a pessoa surda renegada a se isolar, como em outros países, não tendo oportunidade de estudar e se desenvolver cognitivamente. A criação do INES foi uma das maiores conquistas da comunidade surda, mas infelizmente não podia atender à demanda educacional da comunidade surda de todo o Brasil. Uma das maiores conquistas da comunidade surda foi a aprovação da Lei nº 10.436/02. Libras 30 Inclusão de Pessoas Surdas na Escola Regular INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo você será capaz de entender que a luta por Educação continua na vida da pessoa surda, pois há muitos obstáculos a ser transpostos para que tenha acesso à escola de maneira que lhe proporcione adquirir conhecimentos e se desenvolver como cidadã. Isto será fundamental para prosseguirmos em nossa viagem para aquisição de conhecimentos sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras). E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Quadros e Schmiedt (2006, p. 13) nos ajudam a iniciar essa discussão mostrando a importância das línguas e como elas “[...] expressam a capacidade específica dos seres humanos para a linguagem, expressam as culturas, os valores e os padrões sociais de um determinado grupo social”. Sem a Libras a educação da pessoa surdanão acontece, pois essa língua é “[...] utilizada nos espaços criados pelos próprios surdos, como por exemplo nas associações, nos pontos de encontros espalhados pelas grandes cidades, nos seus lares e nas escolas” (QUADROS, SCHMIEDT, 2006, p. 13). Figura 5: Escola, direito de todos Fonte: Freepik Libras 31 De acordo com Nunes et al. (2005, p. 538) temos que estar atentos para não atribuir a responsabilidade do processo de inclusão à pessoa com deficiência, pois assim retiramos a responsabilidade da sociedade e de organismos sociais (principalmente o Estado e a escola) “[...] dos processos de criação e reprodução dessa lógica perversa, que, no máximo, permite aos excluídos a possibilidade de uma adaptação junto aos modelos históricos, econômicos e culturais predominantes – ditos como ‘normais’”. É como se a pessoa surda, no caso de nosso estudo, fosse culpabilizada por não ouvir/escutar e fosse delegado a ela o inteiro sucesso ou insucesso nos processos sociais e educativos. Pode-se ainda apontar que a escola buscaria, nesse sentido, alunos “normais” e deixaria de fora os que tivessem uma “anomalia”. Como se a normalidade existisse e/ou o fato de não possuir deficiência pudesse definir uma pessoa normal. Por isso, necessitamos de uma educação seja realmente inclusiva e que promova a igualdade dentro da escola. São inúmeros obstáculos a serem superados para a inclusão de alunos surdos, pois eles têm: [...]além de desafios e de superação de barreiras físicas e adaptações curriculares, questões relacionadas à língua, como é o caso dos surdos. Uma pessoa surda pode ter grandes dificuldades para se comunicar com familiares e com a comunidade ouvinte em si. Isso faz com que muitas pessoas que têm relacionamento com um surdo procurem ter novas mudanças atitudinais como, por exemplo, buscar conhecer a Língua Brasileira de Sinais (Libras), que é a língua utilizada pela comunidade surda no Brasil. (GALETTO et al., 2016, p. 81) Uma questão a ser considerada na inserção da pessoa surda na escola regular é o reconhecimento, após aprovação da Libras como língua oficial do surdo, pela Lei n˚10.436/02, é que o português passou a ser considerado a segunda língua do surdo. “Assim, esses avanços tanto no campo científico como normativo e jurídico nos mostram que o surdo é capaz de ter acesso a qualquer conhecimento por meio da Libras” (NUNES et al., 2005, p. 539). Libras 32 Lodi (2012) acrescenta ao debate sobre a escola como espaço inclusivo da pessoa surda que esse espaço é privilegiado, mas o aluno deve ter contato com outras pessoas que sejam fluentes na Libras para assim proporcionar meios para o desenvolvimento delas. Outra questão apontada pela autora é que não há certeza quanto ao percentual de familiares desses alunos que também são surdos e aprenderam Libras, por isso o espaço escolar se torna um multiplicador de interlocutores dessa língua, “[...] privilegiados para a imersão de seus pares na língua de sinais, únicos capazes de interferirem ideologicamente, por meio dela, nos padrões culturais e de interpretação de mundo fundados nas relações com a linguagem” (LODI, 2012, p. 17). REFLITA: Se você viajasse para um país diferente do seu, com outra língua, desconhecida, e não conseguisse se comunicar, como se sentiria? O que tentaria fazer para sanar a dificuldade de comunicação? Agora tente se colocar no lugar da pessoa surda. Ela vive em seu país de origem, mas não sabe a língua portuguesa. Quando aprende a Libras a maioria das pessoas a sua volta não sabem essa língua. Como você se sente? Por isso, Quadros e Schmiedt (2006, p. 13) alertam que a escola deve tornar possível a coexistência da língua brasileira de sinais e da língua portuguesa, “[...] reconhecendo-as de fato atentando-se para as diferentes funções que se apresentam no dia a dia da pessoa surda que está se formando”. Isso seria a efetivação de uma Educação bilíngue. Para que a inclusão aconteça na escola: [...] faz-se necessário que toda equipe esteja envolvida e trabalhando em conjunto para que o desenvolvimento do aluno surdo seja garantido dentro da escola. Com base nessas observações e de acordo com o cenário educacional do país, têm-se bases legais que afirmam a “educação para todos” como parte integrante de seu desenvolvimento pessoal. (GALETTO et al., 2016, p. 81) Libras 33 Infelizmente as escolas públicas não se encaixam no modelo de escola bilíngue, pois professores e alunos não são fluentes na Libras e acabam delegando ao intérprete a responsabilidade educativa da pessoa surda. Por isso, em algumas localidades no país, o “[...] intérprete de língua de sinais está presente desde o início da escolarização. Nesse contexto, nas séries iniciais, os intérpretes acabam assumindo a função de professores, utilizando a língua de sinais como língua de instrução” (QUADROS, SCHMIEDT, 2006, p. 18). IMPORTANTE: A Educação bilíngue se torna uma mudança de postura e de estrutura na escola, além de envolver a oferta de, pelo menos, duas línguas no contexto educacional. Deve- se determinar qual língua o aluno aprenderá primeiro. “Pedagogicamente, a escola vai pensar em como essas línguas estarão acessíveis às crianças, além de desenvolver as demais atividades escolares” (QUADROS, SCHMIEDT, 2006, p. 13). As políticas educacionais no Brasil ainda não avançaram para proporcionar ao surdo uma escola totalmente inclusiva e deixa à mercê da sorte esse grupo social que precisa estar sempre reivindicando seus direitos. Após a aprovação da Lei nº 10.436/02, praticamente quatro anos depois, houve um aumento considerável nas matrículas de pessoas com deficiências nas escolas regulares em todo o país. O gráfico a seguir aponta essa expansão. Libras 34 Figura 6: Retrato das matrículas de pessoas com deficiência no Brasil Fonte: Adaptado pelo editorial Telesapiens Percebe-se um aumento significativo dessas matrículas entre 2002 e 2006, cerca de 194% em relação aos anos anteriores à aprovação da Lei da Libras, mas o que esse gráfico deixa evidente é o despreparo das escolas para receberem alunos com deficiência. Foram 326.136 matrículas, mas aproximadamente a metade dessas escolas (188.705) possuem apoio pedagógico especializado e a outra parte (136.431) não conta com esse apoio. Diante desse quadro podemos dizer que há realmente a inclusão? Para Nunes (et al., 2005, p. 542), uma “[...] escola bilíngue seria o espaço de socialização, de construção de uma identidade positivada, de acesso ao conhecimento e uma comunicação significativa para os que costumeiramente são ‘sem-lugar’”. Para isso devem ser ofertados estrutura e mecanismos de aprendizagem capazes de realizar a tarefa educativa. Dessa forma, entende-se que: Não possibilitar a apropriação da língua de sinais às crianças surdas trará, desse modo, consequências para esses sujeitos, de maneira especial, aos processos reflexivos decorrentes do desenvolvimento da linguagem e, assim, à aprendizagem dos conteúdos escolares e da linguagem escrita da língua portuguesa, por envolver a aprendizagem de outra língua. (LODI, 2012, p. 18) Libras 35 A aprendizagem da Libras possibilita uma identidade para a pessoa surda, por isso ultrapassa o quesito de comunicação e “[...] funciona como pré-requisito para outras aprendizagens como Língua Portuguesa e Matemática. Assim, a língua de sinais representa valorização dos surdos, uma vez que permite que sejam ouvidos e representados” (NUNES et al., 2005, p. 542). ACESSE: Para saber mais sobre o bilinguismo clique aqui, Campos (2012, p. 39) explica que muito ainda há de ser feito para destruir a imagem de que o surdo é uma pessoa incapaz, mas cabe aos segmentos da escola ofertar possibilidades à criança para que se reconheça como sujeito surdo, fortaleça sua identidade e se torne ”[...] uma pessoa passível de crescer e se gerenciar em diferentespapéis sociais. É desenhar um futuro que está bloqueado pela surdez, que determina o agora como se fosse para toda a vida”. Formação de professores para educação de surdos A formação de professores bilíngues para efetivação de uma educação inclusiva ainda está caminhando a passos lentos, pois somente uma disciplina de Libras, obrigatória e que conste na grade dos cursos de licenciatura e de formação de professores, não garante o mínimo para se comunicar e interagir com a pessoa surda. Por isso é necessário “[...] formar professores bilíngues (língua de sinais e português), professores surdos e intérpretes de língua de sinais para atuarem no ensino superior – na formação de outros profissionais –, de modo que se possa garantir o acesso e a permanência de surdos na educação” (QUADROS, 2005, pp. 44). Para Lobato, Amaral e Silva (2016, p. 11), a tarefa de proporcionar qualificação aos professores não é algo simples de acontecer, pois está Libras http://www.revel.inf.br/files/artigos/revel_5_bilinguismo_e_educacao_bilingue.pdf 36 ligada à vontade política e social. “O professor questiona a falta de espaço e recursos materiais apropriados; a necessidade de um corpo técnico suficiente e uma remuneração adequada, a fim de que possa se manter atualizado e qualificado”. As determinações expressas no Decreto nº 5.626/05, art. 22) caminham para a garantia de uma educação que leve em consideração as necessidades do surdo. Nesse decreto está especificado que: [...] as instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da organização de: I- escolas e classe de educação bilíngue, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngues, na educação infantil e nos ano iniciais do ensino fundamental; II- escolas bilíngues ou escolas comuns regulares de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade linguística dos alunos surdos, bem como a presença de tradutores e intérpretes de Libras-Língua Portuguesa. (BRASIL, 2005, p. 1) As universidades devem ofertar cursos de formação específica em licenciatura em Letras-Libras e criar condições para acesso e permanência de surdos a esse curso, pois assim “[...] estar-se-á contribuindo para a conquista de espaços educacionais, sociais, culturais, linguísticos e políticos que legitimam a inclusão dos surdos” (QUADROS, 2005, pp. 44). Isaia (2006, p. 67) acrescenta a discussão que “a formação permanente, para se consolidar, precisa ser entendida como um processo organizado, sistemático e intencional, a partir do grupo de professores, das instituições e das políticas educativas de nível superior”. Para Lacerda (2009, p. 50), “são necessários profissionais que tenham domínio da Libras, que pensem estratégias pedagógicas que contemplem as necessidades das crianças surdas, e em alguns casos a presença do intérprete se faz necessária para que alguns desses alvos sejam alcançados”. Libras 37 De acordo com Quadros (2006, p. 151), “línguas não se aprendem em cursos de curta duração, mas em anos de trabalho e contato [...]”. Isso quer dizer que para que o professor esteja preparado para ministrar aulas para a criança surda, numa perspectiva bilíngue, ele deve ter a formação semelhante as que têm os professores de língua inglesa, espanhola, italiana, dentre outras. Segundo Ferrão e Lobato (2016, p. 35), as escolas devem proporcionar um ambiente linguístico que possibilite aos surdos se comunicarem e interagirem com os demais indivíduos, “[...] buscando êxito na sua educação. Para isso as escolas devem perceber que a língua de sinais, sendo a língua oficial da comunidade surda, é uma garantia de direito do surdo usar sua língua natural. Diante do cenário apresentado, é necessário quebrar paradigmas referentes à formação de professores para a educação do surdo e adotar uma nova postura educativa para oferta de cursos pelas instituições de ensino. Essa “[...] nova forma de educar requer uma redefinição importante da profissão docente e que se assumam novas competências profissionais no quadro de conhecimento pedagógico, científico e cultural” (IMBERNÓN, 2009, p. 12). Percebe-se que ainda há muito que se fazer para que as mudanças aconteçam e que a pessoa surda tenha acesso não somente à escola, mas a professores bilíngues que não necessitem de intérprete para interagir com os alunos surdos e consiga promover uma educação mais igualitária. Salas de recursos multifuncionais nas escolas Nas escolas públicas há um recurso de apoio aos professores que não conseguem, pedagogicamente, fazer com que os alunos aprendam e para aqueles que não demostrem desenvolvimento na sala regular. São as salas multifuncionais. Essas salas visam “subsidiar técnica e pedagogicamente a organização dos serviços de atendimento educacional especializado que favoreçam a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais nas classes comuns do ensino regular” (BRASIL, 2006, p. 7). Libras 38 As salas multifuncionais foram criadas como meio de contribuir com professores e alunos nas escolas que ainda não possuem de salas de recursos, “onde sejam atendidas as necessidades educacionais especiais de cada aluno, transformando as atitudes que impedem o acesso às classes comuns do ensino regular e tornando as escolas mais acessíveis” (BRASIL, 2006, p. 7). Cecchin (2015, p. 2) explica que nessas salas de recursos os estudantes “[...] podem ser atendidos individualmente ou em pequenos grupos, sendo que o número de alunos por professor no atendimento educacional especializado deve ser definido, levando-se em conta, fundamentalmente, o tipo de necessidade educacional que os alunos apresentam”. Não há como se ter uma educação inclusiva sem o entendimento que cada pessoa é diferente e que aprende em seu tempo. Para que a inclusão aconteça de maneira significativa na escola, a sociedade também deve ser inclusiva, “[...] os sistemas e as instituições sociais são adaptados às necessidades de todas as pessoas e não o contrário, quando os indivíduos estão sujeitos a se adaptarem às exigências do sistema” (BRASIL, 2006, p. 9). IMPORTANTE: As salas de recursos multifuncionais, nas palavras de Cecchin (2015, p. 2), podem ser classificados como locais estruturados “[...] com materiais didáticos, pedagógicos, equipamentos e profissionais com formação para o atendimento às necessidades educacionais especiais, projetadas para oferecer suporte necessário aos alunos, favorecendo seu acesso ao conhecimento”. As salas de recursos multifuncionais, “[...] se referem ao entendimento de que esses espaços podem ser utilizados para o atendimento das diversas necessidades educacionais especiais e para desenvolvimento das diferentes complementações ou suplementações curriculares” (BRASIL, 2006, p. 13). Libras 39 A construção de uma sala de recurso funcional indica que a concepção da escola está mudando e está havendo reconhecimento de que esse sujeito tem possibilidades de desenvolver-se. O que não podemos aceitar é um retrocesso em que se considere “[...] o nascimento de uma pessoa com deficiência como um castigo de Deus, como punição de pecados cometidos por pais ou familiares. Essa interpretação analisava a deformidade dos corpos como um sinal de possessão demoníaca” (FERNANDES, 2013, p. 40). Essa quebra de paradigma só acontece com formação continuada, que possibilite o professor trabalhar em salas comuns do ensino regular, nas salas de recursos para atendimento especializado, em diferentes instituições. A escola regular pode atender a alunos com diferentes deficiências, não só a auditiva, por isso o professor dessa sala deve desenvolver diferentes habilidadese competências para trabalhar com diversas dificuldades de aprendizagens, diferentes “[...] aspectos relacionados ao estágio de desenvolvimento cognitivo dos alunos, o nível de escolaridade, os recursos específicos para sua aprendizagem e as atividades de complementação e suplementação curricular” (CECCHIN, 2015, p. 3). Não podemos rotular as pessoas por suas condições de saúde, social, religiosas, econômica etc., como diz Buccio e Buccio (2008, p. 29), pois se fizermos isso “[...] os indivíduos se afastam, em virtude de seus atributos, da grande maioria dos seres com os quais são comparados, e passam a ser considerados como uma espécie de negação da ordem social”. DEFINIÇÃO: Você sabe o que é cultura? “Cultura é um conjunto de comportamentos apreendidos de um grupo de pessoas que possuem a própria língua, valores, regras de comportamento e tradições; uma comunidade é um sistema social geral, no qual um grupo de pessoas vive junto, compartilha metas comuns e partilha certas responsabilidades. (STROBEL, 2008, p. 30-31). Libras 40 Perlin (2004, p. 77-78) contribui para esse debate quando esclarece que as identidades surdas “[...] são construídas dentro das representações possíveis da cultura surda. Moldam-se de acordo com maior ou menor receptividade cultural assumida pelo sujeito”. A mesma autora acrescenta que a cultura surda não está isenta de conflitos e luta política, bem como um posicionamento diferente frente as questões do mundo, pois “[...] o indivíduo representa a si mesmo, defende- se da homogeneização, dos aspectos que o tornam corpo menos habitável, da sensação de invalidez, de inclusão entre os deficientes, de menos valia social” (PERLIN, 2004, p. 77-78). A cultura surda não se restringe à língua de sinais. Ela apresenta diferentes manifestações culturais, como a dança, o teatro a literatura. Esse conjunto vai desenhando a identidade da pessoa surda. “A identidade é construída sempre em relação a um determinado grupo ao qual se pertence, diferenciando-se de outro, com o qual se estabelece uma relação de caráter negativo, ou seja, por oposição a ele” (SANTANA; BERGAMO, 2005, p. 571). Cultura surda no Brasil Todos os grupos sociais possuem uma cultura própria. Assim, temos como exemplos o povo indígena, os quilombolas e existe também a cultura surda. Moura (2012, p. 104) explica que essa cultura é “[...] marcada pelo que é transmitido visualmente: uma língua visoespacial, a obtenção de informações pelo que é percebido pelo olhar, uma arte que transmita a forma pela qual o surdo vê e introjeta o mundo ao seu redor”. Strobel e Fernandes (1997, p. 25) explicam o motivo de a Libras ser gestual-visual espacial, dizendo que: A modalidade gestual-visual espacial pela qual a LIBRAS é produzida e percebida pelos surdos leva, muitas vezes, as pessoas a pensarem que todos os sinais são o desenho no ar referente ao que representam. É claro que, por decorrência de sua natureza linguística, a realização de um sinal pode ser motivada pelas características do dado da realidade a que Libras 41 se refere, mas isso não é uma regra. Portanto, necessita de um aprendizado sistemático, preferencialmente ensinado por surdos. Para Santana e Bergamo (2005, p. 566), a língua é uma das características fortes de uma cultura. No caso da comunidade surda no Brasil, a Libras passa a ter um significado: “[...] autossuficiência e o direito de pertencimento a um mundo particular parecem significar a proteção dos traços de humanidade, daquilo que faz um homem ser considerado homem: a linguagem”. Tabela 1: Cultura surda TERMO EXPLICAÇÃO Visualidade Vivência surda é muito visual. A visão é possivelmente o principal sentido de contato com o mundo, de apreensão e significação das informações. Linguístico As línguas de sinais, de características visuoespaciais, são as línguas naturais para as pessoas surdas. A língua de sinais é tão complexa quanto qualquer outra. Família Ligada ao nascimento de filhos surdos em lares ouvintes e de filhos ouvintes em lares surdos, ou mesmo de filhos surdos em lares surdos. Comunidade surda Composta de surdos e ouvintes defensores da causa, como professores, familiares, intérpretes, amigos, entre outros. Associações e organizações Possibilidade de o surdo interagir com outras pessoas surdas, o que favorece a construção da sua identidade, a possibilidade de aprender a língua de sinais, as lutas sociais do segmento, por vezes, abraçadas nessas organizações etc. Libras 42 Literatura surda Arte que abarca produções literárias em língua de sinais e produzidas por pessoas surdas. Artes visuais Englobam o teatro surdo e as artes plásticas. Criações e transformações materiais Soluções alternativas para as pessoas surdas, como campainhas luminosas, telefones adaptados Telecommunications device for the deaf (TDDs), dispositivos de vibração (relógios, celulares) em substituição ao despertador etc. Fonte: O autor A cultura surda remete à constituição de identidade surda, torna- se um fortalecimento da comunidade. “Os surdos formam grupos sociais diferentes dos daqueles que ouvem. Diferentes, mas não diversos, desiguais. É de extrema importância estabelecer a diferença entre as noções de diversidade e de diferença” (SÁ, 2006, p. 9). Para Sá (2006, p. 9), a cultura surda não desvincula o sujeito dos marcadores de raça ou de nação. Ela “[...] refere-se aos códigos próprios dos surdos, suas formas de organização, de solidariedade, de linguagem, de juízos de valor, de arte etc.”. Libras 43 RESUMINDO: Você percebeu que não se pode estudar os sinais da Libras sem conhecer as determinações e a história em torno de sua aprovação. A luta por igualdade de direitos permeou toda a discussão deste capítulo, pois é importante frisar que foi negado à pessoa surda a oportunidade de escrever sua própria história, tendo em vista que a maioria dos escritos são realizados por ouvintes que se interessaram em saber como o surdo aprendia. Por isso, fez-se necessário abordarmos primeiramente o processo de inclusão do surdo no sistema educacional e a luta por garantia de direitos sociais para podermos identificar os meandros da história da educação de surdos no Brasil e a quebra de preconceitos sociais e educacionais no país, a fim de entendermos as legislações norteadoras das ações no entorno da Libras e refletir sobre a inserção da pessoa surda na escola regular e o contexto em que ela ocorre na atualidade. Libras 44 REFERÊNCIAS ALMEIDA, W. G. Introdução à língua brasileira de sinais. 1. ed. Ilhéus: Editus, 2013. v. 1. 149 p. Disponível em: http://www.santoandre.sp.gov.br/ pesquisa/ebooks/398613.pdf. Acesso em: 02 jun. 2020. BRASIL. Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ LEIS/L10098.htm. 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Porto Alegre: Artmed, 1999. Libras Educação Inclusiva Igualdade nas diferenças Inclusão da pessoa surda no sistema educacional brasileiro História da Educação de Surdos no Brasil e no Mundo Pedro Ponce de Leon e a educação dos surdos Educação do surdo no Brasil Aspectos legais da Libras enquanto Língua Inclusão de Pessoas Surdas na Escola Regular Formação de professores para educação de surdos Salas de recursos multifuncionais nas escolas Cultura surda no Brasil
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