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Kamyla Fernandes Vitorino - TCC

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São José 
2020 
KAMYLA FERNANDES VITORINO 
 
VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA A MULHER: 
A CULPABILIZAÇÃO DA VÍTIMA 
 
 
KAMYLA FERNANDES VITORINO 
 
 
 
 
VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA A MULHER: 
A CULPABILIZAÇÃO DA VÍTIMA 
 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado 
à Anhanguera São José, como requisito parcial 
para a obtenção do título de graduada no 
Curso de Direito. 
Orientadora: Fabiana Fabri 
 
 
 
São José 
2020 
 
 
 
KAMYLA FERNANDES VITORINO 
 
 
 
VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA A MULHER: 
A CULPABILIZAÇÃO DA VÍTIMA 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado 
à Anhanguera São José, como requisito parcial 
para a obtenção do título de graduada no 
Curso de Direito. 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
Profª. Ms. Graziela Maria Casas Blanco 
 
 
Prof. Ms. Volnei Rosalen 
 
 
Prof. Esp. Felipe Alberto Valenzuela Fuentes 
 
 
São Jose, 22 de junho de 2020. 
 
São José 
2020 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Às mulheres que a cada 11 minutos são 
vítimas de estupro no Brasil. 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
É chegado ao fim um ciclo de muitas risadas, choro, felicidade e frustrações. 
Sendo assim, dedico este trabalho a todos que fizeram parte dessa etapa da minha 
vida e que caminharam comigo até aqui. 
O mais profundo agradecimento cabe aos meus pais, Nei e Malvina, e a 
minha irmã Susimari, que apesar de todas as dificuldades sempre acreditaram em 
mim e fizeram de tudo para ajudar na realização do meu sonho. Sem vocês, nada 
disso seria possível. 
Agradeço também à Crislaine, minha melhor amiga, ouvinte, conselheira e por 
acaso também minha namorada. Obrigada por ter sido meu ombro amigo durante a 
elaboração deste trabalho, por me apoiar sempre e por estar ao meu lado nos 
momentos em que eu mais precisava. 
Aos meus colegas de curso, Paloma e Ruan, cоm quem convivi intensamente 
durante os últimos cinco anos, agradeço pelo companheirismo, pelo incentivo, pelos 
puxões de orelha e pela troca de experiências que me permitiram crescer não só 
como formanda, mas também como pessoa. 
Aos professores, pelas correções e ensinamentos que me permitiram 
apresentar um melhor desempenho no meu processo de formação profissional ao 
longo do curso. 
Por fim, agradeço a todos que, de alguma forma, fizeram parte da minha 
graduação e contribuíram, direta ou indiretamente, para a elaboração do presente 
trabalho. Cada letra desta monografia tem a participação indispensável de todos e 
de cada um de vocês. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Quando tinha 15 anos, fui violada por oito homens. 
Meu entorno, minha comunidade, julgou-me então 
como a culpada e não como a vítima de um crime, 
eles decidiram que meu caráter não era bom, que eu 
tinha feito algo para merecer aquilo. Eles me 
isolaram, minha família deixou de ser convidada para 
eventos sociais. Consideravam-me uma prostituta. 
 
Sunitha Krishnan 
https://brasil.elpais.com/tag/delitos_sexuales/a
 
 
VITORINO, Kamyla Fernandes. Violência sexual contra a mulher: a culpabilização 
da vítima. 2020. 70 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso Graduação no curso de 
Direito – Anhanguera, São José, 2020. 
 
 
RESUMO 
 
Este trabalho de conclusão de curso tenciona analisar a violência sexual contra a 
mulher com ênfase na culpabilização da vítima de estupro baseada na perspectiva 
de uma cultura de estupro e da violência de gênero criadas pela sociedade 
patriarcal, misógina e sexista. O objetivo do trabalho será expor o modo como a 
normatização da violência, o acolhimento de conceitos discriminatórios pela 
sociedade e pelo sistema de justiça criminal e os papeis de gênero atribuído a 
mulheres e homens, oportunizam a prática continuada de violência e agressão 
sexual contra a mulher, culminando na criação da cultura de estupro e como ela 
afeta o discurso de magistrados brasileiros ao proferirem sentenças. Será, também, 
investigada a criação da lógica de inferioridade da mulher na sociedade e a lógica da 
honestidade, as quais surgiram no decorrer de um longo período de tipificação do 
crime de estupro. Para tanto, será exposto como as vítimas de estupro são rotuladas 
pelo seu comportamento e experiências sexuais diante da sociedade e do 
ordenamento jurídico. 
 
Palavras-chave: Culpabilização da vítima, estupro, violência sexual, cultura do 
estupro. 
 
 
 
VITORINO, Kamyla Fernandes. Violência sexual contra a mulher: a culpabilização 
da vítima. 2020. 70 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso Graduação no curso de 
Direito – Anhanguera, São José, 2020. 
 
 
RESUMEN 
 
Este documento de conclusión del curso tiene como objetivo analizar la violencia 
sexual contra las mujeres con énfasis en culpar a la víctima de violación en base a la 
perspectiva de una cultura de violación y violencia de género creada por la sociedad 
patriarcal, misógina y sexista. El objetivo del trabajo será exponer que la regulación 
de la violencia, la aceptación de conceptos discriminatorios por parte de la sociedad 
y del sistema de justicia penal y los roles de género atribuidos a hombres y mujeres, 
brindan oportunidades para la práctica continua de violencia y agresión sexual 
contra las mujeres, que culmina en en la creación de la cultura de la violación y 
cómo afecta el discurso de los magistrados brasileños al pronunciar oraciones. 
También se investigará la creación de la lógica de inferioridad de las mujeres en la 
sociedad y la lógica de la honestidad, que surgió durante un largo período de 
tipificación del delito de violación. Con este fin, se expondrá cómo se etiqueta a las 
víctimas de violación por su comportamiento sexual y sus experiencias frente a la 
sociedad y el sistema legal. 
Keywords: Culpar a la víctima, violación, violencia sexual, cultura de violación 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10 
2. A DESIGUALDADE DE GÊNERO ........................................................................ 12 
2.1. A MULHER NA SOCIEDADE ......................................................................... 15 
2.2. O MACHISMO NO CONTEXTO SOCIAL ....................................................... 17 
3. O CRIME DE ESTUPRO NA HISTÓRIA............................................................... 21 
3.1. TIPO PENAL ESTUPRO E SUAS MODIFICAÇÕES ...................................... 25 
4. A CULTURA DO ESTUPRO E A CULPABILIZAÇÃO DA VITIMA ...................... 34 
4.4. A VÍTIMA NO JUDICIÁRIO ............................................................................. 45 
4.5. ESTUDO DE CASOS REAIS .......................................................................... 53 
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 61 
6. REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 65 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
O presente trabalho aborda a temática da violência sexual contra a mulher e a 
culpa atribuída à vítima de estupro, tendo como objetivo desenvolver um estudo 
acerca de como a cultura do estupro é reproduzida no meio social frente a um 
cenário de desigualdade de gênero, tendo em vista o predomínio do pensamento 
machista e patriarcalista no Brasil, e como tal cultura afeta o discurso jurídico de 
Magistrados brasileiros. 
Falar de cultura do estupro é falar da maneira como a qual a sociedade 
justifica a violência contra a mulher, falar de comportamentos, práticas sociais, e 
normas que transferem a culpa do agressor para a vítima. A normalização da 
violência e a adoção de pensamentos discriminantes pelo ordenamento jurídico e 
pela sociedade viabilizam a prática continuada de agressões sexuais e violências 
contra mulheres,sendo então criada a cultura do estupro, a qual se encontra 
inserida na culpabilização da vítima. 
Diante dos altos índices de violência sexual no Brasil e da tolerância social a 
esses crimes, surge a importância e a necessidade de um estudo que verse sobre a 
maneira como a sociedade e o judiciários tratam o crime de estupro e o porquê a 
culpa para tal delito, em inúmeros casos, é repassada do autor para a vítima. 
Para tanto, o primeiro capítulo buscará compreender a trajetória da mulher na 
história, abordando a desigualdade de gênero e a influência do patriarcalismo e do 
feminismo na construção do papel social desempenhado pela figura feminina ao 
longo dos anos. No segundo capítulo serão estabelecidos os aspectos jurídicos do 
crime de estupro, bem como suas peculiaridades e modificações através dos 
tempos. O terceiro capítulo analisará a atribuição da responsabilidade do estupro à 
mulher, passando pela análise da cultura do estupro para chegar ao entendimento 
utilizado pelos magistrados e aplicadores do direito na formação dos discursos 
jurídicos. 
O método aplicado na elaboração do presente trabalho será o dedutivo, tendo 
como procedimento a metodologia histórica, comparativa e monográfica. 
A técnica para a realização da pesquisa foi a pesquisa bibliográfica tendo 
como base as esferas penal, constitucional e civil. Em que pese analisando-se 
11 
 
primeiramente a história da mulher para fundamentar o tratamento legal do crime de 
estupro e, dessa forma, demonstrar a influência de certas mentalidades na criação 
da cultura em torno do estupro legitimando uma violência de gênero. Ademais, além 
de pesquisas em artigos científicos pertinentes ao tema, vale ressaltar com ênfase a 
utilização em especial da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 
do Código Penal Brasileiro e da Lei nº 12.015/2009, a qual alterou legalmente a 
definição estupro. 
Analisou-se livros antigos, legislações e decisões judiciais com o intuito de 
analisar como era o pensamento doutrinário e jurisprudencial, bem como da 
sociedade acerca do tema em questão trazendo um comparativo com o atual. 
 
12 
 
2. A DESIGUALDADE DE GÊNERO 
 
Importante para a compreensão do tema se faz os apontamentos de Judith 
Butler com relação ao processo de naturalização das relações e identidades de 
gênero. Para Butler (2013) o gênero é performativo, ou seja, é construído por meio 
de uma repetição de atos, práticas e discursos que se repisam e que, na repetição 
das práticas reguladoras, criam realidades e sujeitos inteligíveis ao nosso 
entendimento. Entende-se, portanto, que gênero é um discurso político, visto que é 
construído por meio de relações de poder. 
Para compreender melhor o conceito de gênero, Louro (2014) aponta para o 
caráter sociocultural, desmantelando a ideia de que os papéis sociais e as maneiras 
de ser homem e mulher são naturais, para a autora é para se compreender o lugar e 
as relações de homens e mulheres numa sociedade é importante observar não 
apenas seus sexos, mas sim tudo o que socialmente se construiu sobre os sexos. 
A expressão gênero, segundo a perspectiva de Viezzer, também pode ser 
entendida como: 
[...] sinônimo de indicação de sexo, isto é, o fato biológico de ser fêmea ou 
macho, tem sido usado por escritores atuais para referir as diferenças 
socialmente impostas entre os traços característicos e papeis masculinos e 
femininos. Sexo é fisiológico, enquanto gênero, no sentido amplo, é cultural 
(sociológico). Esta distinção é crucial e em geral é ignorada por aqueles que 
sustentam o status quo e assumem que as normas culturais da 
masculinidade e da feminilidade são ‗naturais‘, ou seja, direta e 
preponderantemente determinadas pela biologia (1989, p. 107). 
 
Concomitantemente, Silva (2010) defende que o termo gênero, embora 
mutável, é marcado por estereótipos patriarcais e discriminatórios, destinando 
papeis diferentes a mulheres e homens, os quais resultam na desigualdade de 
gênero. Assim, é concedido à mulher o nível inferior, sendo rotulada de frágil e 
submissa, enquanto ao homem é dada a condição forte e dominador, dessa forma 
compreende-se que o uso da força física tende a validar essa superioridade do 
homem, o qual obriga a mulher a se submeter a ele, resultando em uma relação de 
poder. 
A ideia de superioridade masculina começou a ser questionada a partir da 
década de 70, quando estudos realizados por teóricas feministas compreenderam os 
papeis conferidos a homens e mulheres e incluíram o conceito de gênero nas 
ciências sociais. 
13 
 
 Em termos de gênero, os conceitos de masculinidade e feminilidade não são 
naturais ou biológicos, são entendidos como uma construção social e cultural que 
revela as características valorizadas de uma determinada sociedade e um momento 
histórico específico. 
O senso comum e o conhecimento científico mostram que as diferenças 
biológicas entre mulheres e homens justificam a desigualdade entre os sexos. 
Para uma melhor compreensão acerca do assunto, faz-se necessário o 
estudo do termo sexo, o qual refere-se às distinções anatômicas entre mulheres e 
homens, porém, segundo Sabadell, essas diferenças não se limitam a aspectos 
biológicos, sendo que resultam da socialização e do controle social e variam de 
acordo com períodos históricos, de modo que a identidade de "sexo" é socialmente 
construída e pode ser modificada. Por outro lado, o termo gênero, permite a análise 
da identidade feminina e masculina sem reduzi-las ao nível biológico, o que mostra 
que elas são afetadas por mudanças determinadas pelo valor dominante em cada 
período histórico. 
Para a composição dos padrões de gênero, é preciso largar de uma visão 
relacional, conforme explicou Gomes: 
 
O que é visto culturalmente como masculino só faz sentido a partir do 
feminino e vice-versa, expressando padrões de masculinidade e 
feminilidade a serem seguidos e fazendo com que as identidades de 
homem e mulher se afirmem na medida em que ocorram aproximações e 
afastamentos em relação ao padrão que concentra maior poder na cultura 
(GOMES, 2008, p. 239). 
 
As identidades sociais de mulheres e homens são estabelecidas com a 
atribuição de papéis diferentes, onde a sociedade define as áreas em que as 
mulheres devem estar, assim como escolhe as áreas nas quais os homens podem 
atuar. 
Para Andrade (2004, p. 2) essa construção dos papéis de gênero é alcançada 
através da atribuição hierárquica de sexo, ou seja, racional/emocional, 
objetivo/subjetivo, concreto/ abstrato, ativo/passivo, virilidade/fraco, público/privado. 
Assim, as características femininas são semrpe opostas às masculinas, sendo 
aquelas vistas como inferiores e negativas. Tem-se, portanto, a bipolarização das 
qualidades do homem e da mulher, sendo o polo positivo representado pelo homem 
racional ativo, forte, potente e trabalhador, enquanto o polo negativo é traduzido pela 
mulher emocional, fraca, impotente, recatada e doméstica. 
14 
 
A autora afirma que esse simbolismo estereotipado e estigmatizante de 
gênero mostra a polaridade de valores culturais e históricos como contrastes 
naturais ou biologicamente determinados, bem como caracteriza as pessoas do sexo 
feminino como parte de um gênero subordinado, na medida em que determinadas 
qualidades, assim como o acesso a certos papeis e esferas, são percebidos como 
naturalmente ligados a um sexo biológico e não ao outro. 
O conceito de gênero mostra, então, que o efeito do patriarcado, da 
dominação e superioridade masculina e do fortalecimento ideológico sobre mulheres 
e homens induz uma relação violenta entre os sexos e mostra que essa espécie de 
violência não é um resultado natural, mas resultado de um processo de socialização 
das pessoas. 
Segundo Silva (2010), na dinâmica patriarcal de gênero que determina os 
papéis desempenhados por homens e mulheres, os primeiros devem ocupar um 
espaço público, o que sereflete no controle político e na gestão institucional. Nesse 
caso, na qualidade de possuidores do poder, os homens desfrutam de autonomia, 
identidade e status, ascendendo ao status de trabalhadores e proprietários. Por 
outro lado, as mulheres são reduzidas a espaços privados, razão pela qual sua 
sexualidade e reprodução devem ser monitoradas e controladas. 
Dessa forma, é natural, que elas sejam também o alvo principal da disciplina 
criada pelo controle informal praticado pela família, escola, religião, mídia e, em 
último caso, também pelo direito penal, que cuida de incriminar comportamentos 
femininos que se desviem do modelo estabelecido pelo patriarcado. 
Além disso, em geral, a sociedade não questionou as consequências dessas 
desigualdades, pelo contrário, houve todo o processo de legitimação desse discurso 
e a resposta violenta à desobediência final de certos padrões impostos socialmente. 
Muitas mulheres vivem sua sexualidade conforme os padrões julgados como 
corretos, aceitando o papel social de esposas ―recatadas‖ e ―do lar‖ que lhes são 
destinados. Outras, por não seguirem esse padrão, são vistas como "profanas" e 
indignas de respeito, sendo apontadas como ―piranhas‖, ―usadas‖, ―fáceis‖, e ―putas". 
Portanto, qualquer desvio de conduta pode ser severamente criticado ou 
socialmente discriminado, sendo as mulheres julgadas pejorativamente como ―putas‖ 
e ―galinhas‖ (em razão de uma vida sexual ativa), ou ―sapatões‖, ―machonas‖ ou 
―freiras‖ (como categoria de acusação quanto à castidade àquelas que se recusam a 
aderir a prática sexual imposta pelo parceiro). 
15 
 
Cumpre salientar que a violência sexual contra a mulher precisa ser 
compreendida como violência de gênero, assim como o crime de estupro 
(PIMENTEL, SCHRITZMEYER, PANDJIARJIAN, 1998, p. 21). 
A violência de gênero resulta, então, de uma sociedade que subordina o sexo 
feminino, é uma manifestação das relações desiguais de poder entre mulheres e 
homens na história, onde impera a ideia de superioridade da parte agressora (o 
homem) e da inferioridade da parte vitimada (a mulher), ideia essa construída 
socialmente como consequência de um processo histórico. 
Dessa forma, a violência pode ser percebida como o uso da força advinda da 
autoridade ou poder (VANIER, 2004). Portanto, a relação de poder é materializada 
através da violência e engloba ―quaisquer atos de violência, inclusive ameaças, 
coerção ou outra privação arbitrária de liberdade, que tenham por base gênero e que 
resultem [...] em dano ou sofrimento de natureza física, sexual ou psicológica, [...]‖ 
(BRASIL, 2003 apud SANTOS, 2008), e ainda, a violência moral e patrimonial. 
 
2.1. A MULHER NA SOCIEDADE 
 
Desde os primórdios da sociedade a desigualdade de gênero tem sido um 
problema, durante muito tempo as mulheres foram vítimas de ideias patriarcais 
profundamente enraizadas, sendo sujeitas a diversas restrições e vistas apenas 
como objetos de reprodução. 
Segundo Dias (2004), até o século XX os papéis de gênero eram delimitados 
e através de esforços sociais a liderança superior dos homens era garantida, 
enquanto a mulher era submetida ao âmbito privado e submisso. 
 
Na sociedade ocidental, existe um modelo preestabelecido de conduta. Ao 
homem cabe o espaço público e à mulher, o espaço privado, nos limites da 
família e do lar. As mulheres recebem educação diferenciada, pois 
necessitam ser mais controladas, mais limitadas as suas aspirações e 
desejos. Isso enseja a formação de dois mundos: um, de dominação, 
externo, produtor; outro, de submissão, interno, reprodutor. A essa distinção 
estão associados papeis de gênero de homens e mulheres: ele provendo a 
família e ela cuidando do lar, cada um desempenhado na sua função (DIAS, 
2004, p. 44). 
 
Para entender melhor essa desigualdade, é necessário voltar brevemente à 
história. Baseados em religiões e mitos as mulheres que não cumpriam as ordens e 
16 
 
imposições sociais sofriam todos os tipos de males, o que desencadeou o 
tratamento irracional dado até hoje. 
Na Grécia, por exemplo, lendas contavam que levada pela curiosidade 
particular da mulher, Pandora abriu a caixa que libertou todos os males do mundo, 
como consequência, todas as mulheres passaram a ser responsáveis pelas 
desgraças desencadeadas. 
Mitos como este foram se perpetuando e criando um pensamento em que a 
mulher é somente um objeto de reprodução. 
Cumpre salientar que não apenas as religiões e os mitos foram 
responsáveis pela composição desse pensamento, a ciência também 
desempenhou papel importante na formação da desigualdade desmedida. A 
mulher foi tratada, inclusive por homens com significativa participação na 
organização da história, como um ser de mente inferior e inteligência fraca, era vista 
como alguém que não tinha capacidade de gerir atos civis e políticos, sendo sua 
função apenas a de formular mentiras. Assim, foi rebaixada a um nível de descrédito 
e desonra diante da palavra de qualquer homem. 
Como evidencia Viezzer (1989), a subordinação das mulheres aos homens e 
as desigualdades existentes entre os sexos continuaram existindo com o passar do 
tempo, fortalecidas pela religião e pela ciência. 
 
A subordinação da mulher ao homem vem desde os tempos imemoriais e 
atravessou, sob as mais variadas formas, todos os períodos da chamada 15 
civilização, permanecendo até nossos dias. Desde sempre os seres 
humanos usaram a fé e a razão para buscar a verdade e orientar suas 
atividades. Mas a Religião e a Ciência se institucionalizaram também como 
instrumentos privilegiados para a perpetuação da subordinação da mulher 
ao homem e para o estabelecimento de uma Ordem na qual a opressão, a 
dominação, o machismo, o patriarcalismo e, enfim, o capitalismo são 
variáveis da subordinação (VIEZZER,1989, p 95). 
 
Compreende-se, diante da história, que o mundo nunca esteve em pé de 
igualdade, tendo pertencido sempre a uma parte exclusiva da sociedade, os 
homens, que com seus ideais de poder e dominação oprimiram as mulheres. 
As mulheres eram tratadas como ―recatadas e do lar‖ quando seguiam as 
condutas de comportamento esperadas pela sociedade patriarcal, por outro lado, 
quando não se subordinavam, estavam sujeitas aos meios de punição como os 
insultos, o espancamento, o estupro e o feminicídio. 
17 
 
Na Constituição Política do Império do Brasil, outorgada em 1824, somente o 
homem era visto cidadão de direitos, a mulher não poderia votar muitos menos ser 
eleita, bem como não podia exercer cargos públicos, devendo ficar limitada aos 
serviços em empresas privadas, quanto era contratada. 
Até 1824 não havia tido uma preocupação com as mulheres sendo que eram 
consideradas indignas de possuir direitos e deveres, obrigadas a serem rebaixadas 
a um plano inferior e objetificadas como Porto define: 
 
Notável que ao longo dos tempos especialmente daquela parte da história 
ocidental que melhor conhecemos a criação inicial de formas estatais e 
jurídicas muito pouco ou quase nada melhorou a condição feminina, as 
mulheres sempre foram relegadas a um segundo planas posicionadas em 
grau submisso, discriminadas e oprimidas quando não escravizadas e 
objetificadas (PORTO, 2014, p. 20). 
 
Segundo Brasil (2015), com a criação de movimentos feministas essa 
realidade começou a mudar, e as mulheres passaram a ganhar força. Destacam-se 
três importantes momentos em que tais movimentos foram de grande importância, o 
primeiro acontecer no fim do século XIX, onde mulheres lutaram por direitos 
democráticos como o direito a educação, ao voto, divórcio, e trabalho; O segundo 
em 1960, onde elas alcançaram a liberação sexual (estimulada pelo aumento dos 
anticoncepcionais); Já no terceiro, empenharam-se na defesa dos direitos da mulher, 
com uma luta sindical surgida ao fim dos anos 70. 
Porém, somente com a promulgação da Constituição da República em 1988, 
foi que as mulheres conquistaram a tão esperada igualdadede gênero. Entretanto 
tal igualdade não passou do papel, a igualdade material de gênero nas relações 
sociais ainda está longe de ser algo real. 
Contudo, apesar de ter havido grandes avanços na sociedade, percebe-se se 
que a desigualdade de gêneros ainda vigora, sendo um dos maiores motivos que 
colaboram na violência contra a mulher. 
 
2.2. O MACHISMO NO CONTEXTO SOCIAL 
 
Considerando a história, cabe aqui conceituar o machismo, sendo a opressão 
mais enraizada na sociedade, baseado na certeza da superioridade do homem em 
relação à mulher, perante o enaltecimento das características físicas e culturais 
associadas ao sexo masculino. 
18 
 
De fato, em toda parte e em qualquer época, os homens expressaram a 
satisfação de se fazerem acreditar os reis da criação, emprenhando-se em mostrar 
que a condição subordinada da mulher era desejada no céu e proveitosa a Terra. 
Na Grécia Antiga, Platão agradecia aos deuses a sorte de ter nascido homem 
e não mulher; Na Idade Média, o Tribunal do Santo Ofício condenou milhares de 
pessoas à morte, a maioria mulheres inocentes, por acreditar serem seres 
naturalmente propensos à prática de feitiçarias; No século XVII, as concepções 
divulgadas reforçavam a imagem da mulher como um ser sem vontade própria, 
incapaz de raciocinar como um homem, devendo sua educação ser restrita ao 
doméstico, posto que a busca do saber fosse contrária a sua natureza1; No século 
XVIII, ainda era negado à mulher o status de sujeito nos crimes de abuso sexual, 
cabendo ao seu responsável legal a tomada de providências por violação de sua 
propriedade; No século XIX acreditava-se que a maternidade curava distúrbios de 
loucura2; e, ainda hoje, em uma sociedade moderna, os valores subsistem 
enraizados nas diferenças sexuais. 
 
Nesta polarização, o sexo masculino se encontra como forte, dominador, 
racional, chefe de família, enquanto que o sexo feminino é o sexo frágil, 
dominado, domesticável, emotivo e dócil. Percebe-se, portanto, que os 
valores da sociedade moderna se encontram como caracterizadores do 
masculino e que o discurso colonizador está presente nestas relações de 
gênero. A partir da ideologia sexista, o homem, tal como foi construído, é 
que sabe o que é melhor para a mulher, a família e a sociedade (CUNHA, 
2014, p. 151). 
 
Assim, tem-se o machismo impregnado nas raízes culturais da sociedade há 
séculos, reservando à mulher um papel secundário de dominação, exploração e 
sujeição ao homem, sendo possível constatar que as inúmeras formas de 
discriminação e violência contra as mulheres não são meros acontecimentos 
pontuais, mas, sobretudo, produtos das relações de poder historicamente 
construídas. 
A cultura machista determina padrões de identidade tanto para o homem 
quanto para a mulher, ditando as relações entre os sexos através de uma 
 
1
 RODRIGUES, Valeria Leoni. A importância da mulher. Disponível em: 
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/729-4.pdf. Acesso em: 14 de março de 
2020. 
2
 REIS, Andreia Moceli. PELLANDA, Gabriela. SILVA, Graciele Santos da. REMPEL, Luciane. SILVA, 
Tassia Taiana. Mulheres, sociedade colonial, época do império e nos dias atuais. Disponível em: 
<https://periodicos.processus.com.br/index.php/egjf/article/view/75>. Acesso em: 15 de março de 
2020. 
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/729-4.pdf
https://periodicos.processus.com.br/index.php/egjf/article/view/75
19 
 
reprodução de papéis, códigos e representações sexuais nas quais se concebe as 
próprias condições sociais de subordinação. 
 
A noção de cultura se revela então o instrumento adequado para acabar 
com as explicações naturalizantes de comportamentos humanos. A 
natureza, no homem, é inteiramente interpretada pela cultura. As diferenças 
que poderiam parecer mais ligadas a propriedades biológicas particulares 
como, por exemplo, a diferença de sexo, não podem ser jamais observadas 
"em estado bruto" (natural) pois, por assim dizer, a cultura se apropria delas 
"imediatamente": a divisão sexual dos papéis e das tarefas nas sociedades 
resulta fundamentalmente da cultura e por isso varia de uma sociedade para 
outra (CUCHE, 1999, p. 10 e 11). 
 
Dessa forma, não são apenas as características sexuais que justificam a 
desigualdade entre o que é feminino ou masculino, mas sim a forma como essas 
características são representadas e valorizadas em uma dada sociedade e momento 
histórico por meio da cultura e dos seus valores sociais. 
A conduta e a representação sexual de cada gênero são também 
diferenciadas no regime patriarcal, enquanto os meninos são habituados e 
estimulados a serem ativos e viris, ―sendo o pênis um objeto que vem a cumprir esse 
papel‖ (BEAUVOIR, 1976 apud GOIANA; HOLANDA, 2015, p. 12), as meninas tem 
sua sexualidade reprimida e marginalizada. 
Um dos aspectos incontestáveis da sociedade machista é a objetificação e 
hipersexualização do corpo feminino, representado como mero instrumento de 
prazer e desejo, de forma a estimular a ideia de que mulheres são mercadorias e 
podem ser ―tomadas‖ quando um homem assim o desejar, tornando-as ainda mais 
vulneráveis aos crimes sexuais. 
 
A diferença no tratamento do indivíduo em face de seu gênero ocasionou 
um processo de discriminação, marcado por violência, das mais variadas 
formas. Além do mais, a mulher foi objetificada, ou seja, o homem, durante 
toda a história, viu a mulher como um objeto de desejo, alguém que estaria 
ao seu dispor para satisfazer as suas necessidades, principalmente aquelas 
relacionadas ao prazer, sem se preocupar ao menos com o consentimento 
dela. Afinal, se a mulher deveria obedecê-lo, estar em um patamar de 
inferioridade, deveria estar sempre pronta para acatar as ordens do seu 
senhor (PIRES; DIOTTO; SOUTO, 2016, p. 4). 
 
Essa objetificação sexual fica evidente, por exemplo, nas propagandas 
televisivas, anúncios e imagens em que o corpo feminino é representado sem 
cabeça ou como apoio para produtos, reduzindo-o a mero objeto inanimado e sem 
individualidade. 
20 
 
A figura da mulher se torna puramente decorativa e seu objetivo principal é, 
tão somente, o de agradar ao homem, tendo como consequência a sua 
inferiorização e a manutenção das desigualdades existentes entre os gêneros. 
Para melhor compreensão da erotização/objetificação da figura feminina, 
pode-se tomar como exemplo a campanha da marca de cerveja Skol3, veiculada em 
2006/2007, onde eram anunciados itens da sociedade que se fossem inventados por 
um consumidor da bebida seriam diferentes. Dentre os itens que seriam 
reinventados estaria um provador de roupas, onde cortariam suas cortinas para que 
o corpo da mulher ficasse a mostra, sendo-lhe coberto apenas o rosto. 
A propaganda do carnaval de 20154, da mesma fabricante de bebidas, 
também explicita a ideia de o consentimento pouco importar ao trazer mensagens do 
tipo: ―Esqueci o ―NÃO‖ em casa‖. 
Outro exemplo interessante é a propaganda da marca Dolce & Gabanna, 
veiculada em 20075, onde a imagem feminina, além de altamente erotizada, estava 
subjugada na frente de vários homens, sendo segurada à força por deles, enquanto 
os outros observavam, assemelhando-se a uma simulação de estupro coletivo. 
CARLL (2005, p. 144 apud SCARPATI, 2013, p. 77) conclui que a mídia é 
uma das fontes de desenvolvimento e manutenção de ideologias sociais machistas e 
patriarcais, sendo que além de refletir o que ocorre na sociedade, também reforça 
estereótipos de como as mulheres são vistas. 
 
O poder de sedução da publicidade é talvez um dos mais ativos e eficazes 
dos nossos dias. Diariamente nos rendemos a um sem número de 
mensagens, que não só manipulam nossas mentes, ditando-nos regras de 
consumo, como também, e principalmente, refletem os sistemas de 
referência de cada sociedade, funcionando como um verdadeiro diagnóstico 
psicossocial de uma época (VESTERGAARD, 1988, p.119). 
 
Portando, a partir de uma cria-se um processo de desumanização, pelo qual 
da mulher é retirado seus atributos humanos relacionados à sua identidade, 
subjetividade e inteligência, colocando-a no patamar de necessidade fisiológica e de 
consumo do homem, sendo este um dos elementos centrais da cultura do estupro. 
 
 
3
 13 anúncios acusados de promover a violência contra a mulher. Disponível em: 
https://exame.abril.com.br/marketing/13-anuncios-acusados-de-promover-a-violencia-contra-a-
mulher/. Acesso em 13 de maio de 2020. 
4
 Idem. 
5
 Idem. 
https://exame.abril.com.br/marketing/13-anuncios-acusados-de-promover-a-violencia-contra-a-mulher/
https://exame.abril.com.br/marketing/13-anuncios-acusados-de-promover-a-violencia-contra-a-mulher/
21 
 
3. O CRIME DE ESTUPRO NA HISTÓRIA 
 
Os contornos do crime de estupro foram definidos ao longo dos séculos, 
assim como a maneira de tratá-lo e repreende-lo pela sociedade e pelo sistema de 
justiça. 
Considerando a evolução histórica do estupro, nota-se que em diversos 
momentos da história a sociedade não via o ato sexual forçado com uma prática 
criminosa, nem sequer moralmente. Em casos de guerra, o estupro poderia até 
mesmo ser visto como prêmio, vez que simbolizava a posse de um território, sendo 
julgados admissíveis pelos juízes de guerra para comemorar a vitória na batalha. 
Importante destacar um fato histórico onde pode se perceber a banalização 
da violência brutal contra a mulher6, durante a guerra soldados armados se voltaram 
contra o coronel Bénédict-Louis de Pontis, ao ter este proibido o estupro no 
convento de Tourlement durante a campanha de Flandres em 1635. 
No Antigo Testamento até o período medieval, o estupro era condenado 
social e penalmente, porém era julgado como um crime contra o patrimônio, ou seja, 
realizado contra a propriedade privada do homem a quem a mulher que sofreu o 
abuso era subordinada. Vilhena e Zamora (2004) explicam que roubar ou raptar uma 
mulher de seus proprietários de direito, normalmente pai ou marido, destruiria o seu 
valor de propriedade, sobretudo no caso de virgens. Durante esse período, a mulher 
não era tida como sujeito de direitos, era apenas um mero objeto, motivo pelo qual 
não se punia o estuprador em virtude da agressão ao corpo da mulher, mas sim pela 
violação à propriedade do homem. 
Durante a Idade Média, o estupro era visto como um crime de sangue 
somente quando a mulher pertencia à nobreza e era virgem. Para realizar a 
denúncia do crime a mulher precisava primeiramente narrar os fatos aos vizinhos e 
mostrar suas vestes rasgadas e manchadas de sangue, em seguida a vítima deveria 
ir até o magistrado e relatar de maneira minuciosa o ocorrido. No dia seguinte era 
feito novamente o depoimento do acontecido e a vítima não poderia entrar em 
contradição ou deixar de relatar algo que constava no depoimento no dia interior, 
sendo necessário que as versões batessem em absoluto para que o magistrado 
fosse adiante com a queixa. 
 
6
 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 23. Ed. Petrópolis: Tradução de: Raquel 
Ramalhete. Vozes, 1987, p.87. 
22 
 
Após os séculos XVI e XVII, o estupro passou lentamente a ser entendido 
como uma violência sexual, porém seu conceito ainda era atrelado à ideia de 
―roubo da castidade e da virtude‖. A preocupação era com a desonra que o ato 
pudesse dar a família e não com o sofrimento da vítima. Não havia dedicação por 
parte do magistrado em investigar o crime, especialmente quando se tratava de 
mulher adulta e não havia resquícios materiais da agressão. 
Cabe destacar que a repressão a esse delito variava de acordo com a 
―qualidade da vítima‖, quando a agressão era realizada contra uma virgem a punição 
do agressor era muito mais rigorosa, uma vez que o ataque à virgindade 
comprometeria a honra e a posição das famílias. Todavia, não era somente a 
virgindade da vítima que agravava o crime, uma vez que a classe social a que 
pertenciam a vítima e seu agressor também era um fator preponderante. Assim, a 
violência cometida contra uma escrava ou doméstica era vista como de menor 
gravidade do que aquela cometida contra uma nobre. 
O estupro era um crime mais de cunho moral do que violento, dessa forma 
marcava a mulher, tornando-a indigna e impura aos olhos da sociedade. Com a forte 
repressão cristã sobre todo assunto relacionamento à sexualidade, a vítima de 
estupro não era tratada com piedade, era vista como pecadora, uma vez que toda a 
carga negativa atribuída ao livre exercício da sexualidade também era associada ao 
estupro. A visão de blasfêmia e pecado que estavam associadas ao estupro 
dificultavam a denúncia e a investigação do crime, e faziam com que a atenção 
voltasse muito para o comportamento sexual da vítima que para o autor do fato 
criminoso. Dessa forma, ao tornar pública uma denúncia de estupro, colocava-se 
em dúvida a moralidade da mulher violada, o que fazia com que muitas mulheres 
desistissem de denunciar seu agressor. 
Acreditava-se, ainda, que um homem sozinho não era capaz de violentar uma 
mulher, uma vez que, na visão da sociedade, a mulher possuía meios suficientes 
para se defender, tendo na resistência física um fator decisivo para conseguir 
impedir o estupro. Para os magistrados, o estupro consumado neste cenário, era um 
estupro consentido. Assim, o que era julgado nos tribunais era a reputação da vítima 
e se seu comportamento enquadrava-se nos padrões sociais estabelecidos e 
considerados apropriados para a mulher. Ao não se enquadrar no referido padrão, o 
acesso à justiça era negado e a violência sofrida não era punida. 
23 
 
A lei penal começa a ter mudanças a partir da segunda metade do século 
XVIII, como resultado da necessidade do surgimento das novas formas de 
pensamento sobre a violência. A mudança inicia quando o estupro começa a não ter 
mais a ideia de pecado e passa a ser tratado como crime. 
Porém, tal mudança não alterou em nada o sentimento de vergonha e 
humilhação sentido pela mulher vítima do crime, tampouco aumentou o número de 
queixas e condenações. A desconfiança que recaía sobre a mulher também deixou 
resquícios, baseada na justificativa de que a violência sobre uma mulher adulta é 
impossível se realizada por um homem apenas. Portanto, a palavra da mulher ainda 
era inferiorizada, necessitando de credibilidade. 
Conforme Vigarello (1998), grandes mudanças na interpretação do crime de 
estupro surgiram no século XVIII: 
 
Um trabalho repetido no escalonamento das violências, com a tentativa de 
designar atos diferentes do estupro ou menos graves que este, atentado ao 
pudor com ou sem violência, entre outros. Depois, a tomada em 
consideração da violência moral, com o reconhecimento de coações 
criminosas, in- dependentes do domínio físico e do exercício da força, essa 
variedade de brutalidades que se tornaram pensáveis por meio das primeiras 
análises do livre-arbítrio da vítima e das coações exercidas sobre ela. 
Finalmente, o aumento do número de queixas e dos atos declarados, com a 
forte ascensão das curvas inventadas pela nova estatística criminal, os casos 
mais numerosos de crimes contra crianças (VIGARELLO, 1998, p, 167). 
 
Com tais mudanças, a violência sexual teve seus limites ampliados para 
abranger condutas que até então eram ignoradas ou pouco notadas. 
Com o intuito de estabelecer uma hierarquia de gravidade entre os delitos, 
novos crimes foram criados, surgindo então a figura do atentado ao pudor, o qual 
abarcou qualquer violência sexual diferente e menos grave do que o estupro. 
Buscou-se com essa tipificação reconhecer o indivíduo que tenha cometido o 
crime de estupro ou for culpado de qualquer outro atentado ao pudor contra pessoas 
de um ou outro sexo e puni-lo, dessa forma os homens também passaram a ser 
reconhecidos como vítimas deviolência sexual. Contudo, a lei não foi 
completamente compreendida, uma vez que o significado de pudor e sua 
representação, não estavam explícitos na legislação, ficando a cargo dos 
magistrados interpretarem, de modo subjetivo, no caso concreto. 
A relação entre a recusa do ato sexual e a violência foi reexaminada, 
possibilitando que a supressão da vontade da vítima fosse resultado de uma 
violência moral exercida mediante intimidação contra ela. 
24 
 
Infelizmente, mesmo com os avanços na legislação, a suspeita que pairava 
sobre a vítima não foi dissolvida, de forma que a gravidade das ameaças e a 
dificuldade de levá-las em conta se tornaram um paradoxo durante os processos. 
Dessa forma, continuaram vivas as imagens de desonestidade da queixa e 
submissão voluntária da mulher, as quais permitem a afirmação de Vigarello (1998) 
de que: 
O ato continua, (...), inexoravelmente percebido sob o ângulo do agressor, 
então sob o ângulo da vítima, o não-consentimento da pessoa atacada 
sendo inexoravelmente pensado como frágil em um episódio em que tudo 
poderia se inverter e a resistência tornar-se aquiescência (VIGARELLO, 
1998, p. 136). 
 
Uma vez que a violência sexual ganhou um maior cenário na sociedade, 
possuindo uma maior visibilidade social, o século XIX foi marcado pelo aumento das 
queixas e uma menor tolerância a esse tipo de violência. 
No século XIX, a visão da mulher no âmbito do sistema de justiça não teve 
grandes modificações quanto aos períodos anteriormente mencionados, a sociedade 
ainda tinha a ideia de que a mulher era capaz de impedir o estupro, dessa forma 
imperavam ainda os questionamentos sobre o seu comportamento e consentimento, 
bem como a desconfiança em relação à sua versão dos fatos. 
Avançando para as mudanças no século XX, observa-se um duplo 
deslocamento para o olhar do estupro, onde a gravidade do ato passou a ser 
medida pelo dano psicológico gerado na vítima e sua posição frente à violência, 
levando os debates sobre os crimes sexuais a um novo rumo. 
Com tais alterações, o estupro passou a ser visto sob a ótica psicológica, 
sendo analisados os efeitos da prática do crime sobre a vítima, conforme relata 
Vigarello: 
A referência ao trauma interior, alusão psicológica mencionada por alguns 
eruditos no começo do século, por muito tempo ausente das declarações 
feitas pelas vítimas e pelos defensores ou peritos, se torna umas das 
referências maiores para qualificar a gravidade do crime. Não mais o peso 
moral ou social do drama, não mais a injúria ou o aviltamento, mas a 
desestabilização de uma consciência, um sofrimento psicológico cuja 
intensidade é medida por sua duração, ou até por sua irreversibilidade 
(VIGARELLO, 1998, p. 67). 
 
A partir de então, verificou-se a necessidade da construção de uma nova 
forma de abordagem da violência sexual, com o objetivo de dar voz às vítimas, 
que já se questionavam quanto aos valores da sociedade machista. 
25 
 
No Brasil, o ápice do crime de estupro ocorreu com a colonização 
portuguesa e com os portugueses que tiravam proveito das índias que viviam no 
país. Posteriormente, com a escravidão, a mulher negra passou a ser a principal 
vítima, sendo que por ser escrava, era vista como objeto dos senhores da casa 
grande (GUIA MUNDO EM FOCO, 2016, p. 33). 
Essa objetificação do corpo feminino, de acordo com Ribeiro (2016), 
perdura ainda nos dias de hoje, sendo as mulheres negras as vítimas mais 
suscetíveis ao crime de estupro, fazendo com que muitas passem pelos mesmas 
adversidades que suas ancestrais um dia enfrentaram. 
Em certo momento da história, chegou a ser discutido, na doutrina jurídica, a 
probabilidade de o marido ser ou não sujeito ativo do crime de estupro contra a 
própria esposa. Havia duas corrente que abordavam o tema, a primeira trazia que o 
homem podia constranger sua esposa à pratica de ato sexual, e tal fato não 
configuraria estupro, uma vez que o marido tinha o direito de exigir que a mulher 
tivesse com ele relações carnais, tendo em vista esta ser uma das obrigações 
conjugais. A segunda corrente defendia a possibilidade do estupro cometido pelo 
marido contra a esposa, sendo que a lei não autorizava o emprego de violência ou 
grave ameaça na relação matrimonial, portanto a recusa injustificada da mulher em 
manter relações carnais com o marido poderia causar a separação judicial, mas não 
dava o direito ao cometimento do estupro. 
Destarte, percebe-se que mesmo com a evolução social, o pensamento 
machista, retrógrado e ultrapassado, de épocas passadas, de que a mulher deveria 
servir seu marido ainda continua presente nos dias atuais, bem como é possível 
observar que o crime de estupro carrega ainda traços de uma cultura enraizada na 
sociedade, onde a mulher era vista como objeto e seu corpo alvo de fácil acesso. 
 
3.1. TIPO PENAL ESTUPRO E SUAS MODIFICAÇÕES 
 
No Brasil vigorou na colonização portuguesa uma coletânea de leis 
promulgadas por Dom Afonso V. Conhecido como Código Afonsino, nele o estupro 
possuía duas distinções: estupro voluntário, caracterizado no Título VIII, do Livro V, 
sob o título ―Do que dorme com moça virgem, ou viúva per fua vontade‖;7 e estupro 
 
7
 BRASIL. Ordenações Filipinas. Disponível em: <http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l5ind.htm>. 
Acesso em: 12 de maio de 2020. 
http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l5ind.htm
26 
 
violento, tratado no Título VI como ―Da Mulher, e como fe deve a provar a força‖.8 No 
primeiro caso, o delito possuía como punição o casamento ou, no caso da vítima se 
recusar, o pagamento de um dote. Tencionava-se neste caso, penalizar um pecado 
que ia contra os ensinamentos de Deus. Já a punição do segundo delito era a pena 
de morte, porém nesse caso apenas as mulheres virgens, religiosas, casadas ou 
―viúvas honestas‖ poderiam ser as vítimas. 
Mais a diante, passou a vigorar o Código Manuelino, também chamado de As 
Ordenações Manuelinas, estas foram promulgadas pelo Manuel I de Portugal. Estas 
legislações previam o estupro violento no Título XIV, do Livro V, ―Do que dorme por 
força com qualquer molher, ou traua della, ou a leua por sua vontade‖, era tipificado, 
também, o estupro voluntário no Título XXIII, ―Do que dorme com moça virgem, ou 
viuva honesta por sua vontade, ou entra em casa d'outrem pera com cada hua dellas 
dormir, ou com escrava branca de guarda. E do que dorme com molher, que anda 
no Paço‖ 9. 
Neste período da história, as escravas e prostitutas foram incluídas no polo 
passivo do crime, porém as punições continuaram as mesmas, sendo que a sanção 
para o estupro violento era a pena de morte e a do estupro voluntário era o 
casamento ou, com a recusa da vítima, o pagamento de um dote. 
Posteriormente, foram promulgadas, por Filipe II da Espanha, as Ordenações 
Filipinas, também conhecidas como Código Filipino. O crime de estupro voluntário 
de mulher virgem estava previsto no Título XXIII, do Livro V, ―Do que dorme com 
mulher virgem, ou viúva honesta por sua vontade‖.10 A pena para o autor do crime, 
assim como no código anterior, era o casamento com a vítima e, se caso não 
pudesse se realizar, deveria pagar um dote para a família. Porém, se o autor não 
obtivesse bens, era açoitado e exilado. Contudo, se o autor fosse uma pessoa com 
uma posição social privilegiada ou um fidalgo, seria apenas exilado, ou seja, seria 
retirado do local de domicílio da ―donzela‖ 11. 
No Título XVIII, do mesmo código, o estupro violento era tipificado como 
―Todo homem, de qualquer stado e condição que seja, que forçosamente dormir com 
 
8
 BRASIL. Ordenações Filipinas. Disponível em: <http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l5ind.htm>. 
Acesso em: 11 de maio de 2020. 
9
 BRASIL. Ordenações Manuelinas. Disponível em: 
<http://www.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas//l5ind.htm>. Acesso em: 13 mai. 2020. 
10
 idem11
 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: Parte especial – arts. 121 a 249. Vol. 2. 7. 
ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 637 
http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l5ind.htm
http://www.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas/l5ind.htm
27 
 
qualquer mulher posto que ganhe dinheiro per seu corpo, ou seja scrava, morra por 
ello‖.12 Aqui o estupro era castigado com a pena de morte, mesmo que o autor se 
casasse com a vítima. 
Dessa forma, entende-se que as Ordenações tinham como objetivo proteger 
apenas as ―donzelas‖, sendo que as mulheres que não se encaixavam no 
comportamento social previsto na época não eram merecedoras da proteção jurídica 
do Estado. 
Através da Instauração do Império no Brasil e o surgimento da Constituição 
de 1824, em 1831, sancionado por D. Pedro I, foi criado o Código Criminal do 
Império, considerado o primeiro código penal brasileiro, o qual permaneceu em vigor 
até 1891. 
Conforme Martins (2013), o Código Criminal do Império do Brasil foi a 
primeira legislação a utilizar a palavra ―estupro‖ para tipicar um crime. 
Todavia, tal palavra não simbolizava apenas o crime de conjunção carnal, 
também abordava outros delitos de cunho sexual, sendo, portanto, uma 
escrita duramente criticada pela doutrina. O Título II, Capítulo II, Secção I, 
do Código Criminal brasileiro de 1830 previa, sob a mesma rubrica de 
―estupro‖, os seguintes delitos: a) deflora- mento de mulher virgem e menor 
de 16 anos (artigo 219); b) defloramento de mulher virgem e menor de 16 
anos por quem a tem sob seu poder ou guarda (artigo 220); c) defloramento 
de mulher virgem e menor de 16 anos por pessoa a ela relacionada por grau 
de parentesco que não admita dispensa para casamento (artigo 221); d) 
cópula carnal por meio de violência ou ameaça com mulher honesta (artigo 
222); e) ofensa pessoa a mulher para fim libidinoso, causando-lhe dor ou 
mal corpóreo, sem que se verifique a cópula carnal (artigo 223); e f) 
sedução de mulher honesta e menor de 17 anos, praticando com ela 
conjunção carnal (artigo 224) (MARTINS, 2013, p. 22-23). 
 
No Código Criminal lia-se o estupro tipificado no Capítulo II, artigo 222, o qual 
versava a respeito ―Dos crimes contra a segurança da honra‖, do Título II, tratando 
―Dos crimes contra a segurança Individual‖. O artigo trazia como definição de 
estupro a copula carnal por meio de violência, ou ameaças, com qualquer mulher 
honesta, e sua pena previa prisão de três a doze anos, e casamento com a 
ofendida. Se a violentada fosse contra prostitutas, a pena seria prisão de um mês a 
dois anos13. Cabe destacar que o artigo 225 previa a possibilidade de extinção da 
pena de estupro caso a ofendida viesse a casar com o agressor. 
De acordo com Cuano (2001), junto com a queda da Monarquia brasileira 
surgiu o nascimento da República, e de novos ideais para o país, o que levou a 
 
12
 BRASIL. Ordenações Afonsinas. Disponível em: Acesso em: 13 mai. 2020. 
13
 BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Código Criminal. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm>. Acesso em: 13 de maio de 2020. 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm
28 
 
promulgação de um novo Código Penal em 1890, também conhecido como Código 
Penal dos Estados Unidos do Brasil. 
Este novo Código tipificava o crime estupro em seu Capítulo I, título VIII, que 
tratava ―Da violência carnal‖, e que versava ―Dos crimes contra a segurança da 
honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor‖. Dessa forma, o bem 
jurídico a ser protegido passou a ser também a honra da família, não apenas a da 
vítima. 
Analisando o artigo 268 percebe-se em sua descrição: Estuprar mulher 
virgem ou não, mas honesta: Pena – de prisão cellular por um a seis anos.§ 1.º Se a 
estuprada for mulher publica ou prostituta: Pena – de prisão cellular por seis meses 
a dois anos.§ 2.º Si o crime for praticado com o concurso de duas ou mais pessoas, 
a pena será aumentada da quarta parte.14 Dessa forma, nota-se que a vítima não 
mais precisava ser virgem, porém deveria se enquadrar no estereótipo de mulher 
honesta. Permanecia ainda a visão moral do Estado de que a mulher deveria ter um 
comportamento social honesto para que fossem dignas da proteção do direito penal. 
Observa-se também a distinção entre as penas quanto ao estupro realizado contra 
uma mulher honesta a pena seria de prisão de um a seis anos, já a violência 
praticada contra uma mulher pública, ou prostituta a pena era de dois meses a dois 
anos, ou seja, uma pena mais leve para o segundo caso. 
Avançando na história, tem-se a redação do Código Penal de 1940, 
elencando a violência sexual em seu Título VI, Capítulo I, artigo 213, com a redação: 
―Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena 
– reclusão, de três a oito anos‖,15. O título VI versava ―Dos crimes contra os 
costumes‖, seu Capítulo I tratava sobre ―Dos crimes contra a liberdade sexual‖16. 
Quanto ao atentado violento ao pudor o artigo seguinte, 214, tipificava como 
―Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir 
que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal‖,17 tendo como 
pena dois a sete anos. Aqui nota-se a exclusão do termo ―mulher honesta‖ na 
 
14
 BRASIL, Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Codigo Penal. 
Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049>. Acesso em: 
13 de maio de 2020. 
15
 BRASIL, Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Codigo 
Penal. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049>. Acesso 
em: 13 de maio de 2020. 
16
 idem 
17
 idem 
http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049
http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049
29 
 
tipificação do crime de estupro, porém tal tipificação ainda se encontrava em outros 
delitos do código. 
A primeira modificação substancial no tipo penal do estupro foi em 13 de julho 
de 1990, realizada pela Lei Federal nº 8.069, o Estatuto da Criança e do 
Adolescente, a qual inseriu um parágrafo prevendo a pena de quatro a dez anos de 
reclusão para os casos em que a vítima fosse menos de 14 anos. Porém o referido 
parágrafo durou apenas seis anos, sendo revogado expressamente pela Lei Federal 
nº 9.281/96. 
Dessa forma, entende-se que o Código Penal de 1940 e a sociedade, ainda 
não haviam se adequado a atual realidade do cenário brasileiro, estavam ligados 
aos ideais antigos que justificavam o crime de estupro e a visão objetificada da 
mulher, razão pela qual posteriormente surgiu a necessidade de reformas 
substanciais referente aos crimes sexuais. 
Após um projeto de lei proposto pela Deputada Federal Maria do Rosário e as 
Senadoras Patrícia Saboya Gomes e Serys Maly Slhessarenko, com o objetivo de 
adequar aos preceitos constitucionais, viu-se, com a promulgação da Lei nº 
12.015/2009, finalmente a real mudança que as mulheres durante anos clamaram. 
Atualmente, o crime de estupro está tipificado no artigo 213 do Código Penal 
Brasileiro, figurando no Título VI da Parte Especial do referido diploma legal que 
após a Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, passou a ter nova redação prevendo 
os intitulados ―Crimes Contra a Dignidade Sexual‖, antigamente chamados de 
―Crimes Contra os Costumes‖. 
Conforme Greco (2011), a alteração de terminologia do referido Título, em 
2009, veio como meio de moldar os tipos penais à nova realidade dos bens jurídicos 
protegidos, considerando que o foco da proteção já não era mais a maneira como os 
indivíduos deveriam se comportar sexualmente perante a sociedade do século XXI, 
mas sim a tutela de sua dignidade sexual. 
De acordo com Prado (2010), o intuitodas modificações realizadas em 2009 
foi afastar qualquer aversão arcaica e imprópria com relação à moral e aos bons 
costumes presentes, no até então vigente, Código Penal de 1940, deixando de lado 
os conceitos em desuso ou em contradição com a cultura da sociedade e seu 
momento histórico social. 
 Nessa conjuntura, houve uma considerável transformação, visto que antes da 
implantação da nova legislação, a postura do legislador era de simplesmente 
30 
 
proteger os costumes e a moral social, porém, com as mudanças advindas pela 
nova lei, o bem jurídico tutelado veio a ser a liberdade e a dignidade sexual do 
indivíduo, ou seja, sua intimidade e autodeterminação para dispor do seu corpo. 
A lei, portanto, tutela o direito de liberdade que qualquer pessoa tem de 
dispor sobre o próprio corpo, no que diz respeito aos atos sexuais. O 
estupro, atingindo a liberdade sexual, agride, simultaneamente, a dignidade 
do ser humano, que se vê humilhado com o ato sexual (GRECCO, 2011, p. 
616). 
 
Antes das mudanças trazidas pela Lei nº 12.015/2009, o caput do artigo 213, 
do Código Penal, que versava acerca do estupro de natureza simples, trazia a 
seguinte redação: Estupro Artigo. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, 
mediante violência ou grave ameaça: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. 
 Após a adoção da nova lei, a redação do dispositivo ficou da seguinte 
maneira: Artigo 213 – Estupro - Constranger alguém, mediante violência ou grave 
ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique 
outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. § 1º Se da conduta 
resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou 
maior de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. § 2º Se da 
conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. 
Dessa forma, observa-se que após as mudanças instituídas no supracitado 
diploma legal, o delito de estupro começou a ser considerado crime comum, ou seja, 
não exigia qualquer qualidade especial do sujeito ativo ou passivo, podendo ser 
cometido por qualquer pessoa a qualquer pessoa, ainda que a figura anterior do 
sujeito passivo ―mulher‖ tenha sido substituída pelo termo ―alguém‖, tornando 
indiferente o sexo da vítima para sua caracterização. 
De acordo com Castro (2017), a nova lei agrupou em um só tipo penal as 
figuras delitivas de estupro (artigo 213) e atentado violento ao pudor (artigo 214), 
anteriormente previstas em tipos penais autônomos, não existindo mais uma 
distinção tipográfica entre elas. 
Contudo, é importante destacar que não houve a chamada aplicação do 
instituto jurídico do abolitio criminis18, uma vez que a conduta prevista na lei anterior 
no artigo 214 do Código Penal continua sendo punitiva, com a tipificação de estupro. 
Consoantes os ensinamentos de SANCHES (2009, p. 36 - 37 apud GRECO, 
2011, p. 640), o estupro e o atentado violento ao pudor tornaram-se crimes únicos, 
 
18
 Abolição do crime por supressão da figura criminosa 
31 
 
cabendo ao magistrado, no caso de multiplicidade de atos praticados em uma 
mesma relação e contexto, aplicar a dosagem adequada da pena. 
A Lei nº 12.015/2009 alterou também a redação dada pela Lei nº 8.072/90 
(Lei de Crimes Hediondos), pacificando a controvérsia existente na doutrina e na 
jurisprudência de tribunais superiores, uma vez que predominava o entendimento de 
que todas as formas de estupro eram consideradas hediondas, e se entendia que 
somente o estupro nas suas formas qualificadas poderia ser visto como hediondo. 
Desse modo, com a reestruturação legislativa sustentou-se o entendimento, 
igualmente observado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de que qualquer 
espécie de estupro, seja ele simples ou qualificado, será considerada hediondo. 
Ao fazer um breve estudo no tipo penal estupro, percebe-se que o mesmo 
possui como elemento subjetivo o dolo, não havendo a modalidade culposa frente a 
carência de dispositivos legais nesse sentido. Portanto, conforme explica GRECCO 
(2011, p. 617), se de forma imprudente o agente, correndo pela praia, se 
desequilibra e cai com o rosto nas nádegas da vítima, que ali estava deitada 
tomando banho de sol, ele não poderá ser culpabilizado pelo crime de estupro, uma 
vez que tal delito não admite a modalidade culposa. 
Aprofundando o estudo, faz-se necessário considerar o núcleo do tipo penal e 
a aplicação do verbo constranger, aplicado no sentido de coagir, forçar, subjugar ou 
obrigar a vítima a pratica do ato sexual ou qualquer outro ato libidinoso. O modus 
operandi do constrangimento é a violência ou grave ameaça aplicada, não sendo 
necessário que as mesmas sejam irresistíveis, sendo suficiente que sejam idôneas a 
ponto de acarretar a coação ou constrangimento da vítima. 
O termo violência aborda o conceito do emprego da força física capaz de 
impedir ou dificultar de qualquer maneira a resistência da vítima, levando o ato às 
vias de fato ou a uma lesão corporal, podendo ser direta ou imediata quando voltada 
contra a vítima, ou indireta ou mediata quando dirigida à pessoa ou coisa ligada à 
vítima. 
Grave ameaça é a expressão para designar o constrangimento moral por 
meio do qual o indivíduo impõe sua vontade à outra pessoa buscando que se faça o 
que lhe é mandado, sendo o mesmo capaz de importunar a liberdade psíquica e a 
tranquilidade da vítima. 
Considerando a primeira parte do caput do artigo 213, a intenção do 
constrangimento pelo qual a vítima é submetida é o ato da conjunção carnal, não 
32 
 
interessando para a caracterização do crime se houve ou não a ejaculação por parte 
do agressor, tampouco rompimento do hímen em caso de mulher virgem. Porém não 
existirá o crime se a conjunção carnal ocorrer com consentimento, salvo quando o 
consentimento vier viciado em virtude de enfermidade, doença mental, idade ou 
qualquer outra forma de restringir a capacidade de resistência da vítima (art. 217-A 
do Código Penal). 
[...] a falta de consentimento é um elemento essencial para que ocorra o 
crime de estupro. Mas o contato físico nem sempre é necessário para sua 
caracterização. Embora seja consolidado o entendimento do STJ no sentido 
da necessidade de contato físico para que ocorra o delito, pensamos que o 
fato deverá ser analisado caso a caso. Imaginemos que o autor constranja a 
vítima a masturbar-se enquanto ele permanece exercendo atividade 
meramente contemplativa. Note que não houve contato físico entre a vítima 
e o agente, mas o crime foi consumado no instante em que o agente coagiu 
a vítima a praticar atos de libidinagem sobre o seu próprio corpo. Assim 
podemos concluir que a vítima poderá agir de forma ativa, passiva, ativa e 
passiva, isto significa que o crime estará caracterizado quando o agente 
obriga a vítima a praticar atos nele ou quando constrange a vítima a permita 
que nela se pratique e por fim quando o agente obriga a vítima a praticar 
atos de libidinagem sobre o corpo dela (TRINDADE, 2011, p.3). 
 
Em relação à segunda parte do caput do artigo 213, o novo texto considera 
estupro o constrangimento provocado pelo agente com a intenção de fazer com que 
a vítima, seja ela do sexo feminino ou masculino, permita que seja com ela praticado 
outro ato libidinoso. O termo ―outro ato libidinoso‖ estende-se a todos os atos de 
natureza sexual que tenham por objetivo satisfazer a libido do agente, que não a 
conjunção carnal. A expressão, libidinoso, faz referência a todo ato carnal, sensual, 
erótico, u voluptuoso ou devasso, que visa prazer sexual. 
Dessa forma, o sexo oral, os toques íntimos, o coito anal ou quaisquer 
contatos voluptuosos, praticados mediante o emprego da violência ou grave 
ameaça, são considerados exemplos de atos libidinosos diversos da conjunção 
carnal. Contudo, convém ressaltar que por tal conceito ser abrangente,será exigido, 
por parte do magistrado, sua valoração no caso concreto. 
Também derivada da Lei nº 12.015/09, outra mudança importante foi a 
alteração dada a redação do artigo 225 do Código Penal, a qual aboliu a ação penal 
privada nos crimes de estupro. Destarte a ação penal passou a ser, em regra, 
pública e condicionada à representação da vítima, será apenas de ação pública 
incondicionada se a vítima for menor de 18 (dezoito) anos ou for pessoa 
considerada vulnerável. Portanto, qualquer que seja o crime sexual, o titular da ação 
passou a ser o Estado representado pelo Ministério Público. 
33 
 
Por fim, sendo esclarecido o delito de estupro na legislação brasileira, 
examinar-se-á, a cultura do estupro e de que maneira ela influencia os discursos 
jurídicos proferidos pelos magistrados em processos judiciais. 
 
34 
 
4. A CULTURA DO ESTUPRO E A CULPABILIZAÇÃO DA VITIMA 
 
A ―cultura do estupro‖ é um termo utilizado para descrever o padrão 
construído em virtude da violência sexual sofrida pelas mulheres e que foi 
historicamente difundida em visões pré-históricas onde a mulher era objetificada e 
subordinada ao homem, sendo ele dela possuidor. Trata-se da normalização dessa 
forma de violência, levando a uma visão de que a mulher é um ser inferior e deve ser 
subordinada e rebaixada. (BURIGO, 2016). 
Segundo dados colhidos pelo Centro das Mulheres da Universidade 
Marshall19, nos Estados Unidos, a expressão é utilizada para representar um cenário 
onde a violência sexual contra as mulheres é predominante e banalizada na 
sociedade, na mídia e na cultura popular. De acordo a Organização das Nações 
Unidas do Brasil (ONUBR)20, o termo é utilizado para expressar a maneira com a 
qual a sociedade entende como natural o comportamento sexual agressivo dos 
homens, transmitindo a culpa da violência sexual para a vítima com base em 
estereótipos de gênero e sexualidade dirigidos às mulheres. 
Assim, de acordo com Castro (2017), entende-se que na Cultura do Estupro 
apesar de a sociedade condenar e tipificar o crime de estupro, algumas violações 
sexuais são vistas como legítimas e justificáveis fundamentadas em estereótipos e 
papéis de gênero pré-estabelecidos socialmente. 
Dentro dessa cultura a mulher é vista como um objeto que provoca e não age 
como deveria dentro da sociedade na qual vive, fazendo com que o homem não 
tenha outra opção a não ser obedecer a seus instintos biológicos e aliviar seus 
desejos. Para Engel (2017), a cultura do estupro normaliza a violência sexual e a 
transforma no resultado inevitável diante da postura da mulher, e não um crime 
bárbaro que merece a devida punição. 
Mesmo que não haja uma relação direta entre a atitude da mulher violentada, 
com a violência sofrida, predomina em grande parte da sociedade a dúvida quanto à 
existência de uma possível culpa indireta da vítima. 
Além das mulheres, tal cultura também afeta os homens homossexuais, ou 
qualquer homem considerado afeminado uma vez que, em decorrência da sua 
 
19
 MARSHALL,UNIVERSITY. Rape Culture. Disponível em: 
<www.marshall.edu/wcenter/sexualassault/rape-culture/>. Acesso em: 11 de maio de 2020. 
20
 ONUBR. Por que falamos de cultura do estupro? Disponível em:< nacoesunidas.org/por-
quefalamos-de-cultura-do-estupro/>. Acesso em 11 de maio de 2020. 
35 
 
sexualidade ou por uma questão de fraqueza também são alvos do crime de 
estupro. As mulheres homossexuais também passam pela mesma situação quando 
os agressores as humilham na tentativa de uma possível correção de sexualidade, 
para torna-las heterossexuais. 
De acordo com Estefam (2016), a cultura do estupro não trata apenas da 
inferioridade feminina, ela aborda todos os padrões patriarcais socialmente 
disseminados. 
Conforme Grossi e Werba (2001), o machismo pode ser considerado como a 
base da cultura do estupro presente até hoje. Para as autoras, duvidar da 
declaração de uma mulher sobre a violação sofrida apenas com base em 
argumentos machistas, sem a devida análise concreta do caso é machismo. E é este 
machismo que sustenta a cultura do estupro ao longo das décadas que se passam. 
Devido aos conceitos sociais pré-estabelecidos derivados de uma construção 
social da mulher, o crime de estupro passa a ser visto com menor importância 
quando a vítima está fora dos padrões, tal atitude leva a cultura do estupro. 
 A noção da suposta culpa indireta da vítima é marcada pelo imaginário social 
através da existência de dúvidas e questionamentos sobre sua conduta, 
principalmente aquelas relacionadas à sua vida afetiva, sexual e familiar, afastando 
o foco do agressor. 
A realidade brasileira evidencia que para a sociedade a visão de uma mulher 
bêbada é considerada mais ofensiva do que um homem que a estupre nessas 
condições. Essa realidade é demonstrada através dos dados levantados pela 
pesquisa elaborada pelo Instituto Data Popular e Avon21, que apurou que 85% dos 
homens julgam inaceitável a embriaguez de uma mulher e que 46% julgam 
inadmissível o uso de roupas decotadas ou justas, sendo elas muitas vezes 
responsáveis pela prática do crime sexual. 
Observa-se que sempre haverá sempre uma justificativa para a violência, 
porém independente da conduta da vítima os estupros ocorrem em qualquer lugar, 
âmbito e condição. Eles tendem a ser, na verdade, perpetrados por pessoas do ciclo 
social, por agressores já conhecidos, 65% dos estupros de adultos ocorrem dentro 
 
21
 Pesquisa Instituto Avon/Data Popular. Violência contra a mulher no ambiente universitário. 
Disponível em 
http://www.ouvidoria.ufscar.br/arquivos/PesquisaInstitutoAvon_V9_FINAL_Bx20151.pdf> Acesso em 
13 de maio de 2020. 
36 
 
da própria residência, índice que chega a 79% quando a vítima é criança (IPEA- 
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2014a, p. 12). 
As indagações feitas sobre a mulher vítima de estupro são de maneira geral, 
sobre o local que se encontrava e em qual horário, a roupa que estava vestindo, o 
nível de álcool em seu sangue, se o sujeito ativo era conhecido, e sobre o seu 
desempenho sexual na vida social. Segundo as autoras Rost e Vieira (2015), 
perguntas como ―O que ela estava fazendo naquele local e naquele horário?‖; 
―Estava acompanhada?‖; ―Como estava vestida?‖; ―Estava dançando, bebendo e 
divertindo-se?‖, demonstram a aceitação e a disseminação de um comportamento 
sexista que legitima a violência cometida, cabendo à mulher como forma de proteção 
o ―bom comportamento‖. Dessa forma, perante o pensamento de grande parte da 
sociedade, a agressão passa a ser vista como responsabilidade das vítimas, que 
através de suas decisões de como se portar, se vestir, se comunicar e viver sua vida 
legitimaram a violência. 
Os comentários discriminatórios emanados pelo seio social ―se estivesse 
estudando não seria estuprada‖, ―se ela estivesse na Igreja não seria estuprada‖, ―se 
ela possuísse namorado fixo não seria violentada‖, dentre muitos outros que surgem 
diante o relato de um estupro, também não prestam compromisso com a realidade e 
não podem ser mais propagados. 
Cabe salientar, que o estupro em nada tem a ver com a roupa que a vítima 
está usando, mesmo as mulheres mesmo cobertas dos pés a cabeça, são 
assediadas e estupradas, sendo pelos estupradores e pela sociedade como 
provocadoras daquele ato. Ainda, e o estupro versasse acerca da conduta sexual 
anterior da vítima, as crianças não seriam estupradas, mas elas são e figuram como 
70% das vítimas (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2014a, p. 
7). 
Uma pesquisa desenvolvida pelo IPEA22 através do Sistema de Indicadores 
de Percepção Social, feita entre maio e junho de 2014 em 212 municípios do Brasil, 
expôs que 58,5% dos entrevistados concordam de modo parcial ou total, que se a 
mulher soubesse se comportar haveria um número reduzido de casos de estupro.22
 IPEA. Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde (versão preliminar). 
Disponívelem:<www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/140327_notatecnicadiest11.
pdf>. Acesso em: 10 de maio de 2020. 
37 
 
Portanto, a maior parte dos entrevistados compactua com a ideia de ter a figura 
feminina como partícipe do crime praticado contra ela mesma. 
Outra pesquisa, também realizada pelo Instituto Avon e Data Popular concluiu 
que 85% dos homens julgam inaceitável a embriaguez de uma mulher, a pesquisa 
evidenciou, ainda, que 27% dos entrevistados não consideram violência abusar de 
mulheres em estado alcoólico. Dessa forma, a violência contra a mulher é admitida 
em determinadas situações, sendo legitimada pela suposta conduta inadequada da 
vítima. 
Outro dado levantado pelo primeiro estudo foi que 46% dos entrevistados 
julgam inaceitável a utilização de roupas justas ou decotadas por mulheres, ao 
passo que 26% dos entrevistados acreditam que mulheres que usam roupa que 
mostra o corpo merecem ser atacadas. 
Frente aos dados expostos pelas pesquisas entende-se que a opinião 
majoritária visa limitar a mulher, a qual não pode beber e muito menos vestir-se 
como julgar adequado, sem ser alvo de imputação de culpa ou de discriminação. 
A mulher tende a receber a culpa, não somente pelo estupro, mas também 
em outras situações cotidianas, como por exemplo, pela infidelidade conjugal, pelo 
insucesso matrimonial e, até mesmo, pela fracassada relação sexual. Contudo, em 
nenhum cenário a origem do problema é averiguada, ou o real autor, simplesmente 
voltam-se os olhares para a vida particular da vítima, acreditando ser ela a razão e a 
culpada de todos os males sofridos. 
De acordo com Andrade (2005), por ser um entendimento difundido no seio 
social, as delegacias de polícia, o judiciário, as autoridades policiais, e todo o 
Sistema de Justiça Criminal (SJC) acabam seguindo a mesma linha de raciocínio, 
agindo de acordo com as peculiaridades da Lei patriarcal, dessa forma encontram-se 
despreparados para lidar com crimes sexuais. 
 
[...] num sentido forte, o SJC (salvo situações contingentes e excepcionais) 
não apenas é um meio ineficaz para a proteção das mulheres contra a 
violência (particularmente da violência sexual, que é o tema da pesquisa) 
como também duplica a violência exercida contra elas e as divide, sendo 
uma estratégia excludente que afeta a própria unidade (já complexa) do 
movimento feminista (ANDRADE, 2005, p. 75). 
 
Assim, a violência sofrida pela vítima é duplicada, além de violentada na 
ocorrência do estupro, sofre posteriormente quando do relato às autoridades 
competentes, que agem desta maneira, em conluio para com o agressor e para com 
38 
 
a conduta criminosa (LIMA, 2012, p. 20), colaborando para o silêncio das vítimas e 
também com a porcentagem de menos de 10% dos ocorridos que são reportados à 
polícia (FAÚNDES et al., 1998 apud IPEA, 2014, p. 6). 
Embora a palavra da vítima disponha de presunção de veracidade, conforme 
entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal de Justiça, as informações por ela 
dada deverão ser compatíveis com as provas juntadas aos autos. É aqui que se 
encontra o problema, uma vez que os demais elementos probatórios são, na 
verdade, a análise da conduta moral e sexual da vítima, culminando ―[...] por ver-se 
ela própria ‗julgada‘ pela visão masculina da lei, da polícia, da Justiça‖ (ANDRADE, 
2005, p. 93; LANA et al., 2016, p. 173). 
O estupro é a violência causada pelos estupradores, pela misoginia, pela 
violência estruturada na sociedade, pela tolerância institucional, pela desigualdade 
de gênero, por uma mentalidade machista e discriminatória que não possui qualquer 
relação com a atitude moral ou conduta da vítima. 
Baseada na cultura do estupro tem-se a ideia de que toda mulher possui em 
si uma característica que pode ser utilizada para que seja culpabilizada. 
Justificativas para esse tipo de pensamento estão presentes na banalização dos 
valores humanos, onde as relações das vestes de uma pessoa são associadas com 
sua índole na criação de um estereótipo, seguindo uma linha de raciocínio em que 
se a mulher se veste de modo vulgar (frente ao padrão de vestimenta ideal pré-
estabelecido pela sociedade) ela está pedindo para ser estuprada ou merecendo 
que o crime ocorra. 
Outra vertente que defende tal pensamento se vê através da vitimologia, 
ciência que estuda a vítima em si e busca entender sua relação com o cometimento 
de um crime. Pode ser a vitimologia estudada, de uma maneira manipulada, a fazer 
entender que houve razões, no caso do estupro, para que a vítima fosse atacada. 
Isso acontece através da comparação feita do estupro com outros crimes, o que 
acaba banalizando o delito aqui estudado. 
Assim, se o cenário de uma pessoa que anda na rua falando ao celular tende 
a facilitar o crime de roubo, da mesma maneira, a roupa provocante e curta da 
mulher facilitaria o estupro. 
Diante de tantas justificativas, é nítido que a sexualidade vem ocupando cada 
vez mais espaço na sociedade. Tal fato poderia ser considerado um aspecto positivo 
caso estivesse acompanhado de uma adequada conscientização com relação aos 
39 
 
cuidados a serem tomados nas relações sexuais e quanto à igualdade entre os 
gêneros no desenvolvimento de suas sexualidades. 
Dessa forma, nada justifica a opressão da mulher através do estupro nem da 
objetificação da figura feminina, muito menos do fato de recair na vítima a culpa pela 
irresponsabilidade de seu estuprador, porém tal aspecto se faz presente cada vez 
mais de forma banalizada. 
Essa intolerância encontra suporte nas crenças retrógradas e machistas do 
patriarcalismo, o qual colocava a mulher como figura submissa ao homem, que para 
ser diga de respeito deveria ser recatada e ter seus desejos reprimidos para 
satisfazer os homens que faziam parte do seu ciclo de convívio. 
Segundo essas crenças, a mulher não pode praticar a sua sexualidade e, 
caso isso aconteça, ela deve estar à disposição de qualquer pessoa que queira 
disso se aproveitar para sua própria satisfação. Ainda pior, tais valores pressupõe 
que a liberdade da mulher é menos importante e menos valiosa quando comparada 
à do homem que dela abusa. 
Portanto, a aceitação dos padrões criados pelo machismo por parte da 
maioria da população é prova da existência e da insistência desses valores na nossa 
sociedade. Essa permissão social gera não apenas um retrocesso, mas, para a 
própria vítima, é uma espécie de sofrimento, uma tortura psicológica de julgamento 
irresponsável, envolta em uma punição extraoficial da sociedade machista pelo 
comportamento doentio do seu estuprador. 
Frente à barreira que se tem ao falar em estupro, as pessoas tendem a 
confundir seu significado, de maneira com que os homens desconheçam o 
consentimento e confundam a configuração do crime, supondo haver uma diferença 
entre forçar uma mulher a fazer sexo e a estuprar. Em 2014, homens de uma 
universidade dos Estados unidos foram entrevistados a respeito da prática do delito 
de estupro, os dados da pesquisa evidenciaram que 31,7% dos entrevistados 
confessaram que forçariam mulheres a manter relações sexuais com eles caso não 
houvesse consequências e, 13,6% expressaram que estuprariam sim uma mulher. 
(EDWARD, BRADSHAW, HINSZ, 2014, p. 190). Contudo, é importante ressaltar que 
obrigar alguém a fazer sexo, constranger o indivíduo para a relação sexual ou ter 
sexo não consentido é equivalente a estuprar. 
40 
 
No Brasil, de acordo com a pesquisa quantitativa feita pela Fundação 
Brasileira de Segurança Pública (FBSP)23 e com dados coletados pelo Datafolha, 
divulgados em 21 de setembro de 2016, um em cada três brasileiros culpa a mulher 
pela violência sexual sofrida e, 42% dos homens concordam com a afirmação de 
que ―Mulheres que se dão ao respeito não são estupradas‖, enquanto 63% das 
mulheres

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