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UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU – FURB 
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS 
CURSO DE DIREITO 
 
 
 
 
 
 
FEMINICÍDIO: NOVA CIRCUNSTÂNCIA QUALIFICADORA DO CR IME DE 
HOMICÍDIO DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO COM RELAÇÃO À VIOLÊNCIA 
DE GÊNERO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BLUMENAU 
2015 
LARISSA LAÍS GAMA 
LARISSA LAÍS GAMA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FEMINICÍDIO: NOVA CIRCUNSTÂNCIA QUALIFICADORA DO CR IME DE 
HOMICÍDIO DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO COM RELAÇÃO À VIOLÊNCIA 
DE GÊNERO 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado 
ao Curso de Graduação em Direito do Centro 
de Ciências Jurídicas da Universidade 
Regional de Blumenau, como requisito 
parcial para a obtenção do grau em Bacharel 
em Direito. 
 
Prof. Me. Rodrigo Fernando Novelli - Orientador 
 
 
 
 
 
 
BLUEMANAU 
2015 
LARISSA LAÍS GAMA 
 
 
 
 
FEMINICÍDIO: NOVA CIRCUNSTÂNCIA QUALIFICADORA DO CR IME DE 
HOMICÍDIO DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO COM RELAÇÃO A VIOLÊNCIA 
DE GÊNERO 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado em 
05/12/2015 pela banca examinadora, com a 
atribuição de nota 10,00. 
 
 
 
 
____________________________________________________________ 
Presidente: Prof. Me. Rodrigo Fernando Novelli – Orientador, FURB 
 
 
 
____________________________________________________________ 
Membro: Prof. Rodrigo Koenig França, FURB 
 
 
 
 
 
Blumenau, 10 de novembro de 2015 
DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE 
 
 
Por meio deste instrumento, isento meu Orientador e a Banca Examinadora de qualquer 
responsabilidade sobre o aporte ideológico conferido ao presente trabalho. 
 
 
 
 
_____________________________________________ 
LARISSA LAÍS GAMA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Esta Monografia é dedicada aos 
meus pais Jerônimo Pereira de 
Souza Gama e Inara Margot Xavier 
Gama. A todas as mulheres que de 
alguma forma foram vítimas da 
violência e descriminação. 
 
AGRADECIMENTOS 
Meus agradecimentos à minha família, por todo apoio e incentivo ao longo desta 
jornada, em especial aos meus pais, a quem devo a vida, a educação e todo o amor do mundo. 
Ao Luís Gustavo, pela compreensão e carinho. Aos professores e colegas do Curso, pela troca 
de experiências e constante aprendizado. 
Em especial ao professor Rodrigo Fernando Novelli, pela orientação, incentivo e 
grande parte do meu conhecimento em direito penal, matéria pela qual me apaixonei. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Busco a independência da mulher, 
seu direito de se apoiar; de viver por 
sua conta; de amar quem quer que 
deseje, ou quantas pessoas deseje. Eu 
busco a liberdade de ambos os sexos, 
liberdade de ação, liberdade de amor 
e liberdade na maternidade.” Emma 
Goldman 
 
RESUMO 
O presente trabalho trata da nova circunstância qualificadora do crime de homicídio, instituída 
pela Lei 13.104/2015, que tipifica a figura do feminicídio. Para isto, analisa-se primeiramente 
o conceito jurídico de mulher para estabelecer o critério a ser utilizado para definir quando o 
crime de homicídio deve ser enquadrado na qualificadora. Em seguida, aborda-se a 
circunstância qualificadora com mais profundidade, conceituando-se, explicitando os critérios 
a serem utilizados, suas espécies, hediondez e a competência para seu julgamento. Por fim, 
apresentam-se estatísticas dos homicídios praticados contra mulheres no Brasil, sua 
vitimologia, a polêmica da constitucionalidade face o princípio da igualdade e explana-se a 
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito de Violência Contra a Mulher, que recomendou a 
criação da lei. 
 
Palavras-chave: Lei 13.104 de 2015. Feminicídio. Homicídio qualificado. Crime hediondo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
This paper deals with the new qualifying circumstances of murder crimes, established by 
Brazilian law 13.104/2015, which typifies the femicide figure. For this purpose, first consider 
whether women’s legal concept is established, after use the criteria to define when the 
homicide should be classified in qualifying. Then deals with the qualifying circumstance more 
deeply, conceptualizing up, explaining the criteria to be used, their species, hideousness and 
competence to their judgment. Finally, statistics related to homicides committed against 
women in Brazil will be presented, also their victimology, the controversy of the 
constitutionality and international and national legal frameworks that culminated in the 
creation of the law. 
 
Keywords: Law 13.104, 2015. Femicide. Degree murder. Heinous crime. 
 
 
SUMÁRIO 
1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................10 
2 CONCEITO JURÍDICO DE MULHER.................................................................12 
2.1 CRITÉRIO PSICOLÓGICO.......................................................................................12 
2.2 CRITÉRIO JURÍDICO CÍVEL ..................................................................................14 
2.3 CRITÉRIO BIOLÓGICO ...........................................................................................15 
3 LEI 13.104 DE 09 DE MARÇO DE 2015 – FEMINICÍDIO.................................17 
3.1 CONCEITO DE FEMINICÍDIO ................................................................................18 
3.2 ESPÉCIES DE FEMINICÍDIO...................................................................................20 
3.3 O CRIME DE FEMINICÍDIO ....................................................................................25 
3.4 HEDIONDEZ DA QUALIFICADORA FEMINICISTA...........................................28 
3.5 COMPETÊNCIA PARA JULGAR O HOMICÍDIO NO CONTEXTO DO 
FEMINICÍDIO ............................................................................................................30 
4 ESTUDOS QUE CULMINARAM NA CRIAÇÃO DA LEI........... ......................32 
4.1 O FEMINICÍDIO EM NUMEROS.............................................................................32 
4.2 VITIMOLOGIA ..........................................................................................................35 
4.3 CONSTITUCIONALIDADE X PRINCÍPIO DA IGUALDADE.............................37 
4.4 COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO DA VIOLÊNCIA 
CONTRA A MULHER (CPMIVCM) ........................................................................40 
5 CONCLUSÃO ...........................................................................................................49 
REFERÊNCIAS ........................................................................................................51 
ANEXO - LEI 13.104 DE 09 DE MARÇO DE 2015 ..............................................55 
 
 
 
 10 
1 INTRODUÇÃO 
Mulher, ser humano dotado de direito, a qual possui ou deveria possuir controle 
sobre sua própria vida, corpo e mente. 
Porém, a cultura machista impetrada na sociedade às trata como subordinadas, 
desiguais, cuja propriedade pertence aos homens, seja no ambiente doméstico ou em via 
pública, o controle de seus corpos e vontades devem sempre estar disponível à vontade alheia. 
Atualmente o Brasil ocupa o 7º lugar entre os países que possuem o maior número de 
mulheres mortas. De 1980 a 2012 mais de 100 mil mulheres foram brutalmente assassinadas 
no Brasil. Estatísticas demonstram que pelo menos 70% dos assassinatos de mulheres são 
praticados por seus maridos ou ex-maridos, namorados ou ex-namorados, noivos ou ex-
noivos, companheiros ou ex-companheiros (GOMES, 2012, p. 1). 
O Brasil clamou, e ainda clama, por criação de leis específicas para proteger as 
mulheres, vistas como “o sexo frágil”, para frear a violência, combater a desigualdade, coibir 
os abusos, garantir a liberdade e igualdade que prevê a Constituição Federal de 1988. 
Com o surgimento da Lei 11.340/06 vulgarmente conhecida como “Lei Maria da 
Penha”, buscaram-se mecanismos paracoibir a violência doméstica e familiar contra a 
mulher, a qual foi um grande avanço para o Brasil. 
Contudo, entre 2002 e 2012 o aumento de homicídios praticados contra mulheres 
aumentou em 22% (GOMES, 2014, p. 1), sendo necessária a criação de leis mais severas para 
combater a desigualdade de gêneros. 
Foi então sancionada a Lei 13.104 em 9 de Março de 2015, chamada de Lei do 
Feminicídio, tipificada no artigo 121 do Código Penal Brasileiro como qualificadora do 
homicídio, a qual trata-se o presente trabalho. 
Com o objetivo de explanar a nova lei, os próximos três capítulos tratarão de 
apresentar a evolução, construção e conceituação da violência contra a mulher, expondo a 
nova tipificação, os tipos de feminicídio existentes, suas formas e natureza jurídica. 
Neste sentido, o primeiro capítulo buscará definir a natureza jurídica de mulher, que 
com a modernidade evoluiu da simples questão genética para as mais variadas formas de “ser 
e de sentir” a questão feminina. Serão observadas três vertentes a serem adotadas: o critério 
psicológico, o critério jurídico cível e o critério biológico. 
O segundo capítulo será dedicado a conceituação do feminicídio, em quais ocasiões 
ele será aplicado, quais são suas espécies, sua hediondez e quem será competente para julgar o 
 11 
homicídio no contexto do feminicídio, visto que existem varas privativas de violência 
doméstica e de tribunal do júri. 
Por fim, o terceiro e último capítulo trará em números os homicídios praticados em 
desfavor das mulheres, apresentando gráficos exemplificativos e suas principais conclusões, 
bem como explanar a vitimologia no âmbito do feminicídio, esclarecer a polêmica da 
constitucionalidade da lei, levando em conta o artigo 5º da Constituição Federal e o princípio 
da igualdade e por fim, expor a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência Contra 
Mulher, o qual realizou estudos, debates e levantamentos sobre a violência contra a mulher e 
suas formas de combatê-las. 
 
 
 
 
 
 
 
 
12 
2 CONCEITO JURÍDICO DE MULHER 
O cartunista Laerte Coutinho, de 60 anos, que em 2009 decidiu passar a se 
vestir como mulher, usar brincos e pintar as unhas de vermelho, está dentro 
do banheiro masculino quando entra um velhinho. Ao se deparar com a 
figura de cabelos grisalhos lisos num corte chanel, saia e salto alto, em pé 
diante do mictório, o homem estaca. “Não se preocupe, o senhor não está no 
banheiro errado”, diz Laerte. E o idoso, resignado: “É, eu estou é na idade 
errada”. (MENEZES, 2011, p. 1). 
Do latim mulier, define-se por membro adulto da espécie humana do sexo que 
produz óvulos e dá à luz as crianças. Porém, com o exposto acima, é nítido o avanço da 
humanidade e o surgimento de novos conceitos, sendo estes os mais amplos possíveis. 
Seres humanos que nasceram mulher, que constam em sua certidão de nascimento o 
sexo feminino, que se vestem como mulher, que se sentem como mulher, que realizaram a 
cirurgia de neocolpovulvoplastia que consiste na redesignação sexual ou de 
transgenitalização, permitindo a mudança do aparelho sexual importando apenas em 
alterações estéticas e não genéticas (NEPOMUCENO, 2015, p. 1), dentre tantos outros novos 
conceitos que surgiram com a evolução da humanidade e da teoria do gênero. 
O Código Penal Brasileiro adotou em 09 de Março de 2015 como nova circunstância 
qualificadora do crime de homicídio, denominada como feminicídio, que consiste em matar 
alguém por razões da condição do sexo feminino. Entretanto, surge o seguinte 
questionamento: O que compreende-se por sexo feminino na atualidade? Qual critério deverá 
ser adotado para que o homicídio se enquadre na qualificadora, tendo em vista os vários 
conceitos de mulher no mundo moderno? 
Muito embora seja um questionamento recente em virtude de ter sido sancionada a 
lei em 2015, existem 03 (três) correntes de pensamentos sobre os critérios que podem ser 
adotados pelos julgadores, tendo como parâmetro outros crimes relacionados a mulheres, 
porém até o momento nenhum destes critérios foi unânime ou consagrado pela doutrina e 
jurisprudência.. 
2.1 CRITÉRIO PSICOLÓGICO 
O critério psicológico consiste na desconsideração do ponto de vista cromossomial 
para identificar uma mulher, devendo adotar o conceito de que toda aquela em que o psíquico 
ou o aspecto comportamental é feminino, será mulher. Adotando-se tal critério, matar alguém 
 
 
13 
que fez o procedimento de neocolpovulvoplastia ou que, psicologicamente, acredita ser uma 
mulher, se enquadrará na qualificadora do feminicídio (BARROS, 2015, p. 1). 
 
O doutrinador Rogério Greco (2015, p. 1) em recente artigo, especificou: 
Podemos apontar um critério de natureza psicológica, ou seja, embora 
alguém seja do sexo masculino, psicologicamente, acredita pertencer ao sexo 
feminino, ou vice versa, vale dizer, mesmo tendo nascido mulher, acredita, 
psicologicamente, ser do sexo masculino, a exemplo do que ocorre com os 
chamados transexuais. 
Neste conceito, serão abrangidos pela qualificadora os transexuais, que de acordo 
com as lições de Genival Veloso de França, citado por Rogério Greco (2015, p. 1): 
 
O transexualismo ou síndrome de disforia sexual é uma inversão 
psicossocial, uma aversão ou negação ao sexo de origem, o que leva esses 
indivíduos a protestarem e insistirem numa forma de cura por meio da 
cirurgia de reversão genital, assumindo, assim, a identidade do seu desejado 
gênero. E continua, dizendo: As características clínicas do transexualismo se 
reforçam com a evidência de uma convicção de pertencer ao sexo oposto, o 
que lhe faz contestar e valer essa determinação até de forma violenta e 
desesperada. Em geral não tem reclaionamento sexual, nem mesmo com 
pessoas do outro sexo, pois só admitem depois de reparada a situação que 
lhe incomoda. Somaticamente, não apresentam qualquer alteração do seu 
sexo de origem. Quase todos eles têm genitais normais. 
 
Essa é a posição defendida por Jeferson Botelho Pereira, citado por Rogério Greco 
(2015, p. 1), quando assevera que: 
Transexualismo: Diante das recentes decisões da Lei nº 11.340/2006, em 
relação à Lei Maria da Penha, em especial o TJGO, acredito que o transexual 
pode figurar como autor ou vítima do delito de feminicídio. 
Homossexualismo masculino: Também em função dos precedentes dos 
Tribunais Superiores, em havendo papel definido na relação, é possível o 
homossexual masculino figurar como vítima do feminicídio. 
Homossexualismo feminino: Acredito não haver nenhum óbice também para 
figurar tanto como autor ou vítima do crime de feminicídio. 
 
Por analogia, extrai-se que o critério psicológico é utilizado por uma gama de juristas 
para a aplicabilidade da Lei Maria da Penha – 11.340/06, sendo referida Lei utilizada na 
maioria das comparações e estudos que culminaram para a criação do feminicídio. 
 Nas palavras da Desembargadora Maria Berenice Dias (2010, p. 58): 
Lésbicas, transexuais, travestis e transgêneros, quem tenham identidade 
social com o sexo feminino estão ao abrigo da Lei Maria da Penha. A 
agressão contra elas no âmbito familiar constitui violência doméstica. Ainda 
que parte da doutrina encontre dificuldade em conceder-lhes o abrigo da Lei, 
 
 
14 
descabe deixar à margem da proteção legal aqueles que se reconhecem como 
mulher. Felizmente, assim já vem entendendo a jurisprudência. 
Tal critério seria o mais moderno a ser adotado, tendo em vista a inserção dos novos 
gêneros na atualidade, tornando-se um grande avanço no âmbito homoafetivo, bem como 
preencheria as lacunas da lei tocante à violência cometida pelos chamados de “gênero não 
definido”. 
2.2 CRITÉRIO JURÍDICO CÍVEL 
Adotando o critério jurídico cível, devemos conceituar como mulher o definido no 
registro civil, não sendo levado em conta se a pessoa nasceu com o sexo feminino ou 
masculino, pois tal definição pode ser alterada mediante decisão judicial. 
Conforme pensamento da Juíza de Direitodo Estado do Rio de Janeiro, Adriana 
Ramos de Mello (2015, p. 1): 
Deve ser considerado o sexo que consta no registro civil, ou seja, se houver 
decisão judicial para a alteração do registro de nascimento, alterando o sexo, 
teremos um novo conceito de mulher, que deixará de ser natural para ser um 
conceito de natureza jurídica. 
 
O Doutrinador Rogério Greco (2015, p. 1) adota este critério, explicitando: 
 
Somente aquele que for portador de um registro oficial (certidão de 
nascimento, documento de identidade) onde figure, expressamente, o seu 
sexo feminino, é que poderá ser considerado sujeito passivo do feminicídio. 
Aqui, pode ocorrer que a vítima tenha nascido com o sexo masculino, sendo 
tal fato constado expressamente de seu registro de nascimento, No entanto, 
posteriormente, ingressando com uma ação judicial, vê sua pretensão de 
mudança de sexo atendida, razão pela qual, por conta de uma determinação 
do poder Judiciário, seu registro original vem a ser modificado, passando a 
constar, agora, como pessoa do sexo feminino. Somente a partir desse 
momento é que poderá, segundo nossa posição, ser considerada como sujeito 
passivo do feminicídio. 
 
Ressalta-se que o conceito aqui abordado irá trazer a caracterização da figura 
jurídico-cível somente com a mudança do sexo do indivíduo em seu registro civil, não se 
enquadrando tão somente a mudança do prenome ou a condição de transexual. 
Sobre a questão e evolução do registro civil relacionado ao sexo, a Ministra Nancy 
Andrighi (2015, p. 1) expõe o seguinte pensamento: 
 
 
 
15 
Quando se iniciou a obrigatoriedade do registro civil, a distinção entre os 
dois sexos era feita baseada na conformação da genitália. Hoje, com o 
desenvolvimento científico e tecnológico, existem vários outros elementos 
identificadores do sexo, razão pela qual a definição de gênero não pode mais 
ser limitada somente ao sexo aparente. [...] Todo um conjunto de fatores, 
tanto psicológicos quanto biológicos, culturais e familiares, devem ser 
considerados. A título exemplificativo, podem ser apontados, para a 
caracterização sexual, os critérios cromossomial, gonadal, cromatínico, da 
genitália interna, psíquico ou comportamental, médico-legal, e jurídico. 
Diante de inexistência de lei que regulamenta tal hipótese, o Superior Tribunal de 
Justiça vem consolidando jurisprudências que permitem alterar o registro civil de um 
transexual, porém a questão ainda não está pacificada nas diversas cortes da justiça brasileira, 
inclusive tal questionamento é tema do Projeto de Lei 5.002/2013, de autoria do Deputado 
Jean Wyllys (PSol-RJ) e da Deputada Erika Kokay (PT-DF), em tramitação na Câmara dos 
Deputados. 
 
2.3 CRITÉRIO BIOLÓGICO 
Será conceituada como mulher apenas a pessoa que nasceu com esta concepção 
genética, cuja soma cromossômica XX resulte no sexo feminino, desconsiderando o visual, 
psíquico ou na hipótese de mudança do registro civil. (ROCHA, p. 1) 
Conforme o Promotor Francisco Dirceu Barros (2015, p. 1): 
Entendemos que deve ser sempre considerado o critério biológico, ou seja, 
identifica-se a mulher em sua concepção genética ou cromossômica. Neste 
caso, como a neocolpovulvoplastia altera a estética, mas não a concepção 
genética, não será possível a aplicação da qualificadora do feminicídio. 
Ainda, conforme pesquisa realizada por Maria Berenice Dias (2009, p. 231-257, 
grifo do autor) em “União homossexual: o preconceito e a justiça”: 
O critério biológico identifica homem ou mulher pelo sexo morfológico, 
sexo genético e sexo endócrino: a) sexomorfológico ou somático resulta da 
soma das características genitais (órgão genitais externos, pênis e vagina, e 
órgãos genitais internos, testículos e ovários) e extragenitais somáticas 
(caracteres secundários – desenvolvimento de mamas, dos pelos pubianos, 
timbre de voz, etc.); b) sexo genético ou cromossômico é responsável pela 
determinação do sexo do indivíduo através dos genes ou pares de 
cromossomos sexuais (XY – masculino e XX - feminino) e; c) sexo 
endócrino é identificado nas glândulas sexuais, testículos e ovários, que 
produzem hormônios sexuais (testosterona e progesterona) responsáveis em 
conceder à pessoa atributos masculino ou feminino. 
 
 
 
16 
O critério biológico por tratar-se somente do aspecto genético da pessoa, será 
inicialmente o mais utilizado pelos julgadores mais conservadores, ante a sua certeza do 
conceito de feminino (BARROS, p.1). 
 
 
17 
3 LEI 13.104 DE 09 DE MARÇO DE 2015 – FEMINICÍDIO 
Em 09 de março de 2015 a Presidente do Brasil Dilma Rousseff sancionou a Lei 
13.104, a qual ganhou o nome de Feminicídio, alterando o artigo 121 do Código Penal e a Lei 
de Crimes Hediondos nos seguintes termos: 
Altera o art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - 
Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora 
do crime de homicídio, e o art. 1oda Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, 
para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. (BRASIL, 2015, p. 
1) 
O artigo 1º da Lei 13.104/15 alterou o artigo 121 do Código Penal, o qual passa a 
vigorar com o novo inciso VI, considerando homicídio qualificado quando for cometido 
contra a mulher por razões da condição do sexo feminino. 
Art. 1o O art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - 
Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação: 
 
[...] 
Feminicídio 
 
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (BRASIL, 
2015, p. 1) 
[...] 
Neste contexto, foi acrescentado o § 2-A, o qual consiste que há razões da condição 
do sexo feminino quando o crime envolver violência doméstica e familiar, menosprezo ou 
discriminação à condição de mulher. 
[...] 
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o 
crime envolve: 
I - violência doméstica e familiar; 
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (BRASIL, 2015, p. 
1) 
Ainda, prevê casos de aumento de pena em seu § 7º, aumentado a pena de 1/3 até a 
metade nos casos do crime ser praticado durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores 
ao parto; se for cometido contra pessoa menor de 14 (catorze) anos ou maior de 60 (sessenta) 
 
 
18 
anos ou em caso de deficiência, ou ainda na presença de descendente ou de ascendente da 
vítima. 
Aumento de pena 
[...] 
§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o 
crime for praticado: 
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; 
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou 
com deficiência; 
III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima. (BRASIL, 
2015, p. 1) 
Em relação à inclusão do feminicídio no rol de crimes hediondos, o artigo 2º da Lei 
11.104/15 alterou o artigo 1º da Lei 8.072/90, passando a vigorar em seu inciso I, o homicídio 
qualificado tipificando no artigo 121, § 2o, I, II, III, IV, V e VI do Código Penal. 
[...] 
Art. 2o O art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com 
a seguinte alteração: 
Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados 
no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, 
consumados ou tentados: 
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de 
extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado 
(art. 121, § 2o, I, II, III, IV, V e VI); (BRASIL, 2015, p. 1) 
Por fim, o artigo 3º da Lei do Feminicídio, tratou da sua entrada em vigor, sendo esta 
em 09 (nove) de março de 2015. 
“Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.” (BRASIL, 2015, p. 1) 
3.1 CONCEITO DE FEMINICÍDIO 
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2014, p. 1) conceitua o feminicídio da 
seguinte maneira: 
A expressão máxima da violência contra a mulher é o óbito. As mortes de 
mulheres decorrentes de conflitos de gênero, ou seja, pelo fato de serem 
 
 
19 
mulheres, são denominados feminicídiosou femicídios. Estes crimes são 
geralmente perpetrados por homens, principalmente parceiros ou ex-
parceiros, e decorrem de situações de abusos no domicílio, ameaças ou 
intimidação, violência sexual, ou situações nas quais a mulher tem menos 
poder ou menos recursos do que o homem. 
 
Conforme o conceito do IPEA, a força exercida pelo homem em uma mulher é 
enorme em relação ao físico, monetário e psicológico, tendo em vista a carga sociocultural 
que foi impetrada durante séculos, e que com muita dificuldade vem-se buscando afastar tais 
preconceitos. Como exemplo de tal dominância, o homem ser o único provedor da família, o 
estereótipo da mulher ter que ficar em casa realizando serviços domésticos, o não aceitamento 
do fim de uma relação realizada pela vontade da mulher, dentre tantos outros cotidianos 
exemplos. 
Francisco Dirceu Barros (2015, p. 1), conceitua o feminicídio: 
[...] uma qualificadora do crime de homicídio motivada pelo ódio contra as 
mulheres, caracterizado por circunstâncias específicas em que o 
pertencimento da mulher ao sexo feminino é central na prática do delito. 
Entre essas circunstâncias estão incluídos: os assassinatos em contexto de 
violência doméstica/familiar, e o menosprezo ou discriminação à condição 
de mulher. Os crimes que caracterizam a qualificadora do feminicídio 
reportam, no campo simbólico, a destruição da identidade da vítima e de sua 
condição de mulher. 
Aduz em apertada síntese o Doutrinador Rogério Greco (2015, p. 1): 
“Ocorre quando uma mulher vem a ser vítima de homicídio simplesmente por razões 
de sua condição de sexo feminino.” 
Assim, caracteriza-se o desprezo pela classe feminina, o sentimento de posse ou 
superioridade ao ser humano que acabou de ser vitimado, o qual ocorre diariamente no Brasil, 
com uma estimativa de 01 morte de mulher a cada 1 hora e 30 minutos. 
Ainda, o professor e advogado criminalista Thiago Mota (2015, p. 1) assim explica: 
O termo expressa a conduta de ceifar a vida de uma mulher, em razão do 
gênero (ou seja, em razão do fato de ser mulher), tendo como vítimas, em 
uma larga proporção, pessoas inseridas em relacionamentos violentos, sendo 
normalmente ilícitos perpetrados por seus parceiros (ou ex-parceiros). 
Ocorre que o conceito adotado pela Lei 13.104/2015 tem uma abordagem 
mais específica. Para efeitos da tipificação penal, considera-se agora 
feminicídio o assassinato de mulher (condição especial da vítima), quando o 
crime envolve “violência doméstica e familiar” ou “menosprezo ou 
discriminação à condição de mulher”. 
 
 
 
20 
Conhecida por ter julgado o homicídio de Eliza Samudio, bem como ter participado 
da CPMI que culminou na criação do feminicídio, a juíza Marixa Fabiane Rodrigues (2014, p. 
1), define a qualificadora: 
“A mulher não pode ser vista como objeto de posse. Ela não é posse. No momento 
em que você está vendo a mulher como objeto de posse, como seu, e você vai lá e mata, que 
valor você está dando pra esta pessoa? Ela é descartável. Isso é feminicídio”. 
Conforme o exposto são várias as formas de conceituar o feminicídio, porém sua 
essência recai no assassinato de uma mulher, em razão do seu gênero, pelo simples fato de ser 
mulher, incluindo a violência doméstica e familiar. 
3.2 ESPÉCIES DE FEMINICÍDIO 
Em relação a suas espécies, as classificações mais comuns são os feminicídios 
íntimos, não íntimos e por conexão. 
A pesquisadora Wânia Pasinato (2010, p. 236, grifo do autor), assim classifica: 
Femicídio íntimo: aqueles crimes cometidos por homens com os quais a 
vítima tem ou teve uma relação íntima, familiar, de convivência ou afins. 
Incluem os crimes cometidos por parceiros sexuais ou homens com quem 
tiveram outras relações interpessoais tais como maridos, companheiros, 
namorados, sejam em relações atuais ou passadas; 
Femicídio não íntimo: são aqueles cometidos por homens com os quais a 
vítima não tinha relações íntimas, familiares ou de convivência, mas com os 
quais havia uma relação de confiança, hierarquia ou amizade, tais como 
amigos ou colegas de trabalho, trabalhadores da saúde, empregadores. Os 
crimes classificados nesse grupo podem ser desagregados em dois 
subgrupos, segundo tenha ocorrido a prática de violência sexual ou não. 
 
Femicídios por conexão: são aqueles em que as mulheres foram 
assassinadas porque se encontravam na “linha de fogo” de um homem que 
tentava matar outra mulher, ou seja, são casos em que as mulheres adultas 
ou meninas tentam intervir para impedir a prática de um crime contra outra 
mulher e acabam morrendo. Independem do tipo de vínculo entre a vítima e 
o agressor, que podem inclusive ser desconhecidos. 
 
Os feminicídios íntimos são aqueles cometidos no âmbito doméstico, no qual o 
agressor está na figura do marido, namorado, parceiros sexuais, sendo essas relações atuais ou 
não, ou por qualquer outra pessoa com quem a vítima obtém ou obteve uma relação familiar. 
De acordo com estudos realizados pelo Mapa da Violência de 2012, 41% dos 
homicídios contra mulheres são praticados dentro de suas próprias residências. 
 
 
21 
Ainda, o relatório sobre o peso mundial da violência armada aponta que a maioria 
dos homicídios de mulheres vem sendo praticado por parceiros ou ex-parceiros íntimos, 
amigos ou parentes das vítimas. 
Os feminicídios não-íntimos são os cometidos por algum indivíduo que não possua 
relação de intimidade com a vítima, sendo ela familiar ou de convivência. O sujeito ativo do 
crime podem ser homens com os quais a vítima possuía uma relação hierárquica, de confiança 
ou amizade. 
O feminicídio por conexão desconsidera o tipo de relação em que o agressor e a 
vítima obtinham, pois abrange o assassinato da mulher em que foi morta por uma pessoa que 
tentava matar outra mulher, ou seja, mulheres que tentavam intervir para impedir a prática de 
um crime. 
Já o Promotor de Justiça Francisco Dirceu Barros (2015, p. 1), vai além e classifica-o 
em 08 espécies: 
“1) Feminicídio “intra lar”: Ocorre quando as circunstâncias fáticas indicam que 
um homem assassinou uma mulher em contexto de violência doméstica e familiar.” 
O conceito acima exposto corresponde ao feminicídio intimo conceituado pela 
pesquisadora Wânia Pasinato. 
“2) Feminicídio homoafetivo: Ocorre quando uma mulher mata a outra no contexto 
de violência doméstica e familiar.” 
Tal espécie prevê especificamente as relações do mundo moderno, no qual duas 
mulheres em uma relação homoafetiva podem vir a praticar o feminicídio no âmbito da 
violência doméstica. 
“3) Feminicídio simbólico heterogêneo: Ocorre quando um homem assassina uma 
mulher, motivado pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher, reportando-se, no 
campo simbólico, a destruição da identidade da vítima e de sua condição em pertencer ao 
sexo feminino.” 
Aqui, trata-se objetivamente do conceito de feminicídio previsto no artigo 121, § 2º, 
VI do Código Penal. 
“4) Feminicídio simbólico homogêneo: Ocorre quando uma mulher assassina outra 
mulher, motivada pelo menosprezo ou discriminação à condição feminina.” 
Prevê o cometimento do feminicídio na qual o sujeito ativo é também uma mulher, e 
mesmo assim comete tal crime impelida pelo menosprezo ou discriminação à condição. 
O Superior Tribunal de Justiça admitiu a aplicação da Lei Maria da Penha - 
11.340/06, em uma agressão praticada por outra mulher contra outra mulher (relação entre 
 
 
22 
mãe e filha). Com fundamento no artigo 5º da referida lei, pois configura violência doméstica 
e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, 
lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial em qualquer 
relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, 
independentemente de coabitação. 
Conforme análise de Francisco Dirceu Barros do dispositivo citado, infere-se que o 
objeto de tutela da lei é a mulher em situação de vulnerabilidade,não só em relação ao 
cônjuge ou companheiro, mas também qualquer outro familiar ou pessoa que conviva com a 
vítima, independentemente do gênero do agressor. 
Ainda, entende a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que o sujeito ativo 
do crime pode ser tanto o homem como a mulher, desde que esteja presente o estado de 
vulnerabilidade caracterizado por uma relação de poder e submissão. (HC 277.561-AL, Rel. 
Min. Jorge Mussi, julgado em 6/11/2014). 
 
5) Feminicídio aberrante por aberratio ictus: O feminicídio aberrante 
por aberratio ictus, quando, por acidente ou erro no uso dos meios de 
execução, o homem ou a mulher, ao invés de atingir a mulher que pretendia 
ofender, atinge pessoa diversa, respondendo, portanto, como se tivesse 
praticado o crime contra aquela. No caso de feminicídio aberrante 
por aberratio ictus, não são consideradas as qualidades da vítima, mas da 
mulher que o agente pretendia atingir. 
 
Em tal espécie, surgem outras subespécies, com as seguintes problematizações 
(BARROS, p. 01): 
a) Feminicídio aberrante por aberratio ictus com resultado único. 
a.1 - “Tício” atira em “Tícia” e acerta “Petrus”, que morre em consequência do tiro. 
Solução jurídica: “Tício” responde por homicídio doloso qualificado e também 
majorado pelo feminicídio (como se o agente tivesse matado a vítima virtual). 
a.2- “Tício”, com animus necandi ou seja com o intento de matar, atira em “Tícia” e 
acerta “Petrus”, que sofre lesões corporais em consequência do tiro. 
Solução jurídica: “Tício” responde por tentativa de homicídio doloso qualificado e 
também majorado pelo feminicídio (como se a vítima virtual tivesse sofrido a lesão). 
b) Feminicídio aberrante por aberratio ictus com duplicidade de resultado. 
b.1- Imagine-se que “Tício” deseja matar “Tícia”, que está perto de “Petrus”. 
“Tício” atira e mata os dois. 
 
 
23 
Solução jurídica: “Tício” responde por um crime de homicídio doloso consumado 
qualificado e majorado pelo feminicídio, aumentada a pena de um sexto (1/6) até metade, em 
face do concurso formal (art. 73, 2ª parte, do Código Penal). 
b.2- “Tício”, com animus necandi, atira em Tícia e lesiona gravemente “Tícia” e 
“Petrus”. 
Solução jurídica: “Tício” responde por uma tentativa de homicídio (doloso) 
qualificado e majorado pelo feminicídio, com o acréscimo na pena de um sexto (1/6) até 
metade (art. 73, 2ª parte). 
b.3- “Tício”, com animus necandi, atira, mata “Tícia” e lesiona “Petrus”. 
Solução jurídica: “Tício” responde por um crime de homicídio doloso consumado 
qualificado e majorado pelo feminicídio, com pena acrescida de um sexto (1/6) até metade, 
diante do concurso formal (art. 73, 2ª parte). 
b.4- ”Tício”, com animus necandi, atira em Tícia. Fere “Tícia” e mata “Petrus”. 
Solução jurídica: “Tício” responde por um crime de homicídio doloso consumado 
qualificado e majorado pelo feminicídio, com o acréscimo na pena de um sexto (1/6) até 
metade (art. 73, 2ª parte), pois não são consideradas as qualidades da vítima, mas, sim, de 
“Tícia”, mulher que o agente pretendia atingir. 
 
6) Feminicídio aberrante por aberratio criminis: Haverá feminicídio 
aberrante por aberratio criminis, quando fora dos casos de aberratio ictus, 
o agente por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado 
diverso do pretendido. O agente responde por culpa, se o fato é previsto 
como crime culposo, mas se ocorre também o resultado pretendido, aplica-
se a regra do concurso formal (Art. 70 do Código Penal). 
 
Nessa espécie também podem ser exemplificadas as seguintes hipóteses: 
a - “Tício”, com animus necandi, atira em “Tícia” e acerta apenas o carro de “Petrus” 
que estava estacionado no local. 
Solução jurídica: “Tício” não responde por crime de dano culposo, posto que o 
Código não prevê a modalidade culposa. “Tício” responde por tentativa branca de homicídio 
qualificado, majorada pelo feminicídio. 
b - “Tício” atira em “Tícia”, acerta “Tícia” e o carro de “Petrus” que estava 
estacionado no local. Tícia morre em decorrência dos tiros. 
Solução jurídica: Tício responde só por homicídio consumado qualificado e também 
majorado pelo feminicídio, porque não existe crime de dano culposo no Código Penal. 
 
 
24 
c - “Tício” atira no carro de “Petrus”, acertando o automóvel e “Tícia”, que ia 
passando no local. 
Solução jurídica: “Tício” responde por dois (2) crimes: dano (art. 163) e homicídio 
culposo ou lesão corporal culposa em concurso formal (concurso entre crime doloso e 
culposo). Aplica-se a pena do crime mais grave com o acréscimo de um sexto (1/6) até 
metade. Não é possível a aplicação da qualificadora e da majorante do feminicídio, posto que 
a mesma somente é aplicável aos crimes dolosos. 
d - Tício, desejava quebrar a vitrine de Mévio. Tícia estava ao lado da vitrine e Tício, 
que há tempos queria matar Tícia, atirou várias vezes e, além de quebrar a vitrine, feriu e 
matou Tícia. 
Solução jurídica: Tício responde por crime de dano em concurso formal com o 
homicídio consumado qualificado e majorado pelo feminicídio. Houve desígnios autônomos, 
ou seja, se Tício queria além do dano também atingir Tícia. Desta forma, as penas serão 
aplicadas cumulativamente. 
 
7) Feminicídio aberrante por error in persona: Haverá feminicídio 
aberrante por error in persona quando o autor deseja matar uma mulher no 
contexto de violência doméstica e familiar, ou mesmo motivado pelo 
menosprezo ou discriminação, erra a identidade assassinando outra mulher. 
O § 3º do artigo 20 do Código Penal diz que o erro quanto à pessoa contra a 
qual o crime é praticado não a isenta de pena. Todavia, não se incluem na 
hipótese as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra 
quem o agente queria praticar o crime. 
 
O error in persona compreende-se pelo erro sobre a pessoa visada, erro quanto à 
pessoa. 
Segundo o advogado criminalista Rodrigo Castello, ocorrerá o erro quando o agente 
praticar um crime contra alguém e erra a pessoa, não erra a execução do delito e sim quem ele 
queria atingir. Será levado em conta as características da vítima virtual para punição do delito 
(CASTELLO, p. 01). 
8) Feminicídio aberrante por aberratio causae: O feminicídio aberrante 
por aberratio causae vem a ser o erro sobre nexo causal. É a hipótese do 
chamado dolo geral. Ocorre quando o agente, imaginando já ter matado a 
mulher no contexto de violência doméstica e familiar, ou motivado pelo 
menosprezo ou discriminação, pratica nova conduta, que vem a ser causa 
efetiva da consumação. 
 
 
 
25 
O aberratio causae seria a realização do evento pretendido pelo agente por uma 
relação de causalidade material diferente da desejada pelo autor. 
Como exemplo, o autor pensa ter matado a vítima mulher por esganadura, e por esse 
motivo a joga no rio. Porém a causa efetiva de sua morte foi o afogamento causado quando 
foi lançada nas águas, isso seria o dolo geral. 
 
3.3 O CRIME DE FEMINICÍDIO 
De acordo com o artigo 121 do Código Penal, o homicídio consiste em matar 
alguém, sendo enquadrado em sua forma qualificada quando é praticado em circunstâncias em 
que revelem especial censurabilidade ou perversidade. (BRASIL, 1940, p. 1) 
O feminicídio é considerado na qualificadora do homicídio, previsto no inciso VI do 
Código Penal, com a seguinte redação: 
“Contra mulher por razões da condição do sexo feminino.” 
Seu tipo subjetivo é o dolo direto ou eventual. Podendo ser na forma tentada ou 
consumada. 
A natureza jurídica da qualificadora, conforme o Juiz Federal Márcio André Lopes 
Cavalcante (2015, p. 1): 
A qualificadora do feminicídio é de natureza subjetiva, ou seja, está 
relacionada com a esfera interna do agente (“razões de condição de sexo 
feminino”). Ademais, não se trata de qualificadora objetiva porque nada tem 
a ver com o meio ou modo de execução. [...] Por ser qualificadora subjetiva, 
em caso de concurso de pessoas, essa qualificadoranão se comunica aos 
demais coautores ou partícipes, salvo se eles também tiverem a mesma 
motivação. 
 
O sujeito ativo da qualificadora pode ser qualquer pessoa, por tratar-se de crime 
comum, normalmente é cometido por homens, porém podem ser praticados por mulheres. 
Os questionamentos surgem na questão do sujeito passivo, que obrigatoriamente 
dever ser uma pessoa do sexo feminino, seja ela criança, adulta, idosa. Porém, entra 
novamente a questão dos transexuais, homossexuais e travestis. 
Uma mulher que mata a sua companheira homoafetiva, poderá responder por 
feminicídio, desde que o crime seja por razões da condição do sexo feminino ou em 
decorrência de violência doméstica. Já um homem que mata seu companheiro homoafetivo 
 
 
26 
não responderá por feminicídio, pois a vítima não é do sexo feminino, respondendo somente 
por homicídio. 
Passando ao § 2º-A, especifica que considera-se que há razões de condição de sexo 
feminino quando o crime envolve I – violência doméstica e familiar ou II - menosprezo ou 
discriminação à condição de mulher. (BRASIL, 2015, p. 1) 
Analisando o inciso I, entende-se que haverá o feminicídio quando o homicídio for 
praticado contra a mulher em situação de violência doméstica e familiar. 
O artigo 5º da Lei Maria da Penha, conceitua tal violência: 
[...] 
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar 
contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause 
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou 
patrimonial: 
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de 
convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as 
esporadicamente agregadas; 
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por 
indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, 
por afinidade ou por vontade expressa; 
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou 
tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. 
(BRASIL, 2006, p. 1) 
 
De acordo com as conclusões do Juiz Federal Márcio André Lopes Cavalcante 
(2015, p. 1): 
Conclui-se que, mesmo no caso do feminicídio baseado no inciso I do § 2º-A 
do art. 121, será indispensável que o crime envolva motivação baseada no 
gênero (“razões de condição de sexo feminino”). Ex.1: marido que mata a 
mulher porque acha que ela não tem “direito” de se separar dele; Ex.2: 
companheiro que mata sua companheira porque quando ele chegou em casa 
o jantar não estava pronto. 
 
Nestes termos, ainda que haja a violência doméstica ou familiar, é indispensável que 
o homicídio seja com o animus da condição do sexo feminino. 
Ao passo do inciso II, menosprezo ou discriminação à condição de mulher, para 
caracterizá-lo é necessário que, além de a vítima ser mulher, fique comprovado que o crime 
foi motivado ou está relacionado com tal circunstância. (GOMES, p. 01) 
Márcio André Lopes Cavalcante (2015, p. 1) utiliza o seguinte exemplo: 
 
 
27 
“O funcionário de uma empresa que mata sua colega de trabalho em virtude de ela 
ter conseguido a promoção em detrimento dele, já que, em sua visão, ela, por ser mulher, não 
estaria capacitada para a função”. 
Neste contexto, ainda há as causas de aumento de pena exclusivas para o 
feminicídio: 
[...] 
§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o 
crime for praticado: 
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; 
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou 
com deficiência; 
III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima. (BRASIL, 
2015, p. 1) 
Extrai-se do inciso I, que no caso da vítima estar grávida ou haver apenas 3 meses 
que ela teve o filho, a pena será aumentada, tendo em vista que durante a gravidez ou logo 
após o parto, a mulher encontra-se em um estado físico e psicológico de maior fragilidade e 
sensibilidade, revelando-se assim, mais reprovável a conduta. 
Adiante, no inciso II, a pena será aumentada se, no momento do crime, a vítima tinha 
menos de 14 anos, era idosa ou possuía alguma deficiência. A vítima, nesses três casos, 
apresenta uma fragilidade maior, de forma que a conduta do agente se revela com alto grau de 
covardia. Como o tipo utiliza a expressão “com deficiência”, devemos entendê-la em sentido 
amplo, de forma que incidirá a causa de aumento em qualquer das modalidades de 
deficiência, seja ela física, auditiva, visual, mental ou múltipla. 
O conceito de deficiência está previsto no artigo 3º do Decreto n.° 3.298/99, sendo 
definida como: 
“Toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou 
anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão 
considerado normal para o ser humano.” 
Por fim, o inciso III traz o aumento da pena no caso do delito ser praticado na 
presença de descendente ou de ascendente da vítima. Leia-se como ascendente os pais, avós, 
bisavós e assim por diante, e como descendente os filhos, netos, bisnetos em diante. Ressalta-
 
 
28 
se que são considerados somente os parentes em linha reta, excluindo-se os colaterais, como 
por exemplo irmãos, tios, e o cônjuge da vítima. 
A razão no aumento da pena está no intenso sofrimento que o autor provocou aos 
descendentes ou ascendentes da vítima que presenciaram o crime, fato que irá gerar graves 
transtornos psicológicos. 
Márcio André Lopes Calvacante (2015, p. 1) defende a tese de que a presença não 
necessariamente precisa ser física: 
 
Importante esclarecer algo muito importante: semanticamente, quando se 
fala que foi praticado “na presença de alguém”, isso não significa, 
necessariamente, que a pessoa que presenciou estava fisicamente no local. 
Assim, o tipo não exige a presença física do ascendente ou descendente. 
Poderá haver esta causa de aumento mesmo que o ascendente ou 
descendente não esteja fisicamente no mesmo ambiente onde ocorre o 
homicídio. É o caso, por exemplo, em que o filho da vítima presencia, por 
meio de webcam, o agente matar sua mãe; ele terá presenciado o crime, 
mesmo sem estar fisicamente no local do homicídio. 
3.4 HEDIONDEZ DA QUALIFICADORA FEMINICISTA 
Os crimes hediondos são considerados de extrema gravidade. Por essa razão recebem 
um tratamento diferenciado e mais rigoroso do que as demais infrações penais. São 
considerados crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça, anistia ou indulto. 
Tem previsão constitucional disposta no artigo 5º, XLIII, da Carta Magna: 
A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a 
prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o 
terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os 
mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. 
(BRASIL, 1988, p. 1) 
 
De acordo com o Instituto Jurídico Roberto Parentoni (IDECRIM), do ponto de vista 
da criminologia sociológica, são os crimes que estão no topo da pirâmide de desvaloração 
axiológica criminal, devendo, portanto, ser entendidos como crimes mais graves, mais 
revoltantes, que causam maior aversão à coletividade, diz respeito ao delito cuja lesividade é 
acentuadamente expressiva, ou seja, crime de extremo potencial ofensivo, ao qual 
denominamos crime de “gravidade acentuada”. 
Por ser o feminicídio considerado um crime grave, a Lei nº 13.104/2015 determinou 
a alteração na lei nº 8.072, que passou a vigorar com a seguinte redação: 
 
 
29 
“Art. 1º. I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de 
extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º. I, II, 
III, IV, V e VI)” (BRASIL, 2015, p. 1) 
Como consequência do feminicídio estar previsto no rol dos crimes hediondos, serão 
insuscetíveis de anistia, graça, indulto e fiança: 
[...] 
Art. 2º Os crimes hediondos,a prática da tortura, o tráfico ilícito de 
entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: (Vide 
Súmula Vinculante) 
I - anistia, graça e indulto; 
II – fiança (BRASIL, 1990, p. 1) 
Ainda, o regime para cumprimento da pena será inicialmente fechado. A progressão 
do regime no caso de condenação será dada após o cumprimento de 2/5 da pena, no caso do 
réu ser primário, e de 3/5 se reincidente. No caso de condenação, o magistrado deverá 
fundamentar a decisão se o réu poderá apelar em liberdade. Em caso de prisão temporária, o 
prazo será de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada 
necessidade. 
 [...] 
§ 1o A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em 
regime fechado. 
§ 2o A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes 
previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois 
quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se 
reincidente. 
§ 3o Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá 
fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. 
 4o A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei no 7.960, de 21 de 
dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 
30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e 
comprovada necessidade. (BRASIL, 1990, p. 1) 
O Delegado de Polícia de Guaratinguetá-SP, Eduardo Luiz Santos Cabette (2015, p. 
1) ressalta a importância do feminicídio estar previsto no rol dos crimes hediondos: 
Essa alteração é muito relevante porque, em caso de hipotético esquecimento 
do legislador (o que, diga-se de passagem acontecia no projeto) certamente 
 
 
30 
uma celeuma iria se criar. Alguns iriam defender a tese de que mesmo sem a 
alteração, tratando-se de nova modalidade de homicídio qualificado, por 
razoabilidade e isonomia, o crime deveria ser considerado hediondo. Outros, 
por seu turno, diriam que tal manobra seria impossível devido à flagrante 
violação do Princípio da Legalidade e utilização de analogia “in malam 
parten” no Direito Penal, já que não constaria do rol taxativo de crimes 
hediondos. Desse modo se pugnaria pela alteração urgente da Lei 8.072/90 e, 
enquanto isso, ter-se-ia de conviver com uma situação absurda, ou seja, um 
crime de homicídio qualificado que não seria hediondo. No entanto, o 
legislador não cometeu esse olvido na edição da Lei 13.104/15 e assim 
evitou qualquer discussão. O Feminicídio é, sem qualquer margem de 
dúvida, crime hediondo. 
 
Não restam dúvidas da importância legal que tem o feminicídio, bem como de que 
sua expressa previsão legal no rol de crimes hediondos traz maior segurança jurídica 
objetivando não haver lacunas na lei, e ainda revela e pune mais severamente tamanha 
brutalidade do crime. 
 
3.5 COMPETÊNCIA PARA JULGAR O HOMICÍDIO NO CONTEXTO DO 
FEMINICÍDIO 
No Brasil, foram instituídas varas privativas de violência doméstica e familiar contra 
a mulher em decorrência da Lei Maria da Penha – 11.340/06, tendo em vista a grande 
quantidade de ocorrências, bem como a necessidade e urgências que tal violência exige. 
Tais varas possuem a competência para processar e julgar as causas decorrentes de 
violência doméstica e familiar contra a mulher. Porém, com o advento do feminicídio, e sua 
previsão no artigo 121, §2º-A, I do Código Penal, onde traz a consideração de que há razões 
de sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar, surge o 
questionamento de quem será a competência para julgar o crime. 
A Constituição Federal em seu artigo 5º, XXXVIII, alínea d, confere à instituição do 
júri, a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida: 
[...] 
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que 
lhe der a lei, assegurados: 
a) a plenitude de defesa; 
b) o sigilo das votações; 
 
 
31 
c) a soberania dos veredictos; 
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a 
vida; (BRASIL, 1988, p. 1, grifo nosso). 
O feminicídio por estar previsto no artigo 121, VI, do Código Penal, se enquadra nos 
crimes dolosos contra a vida, sendo inegável a competência do Tribunal do Júri para o seu 
julgamento. 
Porém, de acordo com o Promotor Francisco Dirceu Barros, tal competência 
dependeria da organização judiciária de cada Estado, em virtude de existirem alguns entes 
federativos em que há na lei de Organização Judiciária previsão para julgar, em caso de 
crimes dolosos contra a vida praticado no contexto de violência doméstica, a Vara de 
Violência Doméstica. (BARROS, p. 01) 
Assim, por ser o tribunal do júri dividido em duas fases, a de instrução preliminar e a 
do julgamento em plenário, defende Francisco Dirceu Barros que primeiramente a vara 
privativa de violência doméstica passa a instruir o feito até a fase de pronúncia e após faz o 
seu encaminhamento para a vara de competência do tribunal do júri, a qual competirá o 
julgamento em plenário. 
O Superior Tribunal Federal defende tal hipótese: 
A Lei de Organização Judiciária poderá prever que a 1ª fase do 
procedimento do Júri seja realizada na Vara de Violência Doméstica, em 
caso de crimes dolosos contra a vida praticados no contexto de violência 
doméstica. Não haverá usurpação da competência constitucional do júri. 
Apenas o julgamento propriamente dito é que, obrigatoriamente, deverá ser 
feito no Tribunal do Júri. (STF. 2ª Turma. HC 102150/SC, Rel. Min. Teori 
Zavascki, julgado em 27/5/2014. Info 748). 
 
Logo, se for adotado o entendimento do Superior Tribunal Federal, quando ocorrer a 
prática do feminicídio em decorrência do previsto no artigo 121, §2-A, I do Código Penal, a 
competência da 1ª Fase do julgamento será das Varas Privativas de Violência Doméstica, se 
houver tal previsão na Lei de Organização Judiciária, e a 2ª fase, após a pronúncia, será da 
Vara Privativa do Tribunal do Júri. 
Ressalta-se que, tal entendimento será apenas quando ocorrer em razões de violência 
doméstica e familiar, nas outras hipóteses a competência será somente da Vara Privativa do 
Tribunal do Júri, instruindo e julgando o feito em ambas as fases, de acordo com a previsão 
constitucional. 
 
 
32 
4 ESTUDOS QUE CULMINARAM NA CRIAÇÃO DA LEI 
Para que a Lei do Feminicídio - 13.104/2015 fosse criada, um longo caminho foi 
percorrido e uma grande luta foi travada ao passar dos anos. 
Há 23 anos atrás era realizada a primeira CPMI para investigar a questão da 
violência contra a mulher, e de lá para cá diversos estudos, reuniões, debates, mapas e 
pesquisas foram realizados com a finalidade de discutir o assunto e buscar meios para coibir 
tamanha violência que ocorre contra o sexo feminino e que causa grande impacto na 
sociedade. 
O Brasil ocupa o 7º lugar mundial no ranking de assassinato de mulheres segundo o 
Mapa de Violência contra a Mulher do Instituto Sangari, o que o coloca entre um dos mais 
violentos do mundo, em face disso, expõem-se o feminicídio em números de acordo com 
estudos realizados pelo IPEA e os Mapas de Violências. 
Explana-se também a vitimologia, que estuda a personalidade das vítimas de crimes 
ou delitos e seu estatuto psicossocial. 
Ainda, muito se debateu sobre a inconstitucionalidade da Lei do Feminicídio ante o 
princípio da igualdade previsto no artigo 5º da Constituição Federal, o que se mostrou 
incabível, pois devemos tratar os desiguais desigualmente na medida de sua desigualdade, o 
que aplica-se ao sexo feminino ante a diferença histórica culminada pelo machismo na 
sociedade. (LÚCIA, p. 01) 
Por fim, exalta-se a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência Contra a 
Mulher, a qual sem sombra de dúvidas subsidiou a criação da Lei do Feminicídio, com a 
recomendação pela CPMI após diversos levantamentos no Brasil, bem como de marcos 
normativos internacionais e nacionais. 
4.1 O FEMINICÍDIO EM NUMEROS 
Estudos apontam que a maioria dos homicídios praticados contra mulheres decorremno âmbito familiar em que as agressões físicas, psíquicas e sexuais são constantes. 
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, aproximadamente 40% 
de todos os homicídios em que as vítimas são mulheres no mundo são cometidos por um 
parceiro íntimo. 
Segundo o Mapa da Violência de 2012 homicídio de mulheres, divulgado pelo 
Instituto Sangari, estima-se que entre 1980 e 2010 foram assassinadas mais de 92 mil 
 
 
33 
mulheres no Brasil. 43,7 mil somente na última década. O número de mortes nesse período 
passou de 1.353 para 4.465, o que representa um aumento de 230%. (WAISELFISZ, 2012, p. 
8). 
Ainda, o Mapa da Violência 2013: Homicídios e Juventude no Brasil aduz que entre 
2001 a 2011, o índice de homicídios de mulheres aumentou em 17,2%, com a morte de mais 
de 48 mil brasileiras somente nesse período. Somente em 2011 foram mais de 4,5 mil 
mulheres assassinadas no país. Apontamentos indicam que grande parte destes óbitos foram 
em decorrência de violência doméstica e familiar contra a mulher, uma vez que 
aproximadamente um terço deles tiveram o domicílio como local de ocorrência. 
(WAISELFISZ, 2013, p. 15-20). 
Somente no Brasil, entre o período 2009 a 2011, foram registrados no Sistema de 
Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, 13.071 feminicídios, o que 
equivale a uma taxa bruta de mortalidade de 4,48 óbitos por 100.000 mulheres. Após a 
correção, estima-se que ocorreram 16.993 mortes, resultando em uma taxa corrigida de 
mortalidade anual de 5,82 óbitos por 100.000 mulheres. (GARCIA, et al, 2014, p. 1). 
Nas figuras abaixo, estão representadas as estimativas das taxas de feminicídios, de 
acordo com estudos realizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada: 
Figura 1: Mapa taxas de feminicídios por 100 mil mulheres, regiões: 
 
Fonte: IPEA, 2013. 
 
 
34 
Figura 2: Gráfico taxas de feminicídios por 100 mil mulheres: 
 
Fonte: IPEA, 2013 
. 
Figura 3: Taxas de feminicídios por 100 mil mulheres, unidades da Federação: 
 
 
Fonte: IPEA, 2013. 
 
 
35 
 
As principais conclusões do IPEA referente à pesquisa foram uma estimativa de 
5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia 
ou uma a cada hora e meia. As regiões que apresentaram as taxas mais elevadas de 
feminicídios foram o Nordeste, Centro-Oeste e Norte. As UF com maiores taxas foram 
Espírito Santo com 11,24, Bahia com 9,08, Alagoas com 8,84, Roraima com 8,51 e 
Pernambuco com 7,81. (GARCIA, et al. 2014, p. 3) 
As principais vítimas foram as mulheres jovens, 31% delas estavam na faixa etária 
de 20 a 29 anos e 23% de 30 a 39. As mulheres negras representaram 61% das mortes, 
tornando-se as principais vítimas. (GARCIA, et al. 2014, p. 3) 
A maior parte das vítimas tinham baixa escolaridade, aproximadamente 48%. 
Aproximadamente 50% dos feminicídios envolveram o uso de armas de fogo e 34%, 
de instrumento perfurante, cortante ou contundente. Enforcamento ou sufocação foi registrado 
em 6% dos óbitos. Ainda, 29% dos feminicídios ocorreram no domicílio, 31% em via pública 
e 25% em hospital ou outro estabelecimento de saúde. 36% ocorreram aos finais de semana, 
sendo nos domingos 19% das mortes. (GARCIA, et al. 2014, p. 3) 
Tamanhas taxas de mortalidade em que são vítimas mulheres, sejam elas crianças, 
jovens, idosas, mostram a importância e urgência na criação de mecanismos para coibir a 
violência que sofrem diariamente o gênero feminino no Brasil e no mundo. 
4.2 VITIMOLOGIA 
A vitimologia consiste no estudo da personalidade das vítimas de crimes ou delitos e 
seu estatuto psicossocial, além dos efeitos psicológicos nelas provocados pelo crime de quem 
foram alvo. (MORAIS, 2015, p. 1). 
No final da década de 1940, começou-se a dar real importância à vítima em nível 
mundial, com a publicação do trabalho “The Criminal and his victim (O Criminoso e sua 
Vítima) de autoria do Professor Alemão Hans Von Hentig, o qual tratou da “vitimogênese”, 
que consistia na relação entre criminoso-vítima, colocando-a como elemento preponderante e 
decisivo para realização do delito. (BRANCO, 2015, p. 1). 
Porém, foi Benjamin Mendelsohn, considerado o pai da vitimologia, preocupado 
com a situação das vítimas de guerras e massacres que ocorriam, quem realizou diversos 
estudos, conferências e simpósios sobre a vitimologia, o que em 1985 consolidou o direito das 
vítimas na Assembléia Geral das Nações Unidas, adotando a Resolução 40/34 de 29 de 
novembro de 1985, com o nome “Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às 
 
 
36 
Vítimas da Criminalidade e Abuso de Poder”, passando então a dar valor às vítimas. 
(BRANCO, 2015, p. 1). 
Pablo Huerta (2014, p. 1) explica a vitimologia: 
[...] é a ciência que estuda as vítimas. Ela explora as razões pelas quais 
alguém pode se tornar vítima de um crime, um acidente de trânsito, um 
desastre natural ou de aviso de poder. Ela aborda sua personalidade e suas 
características biológicas, psicológicas, morais, sociais e culturais, bem 
como condutas em seu estilo de vida que possam favorecer esse papel 
(vitimogênese). 
Ainda, para o estudo da vitimologia vale-se de outras ciências e disciplinas, como a 
sociologia, psicologia, direito penal e criminologia. 
A vítima pode ser classificada, segundo Benjamim Mendelsohn como inocente, 
menos culpada que o criminoso, tão culpada quanto, mais culpada (pseudo-vítima) e única 
culpada. (FERES, p. 01) 
A vítima inocente é considerada a vítima ideal, que não colaborou de nenhum modo 
para o delito. A menos culpada que o criminoso é a vítima nata, no qual o comportamento 
inadequado provocou ou instigou o criminoso. Tão culpada quanto seria a que colabora com o 
delito numa mesma proporção, acarretando na “dupla-pela” – criminoso-vítima, como por 
exemplo a rixa. Mais culpada (pseudo-vítima) são as vítimas de crimes privilegiados em que o 
autor tem sua pena reduzida por ter cometido o delito mediante violenta emoção ou em defesa 
de valores morais e sociais. Por sim, a única culpada seria a hipótese do agressor fazer jus da 
excludente de ilicitude da legitima defesa. (FERES, p. 01) 
Ainda, consta o processo de perda que a vítima tem, seja na modalidade patrimonial, 
moral, física, psicológica, não fazendo diferença ser essa perda diretamente do evento 
criminoso, por parte da família, sociedade ou dos órgãos responsáveis pela justiça, sendo os 
tipos de vitimização, segundo Elane Souza (2015, p. 1, grifo do autor): 
1) Primária: é a consequência natural do crime. Entendida como aquela 
provocada pelo cometimento do ato ilícito. Os danos podem ser variados, 
tudo vai depender do tipo de infração sofrida; podendo afetar o patrimônio 
material, o aspecto físico e psicológico da vítima – ocorrerá tanto no crime 
culposo quanto no doloso; 
2) Secundária ou sobrevitimização: é a mais severa das vitimizações. 
Consiste no sofrimento adicional à vitimização primária, gerado pelo poder 
público e pela imprensa (neste último caso, com sensacionalismos). Algumas 
vítimas, sabendo da repercussão do ato praticado contra si, e do 
constrangimento que terá relembrando vez após vez nas instancias judiciais, 
Ministério Público, e no caso de violações sexuais, até nos setores médico e 
psicológico, que deixam “passar” o crime sem que ele seja denunciado, 
 
 
37 
contribuindo assim para as “cifras negras” (crimes não informados aos 
órgãos de polícia e justiça). A burocracia é o que mais contribui para esse 
tipo de vitimização e, 
3) Terciária: é a segregação da vítima pela própria família. Um exemplo 
disso é quando alguém sofre um crime de estelionato e passa a ser motivo de 
piada no seio familiar. 
No Brasil existem leis para proteção das vítimas, como a Lei 9.807/99 – Proteção 
vítima e testemunha, Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor, Lei 9.099/95 – 
Juizados Especiais, Lei 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro, Lei 9.605/98 – Lei 
Ambiental eLei 11.340/06 – Lei Maria da Penha. 
A vitimização da mulher, devido à grande violência que suporta seja ela física, 
psíquica, sexual, ou até mesmo a sua morte, mostra o importante papel da vitimologia em 
estudar as causas que levam as mulheres a serem vítimas de tais crimes. 
A criação do feminicídio demandou de diversos estudos e levantamentos, sendo o 
estudo da vitima de prima importância para a edição da lei, pois a classificação da vítima, 
bem como o impacto que o crime tem na sociedade são explanados pela vitimologia. 
4.3 CONSTITUCIONALIDADE X PRINCÍPIO DA IGUALDADE 
O artigo 5º da Constituição Federal, caput, prevê o princípio constitucional da 
igualdade, nos seguintes termos: 
“Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, 
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito 
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.” 
(BRASIL, 1988, p. 1). 
O princípio da igualdade consiste no tratamento isonômico de todos os cidadãos pela 
lei, buscando alcançar a todos os indivíduos o direito a justiça igualitária, independente de sua 
raça, cor, sexo, etc. Assegura os direitos fundamentais de cada indivíduo, contra as ações 
arbitrárias e irrazoáveis, ou seja, a igualdade jurisdicional. (NICZ, p. 01) 
De acordo com a Associação Nacional dos Analistas Judiciários da União, Princípio 
Constitucional da Igualdade, conceitua: 
O princípio da igualdade prevê a igualdade de aptidões e de possibilidades 
virtuais dos cidadãos de gozar de tratamento isonômico pela lei. Por meio 
desse princípio são vedadas as diferenciações arbitrárias e absurdas, não 
justificáveis pelos valores da Constituição Federal, e tem por finalidade 
limitar a atuação do legislador, do intérprete ou autoridade pública e do 
particular. 
 
 
38 
Neste contexto, indagasse se o feminicídio violaria tal princípio, por prever 
expressamente homicídios de mulheres, ou seja, em relação ao sexo. 
O Superior Tribunal Federal julgou em 09/02/2012 a Ação Declaratória de 
Constitucionalidade 19 Distrito Federal (ADC 19/DF), que foi proposta em relação à Lei 
Maria da Penha – 11.340/2006, a qual versou sobre a Lei dar tratamento diferenciado as 
mulheres em relação aos homens. 
Transcrevo trechos do Voto do Relator Ministro Marco Aurélio de Mello (2012, p. 
14-15): 
Para frear a violência doméstica, não se revela desproporcional ou ilegítimo 
o uso do sexo como critério de diferenciação. A mulher é eminentemente 
vulnerável quando se trata de constrangimentos físicos, morais e 
psicológicos sofridos em âmbito privado. Não há dúvida sobre o histórico de 
discriminação e sujeição por ela enfrentado na esfera afetiva. As agressões 
sofridas são significativamente maiores do que as que acontecem contra 
homens em situação similar. Além disso, mesmo quando homens, 
eventualmente, sofrem violência doméstica, a prática não decorre de fatores 
culturais e sociais e da usual diferença de força física entre os gêneros. 
 
Ainda: 
Sob a óptica constitucional, a norma também é corolário da incidência do 
princípio da proibição de proteção insuficiente dos direitos fundamentais, na 
medida em que ao Estado compete a adoção dos meios imprescindíveis à 
efetiva concretização de preceitos contidos na Carta da República. A 
abstenção do Estado na promoção da igualdade de gêneros e a omissão no 
cumprimento, em maior ou menor extensão, de finalidade imposta pelo 
Diploma Maior implicam situação da maior gravidade político-jurídica, pois 
deixou claro o constituinte originário que, mediante inércia, pode o Estado 
brasileiro também contrariar o Diploma Maior. 
 
O Ministro Marco Aurélio não só julgou a Lei Maria da Penha constitucional, como 
asseverou que a mulher é eminentemente vulnerável em relação ao homem. Ainda, ressaltou o 
poder do Estado brasileiro em contrariar o Diploma Maior, mediante inércia deste. 
A Ministra Rosa Weber (2012, p. 22- 23) em seu voto, asseverou: 
Nessa ordem de ideias, impende ter em mente o amplo reconhecimento do 
fato de que, uma vez marcadas, em uma sociedade machista e patriarcal 
como a nossa, as relações de gênero, pelo desequilíbrio de poder, a 
concretização do princípio isonômico (art. 5º, I, da Lei Maior), nessa esfera 
– relações de gênero – reclama a adoção de ações e instrumentos afirmativos 
voltados, exatamente, à neutralização da situação de desequilíbrio. 
Ainda: 
Entendo que uma efetiva igualdade substantiva de proteção jurídica da 
mulher contra a violência baseada em gênero exige atuação positiva do 
 
 
39 
legislador, superando qualquer concepção meramente formal de igualdade, 
de modo a eliminar os obstáculos, sejam físicos, econômicos, sociais ou 
culturais, que impedem a sua concretização. Quando o ponto de partida é 
uma situação indesejável de desigualdade de fato, o fim desejado da 
igualdade jurídica (art. 5º, caput e I da CF), materialmente, somente é 
alcançado ao se conferir aos desiguais tratamento desigual na medida da sua 
desigualdade. 
 
Como bem assevera a Ministra, deve ser dado aos desiguais tratamento desigual na 
medida de sua desigualdade. Aqui, ressalta-se que mesmo com a criação da Lei Maria da 
Penha, a violência cometida contra a mulher ainda está longe de ser erradicada, por isso a 
importância da criação do feminicídio, e adotando a analogia tocante a constitucionalidade da 
Lei Maria da Penha, pode-se concluir que não há de se falar em inconstitucionalidade pelo 
princípio da igualdade, tendo em vista a desigualdade do gênero feminino. 
A decisão do Superior Tribunal Federal julgou ser possível uma proteção penal 
maior para o caso de crimes cometidos contra a mulher por razões de gênero, como bem 
ressaltou o Ministro Marco Aurélio em seu voto. 
O Juiz Federal Márcio André Lopes Cavalcante (2015, p. 1), ao analisar a 
constitucionalidade da lei e o julgamento da Lei Maria da Penha pelo Superior Tribunal 
Federal, opinou: 
Assim, não há violação do princípio constitucional da igualdade pelo fato de 
haver uma punição maior no caso de vítima mulher. Na visão da Corte, a Lei 
Maria da Penha e, agora, a Lei do Feminicídio, são instrumentos que 
promovem a igualdade em seu sentido material. Isso porque, sob o aspecto 
físico, a mulher é mais vulnerável que o homem, além de, no contexto 
histórico, ter sido vítima de submissões, discriminações e sofrimentos por 
questões relacionadas ao gênero. Trata-se, dessa forma, de uma ação 
afirmativa (discriminação positiva) em favor da mulher. Ademais, a 
criminalização especial e mais gravosa do feminicídio é uma tendência 
mundial, adotada em diversos países do mundo. 
 
Flávia Roberta de Gusmão Oliveira e Marta Thais Leite dos Santos, em a 
constitucionalidade do projeto de lei nº 292/2013 – “FEMINICÍDIO”, versus a igualdade de 
gênero proposta pelo art. 5ª, I da Constituição Federal concluem: 
 
No que concerne à análise do princípio da igualdade, bem como do conteúdo 
jurídico do direito fundamental à igualdade de gênero, vale ressaltar que, de 
forma objetiva, o legislador busca principalmente reforçar a igualdade entre 
os gêneros. Historicamente, é sabido que homens e mulheres não tiveram 
condições oportunas para pleno desenvolvimento igualitário, visto que, por 
muito tempo, os homens ocuparam lugares de dominação na sociedade. Nas 
lições de José Afonso da Silva (2008, p. 220), “importa mesmo é notar que é 
uma regra que resume décadas de lutas das mulheres contra discriminações. 
Mais relevante ainda é que não se trata aí de mera isonomia formal. Não é 
igualdade perante a lei, mas igualdade em direitos e obrigações”. Isso 
 
 
40 
implica dizer que, homens e mulheres, compartilham de igualdade 
materialmente na sociedade. Contudo, para alcançá-la, ainda há um longo 
caminho a ser percorrido. 
 
Ante o exposto, o Estado deve tratar desigualmente os desiguais na medida de sua 
desigualdade, o que em meio à sociedade machista e retrógadaem que ainda se vive, coloca o 
gênero feminino em um posto desigual. Deve-se criar mecanismos para atingir a igualdade em 
direitos e em obrigações, garantir a proteção familiar e coibir a violência de gênero. 
 A criação da Lei Maria da Penha, que atingiu sua constitucionalidade, serve como um 
exemplo enorme a ser usado na Lei do Feminicídio, garantindo proteção à mulher, e à partir 
dai buscar o princípio da igualdade de que trata o artigo 5º da Constituição Federal. 
4.4 COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO DA VIOLÊNCIA CONTRA 
A MULHER (CPMIVCM) 
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência Contra a Mulher 
(CPMIVCM) foi criada por meio do requerimento nº 4 de 2011 – CN, e teve como finalidade 
investigar as situações de violências contra a mulher no Brasil, apurando denúncias de 
omissões por parte do Poder Público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em 
lei para proteger as mulheres em situação de violência, pelo prazo de cento e oitenta dias, 
tendo como presidente a Deputada Federal Jô Moraes, Vice-Presidente a Deputada Keiko Ota 
e relatoria da Senadora Ana Rita, para isso investigou situações nos dez estados brasileiros 
mais violentos para as mulheres nos termos do Mapa da Violência: Homicídios de Mulheres, 
elaborado pelo Instituto Sangari (2012) e nos quatro estados mais populosos. 
Destaca-se uma das citações da apresentação da CPMI (2013, p. 07, grifo nosso): 
Superar a violência contra as mulheres é um dos maiores desafios impostos 
ao Estado brasileiro contemporaneamente. As diversas formas de violência – 
como a praticada no âmbito doméstico por parceiros íntimos ou familiares, a 
violência sexual, o tráfico de mulheres, a violência institucional, a violência 
contra mulheres com deficiência, a violência decorrente do racismo, a 
lesbofobia e o seximo – e o feminicídio são violações aos direitos humanos 
das mulheres, incompatíveis com o Estado Democrático de Direito e com o 
avanço da cidadania, em boa parte patrocinado pelas conquistas do 
movimento feminista e de mulheres nos últimos séculos. 
 
 
 
41 
Foi destacado o feminicídio, além das demais violências contra a mulher, como 
violação aos direitos humanos, sendo estes incompatíveis com o Estado Democrático de 
Direito. 
Em citar os direitos humanos, ressalta-se o artigo 3º da Declaração Universal dos 
Direitos do Homem: 
“Art. 3º - Todas as pessoas têm direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.” 
Com alicerce em tal artigo, frisa-se o direito à vida. O feminicídio tem por base o 
caput do artigo 121 do Código Penal, que consiste em: matar alguém, com a qualificadora 
feminicista de ceifar a vida de uma mulher em razão do gênero. Isto posto, entra o direito à 
liberdade e à segurança pessoal, pois o Estado tem ou pelo menos teria o dever de proteger à 
vida, o livre arbítrio, o direito de ir e vir, dar segurança, dar igualdade, entre tantos outros 
direitos fundamentais que os seres humanos necessitam. 
Com isso, a importância de se criar mecanismos para proteger os desiguais para que 
se igualem aos iguais, neste contexto, a CPMI citou o feminicídio e ressaltou sua importância, 
o que culminou em sua criação. 
Extrai-se da apresentação da CPMI tocante ao feminicídio (2013, p. 07): 
A curva ascendente de feminicídios (o assassinato de mulheres pelo fato de 
serem mulheres), a permanência de altos padrões de violência contra 
mulheres e a tolerância estatal detectada tanto por pesquisas, estudos e 
relatórios nacionais e internacionais quanto pelos trabalhos desta CPMI estão 
a demonstrar a necessidade urgente de mudanças legais e culturais em nossa 
sociedade. Conforme mostra a pesquisa intitulada Mapa da Violência: 
Homicídios de Mulheres,mais de 92 mil mulheres foram assassinadas no 
Brasil nos últimos trinta anos, 43 mil delas só na última década. [...] Importa 
considerar, ainda, no tocante ao feminicídio, a existência de recomendações 
internacionais para a sua tipificação, a exemplo daquelas inscritas no 
Relatório sobre Violência contra Mulheres, suas Causas e Consequências, 
assinado por Rashida Manjoo1 , assim como as Conclusões Acordadas da 
Comissão sobre o Status da Mulher, em sua 57ª Sessão, em 15 de março de 
2013. Esses e outros instrumentos internacionais estão a exigir uma resposta 
legislativa contra tal fenômeno, motivo por que leva este Colegiado a 
apresentar um projeto de lei tipificando o feminicídio. 
 
Anteriormente a CPMIVCM foram realizadas outras três Comissões Parlamentar, a 
primeira em 14 de março de 1992 para “investigar a questão da violência contra a mulher”, 
tendo como principais conclusões (2013, p. 19): 
a) inúmeras dificuldades no tocante ao levantamento de dados sobre os 
índices de violência solicitados às Delegacias da Mulher e às Comarcas; b) 
inexistência de uma nomenclatura unificada referente aos dados sobre 
 
 
42 
violência contra a mulher; c) dados incompletos ou que chegaram 
tardiamente à CPI. A carência de informações foi considerada reveladora do 
descaso por parte das autoridades governamentais que não supriram as 
comarcas e as delegacias de recursos humanos e tecnológicos para fazer o 
levantamento necessário, conforme solicitado à época pela CPI. 
 
Em 2003, foi instaurada a CPMI da exploração sexual contra crianças e adolescentes, 
apontando a grave violação aos direitos humanos das meninas e das adolescentes submetidas 
à exploração sexual. 
Ainda, recentemente em 2013 foi instaurada a CPI do Tráfico de Pessoas, do Senado 
Federal, a qual destacou-se a necessidade de mudanças na legislação atual de modo a proteger 
às mulheres do tráfico e punir os aliciadores e traficantes de mulheres. 
Após 20 anos, tendo em vista o crescimento da violência letal contra as mulheres, o 
Congresso Nacional julgou pertinente instalar uma CPMI para investigar a atual situação da 
violência, instalando-se a CPMI de 2012. 
Foram citados na CPMIVCM dados internacionais da violência contra mulheres 
destacando-se (2013, p. 26): 
Dados do Relatório sobre o Peso Mundial da Violência Armada apontam que 
66 mil mulheres morrem anualmente vítimas de homicídio doloso. O 
femicídio ou feminicídio – a morte de mulheres - na maioria dos casos, 
ocorre no âmbito doméstico. Estes dados são convergentes aos encontrados 
no Brasil. Conforme o Mapa da Violência, 41% das mortes de mulheres 
ocorreram dentro de casa e em 68,8% dos atendimentos a mulheres vítimas 
de violência, a agressão aconteceu na residência da vítima. Na pesquisa do 
PNAD, 80% das agressões ocorreram dentro de casa. 
 
Cita-se o Relatório Acesso à Justiça para as Mulheres Vítimas de Violência nas 
Américas (2013, p. 27): 
O Relatório Acesso à Justiça para as Mulheres Vítimas de Violência nas 
Américas, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, destaca que na 
Argentina, entre 1999 a 2003, os crimes de violência contra mulheres 
representaram 78 a 83% de todos os delitos ocorridos no país. Na Costa 
Rica, 58% das mulheres sofreu um incidente de violência física ou sexual 
depois de completarem 16 anos ou mais. Nos Estados Unidos, em 2003, 
cerca de meio milhão de mulheres sofreu violência doméstica e 
aproximadamente 200 mil violações e agressões sexuais, segundo a Pesquisa 
Nacional de Vitimização daquele país. No México, em 2003, 46,6% das 
mulheres mexicanas, entre 15 anos ou mais, que viviam com seus parceiros, 
reportou ter sofrido alguma violência durante os doze meses que 
antecederam a entrevista. Na Republica Dominicana, 23,9% das mulheres 
afirmou ter sofrido alguma violência desde os 15 anos de idade. 
 
 
 
43 
Salienta-se que o estado brasileiro informou não dispor de estatísticas sobre a 
quantidade de denúncias de violência contra mulheres que foram feitas no período solicitado 
pela Comissão. 
A OMS, em seu Relatório Prevenção da violência sexual e da violência por parceiro 
íntimo destaca (2013, p. 27): 
Destaca que a carga esmagadora da violência pelo parceiro íntimo (física,

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