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A CONSTRUÇÃO EURO.PEIA (1945-1974) 
- CICLOS E TENDÊNCIAS FUNDAMENTAIS 
Rui Miguel Marrana * 
INTRODUÇÃO - A integração e as suas motivações 
O que o processo de construção traz de novo - e por isso torna 
mais complexa a sua análise em termos teóricos - é a integração. 
Sem pretendermos avançar sobre a sua definição 1 - já que o con-
ceito, a par de todos os que giram em volta da matéria, não está ainda 
definitivamente sedimentado na doutrina - adiantaremos todavia dois 
elementos caracterizadores: a existência de limitações de soberania e 
ainda o facto de essas limitações serem juridicamente enquadradas, ou 
seja, decorrerem de diplomas normativos que lhe estabelecem claramente 
o regime. Fora dessas limitações juridicamernte enquadradas situamo-nos 
naquilo que a doutrina define c.orrentemente como situações ou processos 
de cooperação (nos quais, portanto, permanece inquestionada a soberania 
dos éstados envolvidos, muito embora de facto, estas possam existir em 
maior ou menor grau). 
Importa todavia responder ainda superficialmente, a uma outra ques-
tão que se prende com a sua justificação. Porquê, esta insistência - da 
* Licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto, pós-graduado pelo Institut 
Européen des Hautes Etudes Intematjonales de Nice, Mestre em Estudos Europeus pela Univer-
sidade do Minho, doutorando em Ciência Política e Relações Intemancionais na Universidade 
do Minho. Docente na Universidade Moderna do Porto e na Universidade Lusíada do Porto. 
1 Em trabalho que esperamos venha a ser proximamente objecto de publicação - sob o 
título Teoria da Integração Política - debruçamo-nos com maior profundidade sobre o con-
ceito de integração. 
174 Rui Miguel Marrana 
doutrina internacional e principalmente dos políticos europeus - na inte-
gração? O que leva os estados a prosseguirem esse esforço de criação de 
uma comunidade 2 para a qual transferem parte dos seus poderes? O que 
há neste processo que o torne tão apetecível e merecedor de tamanhos 
esforços? 
Não parece haver uma resposta para esta questão das motivações da 
integração, mas antes, duas. 
Em primeiro lugar, o sucesso da integração deve-se ao facto de esta 
surgir como uma resposta eficaz para o maior problema das relações 
internacionais, ou seja, a guerra. A doutrina internacional concluiu que o 
grau de integração das comunidades seria inversamente proporcional aos 
riscos de conflito 3. A vontade de garantir a paz é também a primeira e a 
principal motivação do processo de integração europeia. Ele resulta essen-
2 Por força do Tratado da União Europeia (TUE), o conjunto das três Comunidades 
(Comunidade Europeia do Carvão e do Aço - CECA, Comunidade Económica Europeia - CEE 
- agora Comunidade Europeia - CE - e Comunidade Europeia da Energia Atómica - CEEA) 
vieram a integrar o primeiro pilar da União Euro~ia (que em outros dois pilares, conhece os 
mecanismos da Política Externa e de Segurança Comum e a Cooperação nos domínios da 
Justiça e dos Assuntos Internos alterado para Cooperação Policial e Judiciária em Matéria Penal 
com o Tratado de Amsterdão). A União corresponde portanto ao todo coerente e envolvente dos 
processos de construção europeia. Não obstante, utilizamos aqui o termo Comunidade. Esta apa-
rente contradição merece que sejam adiantadas as motivações. Assim, em primeiro lugar dever-
se-á ter presente o facto de em termos gerais, comunidade ser a resultante de qualquer processo 
de integração, sendo esse o sentido pretendido em variadas passagem do presente texto (o que 
aliás supomos que virá a resultar do mesmo). Em segundo lugar acresce a justificação histórica, 
ou seja, o facto de a união ser uma realidade recente, pelo que nos enquadramentos cronológi-
camente referenciados, a sua utilização surgiria deslocada. É ainda descortinável uma terceira 
razão, também ela no âmbito terminológico: a adjectivação relativa ao processo de construção 
europeia derivou desde o início do termo comunidade. O próprio direito, foi apelidado de comu-
nitário. Ora, apesar da evolução para uma união, não foi ainda encontrado um substituto para 
aquele adjectivo. 
3 Karl DEUTSCH, um dos mais importante autores neste domínio, toma clara esta reali-
dade ao explicar que, surgindo como regulação da interdependência, a integração consiste em 
fazer um todo a partir de partes [make a hole out of parts], sendo que esse todo, a partir de um 
certo grau, constitui uma comunidade política. A consciência do elevado grau de interdependên-
cia pode levar os actores a relacionarem-se em termos conflituais (dando origem a uma comu-
nidade de conflito) quando a motivação primordial seja a penalização mútua, ou inversamente 
na potenciação de interesses comuns (dando origem a uma comunidade de interesses) sempre 
que se verifica um esforço de coordenação das acções com vista a uma cooperação (Cfr. The 
Analysis of lnternational Relations, 3.3 Ed. Prentice Hall, New Jersey, USA, 1988., pp. 212 ss.). 
Daqui decorre a necessidade de estruturar as relações internacionais em volta de comunidades 
de interesses, tornando assim menos improvável o desenvolvimento de situações conflituais. 
A construção europeia (1945-197 4) - ciclos e tendências fundamentais 175 
cialmente da consciência da necessidade de alterar o enquadramento polí-
tico europeu em termos de evitar o deflagrar de novas guerras 4. 
Esta motivação se bem que real, padece todavia de algumas limita-
ções. Desde logo porque a equivalência entre a integração e a paz afastou 
a doutrina de uma preocupação importante, nomeadamente a de aferir os 
riscos da própria integração. Assumida como necessariamente boa, a preo-
cupação passou a ser como atingi-la. Nessa medida, a perspectiva foi 
necessariamente parcial, obrigando a que fossem as dificuldades e as dis-
funções a salientarem alguns aspectos importantes dos processos de inte-
gração 
5
. Por outro lado, a motivação da paz parece enquanto tal, ser insu-
ficientemente determinante da integração, tendendo a perder-se à medida 
que as dificuldades vão surgindo e a própria paz vai sendo assumida 
como natural. 
A segunda motivação da integração é mais pragmática e resulta das 
vantagens concretas (positivas) que este processo potencia. Assim, nunca é 
demais salientar a importância dos trabalhos de Jacob VINER, James MEADE 
e BELA BALASSA 6. Estes economistas justificaram em termos teóricos 
aquela que embora não sendo a primeira motivação da integração constitui 
todavia um elemento determinante do seu sucesso: a necessidade de dimen-
são. A integração origina níveis de organização mais alargados, os quais 
são por vezes condição de eficiência de muitos mecanismos de natureza 
política e económica. No caso europeu, a consciência da perda da influên-
cia mundial, a dependência directa do apoio americano e a susceptibilidade 
perante a ame.aça soviética, foi determinante para que ao nível político, 
surgisse a convergência no sentido da integração. Ainda hoje o nível euro-
peu é sustentáculo da influência pretendida pelos Estados-membros, a par 
das vantagens decorrentes da constituição de um espaço económico alar-
gado, as quais têm potenciado a evolução permanente do processo. 
4 
O próprio DE GAULLE que desconfiava abertamente da integração, justificava a manu-
tenção da presença francesa na Comunidade após o seu regresso ao poder por visar a aproxi-
mação prática e, se possível política, de todos os estados europeus, porque, para ela [a França] 
o objectivo a atingir é a pacificação e o progresso gerais (cfr. Charles DE GAULLE, Memórias 
de Esperança, a renovação 58162, Ed. Europa-América, 1972, p. 169. 
5 
Cfr. K. J. HOLSTl, Change in the International System: Essays on the Theory and 
Practice of International Relations,Ed. Edward Elgar, Aldershot (UK) e Brookfield (Vermont, 
USA), 1991, pp. 58 ss .. 
6 
Cfr. nomeadamente as seguinte obras: Jacob V!ENER - The Customs Union Issue 
Nova Iorque-Londres 1950 - James E. MEADE - Case Studies in European Economi~ 
Integration, TheMecanics of lntegration, Londres, 1962 - e BELA BALASSA - The Theory of 
Economic Integration, Londres 1961. 
176 
Rui Miguel Marrana 
1-1945-1957: a determinação dos modelos de integração 
A vontade de mudar e o eco das propostas (1945-1950) 
Conforme acabamos de referir, no final da II Guerra Mundial a 
Europa conhece o seu pior momento histórico: depois do apogeu do 
século anterior 7 em que dominara virtualmente o planeta, em 1945 o con-
tinente está destruído, e a sua sobrevivência depende da ajuda externa. 
Estas circunstâncias constituem condições óptimas para os europeus 
encararem a necessidade de mudança nas suas relações mútuas por forma 
a evitar novas guerras e tanto quanto possível, recuperar o nível de vida 
perdido mas não esquecido 8. 
A predisposição para a mudança não significa todavia a própria 
mudança. Traduz tão só uma abertura, a qual vai galvanizar o impacto das 
propostas de unidade europeia (as quais afinal, nem sequer são novas 
9
). 
Mas nem todas as propostas são equivalentes. Longe de se pretender 
definir o objectivo concreto desse sonho de unidade continental, as 
propostas vão-se distinguir no que toca ao método de prosseguir esse 
caminho. 
Vamos assim encontrar apelos de natureza federal - ou seja, aquilo 
que na teoria da integração IO apelidaríamos de processos segundo variá-
7 Por todos, V. Louis CARTOU, Communautés Européennes, 8.3 Ed. Dalloz, Paris, 1986, 
pp. 32 ss. . -
s o facto de os europeus fundarem em parte a adesão ao processo de mtegraçao por 
reconhecerem neste virtualidades capazes de permitir a recuperação do alto nível e qualidade de 
vida a que se tinham habitUado é, como viria a reconhecer Ems HAAs, poten~ialment:_ contra-
ditório. Assim, na medida em que se trata de um impulso conservador, ou seja, por nao haver 
uma vontade real de inovar (mas fundamentalmente de recuperar algo que já se teve), a adesão 
popular ao processo de construção europeia permanece sensível aos _argu1'.1entos do t'.Pº conser-
vador nomeadamente nacionalista. Este é todavia um aspecto que so tardiamente sena reconhe-
cido ; por isso não permitiu antever algumas crises ( cfr. Ernst .HAA~, The Unitin~ of ~uro~e -
political, social, and economic forces 1950-1957, Stanford Umvers1ty Press, Cahfomta, 2. Ed. 
1968, no prefácio). 
9 Para um inventário da ideia europeia através da História V. Louis CARTOU, Commu-
nautés Européennes, cit. pp. 45 ss.~ Denis de RoUGEMONT, Les chances de l'Europe, Ed de la 
Baconniere, Neuchâtel, 1962, pp. 45 ss. 
10 Os processos de integração classificam-se segundo a natureza das variáveis (político-
institucionais e socio-económicas) e segundo a natureza da comunidade visada nesse mesmo 
processo (que poderá ser inte~governamental ou supranacional). . . . . . . 
A distinção introduzida no presente texto prende-se com o pnme1ro cnteno de classifica-
ção 
0 
qual se refere ao nível em que se verificam as limitações de soberania (características de 
A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 177 
veis político-institucionais - e apelos de natureza incremental - que 
designaríamos por processos segundo variáveis sacio-económicas 11. 
É este o primeiro debate na construção europeia que vamos ilustrar 
através dos factos mais relevante do final da década de quarenta. 
Assim, muito sumáriamente, bastará recordar o apelo efectuado por 
Winston CHURCHILL em 19 de Setembro de 1946 na Universidade de 
Zurique, a favor da constituição dos Estados Unidos da Europa, apelo esse 
que seria de alguma forma secundado no ano seguinte, pela fina flor da 
intelectualidade europeia, no Congresso da Haia. 
No primeiro caso, o apelo do vencedor da guerra à criação dos 
Estados Unidos da Europa teve um eco importante em toda a opinião 
pública europeia. Muito embora nunca tenha sido devidamente precisado o 
que pretendia CHURCHILL 12, a expressão utilizada fazia subentender13 uma 
afectação directa do poder político de tipo federal. 
O Congresso da Haia teve um impacto diferente. Nele se reuniu a 
fina flôr da intelectualidade europeia - e portanto o impacto terá sido 
todo o processo de integração). Se essas limitações de soberania atingem directamente o poder 
político enquanto tal, dizemos tratar-se de um processo segundo variáveis político-institucionais 
(que avultam nos modelos federais); se essas limitações surgem de forma gradual, desenvol-
vendo-se dentro de específicos sectores de actividade, cuja regulação conjunta potenciou vanta-
gens mais ou menos claras, dizemos então tratar-se de um processo segundo variáveis socio-
económicas (onde avultam os modelos funcionalistas). Sobre o assunto cfr. o nosso trabalho já 
anteriormente citado, Teoria da Integração Política, no prelo. 
11 O primeiro autor a identificar e analisar em conjunto o processo de integração nestes 
termos - conhecendo um acolhimento generalisado na doutrina - foi Charles PENTLAND na 
sua obra lnternational TheolJ' and European Jntegration (Ed. Faber & Faber, Londres, 1973). 
12 Parece no entanto que o apelo se dirigia à Europa continental, ou seja, excluía o Rei-
no Unido de tais desígnios, presumindo a capacidade deste - cujo império colonial era ainda 
imenso e se mantinha práticamente sob controlo - retomar plenamente o estatuto de grande po-
tência. (cfr. MOTA DE CAMPOS, Direito Comunitário, 2." Ed., FCG, Lisboa, 1988, Vol. l, p. 42). 
Senão atente-se ao seguinte excerto do referido discurso: ... dessa tarefa urgente, a França e a 
Alemanha devem assumir em co1yunto a liderança. A Grã-Bretanha, o Império britânico, a pos-
sante América e - estou certo também - a Rússia soviética devem ser amigos e garantes da 
nova Europa e defender o seu direito à vida (in "Généalogie des Grands Desseins Européens'', 
Bulletin du CEC, n.0 6, 1960-61, p. 81, cit. por Denis DE RoUGEMONT, Les Chances de l'Europe, 
cit., p. 63, nota 25). 
13 MONNET refere que o apelo de CHURCHILL (como o de Aristide BRIAND em 1929 
perante a Sociedade das Nações em que preconizada um laço federal), contrariamente ao que 
poderiam dar a entender, não significava a aceitação da afectação das soberanias. Tratava-se 
apenas, segundo a sua expressão, de simples votos pios dos funcionalistas (Jean MONNET, 
Mémoires, cit. p. 408). 
178 Rui Marrana 
maior ao nível de consciencialização das elites - a qual viria a aprovar 
por unanimidade uma moção em que reclamava a convocação de uma 
assembleia eleita pelos parlamentos nacionais que entre outras funções, 
deveria examinar os problemas de natureza constitucional que a criação de 
uma união ou de uma federação suscitasse, elaborando os necessários pro-
j ectos de instrumentos jurídicos 14. 
Verifica-se que em ambos os casos, se postula uma integração fede-
ral, ou seja, uma integração dirigida ao âmago do poder político 15, por 
via de processos constitucionais clássicos que haveriam de dar origem a 
uma União de Estados europeus. Estes apelos viriam no entanto a ter efei-
tos muito diminutos, se comparados com a grandiosidade dos objectivos 
iniciais 16. 
14 Cfr. J. MOTA DE CAMPOS, Direito Comunitário, vol. l, cit. pp. 40 ss. Este autor consi-
dera todavia que a moção final representa um hábil compromisso entre uma corrente federalista 
e uma corrente que designa por pragmática a qual seria hostil aos abandonos de soberania. Não 
vemos exactamente onde se situa esse compromisso (que aliás parece difícil mesmo em abs-
tracto). É verdade que os termos da referida moção refletem talvez, algum recuo relativamente 
às teses federalistas (e principalmente do federalismo dito glogal ou integral) mas, em momento 
nenhum, parecem acolher os princípios do respeito pela soberania característico dos modelos de 
cooperação. Vejam-se a propósito as palavras de Denis DE ROUGEMONT quando encontra no 
Congresso da Haia - na altura referido como Congresso da Europa - o início de tudo quanto 
seria realizado ne Europa (cfr. Les chances de l'Europe, cit., p. 47). 
l5 Ao utilizarmos preferentemente a designação político-institucional,pretendemos uma 
caracterização onde caibam os modelos federais e os modelos confederais (o mesmo se pas-
sando aliás com a designação incremental, já que nesta pretendemos englobar os modelos fim-
cionalistas - cuja definição se deve essencialmente a David MJTRANY - os modelos neo-ji.111-
cionalistas - que constituem uma evolução daqueles, a partir dos trabalhos de Ernst HAAs, 
L!NDBERG e SCHEINGOLD). Nessa medida, o debate a que fazemos referência situa-se, como refe-
rimos, entre a integração político-institucional e a integração sectorial ou incremental. Todavia, 
porque, no processo de construção europeia nunca se desenhou verdadeiramente uma corrente 
confederal (embora essa fosse a perspectiva longínqua do gen. DE GAULLE - cfr. nomeada-
mente a passagem a pp. 169 das sua Memórias da Esperança, cit. -, mas que de qualquer 
forma não veio a formar uma tendência propriamente dita), o debate tem-se definido em volta 
do federalismo, conceito que, por isso acabaria por perder acuidade ao ser objecto de utilizações 
distintas e incoerentes. Todavia utiliza-mo-lo com frequência no texto para identificar situações 
que foram classificadas como tal, não obstante os contornos se mantenham imprecisos. 
A falta de convergência sobre os conteúdos e limites dos conceitos correntemente utiliza-
dos pela doutrina europeia nesta matéria está tratada entre outros, num artigo de Nestor 
SCHUMACHER, ("Les termes polémiques du discours européen" na Revue du Marché Commzm et 
de l'Union Européenne, n.º 324, février 1989, pp. 110/118) em que são bem realçadas as difi-
culdades e mesmo confusões terminológicas. 
l6 O apelo do Congresso da Haia obteve uma resposta efectiva dos governos dos estados 
europeus, estando na origem do processo que haveria de conduzir à criação do Conselho da 
A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 179 
Distinguindo-se claramente - na metodologia e já não nos objecti-
vos - está a Declaração Schuman de 9 de Maio de 1950, na qual o 
Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, ao propôr a criação daquilo 
que viria a ser a CECA, afirma inequívocamente que a Europa não se 
fará de uma só vez nem a partir de uma construção conjunta: far-se-á 
através de realizações concretas, criando desde logo uma solidariedade 
de facto 17. É a opção clara por um procedimento gradualista, desenvol-
vendo-se em sectores de actividade específicos, que hão-de criar o clima 
inspirador de posteriores relançamentos do processo de integração. 
ScHUMAN não se afastava do objectivo federal, nem lhe retirava 
importância, assumindo-o contudo em termos mediatos 18. O tempo de-
monstraria a importância real da flexibilização dos métodos apontados pelo 
- . . fr ~ 19 entao m1mstro ances , uma vez que esta proposta marca o nascimento 20 
do processo da construção europeia que conhecemos actualmente. 
As edificações concretas (1951-1957) 
O debate entre a integração político-institucional e a integração sec-
torial teve ainda um outro episódio, desta feita já no plano das realizações 
Europa. Todavia, esta organização internacional de cooperação, apesar dos méritos que se lhe 
hão-de reconhecer nos domínios da defesa dos Direitos do Homem e da cultura, de forma 
alguma pode ter-se como correspondendo ao objectivos de unidade europeia que presidiram ao 
processo que lhe está na origem. 
17 
Cfr. terceiro parágrafo da Declaração Schuman, in Robert SCHUMAN, Pour /'Europe, 
Nagel, Paris, 1963, pp. 201 ss. O texto original (do qual apresentamos uma tradução livre, que 
todavia reputámos de insatisfatória) é o seguinte: L'Europe ne se fera pas d'un coup, ni dans 
uns construction d'ensemble: el/e se fera par des réalisations concretes, créant d'abord une soli-
darité de fait. 
18 
Na Declaração Schuman, afirma-se aliás expressamente: cette proposition réalisera les 
premieres assises concretes d'une Fédération européenne indispensable à la préservation de la 
paix 
19 
Conforme é correntemente salientado, o génio da metodologia inscrita na Declaração 
Schuman tem de atribuir-se a Jean MONNET, uma vez que foi este qüem apresentou àquele um 
memorando que ficaria conhecido pelo seu nome e cujo conteúdo, assumido pelo Ministro fran-
cês veio a manifestar-se na referida declaração (V. "Le mémorandum Monnet du 3 mai 1950", 
in Politique étrangere, 1/93, Ed. Institut Français des Relations Internationales - IFRI Paris 
1993, pp. 121 ss. Sobr~ o processo de formação do dito memorando; cfr. Jean M~NNET: 
Mémoires, Ed. Artheme Fayard, Paris, 1976, pp. 418 ss.). 
20 
De tal forma a Declaração Schuman é considerada fundamental que a data em que foi 
proferida - 9 de Maio - tornou-se Dia da Europa, dia feriado na maioria dos países da União 
Europeia. 
180 Rui Miguel Marrana 
concretas e não apenas no conteúdo dos apelos proferidos. Assim, assi-
nado o Tratado CECA em 18 de Abril de 1951, a Europa entrou numa 
verdadeira euforia, confiando que, a facilidade com que tinha sido ne-
gociado e assinado aquele tratado fosse indiciador de um novo caminho 
em que os velhos obstáculos já não existissem. E foi nesse clima que, 
cerca de um ano depois - em 27 de Maio de 1952 - os seis assinaram 
0 Tratado CED - Comunidade Europeia de Defesa - visando a fusão 
dos exércitos europeus. A esse tratado sucederia um relatório sobre a 
constituição de uma Comunidade Política (que enquadraria politicamen~e 
a fusão dos exércitos), aprovado em 9 de Março de 1953. Trata-se, mais 
uma vez, de um esforço de natureza federal, procurando-se assim alterar 
radicalmente a metodologia do processo de integração iniciado três anos 
antes. E mais uma vez, esse esforço seria gorado pelo surgimento de re-
sistências a vários níveis e terminaria com a recusa do Parlamento francês 
em aprovar o tratado CED em 30 de Agosto de 1954. . 
Apesar deste falhanço ter constituído um autêntico balde de água fr~a 
- a arrefecer os ânimos exaltados - o processo de construção europeia 
seria todavia, relançado no ano seguinte, retomando-se a metodologia 
incremental. Os Ministros dos Estrangeiros dos seis reuniram-se em 
Messina e encarregam Paul-Henri SPAAK de elaborar um relatório sobre os 
termos desse relançamento, relatório que seria apresentado e aprovado no 
ano seguinte em Veneza, ditando a abertura das negociações que deram 
lugar à instituição da Comunidade Económica Europeia (CEE~ e da 
Comunidade Europeia da Energia atómica (CEEA), através da assmatura 
dos respectivos tratados, em Roma, a 25 de Março de 1957. 
A tentação do modelo tradicional de cooperação 
Verificamos assim como dentro da opção pelo processo de integração 
se foram distinguindo duas opções cuja diferença reside exactamente na 
metodologia adaptada. Valerá todavia a pena recordar que à margem de~te 
processo as alternativas tradicionais se mantiveram viva~. Para o ef~tto 
tenha-se presente o facto de os britânicos terem sido convidados e aceita-
ram participar nas negociações que dariam lugar aos textos dos tratados 
assinados em Roma em 25 de Março de 1957. A sua desconfiança nos 
processos de integração era no entanto tão profunda que o seu envolvi-
mento nunca ultrapassou a mera presença atenta. E quando se capacitam 
A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 181 
de que a negociação dos tratados estava concluída e que o processo pros-
seguiria os seus termos normais, viriam a propôr - em Fevereiro de 
1957, no mês anterior à data marcada para a assinatura do tratados, por-
tanto - em alternativa ao Mercado Comum a seis, a transformação da 
Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE) - que englo-
bava todos os países que haviam aderido ao plano Marshall - numa 
grande Zona de Comércio Livre 21 europeia 22. 
Os seis ainda sentiriam alguma indecisão, mas por fim decidiriam 
avançar para o projecto mais ambicioso da criação do Mercado Comum, 
enveredando definitivamente pela via da integração. 
O debate entre as variáveis deste - que surge como vimos, no iní-
cio do processo de construção europeia - permaneceráno entanto latente 
até à actualidade, sendo reavivado cada vez que se inicia um processo de 
revisão dos tratados 23. 
21 Tradicionalmente definem-se como estádios ou modelos de integração económica os 
seguintes: Zona de Comércio Livre - que envolve a livre circulação de mercadorias originárias 
desse espaço - União Aduaneira - que acrescenta uma Pauta Aduaneira Comum que regula 
uniformemente as relações comerciais com os países terceiros, permitindo assim a livre circula-
ção de todas as mercadorias, originárias do território aduaneiro ou importadas de terceiros paí-
ses - Mercado Comum - que alarga a liberdade de circulação aos outros factores de pro-
dução, ou seja pessoas e capitais - e de União Económica e Monetária (podendo subdividir-se 
ou não, este estádio) - que implica respectivamente um acentuado grau de convergência na 
utilização dos mecanismos de regulação da economia e a fixação da paridade das moedas ou a 
sua substituição por uma moeda comum - Cfr. João MOTA DE CAMPOS, Direito Comunitário, 
Vol. !, cit., pp. 443 e ss. 
No caso concreto, a alternativa entre um Mercado Comum e uma Zona de Comércio 
Livre releva de algo mais do que uma mera questão de grau, fundamentalmente porque esta 
pode coexistir com o respeito pela soberania dos estados envolvidos, na medida em que estes 
mantêm inalterado o seu poder decisório, sem necessidade de admitirem uma gestão comum de 
mecanismos económicos fundamentais. O mesmo já não acontece com os restantes modelos. 
Assim, a simples adopção da Pauta Aduaneira Comum na União Aduaneira implica a cedência 
para o nível comunitário de um instrumento de política económica de primeira importância 
(dado tratar-se de uma significativa fonte de receitas e de um mecanismo protecção do mercado) 
e também políticos, na medida em que as facilidades ou sanções comerciais são, em termos de 
política externa, um dos instrumentos mais importantes. Por maioria de razões o Mercado 
Comum envolve transferências de soberania, desde logo pela aproximação dos regimes em 
diversas àreas chave, pelo grau de abertura das fronteiras, etc. etc. 
22 Cfr. Jean MONNET, Mémoires, p. 666 ss. 
23 A transformação das Comunidades Europeias num modelo federal vem sendo preconi-
zada em permanência pelo Parlamento Europeu, sendo que esta instituição aprovou em 1984 um 
Projecto de Tratado da União Europeia (visando pressionar os Estados-membros que iniciavam 
nessa altura o processo de revisão que viria a dar lugar ao Acto Único) que consiste numa pro-
182 Rui Marrana 
A questão mantém-se por isso permanentemente em aberto, sendo 
talvez até, a que maiores debates tem suscitado a todos os níveis, no que 
toca à integração europeia. 
11-1958-1965: os primeiros passos ou a definição em concreto do 
tipo de integração 
Génese 
Uma das estranhas mas significativas coincidências de que a História 
contemporânea está recheada: terá sido o facto de o general DE GAULLE 
voltar ao poder em França 24, em 1958, ou seja, no ano em que entraram 
em vigor os tratados de Roma. 
O mesmo homem que se tinha oposto à criação da CECA e cuja 
posição antagónica à integração era conhecida praticamente desde o pós-
guerra - tendo aliás contribuído de forma determinante para o falhanço 
da CED em 1954 25 - reassumia a presidência da Nação mais poderosa e 
influente da Comunidade. 
Também estranho, foi o facto de, nos dois primeiros anos de funcio-
namento das novas Comunidades, tal circunstância não ter implicado 
quaisquer dificuldades à implementação dos regimes previstos, a qual 
ocorreu sem sobressaltos, de forma quase harmoniosa26. Será, aliás o 
governo francês, em conjunto com o belga, a propôr a aceleração do 
calendário do desmantelamento alfandegário. Mas logo aqui, sugiram as 
primeiras divergências de fundo: enquanto os restantes parceiros preten-
posta global e coerente no sentido de fazer evoluir a situação de integração sectorial para um 
modelo político institucional de cariz federal. Este projecto veio a informar a definição das posi-
ções do Parlamento Europeu no âmbito da discussão em volta do TUE (cfr. nomeadamente a 
Resolução de 12.12.90 do Parlamento Europeu sobre as bases constitucionais da União 
Europeia). A vocação federal da União Europeia chegou aliás a estar inscrita nos textos iniciais 
em discussão sendo posteriormente abandonada essa referência face à oposição dos governos de 
alguns Estados-membros. 
24 O General DE GAULLE forma governo em 1 de Junho de 1958, tendo sido antecedido 
em idênticas funções por Félix GAILLARD (05.12.57) e Pierre PFIMLIN (14.05.58). 
25 V. Louis CARTOU, Commzmautés Europénnes, cit., p. 68. 
26 Conforme salienta Jean LECERF, les instituitions nouvelles vont devoir compter avec la 
vigueur de ses reactions et de son intransigeance [de DE. GAULLE], mais elles bénéficieront aussi 
d'une France consolidée dans son économie et munie d'zm pouvoir capable de décider (La 
Communauté face à la crise, Gallimard, Paris, 1984, p. 25). 
A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 183 
diam que o funcionamento do Mercado Comum se pautasse por uma 
liberalização das trocas internacionais a par do desmantelamento interno a 
' França entendia que a Comunidade deveria criar um espaço protegido em 
relação ao exterior, exigindo simultaneamente o lançamento de uma polí-
tica agrícola que deveria defender e apoiar o seu sector primário. 
Estas foram as exigências primeiras, mas que não chegaram a pôr em 
risco a passagem à segunda fase do Mercado Comum 21. 
Em 1961, o governo britânico, depois de ter implementado uma 
alternativa à CEE 28 - para a qual não deixou de aliciar a própria França 
- apresenta o seu pedido de adesão às Comunidades. As negociações ini-
ciam-se qua:se imediatamente mas, em 14 de Janeiro de 1963, 0 general 
DE GAULLE anuncia publicamente a sua oposição 29. Este seria o primeiro 
•• 
27 E~ boa verdade, vir-se-ia a verificar exactamente o contrário. O lançamento da 
Poht1ca Agncola Comum (PAC) implicou efectivamente negociações muito duras (dando aliás 
origem às históricas maratonas do Conselho). Todavia, porque através de tamanhos esforços, foi 
possível ultrapassar as enormes dificuldades técnicas e políticas (nomeadamente as relativas aos 
desfasamentos de preços dos produtos franceses e holandeses em relação aos produtos alemães 
e italianos), veio a conhecer-se na Comunidade um autêntico clima de euforia (Cfr. Giancarlo 
ÜLMI, na Imrodução à obra colectiva Trinta Anos de Direito Comunitário, Ed. SPOCE, 
Bruxelas-Luxemburgo, 1981, p. 4). 
28 
Esta alternativa, que surge no seguimento da proposta de Fevereiro de 1957 da consti-
tuição de um Zona de Comércio Livre, viria a consubstanciar-se na EFTA (e já não numa evo-
lução da OECE como inicialmente se propôs). Em bom rigor, convém evitar a tentação de redu-
~ir a caracterização da situação da altura a uma mera oposição política entre a CEE e a EFTA. 
E bem verdade que os britânicos, no pós-guerra, recusaram veementemente qualquer participa-
ção em organizações europeias que envolvessem transferências ou perdas de soberania. Acontece 
porém que, mesmo limitando-nos às relações económicas intra-europeias, verificamos que 0 
nosso continente viu surgirem três grandes apostas quase simultâneamente: a da constituição de 
uma (grande) zona de comércio livre - que, como referimos anteriormente, perante a insistên-
cia dos seis na aposta da CEE, acabou por se ver reduzida a uma dimensão menos importante 
na EFTA - a da CEE - cujos países, perante as incertezas da aposta, chegaram a sentir-se 
atraídos pela EFTA - e a da OECE (que se viria a tornar OCDE, ganhando um carácter atlân-
tico em substituição do carácter europeu originário). Nestas circunstâncias, a criação da CEE 
trouxe consigo o falhanço da EFTA, dividindo a Europa em duas zonas distintas com objectivos 
parcialmente idênticos - especificamente no que toca ao comércio livre - vindo posterior-
mente (através de sucessivos alargamentos) a absorver a maioria e os mais importantes paíseseuropeus (Sobre o assunto V. Pierre-Henri TEITGEN, Droit Institutionnel Commzmautaire, 
Structure et Fonctionnement des Communautés Européennes, Les Cours de Droit, Licence 4ême 
année, 1977, pp. 37 e ss. e tb. Pierre GERBET, La naissance du Marché, Commun, Editions 
Complexe, Bruxelas, 1987). 
29 
Na conferência de imprensa de 14 de Janeiro de 1963 o General DE GAULLE limitou-
se a declarar a sua oposição sem a fundamentar detalhadamente. Não obstante, as motivações 
184 Rui Marrana 
grande revés na construção europeia sonhada pelos founding fathers. Na 
verdade a participação do Reino Unido na Comunidade, mais do que de-
sejada, sempre foi considerada como uma condição essencial do sucesso 
da integração 30. 
Paralelamente a Comissão, enquanto representante dos seis estados 
membros, estava envolvida nas negociações do GATT que :ficaram conhe-
cidas por Kennedy round. A intervenção a este nível tornava premente a 
obtenção de um acordo - necessariamente político - no âmbito de toda 
uma série de questões essenciais, tais como o equilíbrio geral (política 
económica e monetária), o equilíbrio regional (política regional), as rela-
ções comerciais com o exterior, etc 31 . A estas questões gerais e relacio-
nado com elas, acrescia no plano comunitário, a urgência de uma de-
finição sobre as receitas próprias da comunidade - que decorriam da 
aplicação da Pauta Aduaneira Comum - até porque seria sobre estas que 
o financiamento da PAC deveria assentar. 
Nestas circunstâncias, o Conselho, a 15 de Dezembro de 1964, con-
vida a Comissão a apresentar as necessárias propostas sobre o financia-
mento da PAC, que deveriam entrar em vigor em 1 de Julho de 1965, 
uma vez que nessa data expirava o período transitório. Simultaneamente 
cabia à Comissão dar o seu parecer sobre a data em que os direitos nive-
ladores deveriam passar a fazer parte do orçamento comunitário. 
O momento histórico obrigava à definição dos actores, face a uma 
alteração qualitativa que se avizinhava. 
Antes de avançar-mos convirá todavia sublinhar que, a presidir à 
Comissão, se encontrava desde 1958, Walter HALLSTEIN. Trata-se de um 
existiam e eram conhecidas, pelo menos em parte. Assim - conforme salienta P-H TE!TGEN 
(Droit Institutionnel Communautaire, cit., p. 41) - DE GAULLE, para além dos atritos sentidos 
nas relações com o governo britânico durante a guerra, receava que a entrada deste país se tor-
nasse no cavalo de Troia americano na Comunidade, dados os laços preferenciais com os 
Estados Unidos que o governo britânico vinha desenvolvendo desde o fim da guerra, os quais 
entravam em colisão com a vontade francesa de constituir um sistema europeu independente, 
nomeadamente em termos de defesa. 
30 A título ilustrativo, V. Jean MONNET, Mémoires, cit., pp. 645 e ss. e 665 e ss .. 
Recordar porém que, durante as negociações em Bruxelas que se seguiram à conferência de 
Messina e que iriam permitir o arranque da CEE, esteve presente um observador britânico, o 
qual, porém, concluiu estar a perder o seu tempo (Cfr. Jean LECERF, La Commzmauté face à la 
crise, cit., p. 24), tão diferentes eram as perspectivas do Reino Unido. 
31 Cfr. Hans von der GROEBEN, Comba! pour l'Europe, Ed. S.P.O.C.E., Bruxelas-Luxem-
burgo, 1984., p. 201 ss. 
A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 185 
professor de Franckfurt, federalista, cuja carreira política se tinha desen-
volvido quase exclusivamente no âmbito da construção europeia. Ainda 
um desconhecido, tinha participado no Congresso da Haia de 1947, vindo 
a ser escolhido pelo chanceler ADENAUER para negociador do tratado 
CECA 32. Mais tarde, foi Secretário de Estado dos Negócios Estrangei-
ros alemão, e negociador dos tratados de Roma. A sua escolha para pri-
meiro presidente da Comissão da CEE foi acordada entre MONNET e 
ADENAUER 33, procurando-se assim a presença de alguém cuja autoridade e 
coragem garantisse que aquela instituição cumprisse as imensas expectati-
vas criadas. Na verdade, MONNET, reconhecendo as grandes qualidades 
pessoais de HALLSTEIN, sabia-o também um defensor vigoroso da suprana-
cionalidade 34• 
HALLSTEIN enquanto presidente da Comissão e perante o dilema em 
questão não podia ceder, perdendo assim a oportunidade de reforçar a ins-
tituição supranacional 35. Por isso as propostas apresentadas pela Comissão 
na reunião do Conselho de 31 de Março de 1965 previam claramente um 
avanço. Mas, conforme salienta Hans von der GROEBEN 36, nem por isso 
deixavam de ser razoáveis e de se integrarem perfeitamente no quadro 
entretanto desenvolvido pela Comunidade e que tinha sido objecto de 
variadíssimas discussões no Conselho. Tratava-se em síntese, de prolongar 
o regime em vigor do financiamento agrícola até 1 de Julho de 1967, 
transferindo-se a partir dessa data, o financiamento das despesas para a 
Comunidade, a qual passaria a integrar no seu orçamento as receitas pro-
venientes dos direitos alfandegários e dos direitos niveladores. Tais medi-
das implicavam um acréscimo dos poderes orçamentais do Parlamento 
Europeu (uma vez que, na presença de receitas próprias, caberia - con-
forme a tradição - à instituição representante dos cidadãos intervir na 
definição da afectação desses recursos e bem assim, controlar politica-
mente a sua aplicação), poderes esses que, segundo a proposta, quando 
exercidos em conjunto com a Comissão, tornavam dispensável o acordo 
do Conselho. Esta última questão oferecia sérias dificuldades uma vez que 
se traduzia no reforço dos poderes de um órgão, também ele supranaci-
32 V. Jean MONNET, Mémoires, cit., pp. 394 e 462. 
33 Cfr. Jean MoNNET, Mémoires, cit., p. 630. 
34 Cfr. Jean MONNET, Mémoires, cit, pp. 462 e 479/480. 
35 V. Jean MONNET, Mémoires, cit., p. 720 
36 Cfr. Combat pour l'Europe, cit., p. 203. 
186 Rui Miguel Marrana 
onal, cujas pos1çoes abertamente a favor do avanço na integração preo-
cupavam os políticos nacionais, desconfiados da tendência criada e das 
consequências que daí poderiam advir. Assim, nos Estados membros e res-
pectivos parlamentos (que, nos termos do tratado teriam de ratificar as 
decisões), as posições não eram unânimes, sabendo-se por isso da possibi-
lidade de as propostas virem a encontrar resistências importantes. Tal 
facto não abalou a Comissão que confiava nomeadamí?nte que o governo 
francês viesse a ponderar positivamente as vantagens decorrentes do fi-
nanciamento das exportações agrícolas 37. 
As propostas, segundo o procedimento normal, foram discutidas 
pelos representantes permanentes e pelos ministros, nas sessões do 
Conselho de 13 e 14 de Maio e de 14 e 15 de Junho. A aproximação da 
data limite de 30 de Junho não constituia grande preocupação para nin-
guém, por não se considerar essencial o cumprimento do prazo. Todos 
esperavam porém, que as sessões agendadas para 29 e 30 de Junho de 65 
viessem a ser novas reuniões maratona do Conselho de Ministros, à ima-
gem do que aliás havia acontecido em anos anteriores. Mas desta vez a 
situação era diferente. Já não existia o empenho das partes em consegui-
rem um acordo, ultrapassando-se, ainda que a custo, as dificuldades 
existentes 38. Por isso, à meia noite do dia 30 de Junho de 1965, hora em 
que formalmente terminava a presidência francesa do Conselho de 
Ministros da CEE, o ministro dos negócios estrangeiros francês, CouvE DE 
MURVILLE, sem consultar os seus colegas, constata o malogro das nego-
ciações e dá por terminada a reunião. O governo francês chama a Paris o 
seu representante permanente e recusa-se a participar nas reuniões. A 
Comunidade estava em crise. 
As motivações francesas 
Imediatamente após o abandono da França 39 seguir-se-iam diversíssi-
mas declarações públicas, entre as quais são de salientar as do dia 
37 Cfr. Jean MoNNET, Mémoires, cit., pp. 720/721. 
38 Cfr. Hans von der GROEBEN, Combat pour l'Europe, cit., p. 205/206. 
39 Este abandono, notar-se-á, não foi total. A França veio a intervir em diversos procedi-
mentos por escrito e em reuniões ao nível defuncionários, evitando assim a ruptura total e 
garantindo o expediente corrente (Cfr. Hans von der GROEBEN, Combat pour l'Europe, cit., 
p. 206 e J. MOTA DE CAMPOS, Direito Comunitário, cit., vol I, p. 231). 
A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 187 
seguinte, proferidas por COUVE DE MURVILLE e Walter HALLSTEIN, e a con-
ferência de imprensa do general DE GAULLE em 9 de Setembro. 
Quais as razões que conduziram o governo francês a uma atitude tão 
brutal? 
A motivação dominante parece ter sido a de marginalizar definitiva-
mente a Comissão e em especial o seu presidente. Conforme refere Jean 
MONNET nas suas Mémoires, mais do que a dificuldade dos problemas, 
terá sido o elemento subjectivo que determinou em última instância, a ati-
tude de ruptura: 
Os ji·anceses estavam decididos a marginalizar Hallstein, sem se 
preocuparem com a natureza das dificuldades técnicas, estando a sua 
perspectiva dominada pelas intenções e atitudes do presidente da Comis-
são que se empenhava em reforçar os poderes e o brilho da sua institui-
ção 40 [ ... ] tive vários encontros com Couve de Murville, com o qual eu 
sempre tinha tido um entendimento razoável. Mas não me era possível 
apreender o essencial do seu pensamento, excepto quando a conversa vol-
tava à Comissão, pela qual ele tinha uma projimda aversão. Parecia que 
qualquer solução dos problemas económicos e toda a retoma dos contac-
tos a seis estavam subordinados à renovação dessa instituição, no que 
toca às pessoas e aos métodos 41 • 
A profimda aversão relativamente à Comissão devia-se a diversas 
práticas assumidas por esta instituição que mereceriam aliás, uma referên-
cia expressa no chamado decálogo de queixas que o governo francês tor-
naria público 42, nomeadamente: 
40 Jean MoNNET, Mémoires, cit., p. 721. O texto original - do qual oferecemos uma tra-
dução livre - tem uma redacção com pormenores idiomáticos que não puderam ser acolhidos 
na tradução, razão pela qual o mesmo se transcreve de seguida: Les jiw1çais étaient décidrjs à 
ne plus traiter avec Hallstein, et peu importait alars la nature de la dijjiculté teclmique, seules 
comptaient à leurs yem: les intentions et les attitudes du président de la Commission qui s'atta-
chait à donner des pouvoirs et du lustre à son instituition. 
41 Jean MONNET, Mémoires, cit., p. 722. Pelas mesmas razões apontadas na nota anterior 
relativamente ao primeiro excerto citado, transcreve-se de seguida, o texto original: j'eus plu-
siers entretiens avec Couve de Murville avec qui j'avais tozljours par/é raison. Mais je ne ren-
contrai pas !e fond de sa pensée, sauf lorsque !e sujet revenait sur la Commission pour laquelle 
il avait une pro/onde aversion. II semblait que toute solution des problemes économiques et 
toute reprise des entretiens à Six fi1ssent subordonnés au renouvellement de cette instituition, 
dans ses personnes et dans ses méthodes. 
42 V. os extractos citados por J. MOTA DE CAMPOS, Direito Comunitário, cit., vol 1, 
p. 229/231, de onde retiramos parte dos items referidos em seguida e cuja numeração entre 
parêntesis corresponde à citada por aquele autor. 
188 Rui Miguel Marrana 
- O facto de a Comissão não consultar os governos dos Estados 
membros antes de submeter as suas propostas ao Conselho (n.º 1). Neste 
âmbito, a Comissão sempre tinha entendido não dever consultar previa-
mente os Estados membros por duas ordens de razões: em primeiro lugar 
porque pretendia que a aproximação dos diversos pontos de vista se con-
seguisse, não ao nível bilateral, mas através de negociações oficiais no 
Conselho e em segundo lugar, porque essa consulta implicaria uma redu-
ção do seu poder de iniciativa em controvérsias prematuras 43 . 
- O facto de a Comissão divulgar as suas propostas antes de as 
submeter à apreciação do Conselho (n.º 2). Esta prática, embora não fosse 
corrente, havia-se verificado relativamente ·às propostas em discussão 
aquando da crise da cadeira vazia. O presidente Walter HALLSTEIN havia-
as discutido no Parlamento Europeu, antes mesmo de as ter dirigido ao 
Conselho, o que veio a influenciar a atitude francesa 44. Em termos gerais 
esta atitude, para além de poder considerar-se desprestigiante para os 
governos, por os manter à margem da discussão durante algum tempo, 
permitia que estes pudessem ser pressionados pela opinião pública sem te-
rem tido a oportunidade de estudarem convenientemente as propostas, a 
fim de poderem tomar uma posição. 
- O facto de a Comissão, em matéria de relações exteriores, tomar 
iniciativas não aprovadas previamente pelo Conselho (n.º 6 e 7). 
Recordar-se-á que a Comissão havia negociado, em nome dos seis, o 
acordo do GATT no âmbito do Kennedy round, o que constituiu um 
momento importante da projecção internacional da Comunidade. Ora, em 
matéria de relações externas - e nomeadamente em termos económicos 
- não só permaneciam pendentes algumas questões como, principalmente 
o general DE GAULLE, na sua tentativa de se furtar à influência americana, 
assumia posições normalmente discordantes das dos outros Estados mem-
bros e da Comissão. Este facto levaria o presidente francês a opor-se 
àquilo que chamou a comunitarização da política 45, denunciando uma tec-
nocracia, na maioria estrangeira, empenhada em usurpar a democracia 
43 Cfr. Hans von der GROEBEN, Comba! pour l'Europe, cit., pp. 203/204 e tb. J. MOTA DE 
CAMPOS, Direito Comunitário, cit, p. 230. 
44 Cfr. Hans von der GROEBEN, Comba! pour l'Europe, cit., p. 204. 
45 Cfr. Hans von der GROEBEN, Comba/ pour l'Europe, cit., p. 207. 
A construção europeia (1945-197 4) ciclos e tendências fundamentais 189 
francesa 46. É aliás, essencialmente dentro desta perspectiva que se com-
preende ainda a exigência francesa. no sentido de os membros da 
Comissão, nas suas intervenções públicas observarem uma neutralidade 
decente em relação à política dos Estados membros (n.º 8.º do decálogo). 
A plena assunção pela Comissão da sua posição de autonomia em relação 
aos Estados membros, tinha levado os comissários a discordarem aberta-
mente de algumas posições destes e nomeadamente da França. 
- O facto de ser o presidente da Comissão a receber as credenciais 
dos chefes das missões diplomáticas acreditadas junto da Comunidade 
(n.º 5). Esta prática que em certa medida, equiparava o presidente da 
Comissão a um chefe de Estado, mereceu uma oposição expressa do 
governo francês, ao qual não era alheio o cerimonial adaptado 47, o que 
acabaria por levar este a considerar inadmissíveis quaisquer pretensões 
protocolares 48. 
- O facto de a Comissão chamar a si poderes especiais por via da 
aprovação de Regulamentos (n.º 3) e de limitar a margem de liberdade 
dos Estados membros na aplicação do direito comunitário, ao propôr 
directivas que, para além de fixarem objectivos a atingir, estabeleciam 
também os meios a utilizar (n.º 4). A França utilizava assim pela primeira 
vez o argumento da obediência estrita aos limites formais expressos nos 
tratados, argumento este que viria a fazer escola no futuro, sendo invo-
cado sempre que os Estados membros se pretendiam furtar a avanços na 
integração. Na verdade, a prática da Comissão exorbitava da letra dos tra-
tados - e nomeadamente no que toca à utilização das Directivas, ao dis-
posto no Tratado CEE - no entanto, foram quase sempre práticas deste 
género que permitiram preencher lacunas ou omissões institucionais ou 
decisórias, e bem assim tornaram possíveis avanços importantes na cons-
trução comunitária. 
Mas a posição francesa tinha mais motivações, para além das acaba-
das de retirar do decálogo. Para além da intenção clara de reduzir subs-
tancialmente o protagonismo da actividade da Comissão, pretendia-se tam-
46 Extracto da conferência de imprensa do General DE GAULLE em Setembro de 1965, 
citado por Jean MONNET, Mémoires, cit., p. 723 (tradução livre). 
47 V. (para além da enunciação) a referência específica feita por J. MOTA DE CAMPOS, 
Direito Comunitário, cit. p. 230. Esta situaçãoé por vezes referida como o ajfaire du tapis 
rouge. 
48 Cfr. Jean MoNNET, Mémoires, cit., p. 721. 
190 Rui Miguel Marrana 
bém reconduzir esta instituição a funções de carácter técnico e de 
intermediário intergovernamental 49, por oposição à actividade plenamente 
política que vinha sendo exercida 50. 
No mesmo sentido, pretendeu-se evitar o acréscimo de poderes do 
Parlamento Europeu (e bem assim da sua legitimidade, através da eleição 
por sufrágio directo ), evitando-se que a valorização deste forum político 
pudesse contribuir para uma maior comunitarização. 
A motivação quiçá mais importante - e que maiores consequência 
veio a ter, aliás - prendia-se no entanto com um aspecto que nada tinha 
a haver com as circunstâncias em que se deu a crise da cadeira vazia e 
com os assuntos em questão. Referimo-nos evidentemente à adopção das 
decisões no Conselho por voto à maioria, o que, nos termos do Tratado 
CEE, estava previsto que viesse a verificar-se a partir da passagem para a 
segunda etapa do Mercado Comum, ou seja a 1 de Janeiro de 1966. Esta 
situação permitiria que, nas decisões que se avizinhavam versando sobre 
assuntos importantes, a França pudesse ver serem-lhe impostas soluções 
contra aquilo que eram considerados os seus interesses 51 . 
49 Cfr. Hans von der GROEBEN, Combat pour l'Europe, cit., p. 207. 
50 Paul TAYLOR oferece uma leitura interessante sobre a visão do General DE GAULLE, lei-
tura essa que corresponde à visão incrementalista dos neo funcionalistas e por isso merece ser 
aqui referida em síntese. Assim, articulando as circunstâncias práticas com o enquadramento 
metodológico da construção europeia, este autor afirma sumáriamente que a maximização da 
capacidade de acção conseguida pela Comissão havia conduzido a que nos g111pos de pressão 
mais importantes, se verificasse uma refocalização das lealdades (dos governos nacionais para 
as instituições comunitárias). Este processo implicava uma pressão crescente dos referidos gru-
pos de pressão sobre os governos nacionais no sentido de estes admitirem uma transferência 
acrescida de poderes para a Comissão. Em consequência disto, esta poderia vir a alargar a sua 
capacidade de intervenção conseguindo maior grau de refocalização e por aí adiante. 
Compreendendo esta dinâmica, o General DE GAULLE não poderia deixar de intervir, tomando 
medidas concretas contra a Comissão que afastassem definitivamente os perigos visíveis para a 
soberania francesa (Cfr. Paul TAYLOR, The Limits of European Integration, Columbia University 
Press, Nova Iorque, 1983, pp. 15/16). 
51 Trata-se todavia do risco de toda a votação à maioria no seio de uma organização 
internacional de integração (até porque, como salientámos atrás, enquanto o processo de inte-
gração se mantiver fiel aos mecanismos intergovernamentais, aquilo que há-de caracterizar a 
integração será necessariamente a admissibilidade da tomada de decisões à maioria - sem o 
que as limitações de soberania parecem desaparecer do enquadramento jurídico). Recordar-se-á 
todavia que, embora esse aspecto tenha sido naturalmente objecto de negociação para efeitos de 
aprovação e ratificação dos tratados, a verdade é que, os negociadores franceses não haviam 
sido os gaullistas agora no poder. E nessa medida, conhecidas as posições do General sobre esta 
matéria, compreender-se-á melhor a atitude tomada por este na conferência de imprensa de 
Setembro de 65, ao recusar a passagem à votação à maioria. 
A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 191 
A terminar poderá adiantar-se uma última motivação da posição fran-
cesa, a única, aliás, fora do âmbito comunitário: o general DE GAULLE, na 
sua tentativa de limitar a influência americana no teatro europeu - posi-
ção em que não era secundado pelos outros parceiros - pretendia uma 
aproximação à União Soviética, pelo que, ao assumir uma atitude crítica 
perante a CEE, terá tentado criar condições propícias para o efeito, uma 
vez que esta superpotência era hostil à integração europeia 52 . 
A crise 
O abandono francês, criou uma situação totalmente imprevisível. 
Implicava, da parte deste Estado-membro, uma evidente violação dos tra-
tados, mas nada neles permitia descortinar uma solução. E a necessidade 
desta prevalecia. 
A situação era confusa. Da parte francesa, apenas era evidente a 
exigência de marginalização da Comissão, e bem assim a questão da regra 
da maioria nas votações do Conselho (que foi aliás, rapidamente integrada 
no inventário das reclamações). O general DE GAULLE mantinha-se irredu-
tível e COUVE DE MURVILLE aparentava alguma incerteza sobre as medidas 
a tomar por forma a repor em marcha o Mercado Comum 53. 
Em Dezembro da 1965, nas eleições presidenciais, a questão da crise 
foi levantada e Jean MONNET - que, para além da estreita colaboração 
com o general durante e após a II Guerra Mundia~, sempre tinha apoiado 
as iniciativas políticas deste - vai declarar publicamente o seu apoio a 
Jean LECANUET e, na segunda volta, a François MITERRAND 54. DE GAULLE 
sofre um revés na primeira volta, mas acaba por vencer as eleições com 
54%, e reconduz COUVE DE MURVILLE, pelo que a solução teve de en-
contrar-se com os mesmos actores. 
A França, apesar de tudo, jogava na Comunidade interesses impor-
tantes, pelo que, fora das questões de fundo levantadas, as vantagens em 
prosseguir eram evidentes. Os outros parceiros Comunitários mantinham 
52 Sublinhar-se-á que, esta situação surge em complemento da retirada do contingente 
militar francês da NATO, organização a que a URSS era - por maioria de razões - também 
hostil (V. Hans von der GROEBEN, Combat pour l'Europe, cit., p. 208). 
53 Cfr. Jean MONNET, Mémoires, cit., p. 723. 
54 Cfr. Jean MONNET, Mémoires, cit., p. 724. 
192 Rui Miguel Marrana 
uma atitude pró-europeia, apostados na defesa das regras do tratado e nas 
instituições por ele criadas. No entanto, face à impossibilidade de prosse-
guirem a integração sem a França, empenhavam-se na busca de soluções 
razoáveis. 
Vai ser por iniciativa do presidente do Conselh.o em exercício, o ita-
liano Emílio COLOMBO 55 que o quadro formal das negociações se vai 
encontrar: uma reunião extraordinária do Conselho - no Luxemburgo e 
sem a presença da Comissão - que terá lugar durante o mês de Janeiro 
de 1966. 
O compromisso do Luxemburgo 
Extraído da acta desta reunião, será lido à imprensa um comunicado 
com o seguinte teor 56: 
1. Sempre que, nos casos de decisão susceptível de ser tomada por 
maioria por proposta da Comissão, interesses muito importantes de um ou 
de vários parceiros estejam em causa, os membros do Conselho esforçar-
se-ão por chegar, num prazo razoável, a soluções que respeitem os seus 
interesses e os da Comunidade, na conformidade do artigo 2. º do tratado. 
55 No sentido aliás de uma proposta que Paul-Henri SPAAK havia já feito em Setembro 
de 65 (Cfr. Hans von der GROEBEN, Combat pour l'Europe, cit., p. 212). 
56 O texto apresentado corresponde à tradução fiel do original in J. MOTA DE CAMPOS, 
Direito Comunitário, cit., p. 232/233. Por uma questão de rigor que temos por justificada pela 
importância histórica do documento, registamos também aqui o texto original (retirado de 
Marie-Françoise LABOUZ, Le Systeme Communautaire Européen, Berger-Levrault, 2." Ed., Paris, 
1988, p. 284, sendo que esta autora retira o mesmo texto do 9" Rapport général des 
Communautés européennes, 1966, p. 35) . 
J. Lorsque, dans !e cas de décisions susceptibles d'être prises à la majorité sur proposi-
tion de la Commission, des interêts tres importants d '1111 ou de plusieurs partenaires sont en jeu, 
/es membres du Cansei/ s 'efforceront dans un délai raisonnable d'arriver à des solutions qui 
pourront étre adoptés par tous /es membres du Cansei/ dans /e respect de /eurs intéréts mutueis 
et ceux de la Communauté, conformément à /'article 2 du Traité. 
2. En ce qui concerne /e paragraphe précedent, la délégation jiwzçaise estime que, /orse 
qu'il s'agit d'interétstres importants, la discussion devra poursuivre jusqu'à ce que l'on soit 
parvenu à 1111 accord unanime. 
3. Les sh: délégations constatent qu'zme divergence sur ce qui devrait étre fait au cas ozi 
la conciliation n 'aboutirait pas completement. 
4. Les six délégations estiment que cette divergence n 'empéche pas la reprise, selon la 
procédure norma/e, des travam: de la Communauté 
A construção europeia (1945-197 4) - ciclos e tendências fundamentais 193 
2. Em relação ao paágrafo precedente, a delegação francesa consi-
dera que, quando se trate de interesses muito importantes a discussão 
deverá prosseguir até que se chegue a um acordo unânime. 
3. As seis delegações registam que um divergência subsiste sobre o 
que deverá fazer-se quando não se alcance uma completa conciliação. 
4. As seis delegações consideram, no entaqnto, que tal divergência 
não impede que se retome, segundo o procedimento normal, os trabalhos 
da Comunidade. 
As negociações que conduziram a este resultado foram conduzidas 
pelo Ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, ScHROEDER, que conse-
guiu, pelo menos· aparentemente, um recuo importante da delegação fran-
cesa em relação às outras exigências apresentadas, ou seja, às questões 
levantadas no decálogo. Não obstante, nem por isso deixou de se acordar 
sobre tais matérias que a Comissão consultaria os representantes perma-
nentes antes de apresentar as propostas importantes, que não publicaria 
estas antes de as enviar ao Conselho e que colaboraria com este no 
âmbito da relações externas da Comunidade e da informação. Mais tarde, 
a Comissão e o Conselho chegariam também a acordo sobre a forma de 
apresentação das credenciais dos embaixadores perante a Comunidade 57. 
A França conseguiu ainda um objectivo importante: a substituição 
dos membros da Comissão e principalmente do seu presidente, Walter 
HALLSTEIN, embora tal medida apenas se viesse efectivar em 1967, com a 
entrada em vigor do tratado de fusão dos executivos a que nos referiremos 
adiante. 
Caracterização 
De toda a situação descrita, importa agora retirar algumas conclusões. 
Em primeiro lugar sublinhe-se que nesta primeira prova de fogo da 
Comunidade, se afirmou numa característica que se manteria até à actua-
lidade: a da crise institucional permanente - ou ainda mais, da mutação 
sacudida periodicamente por alterações bruscas e hereditárias 58 . Esta 
circunstância, apesar do paralelismo reconfortante que pode fazer-se com 
57 Cfr. Hans von der GROEBEN, Combat pour /'Europe, cit., p. 213. 
58 Cfr. Marie-Françoise LABOUZ, Le Systeme Communautaire Européen, cit., p. 21. 
194 Rui Miguel Marrana 
as espécies vivas 59, demonstra, senão a fraqueza do quadro institucional 
comunitário, pelo menos o seu enfraquecimento. 
Como consequência, mercê do desequilíbrio produzido, a crise veio a 
banalizar-se na Comunidade, assumindo-se como que um elemento de 
pressão permanente 60. _ . , . . . . 
Avaliemos então, os termos da injlexao do equzlzbrzo mstltuc10nal 
comunitário no sentido do intergovernamentalismo, resultante da crise da 
cadeira vazia. 
A desvalorização da Comissão - traduzida nomeadamente nas obri-
gações de consultar os representantes permanentes antes de aprese~tar as 
propostas importantes, de não publicar estas antes de as enviar ao 
Conselho, de colaborar com o Conselho no âmbito da relações externas da 
Comunidade e da informação e bem assim no facto de deixar de receber, 
na pessoa do seu presidente, as credenciais dos embaixadores - é muitís-
simo significativa. 
Os acordos nesta matéria implicam conjunta ou separadamente a 
perda de autonomia da Comissão em relação aos Estados membros (isto 
é, uma quase coincidência forçada da vontade comunitária com a von~a~e 
dos Estados membros), que em termos funcionais é agravada pela limi-
tação do poder de iniciativa (ao obrigar-se esta, por força da regra da una-
nimidade, a estabelecer contactos bilaterais). Para além desdes aspe~tos, a 
limitação que é imposta à Comissão em termos de intervenção pública -
ao não lhe ser permitido tornar públicas as propostas antes de as apresen-
tar ao Conselho e, em termos gerais, ao perder liberdade de utilização dos 
serviços de informação - tem um alcance primordial, porquanto impede 
uma comunicação entre a Comunidade e os cidadãos, comunicação essa 
que é fundamento mesmo de princípios jurídicos basilares da sua ordem 
jurídica 61 . 
59 Cfr. Gérard DRUESNE et. ai., Le Marché Commun, cit., por Marie-Françoise LABOUZ, 
Le Systeme Commzmautaire Européen, cit., p. 21. . . . 
60 Jean MONNET acreditava serem as crises decisivas para a construção europeia, cnando 
condições para o relançamento do processo de integração (Cfr. Michael BURGESS, Federalism 
and European Union, Routledge, Londres e Nova Iorque, 1989, p. 48). _As crises a que '."füNNET 
se referia eram no entanto as crises exteriores à Comunidade, para CUJas respostas se impunha 
a reavaliação do potencial e das vantagens dos mecanismos de integr~ção. . . 
61 V. toda a fundamentação desenvolvida pelo Tribunal de Justlça da C.E. em matena de 
Efeito Directo e de Primado do Direito Comunitário, nomeadamente nos acórdãos de 3 de 
Fevereiro de 1963, Van Gend en Loos (proc.0 26/62) e de 15.7.64, Costa/ENEL (proc.º 6/64). 
A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 195 
Importa evitar a tentação corrente de minimizar estas consequências, 
retirando do compromisso do Luxemburgo apenas e só o afastamento do 
voto à maioria no Conselho de Ministros (a que nos referiremos de 
seguida). Na verdade, as alterações impostas ao papel da Comissão que 
indicámos anteriormente, embora aparentemente de pormenor, convergiram 
num sentido preciso com consequências importantes: impediram que esta 
instituição pudesse desenvolver apoios directos nos cidadãos e nos grupos 
de interesses dos vários estados, gerando aquilo que alguns autores defi-
nem por uma refocalização das lealdades políticas 62, ou seja, a criação 
de condições favoráveis para novos avanços no processo de integração 
através da atracção exercida sobre os grupos de interesses. 
Ao reduzirem-se drasticamente as relações entre os cidadãos - nor-
malmente por via dos diversos grupos de interesses através dos quais se 
manifestam - e a Comissão - enquanto única instituição de decisão 
comunitária propriamente dita - evitou-se o fortalecimento de uma noção 
sócio-psicológica de comunidade. Ora, só uma consciencialização cada 
vez mais profunda de pertença a uma comunidade poderá permitir a refe-
rida refocalização ou redireccionamento das lealdades políticas que consti-
tuem condição essencial à legitimação das transferências de· soberania (e 
nessa medida, surgem como requisito essencial da evolução do processo 
de integração). 
O aspecto mais conhecido de toda esta saga - a questão da votação 
à unanimidade - tem também ele consequências determinantes no sen-
tido do intergovernamentalismo. 
Reparar-se-á que muitos autores salientam que o compromisso do 
Luxemburgo é antes de mais, um agreement to disagree 63 ou, na expres-
são francesa, um constat de désaccord 64, de onde se poderia aparenta-
mente retirar não ter havido uma capitulação perante as exigências france-
sas. E é bem verdade que da letra do comunicado, parece poder inferir-se 
tal conclusão. A realidade porém, demonstra que na prática, as exigências 
francesas viriam a ser plenamente satisfeitas, ou melhor, foi a interpreta-
ção francesa que efectivamente prevaleceu: a partir de l 966, à excepção 
de questões menores (como sejam os actos de gestão ou similares) de ne-
62 
V. Paul TAYLOR, The Limits of European Integration, cit., pp. 15 e ss. e 20 e ss .. 
63 
Por todos V. Giancarlo ÜLMI, Trinta Anos de Direito Comunitário, cit., p. 4. 
64 
Tb. por todos V. Marie-Françoise LABOUZ, Le Systeme Communautaire Européen, cit., 
p. 169. 
196 Rui Miguel Marrana 
cessidades absolutas (como seja a aprovação do orçamento) e em razão de 
regateios políticos (como foi o caso das contribuições britânicas)as vota-
ções no Conselho fizeram-se à unanimidade 65 . 
Os Estados membros recuperaram assim um direito a veto 66 a que 
haviam renunciado, o qual constitui aliás, uma característica dos modelos 
de cooperação 67• E assim, o intergovernamentalismo foi afirmado na sua 
mais importante vertente. 
Sublinhar-se-á, neste aspecto que a unanimidade implicou, por si só, 
uma alteração qualitativa no processo de decisão: esta passa a assentar 
na necessidade de um consenso entre os Estados membros e já não na 
busca de uma maioria adequada 68 . Com isto, o enfraquecimento do 
papel da Comissão faz-se já não só à custa do Conselho mas do próprio 
COREPER, orgão auxiliar que efectua a triagem e define os consensos 
possíveis. A Comissão já não possui o necessário à vontade para avançar 
com iniciativas corajosas, limitando-se a procurar os compromissos possí-
veis para as soluções desejáveis 69. 
Nesta medida é ilusória a apreciação final de Jean MONNET, quando 
afirma: 
Se o seu objectivo [de DE GAULLE] era estancqr o desenvolvimento 
institucional e impedir que novas transferências de soberania surgissem 
na Comunidade, ele nada ganhou, senão algum tempo, tempo esse que foi 
65 Cfr. Marie-Françoise LABOUZ, Le Systeme Communautaire Européen, cit., p. 170. 
66 A insistência francesa na possibilidade do exercício do direito a veto nas decisões do 
Conselho ultrapassou os termos da declaração do compromisso do Luxemburgo quando, alguns 
meses mais tarde, o governo francês afirmou unilateralmente que votaria com todo e qualquer 
país que, colocado em minoria, invocasse um interesse vital (Cfr. Jean LECERF, La Commzmauté 
face à la crise, cit., p. 27). 
67 Só não se tranformou a comunidade numa organização internacional de cooperação 
porque, não obstante a gravidade da inflexão intergovernamental, permaneceram mecanismos de 
integração, nomeadamente no que toca aos poderes de execução da Comissão e algumas com-
petências desta em domínios como a concorrência ou a gestão da PAC. 
68 A introdução do veto é por vezes minimizada, salientando-se o facto de a exigência de 
unanimidade por invocação do interesse vital apenas ter ocorrido umas poucas dezenas de vezes. 
Todavia, conforme bem salienta Marie-François LABOUZ, ce qui est contestable et nocif n'est 
pas la pratique unanimiste - licite et réaliste - mais bien la déviation de la déviation, à 
savoir la recherche systématique et obstiné de l'unanimité, rendue possible par l'appréciation 
discrétionaire et exclusive de l 'intértêt national. La pratique conaít même une sorte de déviation 
au troisieme degré avec la relégation du vote lui-même au profit du consensus. (Le systeme 
communautaire européen, cit. p. 170). 
69 V. Paul TAYLOR, Tlze Limits os European Integration, cit., p. 20. 
A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 197 
perdido para os europeus. Aquilo que lhes recusou em 1965, vieram a 
adquiri-lo mais tarde como sendo o progresso mais natura110. 
A verdade é que ainda hoje a Comunidade não recuperou da margi-
nalização a que a Comissão foi votada em termos institucionais, e bem 
assim, a questão da votação à maioria 71 nem mesmo através da aprovação 
do Acto Único ficou definitivamente estabelecida. 
A inflexão no sentido do intergovernamentalismo reveste ainda uma 
outra característica que não pode deixar de realçar-se. Referimi-nos à des-
valorização do quadro jurídico-constitucional, que conduziu à implemen-
tação da prática dos pequenos passos e dos arranjos inter-institucionais 72 
à margem dos tratados 73 . Neste quadro, além do desequilíbrio, ressalta a 
própria descaracterização do processo de integração. 
Conforme tivémos já oportunidade de salientar 74, a integração tem 
como característica essencial a natureza jurídica do enquadramento das 
limitações de soberania. Ou seja, o facto de essas limitações resultarem de 
opções livremente assumidas no quadro - e nos limites - de regimes 
convencionais. Nestes termos, embora se tenha de considerar normal a 
adaptação dos regimes às circunstâncias específicas que estes pretendem 
regular, a verdade é que quando as soluções escapam a esses regimes, sur-
70 O texto original - cuja tradução livre denota insuficiências importantes - é 
o seguinte: Si son but [celui de DE GAULLE] était de figer le developpement institutionnel e 
d'empêclzer que de nouveaw: transferis de souveranité n 'intervinssent dans la Commzmauté, il 
n 'avait rien gagné, qu 'zm peut de temps, et ce temp était perdu pour les Européens. Ce qu 'il 
leurs refusaient en 1965, ils l'on acquis depuis comme le progres le plus naturel (Cfr. Jean 
MoNNET, Mémoires, cit., p. 725). 
71 Embora se tenda actualmente para considerar a votação à unanimidade como a conse-
quência mais importante - senão mesmo a única importante - do compromisso do 
Luxemburgo, alguns autores como Paul TAYLOR, entendem que, em 1965 poucas pessoas 
(mesmo dentro da Comissão) esperavam a passagem à votação à maioria no Conselho logo no 
ano seguinte; nestes termos, a consequência decisiva do Compromisso do Luxemburgo terá sido 
a de evitar que a Comissão prosseguisse efectivamente no sentido de desenvolver a sua capaci-
dade de intervenção supranacional (V. Paul TAYLOR, Tlze Limits of European Jntegration, cit., 
p. 21). 
72 Para uma análise compreensiva do fenómeno das alterações constitucionais nas organi-
zações internacionais V. Mario BETTATI, Le Droit des Organisations Intemationales, PUF, Paris, 
1987' pp. 58 ss. 
73 Cfr. Marie-Françoise LABOUZ, Le Systeme Commzmautaire Européen, cit., p 22. 
74 Para um tratamento desenvolvido do conceito de integração e seus elementos caracte-
rizadores, V. o nosso trabalho já referido na nota 1, Teoria da Integração política. 
198 Rui Marrana 
gindo, desenvolvendo-se e permanecendo fora do seu enquadramento, 
perde-se a ponderação inicial e abre-se caminho a factualidades resultantes 
do mero peso .relativo das forças em presença, sem referência ou condi-
cionamento dos princípios de razoabilidade, equidade e justiça que sempre 
inspiram os acordos de natureza normativa. 
Sublinhar-se-á por isso a relevância do desconforto com que a dou-
trina jurídica 75 sempre lidou com o compromisso do Luxemburgo, que 
subsistindo, parecia impossível de dar por ultrapassado nos momentos em 
que o processo de intergação europeia era repensado e aperfeiçoado no 
quadro das sucessivas revisões dos tratados instituintes. Ao classificar-se o 
compromisso como um mero gentlemen agreement parece estar-se a dimi-
nuir a sua importância, uma vez que daí decorre um carácter juridica-
mente não vinculativo. Todavia, as partes não deixaram por isso de o 
cumprir e de o respeitar ao longo dos anos 76. E a ajuricidade do com-
promisso tomou-o também juridicamente irrevogável, o que acabaria por 
lhe prolongar a vigência, na indefinição da sua natureza. 
111-1966-1969: a paralisia institucional e a insistência no intergo-
vernamentalismo 
A seguir ao compromisso do Luxemburgo a Comunidade não obs-
tante tenha obtido um acordo bastante para prosseguir, fá-lo desconsolada-
mente. Evolui-se apenas naquilo que dispensa empenhamento político das 
partes, já que o fantasma do veto vai desmotivar quaisquer apostas. 
Deste período poucos são portanto os factos relevantes. Valerá toda-
via a pena debruçarmo-nos sobre alguns, nomeadamente sobre o Tratado 
de Fusão - assinado em 1965 que entrará em vigor em 1967, sobre o 
segundo pedido de adesão britânico e finalmente sobre a entrada em vigor 
da União Aduaneira. Depois será a Cimeira da Haia que vai constituir 
novo turning point pondo fim ao período de palalisia institucional. 
Vejamo-los separadamente. 
75 Sobre a natureza a alcance jurídicos do compromisso do Luxemburgo V. J MOTA DE 
CAMPOS, Direito Çomunitário, cit. pp. 233 ss .. 
76 Sobre a importância dos efeitos do compromisso do Luxemburgo - ultrapassando em 
larga medida a sua invocação expressa pelos Estados-membros - V. Marie Françoise LABOUZ, 
Le Systeme co111111una11taire européen, cit.,pp. 169 ss. 
A construção europeia (1945-197 4) - ciclos e tendências fundamentais 199 
A fusão dos executivos e a criação do COREPER 
Logo no momento das negociações que conduziram à assinatura dos 
tratados de Roma (CEE e CEEA), os negociadores colocaram-se a questão 
das vantagens de prever um quadro institucional que pudesse servir simul-
taneamente a estas comunidades e à CECA, criada pelo tratado de Paris 
de 1951 77• 
As razões que podiam recolher-se nesse sentido eram objectivamente 
detectáveis e importantes, as mais significativas das quais residiam na 
economia de meios, na racionalização dos esforços e na própria coerência 
de um esforço de unidade que ninguém questionava. 
Subsistiam porém diversas circunstâncias que aconselhavam uma pru-
dência especial neste domínio. Desde logo importará não esquecer que o 
desenho institucional adoptado nos tratados de Roma é visivelmente dife-
rente do seguido no Tratado de Paris. Aqui, em plena euforia pró-euro-
peia, tinha sido possível estabelecer um quadro em que a instituição 
supranacional - significativamente apelidada de Alta Autoridade - as-
sumia o papel determinante na condução dos destinos comunitários 78. 
Inversamente, as novas comunidades reflectia - como se fez referência 
anteriormente - o pragmatismo decorrente do falhanço entretanto ocor-
rido com os projectos da CED e da Comunidade Política. Assim, nos 
tratados de Roma já não aparece o termo supranacional 79 e o poder de 
decisão do executivo - que passa a chamar-se Comissão - é bem 
menos importante do que o do Conselho, a instituição intergovernamental. 
que 
A doutrina salienta sobre este assunto, um aspecto não discipiendo: é 
o tratado CECA, um tratado-regra (tratado-lei), que regula a 
matéria de modo suficientemente exaustivo, para que se possa con-
fiar a sua aplicação a um executivo, composto por personalidades 
77 Cfr. Hans von der GROEBEN, Combat pour l'Europe, cit., pp. 196/197. 
78 Todavia, conforme salienta Hans von der GROEBEN, a própria proeminência da Alta 
Autoridade CECA pode ser considerada uma ilusão, porquanto as suas decisões carecem da 
aprovação do Conselho no que toca à política de intervenção, e em termos gerais, os poderes 
daquela constituiam letra morta, um vez que a sua aplicabilidade é duvidosa (Cfr. Combat pour 
l 'Europe, cit., p. 197). 
79 Conforme se referiu anteriormente, o termo supranacional surgia na redação primitiva 
do art.º 9.0 do tratado CECA, entretanto revogado pelo art.º 19.0 do tratado de Fusão. 
200 Rui Miguel Marrana 
independentes, submetido a um controlo limitado da instituição 
intergovernamental quanto aos actos de maior importância ... Pelo 
contrário, o tratado CEE é um tratado-quadro (tratado-constituição). 
Sendo extremamente vasto o seu campo de aplicação, limita-se a 
definir um certo número de princípios gerais e confia às instituições 
o cuidado de adaptar ao longo dos anos toda a legislação neces-
sária 80. 
Neste enquandramento é compreensível a necessidade de ma10r 
acompanhamento das actividades da CEE por parte dos Estados-membros. 
Acrescia ainda a prudência necessária em não acoplar uma comunidade 
em funcionamento às instituições de outra, cuja capacidade para se impôr 
permanecia duvidosa. 
Bem se percebe por isso, o facto de o acordo nesta matéria 81 se ter 
resumido ao estabelecimento de uma Assembleia 82 e de um Tribunal 
comuns. Todavia, assim que a CEE deu os seu primeiros passos e verifi-
cada que foi a importante dinâmica assumida por esta, a questão da fusão 
dos executivos voltou a levantar-se, sendo debatida a partir de 1959 83 . No 
entanto, só em 8 de Abril 1965 foi assinado o tratado de Bruxelas, o qual, 
mercê do processo de ratificação pelos parlamentos dos Estados membros, 
só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1967. 
80 Giancarlo ÜLMI, "Introdução", in Trinta Anos de Direito Comunitário, cit., pp. 1-14. A 
argumentação embora inquestionável no seu fundamento - e quase unanimemente repisada pela 
doutrina - merece algumas reservas, porquanto, se assim fosse, parece que, no caso da CEEA, 
os mesmo argumentos já não colhem, pelo que se poderia ter repetido o quadro institucional da 
CECA, o que não aconteceu. 
81 Que ficou conhecido como a Convenção de 25 de Março de 1957, relativa a certas 
instituições comuns às Comunidades Europeias. 
82 A Assembleia viria a auto-denominar-se Parlamento Europeu, designação que só foi 
acolhida nos tratados pelo Acto Único Europeu. 
83 Deste processo são de realçar os seguintes marcos: em 1959 VIGNY, Ministro dos 
Negócios Estrangeiros belga, efectua a primeira proposta nesse sentido. Durante o ano seguinte, 
os presidentes da Comissão da CEE e CEEA e da Alta Auttoridade CECA e bem assim o 
Parlamento Europeu, pronunciam-se favorávelmente. Em 1961 o governo holandês propõe um 
projecto de tratado nesse mesmo sentido. As negociações hão-de porém durar quatro longos 
anos, sofrendo nomeadamente da oposição francesa que pretendia evitar que daí pudesse inferir-
se um avanço no sentido da integração (Cfr. Hans von der GROEBEN, Comba/ pour l 'Europe, 
cit., p. 197). 
A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 201 
Deste tratado - que, afinal incide apenas sobre aspectos administra-
tivos - resultaram poucos benefícios para a Comunidade e em especial 
para o seu funcionamento. Desde logo porque a reorganização da admi-
nistração absorveu longamente a Comissão, retirando-lhe tempo para 
desenvolver outras tarefas, sem dúvida mais importantes naquele 
momento 84. 
A consequência mais importante do tratado de fusão dos executivos 
terá sido todavia, a revogação do artigo 151.º do Tratado CEE. Neste esti-
pulava-se a possibilidade de o Comité de Representantes Permanentes 
(COREPER) preparar os trabalhos do Conselho e executar outras funções 
que lhe fossem confiadas. Depois, por força do artigo 4.0 do Tratado de 
Fusão, tais funções ficaram definitivamente acometidas a este orgão auxi-
liar 85 . 
A alteração é aparente, mas trouxe consigo um recuo evidente no 
sentido do intergovemamentalismo. 
Ao impôr-se a presença do COREPER como intermediário entre a 
Comissão e o Conselho, a discussão das diversas matérias - que aquela 
84 Cfr. Hans von der GROEBEN, Combat pour l'Europe, cit., p. 19. 
85 O art.º 151.º (actualmente 207.º) veio a ser posteriormente aditado pelo Tratado da 
União Europeia, mantendo a obrigatoriedade da intervenção do COREPER na preparação dos 
trabalhos do Conselho. Os termos dessa preparação encontram-se hoje em dia especificados no 
Regulamento Interno do Conselho da União (Aprovado através da Decisão 662/93 de 6.12.93, 
in JO C 304 de 10.12.93), em especial nos art. 8.º, 19.º e 20.º. Esta intervenção - que é obri-
gatória - implica nomeadamente a primeira abordagem das proposta da Comissão pelos 
Estados-membros, que deverão definir desde logo a sua posição uma vez que, havendo consenso 
no COREPER a questão será inscrita sob o ponto A da agenda da próxima reunião do Conselho, 
o que significa que não será objecto de discussão sendo imediatamente sujeita a aprovação. 
Nestes casos de consenso - para o quais a Comissão desenvolve por vezes esforços de con-
certação importantes, face à celeridade que se obtém nas decisões - os assuntos em princípio 
não chegam sequer ao conhecimento dos ministros, tendo todo o processo decorrido entre a 
Comissão e os membros das representações permanentes. Nos outros casos em que não se 
obtém o consenso ao nível do COREPER - que são, naturalmente os mais frequentes - a 
intervenção deste órgão tem em vista aferir das convergências e dissensos parciais (dos Estados-
membros entre si ou em relação à Comissão) por forma a permitir aos ministros avançarem 
directamente sobre as questões aquando das reuniões. A intervenção do COREPER no âmbito da 
preparação dos trabalhos mostra-se por isso não só da maior importância - dada a complexi-
dade dos dossiers e do processo de negociação já neste primeiro nível - como também con-
dicionadora da actividade do Conselho,

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