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A CONSTRUÇÃO EURO.PEIA (1945-1974) - CICLOS E TENDÊNCIAS FUNDAMENTAIS Rui Miguel Marrana * INTRODUÇÃO - A integração e as suas motivações O que o processo de construção traz de novo - e por isso torna mais complexa a sua análise em termos teóricos - é a integração. Sem pretendermos avançar sobre a sua definição 1 - já que o con- ceito, a par de todos os que giram em volta da matéria, não está ainda definitivamente sedimentado na doutrina - adiantaremos todavia dois elementos caracterizadores: a existência de limitações de soberania e ainda o facto de essas limitações serem juridicamente enquadradas, ou seja, decorrerem de diplomas normativos que lhe estabelecem claramente o regime. Fora dessas limitações juridicamernte enquadradas situamo-nos naquilo que a doutrina define c.orrentemente como situações ou processos de cooperação (nos quais, portanto, permanece inquestionada a soberania dos éstados envolvidos, muito embora de facto, estas possam existir em maior ou menor grau). Importa todavia responder ainda superficialmente, a uma outra ques- tão que se prende com a sua justificação. Porquê, esta insistência - da * Licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto, pós-graduado pelo Institut Européen des Hautes Etudes Intematjonales de Nice, Mestre em Estudos Europeus pela Univer- sidade do Minho, doutorando em Ciência Política e Relações Intemancionais na Universidade do Minho. Docente na Universidade Moderna do Porto e na Universidade Lusíada do Porto. 1 Em trabalho que esperamos venha a ser proximamente objecto de publicação - sob o título Teoria da Integração Política - debruçamo-nos com maior profundidade sobre o con- ceito de integração. 174 Rui Miguel Marrana doutrina internacional e principalmente dos políticos europeus - na inte- gração? O que leva os estados a prosseguirem esse esforço de criação de uma comunidade 2 para a qual transferem parte dos seus poderes? O que há neste processo que o torne tão apetecível e merecedor de tamanhos esforços? Não parece haver uma resposta para esta questão das motivações da integração, mas antes, duas. Em primeiro lugar, o sucesso da integração deve-se ao facto de esta surgir como uma resposta eficaz para o maior problema das relações internacionais, ou seja, a guerra. A doutrina internacional concluiu que o grau de integração das comunidades seria inversamente proporcional aos riscos de conflito 3. A vontade de garantir a paz é também a primeira e a principal motivação do processo de integração europeia. Ele resulta essen- 2 Por força do Tratado da União Europeia (TUE), o conjunto das três Comunidades (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço - CECA, Comunidade Económica Europeia - CEE - agora Comunidade Europeia - CE - e Comunidade Europeia da Energia Atómica - CEEA) vieram a integrar o primeiro pilar da União Euro~ia (que em outros dois pilares, conhece os mecanismos da Política Externa e de Segurança Comum e a Cooperação nos domínios da Justiça e dos Assuntos Internos alterado para Cooperação Policial e Judiciária em Matéria Penal com o Tratado de Amsterdão). A União corresponde portanto ao todo coerente e envolvente dos processos de construção europeia. Não obstante, utilizamos aqui o termo Comunidade. Esta apa- rente contradição merece que sejam adiantadas as motivações. Assim, em primeiro lugar dever- se-á ter presente o facto de em termos gerais, comunidade ser a resultante de qualquer processo de integração, sendo esse o sentido pretendido em variadas passagem do presente texto (o que aliás supomos que virá a resultar do mesmo). Em segundo lugar acresce a justificação histórica, ou seja, o facto de a união ser uma realidade recente, pelo que nos enquadramentos cronológi- camente referenciados, a sua utilização surgiria deslocada. É ainda descortinável uma terceira razão, também ela no âmbito terminológico: a adjectivação relativa ao processo de construção europeia derivou desde o início do termo comunidade. O próprio direito, foi apelidado de comu- nitário. Ora, apesar da evolução para uma união, não foi ainda encontrado um substituto para aquele adjectivo. 3 Karl DEUTSCH, um dos mais importante autores neste domínio, toma clara esta reali- dade ao explicar que, surgindo como regulação da interdependência, a integração consiste em fazer um todo a partir de partes [make a hole out of parts], sendo que esse todo, a partir de um certo grau, constitui uma comunidade política. A consciência do elevado grau de interdependên- cia pode levar os actores a relacionarem-se em termos conflituais (dando origem a uma comu- nidade de conflito) quando a motivação primordial seja a penalização mútua, ou inversamente na potenciação de interesses comuns (dando origem a uma comunidade de interesses) sempre que se verifica um esforço de coordenação das acções com vista a uma cooperação (Cfr. The Analysis of lnternational Relations, 3.3 Ed. Prentice Hall, New Jersey, USA, 1988., pp. 212 ss.). Daqui decorre a necessidade de estruturar as relações internacionais em volta de comunidades de interesses, tornando assim menos improvável o desenvolvimento de situações conflituais. A construção europeia (1945-197 4) - ciclos e tendências fundamentais 175 cialmente da consciência da necessidade de alterar o enquadramento polí- tico europeu em termos de evitar o deflagrar de novas guerras 4. Esta motivação se bem que real, padece todavia de algumas limita- ções. Desde logo porque a equivalência entre a integração e a paz afastou a doutrina de uma preocupação importante, nomeadamente a de aferir os riscos da própria integração. Assumida como necessariamente boa, a preo- cupação passou a ser como atingi-la. Nessa medida, a perspectiva foi necessariamente parcial, obrigando a que fossem as dificuldades e as dis- funções a salientarem alguns aspectos importantes dos processos de inte- gração 5 . Por outro lado, a motivação da paz parece enquanto tal, ser insu- ficientemente determinante da integração, tendendo a perder-se à medida que as dificuldades vão surgindo e a própria paz vai sendo assumida como natural. A segunda motivação da integração é mais pragmática e resulta das vantagens concretas (positivas) que este processo potencia. Assim, nunca é demais salientar a importância dos trabalhos de Jacob VINER, James MEADE e BELA BALASSA 6. Estes economistas justificaram em termos teóricos aquela que embora não sendo a primeira motivação da integração constitui todavia um elemento determinante do seu sucesso: a necessidade de dimen- são. A integração origina níveis de organização mais alargados, os quais são por vezes condição de eficiência de muitos mecanismos de natureza política e económica. No caso europeu, a consciência da perda da influên- cia mundial, a dependência directa do apoio americano e a susceptibilidade perante a ame.aça soviética, foi determinante para que ao nível político, surgisse a convergência no sentido da integração. Ainda hoje o nível euro- peu é sustentáculo da influência pretendida pelos Estados-membros, a par das vantagens decorrentes da constituição de um espaço económico alar- gado, as quais têm potenciado a evolução permanente do processo. 4 O próprio DE GAULLE que desconfiava abertamente da integração, justificava a manu- tenção da presença francesa na Comunidade após o seu regresso ao poder por visar a aproxi- mação prática e, se possível política, de todos os estados europeus, porque, para ela [a França] o objectivo a atingir é a pacificação e o progresso gerais (cfr. Charles DE GAULLE, Memórias de Esperança, a renovação 58162, Ed. Europa-América, 1972, p. 169. 5 Cfr. K. J. HOLSTl, Change in the International System: Essays on the Theory and Practice of International Relations,Ed. Edward Elgar, Aldershot (UK) e Brookfield (Vermont, USA), 1991, pp. 58 ss .. 6 Cfr. nomeadamente as seguinte obras: Jacob V!ENER - The Customs Union Issue Nova Iorque-Londres 1950 - James E. MEADE - Case Studies in European Economi~ Integration, TheMecanics of lntegration, Londres, 1962 - e BELA BALASSA - The Theory of Economic Integration, Londres 1961. 176 Rui Miguel Marrana 1-1945-1957: a determinação dos modelos de integração A vontade de mudar e o eco das propostas (1945-1950) Conforme acabamos de referir, no final da II Guerra Mundial a Europa conhece o seu pior momento histórico: depois do apogeu do século anterior 7 em que dominara virtualmente o planeta, em 1945 o con- tinente está destruído, e a sua sobrevivência depende da ajuda externa. Estas circunstâncias constituem condições óptimas para os europeus encararem a necessidade de mudança nas suas relações mútuas por forma a evitar novas guerras e tanto quanto possível, recuperar o nível de vida perdido mas não esquecido 8. A predisposição para a mudança não significa todavia a própria mudança. Traduz tão só uma abertura, a qual vai galvanizar o impacto das propostas de unidade europeia (as quais afinal, nem sequer são novas 9 ). Mas nem todas as propostas são equivalentes. Longe de se pretender definir o objectivo concreto desse sonho de unidade continental, as propostas vão-se distinguir no que toca ao método de prosseguir esse caminho. Vamos assim encontrar apelos de natureza federal - ou seja, aquilo que na teoria da integração IO apelidaríamos de processos segundo variá- 7 Por todos, V. Louis CARTOU, Communautés Européennes, 8.3 Ed. Dalloz, Paris, 1986, pp. 32 ss. . - s o facto de os europeus fundarem em parte a adesão ao processo de mtegraçao por reconhecerem neste virtualidades capazes de permitir a recuperação do alto nível e qualidade de vida a que se tinham habitUado é, como viria a reconhecer Ems HAAs, poten~ialment:_ contra- ditório. Assim, na medida em que se trata de um impulso conservador, ou seja, por nao haver uma vontade real de inovar (mas fundamentalmente de recuperar algo que já se teve), a adesão popular ao processo de construção europeia permanece sensível aos _argu1'.1entos do t'.Pº conser- vador nomeadamente nacionalista. Este é todavia um aspecto que so tardiamente sena reconhe- cido ; por isso não permitiu antever algumas crises ( cfr. Ernst .HAA~, The Unitin~ of ~uro~e - political, social, and economic forces 1950-1957, Stanford Umvers1ty Press, Cahfomta, 2. Ed. 1968, no prefácio). 9 Para um inventário da ideia europeia através da História V. Louis CARTOU, Commu- nautés Européennes, cit. pp. 45 ss.~ Denis de RoUGEMONT, Les chances de l'Europe, Ed de la Baconniere, Neuchâtel, 1962, pp. 45 ss. 10 Os processos de integração classificam-se segundo a natureza das variáveis (político- institucionais e socio-económicas) e segundo a natureza da comunidade visada nesse mesmo processo (que poderá ser inte~governamental ou supranacional). . . . . . . A distinção introduzida no presente texto prende-se com o pnme1ro cnteno de classifica- ção 0 qual se refere ao nível em que se verificam as limitações de soberania (características de A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 177 veis político-institucionais - e apelos de natureza incremental - que designaríamos por processos segundo variáveis sacio-económicas 11. É este o primeiro debate na construção europeia que vamos ilustrar através dos factos mais relevante do final da década de quarenta. Assim, muito sumáriamente, bastará recordar o apelo efectuado por Winston CHURCHILL em 19 de Setembro de 1946 na Universidade de Zurique, a favor da constituição dos Estados Unidos da Europa, apelo esse que seria de alguma forma secundado no ano seguinte, pela fina flor da intelectualidade europeia, no Congresso da Haia. No primeiro caso, o apelo do vencedor da guerra à criação dos Estados Unidos da Europa teve um eco importante em toda a opinião pública europeia. Muito embora nunca tenha sido devidamente precisado o que pretendia CHURCHILL 12, a expressão utilizada fazia subentender13 uma afectação directa do poder político de tipo federal. O Congresso da Haia teve um impacto diferente. Nele se reuniu a fina flôr da intelectualidade europeia - e portanto o impacto terá sido todo o processo de integração). Se essas limitações de soberania atingem directamente o poder político enquanto tal, dizemos tratar-se de um processo segundo variáveis político-institucionais (que avultam nos modelos federais); se essas limitações surgem de forma gradual, desenvol- vendo-se dentro de específicos sectores de actividade, cuja regulação conjunta potenciou vanta- gens mais ou menos claras, dizemos então tratar-se de um processo segundo variáveis socio- económicas (onde avultam os modelos funcionalistas). Sobre o assunto cfr. o nosso trabalho já anteriormente citado, Teoria da Integração Política, no prelo. 11 O primeiro autor a identificar e analisar em conjunto o processo de integração nestes termos - conhecendo um acolhimento generalisado na doutrina - foi Charles PENTLAND na sua obra lnternational TheolJ' and European Jntegration (Ed. Faber & Faber, Londres, 1973). 12 Parece no entanto que o apelo se dirigia à Europa continental, ou seja, excluía o Rei- no Unido de tais desígnios, presumindo a capacidade deste - cujo império colonial era ainda imenso e se mantinha práticamente sob controlo - retomar plenamente o estatuto de grande po- tência. (cfr. MOTA DE CAMPOS, Direito Comunitário, 2." Ed., FCG, Lisboa, 1988, Vol. l, p. 42). Senão atente-se ao seguinte excerto do referido discurso: ... dessa tarefa urgente, a França e a Alemanha devem assumir em co1yunto a liderança. A Grã-Bretanha, o Império britânico, a pos- sante América e - estou certo também - a Rússia soviética devem ser amigos e garantes da nova Europa e defender o seu direito à vida (in "Généalogie des Grands Desseins Européens'', Bulletin du CEC, n.0 6, 1960-61, p. 81, cit. por Denis DE RoUGEMONT, Les Chances de l'Europe, cit., p. 63, nota 25). 13 MONNET refere que o apelo de CHURCHILL (como o de Aristide BRIAND em 1929 perante a Sociedade das Nações em que preconizada um laço federal), contrariamente ao que poderiam dar a entender, não significava a aceitação da afectação das soberanias. Tratava-se apenas, segundo a sua expressão, de simples votos pios dos funcionalistas (Jean MONNET, Mémoires, cit. p. 408). 178 Rui Marrana maior ao nível de consciencialização das elites - a qual viria a aprovar por unanimidade uma moção em que reclamava a convocação de uma assembleia eleita pelos parlamentos nacionais que entre outras funções, deveria examinar os problemas de natureza constitucional que a criação de uma união ou de uma federação suscitasse, elaborando os necessários pro- j ectos de instrumentos jurídicos 14. Verifica-se que em ambos os casos, se postula uma integração fede- ral, ou seja, uma integração dirigida ao âmago do poder político 15, por via de processos constitucionais clássicos que haveriam de dar origem a uma União de Estados europeus. Estes apelos viriam no entanto a ter efei- tos muito diminutos, se comparados com a grandiosidade dos objectivos iniciais 16. 14 Cfr. J. MOTA DE CAMPOS, Direito Comunitário, vol. l, cit. pp. 40 ss. Este autor consi- dera todavia que a moção final representa um hábil compromisso entre uma corrente federalista e uma corrente que designa por pragmática a qual seria hostil aos abandonos de soberania. Não vemos exactamente onde se situa esse compromisso (que aliás parece difícil mesmo em abs- tracto). É verdade que os termos da referida moção refletem talvez, algum recuo relativamente às teses federalistas (e principalmente do federalismo dito glogal ou integral) mas, em momento nenhum, parecem acolher os princípios do respeito pela soberania característico dos modelos de cooperação. Vejam-se a propósito as palavras de Denis DE ROUGEMONT quando encontra no Congresso da Haia - na altura referido como Congresso da Europa - o início de tudo quanto seria realizado ne Europa (cfr. Les chances de l'Europe, cit., p. 47). l5 Ao utilizarmos preferentemente a designação político-institucional,pretendemos uma caracterização onde caibam os modelos federais e os modelos confederais (o mesmo se pas- sando aliás com a designação incremental, já que nesta pretendemos englobar os modelos fim- cionalistas - cuja definição se deve essencialmente a David MJTRANY - os modelos neo-ji.111- cionalistas - que constituem uma evolução daqueles, a partir dos trabalhos de Ernst HAAs, L!NDBERG e SCHEINGOLD). Nessa medida, o debate a que fazemos referência situa-se, como refe- rimos, entre a integração político-institucional e a integração sectorial ou incremental. Todavia, porque, no processo de construção europeia nunca se desenhou verdadeiramente uma corrente confederal (embora essa fosse a perspectiva longínqua do gen. DE GAULLE - cfr. nomeada- mente a passagem a pp. 169 das sua Memórias da Esperança, cit. -, mas que de qualquer forma não veio a formar uma tendência propriamente dita), o debate tem-se definido em volta do federalismo, conceito que, por isso acabaria por perder acuidade ao ser objecto de utilizações distintas e incoerentes. Todavia utiliza-mo-lo com frequência no texto para identificar situações que foram classificadas como tal, não obstante os contornos se mantenham imprecisos. A falta de convergência sobre os conteúdos e limites dos conceitos correntemente utiliza- dos pela doutrina europeia nesta matéria está tratada entre outros, num artigo de Nestor SCHUMACHER, ("Les termes polémiques du discours européen" na Revue du Marché Commzm et de l'Union Européenne, n.º 324, février 1989, pp. 110/118) em que são bem realçadas as difi- culdades e mesmo confusões terminológicas. l6 O apelo do Congresso da Haia obteve uma resposta efectiva dos governos dos estados europeus, estando na origem do processo que haveria de conduzir à criação do Conselho da A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 179 Distinguindo-se claramente - na metodologia e já não nos objecti- vos - está a Declaração Schuman de 9 de Maio de 1950, na qual o Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, ao propôr a criação daquilo que viria a ser a CECA, afirma inequívocamente que a Europa não se fará de uma só vez nem a partir de uma construção conjunta: far-se-á através de realizações concretas, criando desde logo uma solidariedade de facto 17. É a opção clara por um procedimento gradualista, desenvol- vendo-se em sectores de actividade específicos, que hão-de criar o clima inspirador de posteriores relançamentos do processo de integração. ScHUMAN não se afastava do objectivo federal, nem lhe retirava importância, assumindo-o contudo em termos mediatos 18. O tempo de- monstraria a importância real da flexibilização dos métodos apontados pelo - . . fr ~ 19 entao m1mstro ances , uma vez que esta proposta marca o nascimento 20 do processo da construção europeia que conhecemos actualmente. As edificações concretas (1951-1957) O debate entre a integração político-institucional e a integração sec- torial teve ainda um outro episódio, desta feita já no plano das realizações Europa. Todavia, esta organização internacional de cooperação, apesar dos méritos que se lhe hão-de reconhecer nos domínios da defesa dos Direitos do Homem e da cultura, de forma alguma pode ter-se como correspondendo ao objectivos de unidade europeia que presidiram ao processo que lhe está na origem. 17 Cfr. terceiro parágrafo da Declaração Schuman, in Robert SCHUMAN, Pour /'Europe, Nagel, Paris, 1963, pp. 201 ss. O texto original (do qual apresentamos uma tradução livre, que todavia reputámos de insatisfatória) é o seguinte: L'Europe ne se fera pas d'un coup, ni dans uns construction d'ensemble: el/e se fera par des réalisations concretes, créant d'abord une soli- darité de fait. 18 Na Declaração Schuman, afirma-se aliás expressamente: cette proposition réalisera les premieres assises concretes d'une Fédération européenne indispensable à la préservation de la paix 19 Conforme é correntemente salientado, o génio da metodologia inscrita na Declaração Schuman tem de atribuir-se a Jean MONNET, uma vez que foi este qüem apresentou àquele um memorando que ficaria conhecido pelo seu nome e cujo conteúdo, assumido pelo Ministro fran- cês veio a manifestar-se na referida declaração (V. "Le mémorandum Monnet du 3 mai 1950", in Politique étrangere, 1/93, Ed. Institut Français des Relations Internationales - IFRI Paris 1993, pp. 121 ss. Sobr~ o processo de formação do dito memorando; cfr. Jean M~NNET: Mémoires, Ed. Artheme Fayard, Paris, 1976, pp. 418 ss.). 20 De tal forma a Declaração Schuman é considerada fundamental que a data em que foi proferida - 9 de Maio - tornou-se Dia da Europa, dia feriado na maioria dos países da União Europeia. 180 Rui Miguel Marrana concretas e não apenas no conteúdo dos apelos proferidos. Assim, assi- nado o Tratado CECA em 18 de Abril de 1951, a Europa entrou numa verdadeira euforia, confiando que, a facilidade com que tinha sido ne- gociado e assinado aquele tratado fosse indiciador de um novo caminho em que os velhos obstáculos já não existissem. E foi nesse clima que, cerca de um ano depois - em 27 de Maio de 1952 - os seis assinaram 0 Tratado CED - Comunidade Europeia de Defesa - visando a fusão dos exércitos europeus. A esse tratado sucederia um relatório sobre a constituição de uma Comunidade Política (que enquadraria politicamen~e a fusão dos exércitos), aprovado em 9 de Março de 1953. Trata-se, mais uma vez, de um esforço de natureza federal, procurando-se assim alterar radicalmente a metodologia do processo de integração iniciado três anos antes. E mais uma vez, esse esforço seria gorado pelo surgimento de re- sistências a vários níveis e terminaria com a recusa do Parlamento francês em aprovar o tratado CED em 30 de Agosto de 1954. . Apesar deste falhanço ter constituído um autêntico balde de água fr~a - a arrefecer os ânimos exaltados - o processo de construção europeia seria todavia, relançado no ano seguinte, retomando-se a metodologia incremental. Os Ministros dos Estrangeiros dos seis reuniram-se em Messina e encarregam Paul-Henri SPAAK de elaborar um relatório sobre os termos desse relançamento, relatório que seria apresentado e aprovado no ano seguinte em Veneza, ditando a abertura das negociações que deram lugar à instituição da Comunidade Económica Europeia (CEE~ e da Comunidade Europeia da Energia atómica (CEEA), através da assmatura dos respectivos tratados, em Roma, a 25 de Março de 1957. A tentação do modelo tradicional de cooperação Verificamos assim como dentro da opção pelo processo de integração se foram distinguindo duas opções cuja diferença reside exactamente na metodologia adaptada. Valerá todavia a pena recordar que à margem de~te processo as alternativas tradicionais se mantiveram viva~. Para o ef~tto tenha-se presente o facto de os britânicos terem sido convidados e aceita- ram participar nas negociações que dariam lugar aos textos dos tratados assinados em Roma em 25 de Março de 1957. A sua desconfiança nos processos de integração era no entanto tão profunda que o seu envolvi- mento nunca ultrapassou a mera presença atenta. E quando se capacitam A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 181 de que a negociação dos tratados estava concluída e que o processo pros- seguiria os seus termos normais, viriam a propôr - em Fevereiro de 1957, no mês anterior à data marcada para a assinatura do tratados, por- tanto - em alternativa ao Mercado Comum a seis, a transformação da Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE) - que englo- bava todos os países que haviam aderido ao plano Marshall - numa grande Zona de Comércio Livre 21 europeia 22. Os seis ainda sentiriam alguma indecisão, mas por fim decidiriam avançar para o projecto mais ambicioso da criação do Mercado Comum, enveredando definitivamente pela via da integração. O debate entre as variáveis deste - que surge como vimos, no iní- cio do processo de construção europeia - permaneceráno entanto latente até à actualidade, sendo reavivado cada vez que se inicia um processo de revisão dos tratados 23. 21 Tradicionalmente definem-se como estádios ou modelos de integração económica os seguintes: Zona de Comércio Livre - que envolve a livre circulação de mercadorias originárias desse espaço - União Aduaneira - que acrescenta uma Pauta Aduaneira Comum que regula uniformemente as relações comerciais com os países terceiros, permitindo assim a livre circula- ção de todas as mercadorias, originárias do território aduaneiro ou importadas de terceiros paí- ses - Mercado Comum - que alarga a liberdade de circulação aos outros factores de pro- dução, ou seja pessoas e capitais - e de União Económica e Monetária (podendo subdividir-se ou não, este estádio) - que implica respectivamente um acentuado grau de convergência na utilização dos mecanismos de regulação da economia e a fixação da paridade das moedas ou a sua substituição por uma moeda comum - Cfr. João MOTA DE CAMPOS, Direito Comunitário, Vol. !, cit., pp. 443 e ss. No caso concreto, a alternativa entre um Mercado Comum e uma Zona de Comércio Livre releva de algo mais do que uma mera questão de grau, fundamentalmente porque esta pode coexistir com o respeito pela soberania dos estados envolvidos, na medida em que estes mantêm inalterado o seu poder decisório, sem necessidade de admitirem uma gestão comum de mecanismos económicos fundamentais. O mesmo já não acontece com os restantes modelos. Assim, a simples adopção da Pauta Aduaneira Comum na União Aduaneira implica a cedência para o nível comunitário de um instrumento de política económica de primeira importância (dado tratar-se de uma significativa fonte de receitas e de um mecanismo protecção do mercado) e também políticos, na medida em que as facilidades ou sanções comerciais são, em termos de política externa, um dos instrumentos mais importantes. Por maioria de razões o Mercado Comum envolve transferências de soberania, desde logo pela aproximação dos regimes em diversas àreas chave, pelo grau de abertura das fronteiras, etc. etc. 22 Cfr. Jean MONNET, Mémoires, p. 666 ss. 23 A transformação das Comunidades Europeias num modelo federal vem sendo preconi- zada em permanência pelo Parlamento Europeu, sendo que esta instituição aprovou em 1984 um Projecto de Tratado da União Europeia (visando pressionar os Estados-membros que iniciavam nessa altura o processo de revisão que viria a dar lugar ao Acto Único) que consiste numa pro- 182 Rui Marrana A questão mantém-se por isso permanentemente em aberto, sendo talvez até, a que maiores debates tem suscitado a todos os níveis, no que toca à integração europeia. 11-1958-1965: os primeiros passos ou a definição em concreto do tipo de integração Génese Uma das estranhas mas significativas coincidências de que a História contemporânea está recheada: terá sido o facto de o general DE GAULLE voltar ao poder em França 24, em 1958, ou seja, no ano em que entraram em vigor os tratados de Roma. O mesmo homem que se tinha oposto à criação da CECA e cuja posição antagónica à integração era conhecida praticamente desde o pós- guerra - tendo aliás contribuído de forma determinante para o falhanço da CED em 1954 25 - reassumia a presidência da Nação mais poderosa e influente da Comunidade. Também estranho, foi o facto de, nos dois primeiros anos de funcio- namento das novas Comunidades, tal circunstância não ter implicado quaisquer dificuldades à implementação dos regimes previstos, a qual ocorreu sem sobressaltos, de forma quase harmoniosa26. Será, aliás o governo francês, em conjunto com o belga, a propôr a aceleração do calendário do desmantelamento alfandegário. Mas logo aqui, sugiram as primeiras divergências de fundo: enquanto os restantes parceiros preten- posta global e coerente no sentido de fazer evoluir a situação de integração sectorial para um modelo político institucional de cariz federal. Este projecto veio a informar a definição das posi- ções do Parlamento Europeu no âmbito da discussão em volta do TUE (cfr. nomeadamente a Resolução de 12.12.90 do Parlamento Europeu sobre as bases constitucionais da União Europeia). A vocação federal da União Europeia chegou aliás a estar inscrita nos textos iniciais em discussão sendo posteriormente abandonada essa referência face à oposição dos governos de alguns Estados-membros. 24 O General DE GAULLE forma governo em 1 de Junho de 1958, tendo sido antecedido em idênticas funções por Félix GAILLARD (05.12.57) e Pierre PFIMLIN (14.05.58). 25 V. Louis CARTOU, Commzmautés Europénnes, cit., p. 68. 26 Conforme salienta Jean LECERF, les instituitions nouvelles vont devoir compter avec la vigueur de ses reactions et de son intransigeance [de DE. GAULLE], mais elles bénéficieront aussi d'une France consolidée dans son économie et munie d'zm pouvoir capable de décider (La Communauté face à la crise, Gallimard, Paris, 1984, p. 25). A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 183 diam que o funcionamento do Mercado Comum se pautasse por uma liberalização das trocas internacionais a par do desmantelamento interno a ' França entendia que a Comunidade deveria criar um espaço protegido em relação ao exterior, exigindo simultaneamente o lançamento de uma polí- tica agrícola que deveria defender e apoiar o seu sector primário. Estas foram as exigências primeiras, mas que não chegaram a pôr em risco a passagem à segunda fase do Mercado Comum 21. Em 1961, o governo britânico, depois de ter implementado uma alternativa à CEE 28 - para a qual não deixou de aliciar a própria França - apresenta o seu pedido de adesão às Comunidades. As negociações ini- ciam-se qua:se imediatamente mas, em 14 de Janeiro de 1963, 0 general DE GAULLE anuncia publicamente a sua oposição 29. Este seria o primeiro •• 27 E~ boa verdade, vir-se-ia a verificar exactamente o contrário. O lançamento da Poht1ca Agncola Comum (PAC) implicou efectivamente negociações muito duras (dando aliás origem às históricas maratonas do Conselho). Todavia, porque através de tamanhos esforços, foi possível ultrapassar as enormes dificuldades técnicas e políticas (nomeadamente as relativas aos desfasamentos de preços dos produtos franceses e holandeses em relação aos produtos alemães e italianos), veio a conhecer-se na Comunidade um autêntico clima de euforia (Cfr. Giancarlo ÜLMI, na Imrodução à obra colectiva Trinta Anos de Direito Comunitário, Ed. SPOCE, Bruxelas-Luxemburgo, 1981, p. 4). 28 Esta alternativa, que surge no seguimento da proposta de Fevereiro de 1957 da consti- tuição de um Zona de Comércio Livre, viria a consubstanciar-se na EFTA (e já não numa evo- lução da OECE como inicialmente se propôs). Em bom rigor, convém evitar a tentação de redu- ~ir a caracterização da situação da altura a uma mera oposição política entre a CEE e a EFTA. E bem verdade que os britânicos, no pós-guerra, recusaram veementemente qualquer participa- ção em organizações europeias que envolvessem transferências ou perdas de soberania. Acontece porém que, mesmo limitando-nos às relações económicas intra-europeias, verificamos que 0 nosso continente viu surgirem três grandes apostas quase simultâneamente: a da constituição de uma (grande) zona de comércio livre - que, como referimos anteriormente, perante a insistên- cia dos seis na aposta da CEE, acabou por se ver reduzida a uma dimensão menos importante na EFTA - a da CEE - cujos países, perante as incertezas da aposta, chegaram a sentir-se atraídos pela EFTA - e a da OECE (que se viria a tornar OCDE, ganhando um carácter atlân- tico em substituição do carácter europeu originário). Nestas circunstâncias, a criação da CEE trouxe consigo o falhanço da EFTA, dividindo a Europa em duas zonas distintas com objectivos parcialmente idênticos - especificamente no que toca ao comércio livre - vindo posterior- mente (através de sucessivos alargamentos) a absorver a maioria e os mais importantes paíseseuropeus (Sobre o assunto V. Pierre-Henri TEITGEN, Droit Institutionnel Commzmautaire, Structure et Fonctionnement des Communautés Européennes, Les Cours de Droit, Licence 4ême année, 1977, pp. 37 e ss. e tb. Pierre GERBET, La naissance du Marché, Commun, Editions Complexe, Bruxelas, 1987). 29 Na conferência de imprensa de 14 de Janeiro de 1963 o General DE GAULLE limitou- se a declarar a sua oposição sem a fundamentar detalhadamente. Não obstante, as motivações 184 Rui Marrana grande revés na construção europeia sonhada pelos founding fathers. Na verdade a participação do Reino Unido na Comunidade, mais do que de- sejada, sempre foi considerada como uma condição essencial do sucesso da integração 30. Paralelamente a Comissão, enquanto representante dos seis estados membros, estava envolvida nas negociações do GATT que :ficaram conhe- cidas por Kennedy round. A intervenção a este nível tornava premente a obtenção de um acordo - necessariamente político - no âmbito de toda uma série de questões essenciais, tais como o equilíbrio geral (política económica e monetária), o equilíbrio regional (política regional), as rela- ções comerciais com o exterior, etc 31 . A estas questões gerais e relacio- nado com elas, acrescia no plano comunitário, a urgência de uma de- finição sobre as receitas próprias da comunidade - que decorriam da aplicação da Pauta Aduaneira Comum - até porque seria sobre estas que o financiamento da PAC deveria assentar. Nestas circunstâncias, o Conselho, a 15 de Dezembro de 1964, con- vida a Comissão a apresentar as necessárias propostas sobre o financia- mento da PAC, que deveriam entrar em vigor em 1 de Julho de 1965, uma vez que nessa data expirava o período transitório. Simultaneamente cabia à Comissão dar o seu parecer sobre a data em que os direitos nive- ladores deveriam passar a fazer parte do orçamento comunitário. O momento histórico obrigava à definição dos actores, face a uma alteração qualitativa que se avizinhava. Antes de avançar-mos convirá todavia sublinhar que, a presidir à Comissão, se encontrava desde 1958, Walter HALLSTEIN. Trata-se de um existiam e eram conhecidas, pelo menos em parte. Assim - conforme salienta P-H TE!TGEN (Droit Institutionnel Communautaire, cit., p. 41) - DE GAULLE, para além dos atritos sentidos nas relações com o governo britânico durante a guerra, receava que a entrada deste país se tor- nasse no cavalo de Troia americano na Comunidade, dados os laços preferenciais com os Estados Unidos que o governo britânico vinha desenvolvendo desde o fim da guerra, os quais entravam em colisão com a vontade francesa de constituir um sistema europeu independente, nomeadamente em termos de defesa. 30 A título ilustrativo, V. Jean MONNET, Mémoires, cit., pp. 645 e ss. e 665 e ss .. Recordar porém que, durante as negociações em Bruxelas que se seguiram à conferência de Messina e que iriam permitir o arranque da CEE, esteve presente um observador britânico, o qual, porém, concluiu estar a perder o seu tempo (Cfr. Jean LECERF, La Commzmauté face à la crise, cit., p. 24), tão diferentes eram as perspectivas do Reino Unido. 31 Cfr. Hans von der GROEBEN, Comba! pour l'Europe, Ed. S.P.O.C.E., Bruxelas-Luxem- burgo, 1984., p. 201 ss. A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 185 professor de Franckfurt, federalista, cuja carreira política se tinha desen- volvido quase exclusivamente no âmbito da construção europeia. Ainda um desconhecido, tinha participado no Congresso da Haia de 1947, vindo a ser escolhido pelo chanceler ADENAUER para negociador do tratado CECA 32. Mais tarde, foi Secretário de Estado dos Negócios Estrangei- ros alemão, e negociador dos tratados de Roma. A sua escolha para pri- meiro presidente da Comissão da CEE foi acordada entre MONNET e ADENAUER 33, procurando-se assim a presença de alguém cuja autoridade e coragem garantisse que aquela instituição cumprisse as imensas expectati- vas criadas. Na verdade, MONNET, reconhecendo as grandes qualidades pessoais de HALLSTEIN, sabia-o também um defensor vigoroso da suprana- cionalidade 34• HALLSTEIN enquanto presidente da Comissão e perante o dilema em questão não podia ceder, perdendo assim a oportunidade de reforçar a ins- tituição supranacional 35. Por isso as propostas apresentadas pela Comissão na reunião do Conselho de 31 de Março de 1965 previam claramente um avanço. Mas, conforme salienta Hans von der GROEBEN 36, nem por isso deixavam de ser razoáveis e de se integrarem perfeitamente no quadro entretanto desenvolvido pela Comunidade e que tinha sido objecto de variadíssimas discussões no Conselho. Tratava-se em síntese, de prolongar o regime em vigor do financiamento agrícola até 1 de Julho de 1967, transferindo-se a partir dessa data, o financiamento das despesas para a Comunidade, a qual passaria a integrar no seu orçamento as receitas pro- venientes dos direitos alfandegários e dos direitos niveladores. Tais medi- das implicavam um acréscimo dos poderes orçamentais do Parlamento Europeu (uma vez que, na presença de receitas próprias, caberia - con- forme a tradição - à instituição representante dos cidadãos intervir na definição da afectação desses recursos e bem assim, controlar politica- mente a sua aplicação), poderes esses que, segundo a proposta, quando exercidos em conjunto com a Comissão, tornavam dispensável o acordo do Conselho. Esta última questão oferecia sérias dificuldades uma vez que se traduzia no reforço dos poderes de um órgão, também ele supranaci- 32 V. Jean MONNET, Mémoires, cit., pp. 394 e 462. 33 Cfr. Jean MoNNET, Mémoires, cit., p. 630. 34 Cfr. Jean MONNET, Mémoires, cit, pp. 462 e 479/480. 35 V. Jean MONNET, Mémoires, cit., p. 720 36 Cfr. Combat pour l'Europe, cit., p. 203. 186 Rui Miguel Marrana onal, cujas pos1çoes abertamente a favor do avanço na integração preo- cupavam os políticos nacionais, desconfiados da tendência criada e das consequências que daí poderiam advir. Assim, nos Estados membros e res- pectivos parlamentos (que, nos termos do tratado teriam de ratificar as decisões), as posições não eram unânimes, sabendo-se por isso da possibi- lidade de as propostas virem a encontrar resistências importantes. Tal facto não abalou a Comissão que confiava nomeadamí?nte que o governo francês viesse a ponderar positivamente as vantagens decorrentes do fi- nanciamento das exportações agrícolas 37. As propostas, segundo o procedimento normal, foram discutidas pelos representantes permanentes e pelos ministros, nas sessões do Conselho de 13 e 14 de Maio e de 14 e 15 de Junho. A aproximação da data limite de 30 de Junho não constituia grande preocupação para nin- guém, por não se considerar essencial o cumprimento do prazo. Todos esperavam porém, que as sessões agendadas para 29 e 30 de Junho de 65 viessem a ser novas reuniões maratona do Conselho de Ministros, à ima- gem do que aliás havia acontecido em anos anteriores. Mas desta vez a situação era diferente. Já não existia o empenho das partes em consegui- rem um acordo, ultrapassando-se, ainda que a custo, as dificuldades existentes 38. Por isso, à meia noite do dia 30 de Junho de 1965, hora em que formalmente terminava a presidência francesa do Conselho de Ministros da CEE, o ministro dos negócios estrangeiros francês, CouvE DE MURVILLE, sem consultar os seus colegas, constata o malogro das nego- ciações e dá por terminada a reunião. O governo francês chama a Paris o seu representante permanente e recusa-se a participar nas reuniões. A Comunidade estava em crise. As motivações francesas Imediatamente após o abandono da França 39 seguir-se-iam diversíssi- mas declarações públicas, entre as quais são de salientar as do dia 37 Cfr. Jean MoNNET, Mémoires, cit., pp. 720/721. 38 Cfr. Hans von der GROEBEN, Combat pour l'Europe, cit., p. 205/206. 39 Este abandono, notar-se-á, não foi total. A França veio a intervir em diversos procedi- mentos por escrito e em reuniões ao nível defuncionários, evitando assim a ruptura total e garantindo o expediente corrente (Cfr. Hans von der GROEBEN, Combat pour l'Europe, cit., p. 206 e J. MOTA DE CAMPOS, Direito Comunitário, cit., vol I, p. 231). A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 187 seguinte, proferidas por COUVE DE MURVILLE e Walter HALLSTEIN, e a con- ferência de imprensa do general DE GAULLE em 9 de Setembro. Quais as razões que conduziram o governo francês a uma atitude tão brutal? A motivação dominante parece ter sido a de marginalizar definitiva- mente a Comissão e em especial o seu presidente. Conforme refere Jean MONNET nas suas Mémoires, mais do que a dificuldade dos problemas, terá sido o elemento subjectivo que determinou em última instância, a ati- tude de ruptura: Os ji·anceses estavam decididos a marginalizar Hallstein, sem se preocuparem com a natureza das dificuldades técnicas, estando a sua perspectiva dominada pelas intenções e atitudes do presidente da Comis- são que se empenhava em reforçar os poderes e o brilho da sua institui- ção 40 [ ... ] tive vários encontros com Couve de Murville, com o qual eu sempre tinha tido um entendimento razoável. Mas não me era possível apreender o essencial do seu pensamento, excepto quando a conversa vol- tava à Comissão, pela qual ele tinha uma projimda aversão. Parecia que qualquer solução dos problemas económicos e toda a retoma dos contac- tos a seis estavam subordinados à renovação dessa instituição, no que toca às pessoas e aos métodos 41 • A profimda aversão relativamente à Comissão devia-se a diversas práticas assumidas por esta instituição que mereceriam aliás, uma referên- cia expressa no chamado decálogo de queixas que o governo francês tor- naria público 42, nomeadamente: 40 Jean MoNNET, Mémoires, cit., p. 721. O texto original - do qual oferecemos uma tra- dução livre - tem uma redacção com pormenores idiomáticos que não puderam ser acolhidos na tradução, razão pela qual o mesmo se transcreve de seguida: Les jiw1çais étaient décidrjs à ne plus traiter avec Hallstein, et peu importait alars la nature de la dijjiculté teclmique, seules comptaient à leurs yem: les intentions et les attitudes du président de la Commission qui s'atta- chait à donner des pouvoirs et du lustre à son instituition. 41 Jean MONNET, Mémoires, cit., p. 722. Pelas mesmas razões apontadas na nota anterior relativamente ao primeiro excerto citado, transcreve-se de seguida, o texto original: j'eus plu- siers entretiens avec Couve de Murville avec qui j'avais tozljours par/é raison. Mais je ne ren- contrai pas !e fond de sa pensée, sauf lorsque !e sujet revenait sur la Commission pour laquelle il avait une pro/onde aversion. II semblait que toute solution des problemes économiques et toute reprise des entretiens à Six fi1ssent subordonnés au renouvellement de cette instituition, dans ses personnes et dans ses méthodes. 42 V. os extractos citados por J. MOTA DE CAMPOS, Direito Comunitário, cit., vol 1, p. 229/231, de onde retiramos parte dos items referidos em seguida e cuja numeração entre parêntesis corresponde à citada por aquele autor. 188 Rui Miguel Marrana - O facto de a Comissão não consultar os governos dos Estados membros antes de submeter as suas propostas ao Conselho (n.º 1). Neste âmbito, a Comissão sempre tinha entendido não dever consultar previa- mente os Estados membros por duas ordens de razões: em primeiro lugar porque pretendia que a aproximação dos diversos pontos de vista se con- seguisse, não ao nível bilateral, mas através de negociações oficiais no Conselho e em segundo lugar, porque essa consulta implicaria uma redu- ção do seu poder de iniciativa em controvérsias prematuras 43 . - O facto de a Comissão divulgar as suas propostas antes de as submeter à apreciação do Conselho (n.º 2). Esta prática, embora não fosse corrente, havia-se verificado relativamente ·às propostas em discussão aquando da crise da cadeira vazia. O presidente Walter HALLSTEIN havia- as discutido no Parlamento Europeu, antes mesmo de as ter dirigido ao Conselho, o que veio a influenciar a atitude francesa 44. Em termos gerais esta atitude, para além de poder considerar-se desprestigiante para os governos, por os manter à margem da discussão durante algum tempo, permitia que estes pudessem ser pressionados pela opinião pública sem te- rem tido a oportunidade de estudarem convenientemente as propostas, a fim de poderem tomar uma posição. - O facto de a Comissão, em matéria de relações exteriores, tomar iniciativas não aprovadas previamente pelo Conselho (n.º 6 e 7). Recordar-se-á que a Comissão havia negociado, em nome dos seis, o acordo do GATT no âmbito do Kennedy round, o que constituiu um momento importante da projecção internacional da Comunidade. Ora, em matéria de relações externas - e nomeadamente em termos económicos - não só permaneciam pendentes algumas questões como, principalmente o general DE GAULLE, na sua tentativa de se furtar à influência americana, assumia posições normalmente discordantes das dos outros Estados mem- bros e da Comissão. Este facto levaria o presidente francês a opor-se àquilo que chamou a comunitarização da política 45, denunciando uma tec- nocracia, na maioria estrangeira, empenhada em usurpar a democracia 43 Cfr. Hans von der GROEBEN, Comba! pour l'Europe, cit., pp. 203/204 e tb. J. MOTA DE CAMPOS, Direito Comunitário, cit, p. 230. 44 Cfr. Hans von der GROEBEN, Comba! pour l'Europe, cit., p. 204. 45 Cfr. Hans von der GROEBEN, Comba/ pour l'Europe, cit., p. 207. A construção europeia (1945-197 4) ciclos e tendências fundamentais 189 francesa 46. É aliás, essencialmente dentro desta perspectiva que se com- preende ainda a exigência francesa. no sentido de os membros da Comissão, nas suas intervenções públicas observarem uma neutralidade decente em relação à política dos Estados membros (n.º 8.º do decálogo). A plena assunção pela Comissão da sua posição de autonomia em relação aos Estados membros, tinha levado os comissários a discordarem aberta- mente de algumas posições destes e nomeadamente da França. - O facto de ser o presidente da Comissão a receber as credenciais dos chefes das missões diplomáticas acreditadas junto da Comunidade (n.º 5). Esta prática que em certa medida, equiparava o presidente da Comissão a um chefe de Estado, mereceu uma oposição expressa do governo francês, ao qual não era alheio o cerimonial adaptado 47, o que acabaria por levar este a considerar inadmissíveis quaisquer pretensões protocolares 48. - O facto de a Comissão chamar a si poderes especiais por via da aprovação de Regulamentos (n.º 3) e de limitar a margem de liberdade dos Estados membros na aplicação do direito comunitário, ao propôr directivas que, para além de fixarem objectivos a atingir, estabeleciam também os meios a utilizar (n.º 4). A França utilizava assim pela primeira vez o argumento da obediência estrita aos limites formais expressos nos tratados, argumento este que viria a fazer escola no futuro, sendo invo- cado sempre que os Estados membros se pretendiam furtar a avanços na integração. Na verdade, a prática da Comissão exorbitava da letra dos tra- tados - e nomeadamente no que toca à utilização das Directivas, ao dis- posto no Tratado CEE - no entanto, foram quase sempre práticas deste género que permitiram preencher lacunas ou omissões institucionais ou decisórias, e bem assim tornaram possíveis avanços importantes na cons- trução comunitária. Mas a posição francesa tinha mais motivações, para além das acaba- das de retirar do decálogo. Para além da intenção clara de reduzir subs- tancialmente o protagonismo da actividade da Comissão, pretendia-se tam- 46 Extracto da conferência de imprensa do General DE GAULLE em Setembro de 1965, citado por Jean MONNET, Mémoires, cit., p. 723 (tradução livre). 47 V. (para além da enunciação) a referência específica feita por J. MOTA DE CAMPOS, Direito Comunitário, cit. p. 230. Esta situaçãoé por vezes referida como o ajfaire du tapis rouge. 48 Cfr. Jean MoNNET, Mémoires, cit., p. 721. 190 Rui Miguel Marrana bém reconduzir esta instituição a funções de carácter técnico e de intermediário intergovernamental 49, por oposição à actividade plenamente política que vinha sendo exercida 50. No mesmo sentido, pretendeu-se evitar o acréscimo de poderes do Parlamento Europeu (e bem assim da sua legitimidade, através da eleição por sufrágio directo ), evitando-se que a valorização deste forum político pudesse contribuir para uma maior comunitarização. A motivação quiçá mais importante - e que maiores consequência veio a ter, aliás - prendia-se no entanto com um aspecto que nada tinha a haver com as circunstâncias em que se deu a crise da cadeira vazia e com os assuntos em questão. Referimo-nos evidentemente à adopção das decisões no Conselho por voto à maioria, o que, nos termos do Tratado CEE, estava previsto que viesse a verificar-se a partir da passagem para a segunda etapa do Mercado Comum, ou seja a 1 de Janeiro de 1966. Esta situação permitiria que, nas decisões que se avizinhavam versando sobre assuntos importantes, a França pudesse ver serem-lhe impostas soluções contra aquilo que eram considerados os seus interesses 51 . 49 Cfr. Hans von der GROEBEN, Combat pour l'Europe, cit., p. 207. 50 Paul TAYLOR oferece uma leitura interessante sobre a visão do General DE GAULLE, lei- tura essa que corresponde à visão incrementalista dos neo funcionalistas e por isso merece ser aqui referida em síntese. Assim, articulando as circunstâncias práticas com o enquadramento metodológico da construção europeia, este autor afirma sumáriamente que a maximização da capacidade de acção conseguida pela Comissão havia conduzido a que nos g111pos de pressão mais importantes, se verificasse uma refocalização das lealdades (dos governos nacionais para as instituições comunitárias). Este processo implicava uma pressão crescente dos referidos gru- pos de pressão sobre os governos nacionais no sentido de estes admitirem uma transferência acrescida de poderes para a Comissão. Em consequência disto, esta poderia vir a alargar a sua capacidade de intervenção conseguindo maior grau de refocalização e por aí adiante. Compreendendo esta dinâmica, o General DE GAULLE não poderia deixar de intervir, tomando medidas concretas contra a Comissão que afastassem definitivamente os perigos visíveis para a soberania francesa (Cfr. Paul TAYLOR, The Limits of European Integration, Columbia University Press, Nova Iorque, 1983, pp. 15/16). 51 Trata-se todavia do risco de toda a votação à maioria no seio de uma organização internacional de integração (até porque, como salientámos atrás, enquanto o processo de inte- gração se mantiver fiel aos mecanismos intergovernamentais, aquilo que há-de caracterizar a integração será necessariamente a admissibilidade da tomada de decisões à maioria - sem o que as limitações de soberania parecem desaparecer do enquadramento jurídico). Recordar-se-á todavia que, embora esse aspecto tenha sido naturalmente objecto de negociação para efeitos de aprovação e ratificação dos tratados, a verdade é que, os negociadores franceses não haviam sido os gaullistas agora no poder. E nessa medida, conhecidas as posições do General sobre esta matéria, compreender-se-á melhor a atitude tomada por este na conferência de imprensa de Setembro de 65, ao recusar a passagem à votação à maioria. A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 191 A terminar poderá adiantar-se uma última motivação da posição fran- cesa, a única, aliás, fora do âmbito comunitário: o general DE GAULLE, na sua tentativa de limitar a influência americana no teatro europeu - posi- ção em que não era secundado pelos outros parceiros - pretendia uma aproximação à União Soviética, pelo que, ao assumir uma atitude crítica perante a CEE, terá tentado criar condições propícias para o efeito, uma vez que esta superpotência era hostil à integração europeia 52 . A crise O abandono francês, criou uma situação totalmente imprevisível. Implicava, da parte deste Estado-membro, uma evidente violação dos tra- tados, mas nada neles permitia descortinar uma solução. E a necessidade desta prevalecia. A situação era confusa. Da parte francesa, apenas era evidente a exigência de marginalização da Comissão, e bem assim a questão da regra da maioria nas votações do Conselho (que foi aliás, rapidamente integrada no inventário das reclamações). O general DE GAULLE mantinha-se irredu- tível e COUVE DE MURVILLE aparentava alguma incerteza sobre as medidas a tomar por forma a repor em marcha o Mercado Comum 53. Em Dezembro da 1965, nas eleições presidenciais, a questão da crise foi levantada e Jean MONNET - que, para além da estreita colaboração com o general durante e após a II Guerra Mundia~, sempre tinha apoiado as iniciativas políticas deste - vai declarar publicamente o seu apoio a Jean LECANUET e, na segunda volta, a François MITERRAND 54. DE GAULLE sofre um revés na primeira volta, mas acaba por vencer as eleições com 54%, e reconduz COUVE DE MURVILLE, pelo que a solução teve de en- contrar-se com os mesmos actores. A França, apesar de tudo, jogava na Comunidade interesses impor- tantes, pelo que, fora das questões de fundo levantadas, as vantagens em prosseguir eram evidentes. Os outros parceiros Comunitários mantinham 52 Sublinhar-se-á que, esta situação surge em complemento da retirada do contingente militar francês da NATO, organização a que a URSS era - por maioria de razões - também hostil (V. Hans von der GROEBEN, Combat pour l'Europe, cit., p. 208). 53 Cfr. Jean MONNET, Mémoires, cit., p. 723. 54 Cfr. Jean MONNET, Mémoires, cit., p. 724. 192 Rui Miguel Marrana uma atitude pró-europeia, apostados na defesa das regras do tratado e nas instituições por ele criadas. No entanto, face à impossibilidade de prosse- guirem a integração sem a França, empenhavam-se na busca de soluções razoáveis. Vai ser por iniciativa do presidente do Conselh.o em exercício, o ita- liano Emílio COLOMBO 55 que o quadro formal das negociações se vai encontrar: uma reunião extraordinária do Conselho - no Luxemburgo e sem a presença da Comissão - que terá lugar durante o mês de Janeiro de 1966. O compromisso do Luxemburgo Extraído da acta desta reunião, será lido à imprensa um comunicado com o seguinte teor 56: 1. Sempre que, nos casos de decisão susceptível de ser tomada por maioria por proposta da Comissão, interesses muito importantes de um ou de vários parceiros estejam em causa, os membros do Conselho esforçar- se-ão por chegar, num prazo razoável, a soluções que respeitem os seus interesses e os da Comunidade, na conformidade do artigo 2. º do tratado. 55 No sentido aliás de uma proposta que Paul-Henri SPAAK havia já feito em Setembro de 65 (Cfr. Hans von der GROEBEN, Combat pour l'Europe, cit., p. 212). 56 O texto apresentado corresponde à tradução fiel do original in J. MOTA DE CAMPOS, Direito Comunitário, cit., p. 232/233. Por uma questão de rigor que temos por justificada pela importância histórica do documento, registamos também aqui o texto original (retirado de Marie-Françoise LABOUZ, Le Systeme Communautaire Européen, Berger-Levrault, 2." Ed., Paris, 1988, p. 284, sendo que esta autora retira o mesmo texto do 9" Rapport général des Communautés européennes, 1966, p. 35) . J. Lorsque, dans !e cas de décisions susceptibles d'être prises à la majorité sur proposi- tion de la Commission, des interêts tres importants d '1111 ou de plusieurs partenaires sont en jeu, /es membres du Cansei/ s 'efforceront dans un délai raisonnable d'arriver à des solutions qui pourront étre adoptés par tous /es membres du Cansei/ dans /e respect de /eurs intéréts mutueis et ceux de la Communauté, conformément à /'article 2 du Traité. 2. En ce qui concerne /e paragraphe précedent, la délégation jiwzçaise estime que, /orse qu'il s'agit d'interétstres importants, la discussion devra poursuivre jusqu'à ce que l'on soit parvenu à 1111 accord unanime. 3. Les sh: délégations constatent qu'zme divergence sur ce qui devrait étre fait au cas ozi la conciliation n 'aboutirait pas completement. 4. Les six délégations estiment que cette divergence n 'empéche pas la reprise, selon la procédure norma/e, des travam: de la Communauté A construção europeia (1945-197 4) - ciclos e tendências fundamentais 193 2. Em relação ao paágrafo precedente, a delegação francesa consi- dera que, quando se trate de interesses muito importantes a discussão deverá prosseguir até que se chegue a um acordo unânime. 3. As seis delegações registam que um divergência subsiste sobre o que deverá fazer-se quando não se alcance uma completa conciliação. 4. As seis delegações consideram, no entaqnto, que tal divergência não impede que se retome, segundo o procedimento normal, os trabalhos da Comunidade. As negociações que conduziram a este resultado foram conduzidas pelo Ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, ScHROEDER, que conse- guiu, pelo menos· aparentemente, um recuo importante da delegação fran- cesa em relação às outras exigências apresentadas, ou seja, às questões levantadas no decálogo. Não obstante, nem por isso deixou de se acordar sobre tais matérias que a Comissão consultaria os representantes perma- nentes antes de apresentar as propostas importantes, que não publicaria estas antes de as enviar ao Conselho e que colaboraria com este no âmbito da relações externas da Comunidade e da informação. Mais tarde, a Comissão e o Conselho chegariam também a acordo sobre a forma de apresentação das credenciais dos embaixadores perante a Comunidade 57. A França conseguiu ainda um objectivo importante: a substituição dos membros da Comissão e principalmente do seu presidente, Walter HALLSTEIN, embora tal medida apenas se viesse efectivar em 1967, com a entrada em vigor do tratado de fusão dos executivos a que nos referiremos adiante. Caracterização De toda a situação descrita, importa agora retirar algumas conclusões. Em primeiro lugar sublinhe-se que nesta primeira prova de fogo da Comunidade, se afirmou numa característica que se manteria até à actua- lidade: a da crise institucional permanente - ou ainda mais, da mutação sacudida periodicamente por alterações bruscas e hereditárias 58 . Esta circunstância, apesar do paralelismo reconfortante que pode fazer-se com 57 Cfr. Hans von der GROEBEN, Combat pour /'Europe, cit., p. 213. 58 Cfr. Marie-Françoise LABOUZ, Le Systeme Communautaire Européen, cit., p. 21. 194 Rui Miguel Marrana as espécies vivas 59, demonstra, senão a fraqueza do quadro institucional comunitário, pelo menos o seu enfraquecimento. Como consequência, mercê do desequilíbrio produzido, a crise veio a banalizar-se na Comunidade, assumindo-se como que um elemento de pressão permanente 60. _ . , . . . . Avaliemos então, os termos da injlexao do equzlzbrzo mstltuc10nal comunitário no sentido do intergovernamentalismo, resultante da crise da cadeira vazia. A desvalorização da Comissão - traduzida nomeadamente nas obri- gações de consultar os representantes permanentes antes de aprese~tar as propostas importantes, de não publicar estas antes de as enviar ao Conselho, de colaborar com o Conselho no âmbito da relações externas da Comunidade e da informação e bem assim no facto de deixar de receber, na pessoa do seu presidente, as credenciais dos embaixadores - é muitís- simo significativa. Os acordos nesta matéria implicam conjunta ou separadamente a perda de autonomia da Comissão em relação aos Estados membros (isto é, uma quase coincidência forçada da vontade comunitária com a von~a~e dos Estados membros), que em termos funcionais é agravada pela limi- tação do poder de iniciativa (ao obrigar-se esta, por força da regra da una- nimidade, a estabelecer contactos bilaterais). Para além desdes aspe~tos, a limitação que é imposta à Comissão em termos de intervenção pública - ao não lhe ser permitido tornar públicas as propostas antes de as apresen- tar ao Conselho e, em termos gerais, ao perder liberdade de utilização dos serviços de informação - tem um alcance primordial, porquanto impede uma comunicação entre a Comunidade e os cidadãos, comunicação essa que é fundamento mesmo de princípios jurídicos basilares da sua ordem jurídica 61 . 59 Cfr. Gérard DRUESNE et. ai., Le Marché Commun, cit., por Marie-Françoise LABOUZ, Le Systeme Commzmautaire Européen, cit., p. 21. . . . 60 Jean MONNET acreditava serem as crises decisivas para a construção europeia, cnando condições para o relançamento do processo de integração (Cfr. Michael BURGESS, Federalism and European Union, Routledge, Londres e Nova Iorque, 1989, p. 48). _As crises a que '."füNNET se referia eram no entanto as crises exteriores à Comunidade, para CUJas respostas se impunha a reavaliação do potencial e das vantagens dos mecanismos de integr~ção. . . 61 V. toda a fundamentação desenvolvida pelo Tribunal de Justlça da C.E. em matena de Efeito Directo e de Primado do Direito Comunitário, nomeadamente nos acórdãos de 3 de Fevereiro de 1963, Van Gend en Loos (proc.0 26/62) e de 15.7.64, Costa/ENEL (proc.º 6/64). A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 195 Importa evitar a tentação corrente de minimizar estas consequências, retirando do compromisso do Luxemburgo apenas e só o afastamento do voto à maioria no Conselho de Ministros (a que nos referiremos de seguida). Na verdade, as alterações impostas ao papel da Comissão que indicámos anteriormente, embora aparentemente de pormenor, convergiram num sentido preciso com consequências importantes: impediram que esta instituição pudesse desenvolver apoios directos nos cidadãos e nos grupos de interesses dos vários estados, gerando aquilo que alguns autores defi- nem por uma refocalização das lealdades políticas 62, ou seja, a criação de condições favoráveis para novos avanços no processo de integração através da atracção exercida sobre os grupos de interesses. Ao reduzirem-se drasticamente as relações entre os cidadãos - nor- malmente por via dos diversos grupos de interesses através dos quais se manifestam - e a Comissão - enquanto única instituição de decisão comunitária propriamente dita - evitou-se o fortalecimento de uma noção sócio-psicológica de comunidade. Ora, só uma consciencialização cada vez mais profunda de pertença a uma comunidade poderá permitir a refe- rida refocalização ou redireccionamento das lealdades políticas que consti- tuem condição essencial à legitimação das transferências de· soberania (e nessa medida, surgem como requisito essencial da evolução do processo de integração). O aspecto mais conhecido de toda esta saga - a questão da votação à unanimidade - tem também ele consequências determinantes no sen- tido do intergovernamentalismo. Reparar-se-á que muitos autores salientam que o compromisso do Luxemburgo é antes de mais, um agreement to disagree 63 ou, na expres- são francesa, um constat de désaccord 64, de onde se poderia aparenta- mente retirar não ter havido uma capitulação perante as exigências france- sas. E é bem verdade que da letra do comunicado, parece poder inferir-se tal conclusão. A realidade porém, demonstra que na prática, as exigências francesas viriam a ser plenamente satisfeitas, ou melhor, foi a interpreta- ção francesa que efectivamente prevaleceu: a partir de l 966, à excepção de questões menores (como sejam os actos de gestão ou similares) de ne- 62 V. Paul TAYLOR, The Limits of European Integration, cit., pp. 15 e ss. e 20 e ss .. 63 Por todos V. Giancarlo ÜLMI, Trinta Anos de Direito Comunitário, cit., p. 4. 64 Tb. por todos V. Marie-Françoise LABOUZ, Le Systeme Communautaire Européen, cit., p. 169. 196 Rui Miguel Marrana cessidades absolutas (como seja a aprovação do orçamento) e em razão de regateios políticos (como foi o caso das contribuições britânicas)as vota- ções no Conselho fizeram-se à unanimidade 65 . Os Estados membros recuperaram assim um direito a veto 66 a que haviam renunciado, o qual constitui aliás, uma característica dos modelos de cooperação 67• E assim, o intergovernamentalismo foi afirmado na sua mais importante vertente. Sublinhar-se-á, neste aspecto que a unanimidade implicou, por si só, uma alteração qualitativa no processo de decisão: esta passa a assentar na necessidade de um consenso entre os Estados membros e já não na busca de uma maioria adequada 68 . Com isto, o enfraquecimento do papel da Comissão faz-se já não só à custa do Conselho mas do próprio COREPER, orgão auxiliar que efectua a triagem e define os consensos possíveis. A Comissão já não possui o necessário à vontade para avançar com iniciativas corajosas, limitando-se a procurar os compromissos possí- veis para as soluções desejáveis 69. Nesta medida é ilusória a apreciação final de Jean MONNET, quando afirma: Se o seu objectivo [de DE GAULLE] era estancqr o desenvolvimento institucional e impedir que novas transferências de soberania surgissem na Comunidade, ele nada ganhou, senão algum tempo, tempo esse que foi 65 Cfr. Marie-Françoise LABOUZ, Le Systeme Communautaire Européen, cit., p. 170. 66 A insistência francesa na possibilidade do exercício do direito a veto nas decisões do Conselho ultrapassou os termos da declaração do compromisso do Luxemburgo quando, alguns meses mais tarde, o governo francês afirmou unilateralmente que votaria com todo e qualquer país que, colocado em minoria, invocasse um interesse vital (Cfr. Jean LECERF, La Commzmauté face à la crise, cit., p. 27). 67 Só não se tranformou a comunidade numa organização internacional de cooperação porque, não obstante a gravidade da inflexão intergovernamental, permaneceram mecanismos de integração, nomeadamente no que toca aos poderes de execução da Comissão e algumas com- petências desta em domínios como a concorrência ou a gestão da PAC. 68 A introdução do veto é por vezes minimizada, salientando-se o facto de a exigência de unanimidade por invocação do interesse vital apenas ter ocorrido umas poucas dezenas de vezes. Todavia, conforme bem salienta Marie-François LABOUZ, ce qui est contestable et nocif n'est pas la pratique unanimiste - licite et réaliste - mais bien la déviation de la déviation, à savoir la recherche systématique et obstiné de l'unanimité, rendue possible par l'appréciation discrétionaire et exclusive de l 'intértêt national. La pratique conaít même une sorte de déviation au troisieme degré avec la relégation du vote lui-même au profit du consensus. (Le systeme communautaire européen, cit. p. 170). 69 V. Paul TAYLOR, Tlze Limits os European Integration, cit., p. 20. A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 197 perdido para os europeus. Aquilo que lhes recusou em 1965, vieram a adquiri-lo mais tarde como sendo o progresso mais natura110. A verdade é que ainda hoje a Comunidade não recuperou da margi- nalização a que a Comissão foi votada em termos institucionais, e bem assim, a questão da votação à maioria 71 nem mesmo através da aprovação do Acto Único ficou definitivamente estabelecida. A inflexão no sentido do intergovernamentalismo reveste ainda uma outra característica que não pode deixar de realçar-se. Referimi-nos à des- valorização do quadro jurídico-constitucional, que conduziu à implemen- tação da prática dos pequenos passos e dos arranjos inter-institucionais 72 à margem dos tratados 73 . Neste quadro, além do desequilíbrio, ressalta a própria descaracterização do processo de integração. Conforme tivémos já oportunidade de salientar 74, a integração tem como característica essencial a natureza jurídica do enquadramento das limitações de soberania. Ou seja, o facto de essas limitações resultarem de opções livremente assumidas no quadro - e nos limites - de regimes convencionais. Nestes termos, embora se tenha de considerar normal a adaptação dos regimes às circunstâncias específicas que estes pretendem regular, a verdade é que quando as soluções escapam a esses regimes, sur- 70 O texto original - cuja tradução livre denota insuficiências importantes - é o seguinte: Si son but [celui de DE GAULLE] était de figer le developpement institutionnel e d'empêclzer que de nouveaw: transferis de souveranité n 'intervinssent dans la Commzmauté, il n 'avait rien gagné, qu 'zm peut de temps, et ce temp était perdu pour les Européens. Ce qu 'il leurs refusaient en 1965, ils l'on acquis depuis comme le progres le plus naturel (Cfr. Jean MoNNET, Mémoires, cit., p. 725). 71 Embora se tenda actualmente para considerar a votação à unanimidade como a conse- quência mais importante - senão mesmo a única importante - do compromisso do Luxemburgo, alguns autores como Paul TAYLOR, entendem que, em 1965 poucas pessoas (mesmo dentro da Comissão) esperavam a passagem à votação à maioria no Conselho logo no ano seguinte; nestes termos, a consequência decisiva do Compromisso do Luxemburgo terá sido a de evitar que a Comissão prosseguisse efectivamente no sentido de desenvolver a sua capaci- dade de intervenção supranacional (V. Paul TAYLOR, Tlze Limits of European Jntegration, cit., p. 21). 72 Para uma análise compreensiva do fenómeno das alterações constitucionais nas organi- zações internacionais V. Mario BETTATI, Le Droit des Organisations Intemationales, PUF, Paris, 1987' pp. 58 ss. 73 Cfr. Marie-Françoise LABOUZ, Le Systeme Commzmautaire Européen, cit., p 22. 74 Para um tratamento desenvolvido do conceito de integração e seus elementos caracte- rizadores, V. o nosso trabalho já referido na nota 1, Teoria da Integração política. 198 Rui Marrana gindo, desenvolvendo-se e permanecendo fora do seu enquadramento, perde-se a ponderação inicial e abre-se caminho a factualidades resultantes do mero peso .relativo das forças em presença, sem referência ou condi- cionamento dos princípios de razoabilidade, equidade e justiça que sempre inspiram os acordos de natureza normativa. Sublinhar-se-á por isso a relevância do desconforto com que a dou- trina jurídica 75 sempre lidou com o compromisso do Luxemburgo, que subsistindo, parecia impossível de dar por ultrapassado nos momentos em que o processo de intergação europeia era repensado e aperfeiçoado no quadro das sucessivas revisões dos tratados instituintes. Ao classificar-se o compromisso como um mero gentlemen agreement parece estar-se a dimi- nuir a sua importância, uma vez que daí decorre um carácter juridica- mente não vinculativo. Todavia, as partes não deixaram por isso de o cumprir e de o respeitar ao longo dos anos 76. E a ajuricidade do com- promisso tomou-o também juridicamente irrevogável, o que acabaria por lhe prolongar a vigência, na indefinição da sua natureza. 111-1966-1969: a paralisia institucional e a insistência no intergo- vernamentalismo A seguir ao compromisso do Luxemburgo a Comunidade não obs- tante tenha obtido um acordo bastante para prosseguir, fá-lo desconsolada- mente. Evolui-se apenas naquilo que dispensa empenhamento político das partes, já que o fantasma do veto vai desmotivar quaisquer apostas. Deste período poucos são portanto os factos relevantes. Valerá toda- via a pena debruçarmo-nos sobre alguns, nomeadamente sobre o Tratado de Fusão - assinado em 1965 que entrará em vigor em 1967, sobre o segundo pedido de adesão britânico e finalmente sobre a entrada em vigor da União Aduaneira. Depois será a Cimeira da Haia que vai constituir novo turning point pondo fim ao período de palalisia institucional. Vejamo-los separadamente. 75 Sobre a natureza a alcance jurídicos do compromisso do Luxemburgo V. J MOTA DE CAMPOS, Direito Çomunitário, cit. pp. 233 ss .. 76 Sobre a importância dos efeitos do compromisso do Luxemburgo - ultrapassando em larga medida a sua invocação expressa pelos Estados-membros - V. Marie Françoise LABOUZ, Le Systeme co111111una11taire européen, cit.,pp. 169 ss. A construção europeia (1945-197 4) - ciclos e tendências fundamentais 199 A fusão dos executivos e a criação do COREPER Logo no momento das negociações que conduziram à assinatura dos tratados de Roma (CEE e CEEA), os negociadores colocaram-se a questão das vantagens de prever um quadro institucional que pudesse servir simul- taneamente a estas comunidades e à CECA, criada pelo tratado de Paris de 1951 77• As razões que podiam recolher-se nesse sentido eram objectivamente detectáveis e importantes, as mais significativas das quais residiam na economia de meios, na racionalização dos esforços e na própria coerência de um esforço de unidade que ninguém questionava. Subsistiam porém diversas circunstâncias que aconselhavam uma pru- dência especial neste domínio. Desde logo importará não esquecer que o desenho institucional adoptado nos tratados de Roma é visivelmente dife- rente do seguido no Tratado de Paris. Aqui, em plena euforia pró-euro- peia, tinha sido possível estabelecer um quadro em que a instituição supranacional - significativamente apelidada de Alta Autoridade - as- sumia o papel determinante na condução dos destinos comunitários 78. Inversamente, as novas comunidades reflectia - como se fez referência anteriormente - o pragmatismo decorrente do falhanço entretanto ocor- rido com os projectos da CED e da Comunidade Política. Assim, nos tratados de Roma já não aparece o termo supranacional 79 e o poder de decisão do executivo - que passa a chamar-se Comissão - é bem menos importante do que o do Conselho, a instituição intergovernamental. que A doutrina salienta sobre este assunto, um aspecto não discipiendo: é o tratado CECA, um tratado-regra (tratado-lei), que regula a matéria de modo suficientemente exaustivo, para que se possa con- fiar a sua aplicação a um executivo, composto por personalidades 77 Cfr. Hans von der GROEBEN, Combat pour l'Europe, cit., pp. 196/197. 78 Todavia, conforme salienta Hans von der GROEBEN, a própria proeminência da Alta Autoridade CECA pode ser considerada uma ilusão, porquanto as suas decisões carecem da aprovação do Conselho no que toca à política de intervenção, e em termos gerais, os poderes daquela constituiam letra morta, um vez que a sua aplicabilidade é duvidosa (Cfr. Combat pour l 'Europe, cit., p. 197). 79 Conforme se referiu anteriormente, o termo supranacional surgia na redação primitiva do art.º 9.0 do tratado CECA, entretanto revogado pelo art.º 19.0 do tratado de Fusão. 200 Rui Miguel Marrana independentes, submetido a um controlo limitado da instituição intergovernamental quanto aos actos de maior importância ... Pelo contrário, o tratado CEE é um tratado-quadro (tratado-constituição). Sendo extremamente vasto o seu campo de aplicação, limita-se a definir um certo número de princípios gerais e confia às instituições o cuidado de adaptar ao longo dos anos toda a legislação neces- sária 80. Neste enquandramento é compreensível a necessidade de ma10r acompanhamento das actividades da CEE por parte dos Estados-membros. Acrescia ainda a prudência necessária em não acoplar uma comunidade em funcionamento às instituições de outra, cuja capacidade para se impôr permanecia duvidosa. Bem se percebe por isso, o facto de o acordo nesta matéria 81 se ter resumido ao estabelecimento de uma Assembleia 82 e de um Tribunal comuns. Todavia, assim que a CEE deu os seu primeiros passos e verifi- cada que foi a importante dinâmica assumida por esta, a questão da fusão dos executivos voltou a levantar-se, sendo debatida a partir de 1959 83 . No entanto, só em 8 de Abril 1965 foi assinado o tratado de Bruxelas, o qual, mercê do processo de ratificação pelos parlamentos dos Estados membros, só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1967. 80 Giancarlo ÜLMI, "Introdução", in Trinta Anos de Direito Comunitário, cit., pp. 1-14. A argumentação embora inquestionável no seu fundamento - e quase unanimemente repisada pela doutrina - merece algumas reservas, porquanto, se assim fosse, parece que, no caso da CEEA, os mesmo argumentos já não colhem, pelo que se poderia ter repetido o quadro institucional da CECA, o que não aconteceu. 81 Que ficou conhecido como a Convenção de 25 de Março de 1957, relativa a certas instituições comuns às Comunidades Europeias. 82 A Assembleia viria a auto-denominar-se Parlamento Europeu, designação que só foi acolhida nos tratados pelo Acto Único Europeu. 83 Deste processo são de realçar os seguintes marcos: em 1959 VIGNY, Ministro dos Negócios Estrangeiros belga, efectua a primeira proposta nesse sentido. Durante o ano seguinte, os presidentes da Comissão da CEE e CEEA e da Alta Auttoridade CECA e bem assim o Parlamento Europeu, pronunciam-se favorávelmente. Em 1961 o governo holandês propõe um projecto de tratado nesse mesmo sentido. As negociações hão-de porém durar quatro longos anos, sofrendo nomeadamente da oposição francesa que pretendia evitar que daí pudesse inferir- se um avanço no sentido da integração (Cfr. Hans von der GROEBEN, Comba/ pour l 'Europe, cit., p. 197). A construção europeia (1945-1974) - ciclos e tendências fundamentais 201 Deste tratado - que, afinal incide apenas sobre aspectos administra- tivos - resultaram poucos benefícios para a Comunidade e em especial para o seu funcionamento. Desde logo porque a reorganização da admi- nistração absorveu longamente a Comissão, retirando-lhe tempo para desenvolver outras tarefas, sem dúvida mais importantes naquele momento 84. A consequência mais importante do tratado de fusão dos executivos terá sido todavia, a revogação do artigo 151.º do Tratado CEE. Neste esti- pulava-se a possibilidade de o Comité de Representantes Permanentes (COREPER) preparar os trabalhos do Conselho e executar outras funções que lhe fossem confiadas. Depois, por força do artigo 4.0 do Tratado de Fusão, tais funções ficaram definitivamente acometidas a este orgão auxi- liar 85 . A alteração é aparente, mas trouxe consigo um recuo evidente no sentido do intergovemamentalismo. Ao impôr-se a presença do COREPER como intermediário entre a Comissão e o Conselho, a discussão das diversas matérias - que aquela 84 Cfr. Hans von der GROEBEN, Combat pour l'Europe, cit., p. 19. 85 O art.º 151.º (actualmente 207.º) veio a ser posteriormente aditado pelo Tratado da União Europeia, mantendo a obrigatoriedade da intervenção do COREPER na preparação dos trabalhos do Conselho. Os termos dessa preparação encontram-se hoje em dia especificados no Regulamento Interno do Conselho da União (Aprovado através da Decisão 662/93 de 6.12.93, in JO C 304 de 10.12.93), em especial nos art. 8.º, 19.º e 20.º. Esta intervenção - que é obri- gatória - implica nomeadamente a primeira abordagem das proposta da Comissão pelos Estados-membros, que deverão definir desde logo a sua posição uma vez que, havendo consenso no COREPER a questão será inscrita sob o ponto A da agenda da próxima reunião do Conselho, o que significa que não será objecto de discussão sendo imediatamente sujeita a aprovação. Nestes casos de consenso - para o quais a Comissão desenvolve por vezes esforços de con- certação importantes, face à celeridade que se obtém nas decisões - os assuntos em princípio não chegam sequer ao conhecimento dos ministros, tendo todo o processo decorrido entre a Comissão e os membros das representações permanentes. Nos outros casos em que não se obtém o consenso ao nível do COREPER - que são, naturalmente os mais frequentes - a intervenção deste órgão tem em vista aferir das convergências e dissensos parciais (dos Estados- membros entre si ou em relação à Comissão) por forma a permitir aos ministros avançarem directamente sobre as questões aquando das reuniões. A intervenção do COREPER no âmbito da preparação dos trabalhos mostra-se por isso não só da maior importância - dada a complexi- dade dos dossiers e do processo de negociação já neste primeiro nível - como também con- dicionadora da actividade do Conselho,
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