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HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA 1ª EDIÇÃO EGUS 2015 HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA • JOSÉ GILVAN SOUSA DA SILVA INTA - Instituto Superior de Teologia Aplicada PRODIPE - Pró-Diretoria de Inovação Pedagógica Diretor Presidente das Faculdades INTA Dr. Oscar Rodrigues Júnior Pró-Diretor de Inovação Pedagógica Prof. PHD. João José Saraiva da Fonseca Coordenadora Pedagógica e de Avaliação Profª. Sônia Henrique Pereira da Fonseca Assessor de Gestão de Projetos de Avaliação e Pesquisa Éder Jacques Porfírio Farias Equipe de Pesquisa e Desenvolvimento de Projetos Tecnológico e Inovadores para Educação Coordenador da Equipe Anderson Barbosa Rodrigues Analista de Sistemas Mobile Francisco Danilo da Silva Lima Analista de Sistemas Front End André Alves Bezerra Analista de Sistemas Back End Luis Neylor da Silva Oliveira Técnico de Informática / Ambiente Virtual Rhomelio Anderson Sousa Albuquerque Equipe de Produção Audiovisual Roteirista da Vídeoaula José Gilvan Sousa da Silva Gerente de Produção de Vídeos Francisco Sidney Souza Almeida Edição de Áudio e Vídeo Francisco Sidney Souza Almeida José Alves Castro Braga Gerente de Filmagem/Fotografia José Alves Castro Braga Operador de Câmera/Iluminação e Áudio José Alves Castro Braga Designer Editorial José Edwalcyr Santos Diagramador Web Luiz Henrique Barbosa Lima Assessoria Pedagógica/Equipe de Revisores Sonia Henrique Pereira da Fonseca Evaneide Dourado Martins 7INTA Historiagrafia Brasileira 1 Sumário 2 Palavra do Professor-Autor ....................................... 09 Ambientação.............................................................. 12 Trocando ideias com os autores ............................... 14 Problematizando........................................................ 16 Unidade de Estudo: A Historiografia Imperial: A criação do IHGB Historismo e as origens do Instituo Histórico ........................................................ 21 Características sócias profissionais do IHGB........................................................ 22 Os objetivos do IHGB ............................................................................................ 23 A lógica do processo histórico nas origens do IHGB............................................. 24 Unidade de Estudo: Identidades do Brasil Identidades do Brasil: Varnhagen e Capistrano de Abreu ..................................... 29 Varnhagen: elogios à colonização portuguesa do Brasil ....................................... 30 A escrita da história dos anos de 1900: Capistrano de Abreu e o aparecimento do povo brasileiro ....................................................................................................... 31 8 Historiagrafia Brasileira INTA 3 4 A independência do Brasil em perspectiva historiográfica A emancipação como processo.............................................................................41 O Império como conquista.....................................................................................45 Escravidão e Cidadania no Império do Brasil .......................................................49 Unidade de Estudo: Colonização, miscigenação e questão racial Colonização, miscigenação e questão racial: notas sobre equívocos e tabus da historiografia brasileira. ...................................................................................55 Leitura Obrigatória .................................................. 70 Saiba mais ................................................................ 72 Revisando ................................................................ 74 Autoavaliação .......................................................... 78 Bibliografia ............................................................... 84 Bibliografia Web ...................................................... 89 9INTA Historiagrafia Brasileira Palavra do Professor-autor Olá! Boas vindas! A historiografia brasileira é uma disciplina que expressa a abrangência da his- tória em sua inserção nos contextos nacional e internacional. Considerando a ques- tão da historiografia e a educação como eixo norteador da disciplina. É manifestada a expansão da área de estudos e o trabalho do professor/ histo- riador no mundo contemporâneo, a partir de elementos como novas fontes de pes- quisa, com uso das mídias digitais, criando espaço de novas estratégias de estudo em novos campos de atuação e inserção em projetos culturais e de preservação do patrimônio artístico. Assim, a formação de docente é capaz de levar para a sala de aula tanto as discussões sobre esses novos aspectos que estão sendo estudados pelo historiador atual, como questões ligadas à cidadania e ética. A reconstrução do estímulo à in- terdisciplinaridade dos conteúdos, bem como o diálogo construtivo com as demais ciências. Esperamos que o estudo desta disciplina resulte numa renovação do concei- to de pesquisa em história, considerando-a como uma atitude investigativa a ser formada e na perspectiva de um ensino articulado à pesquisa, possibilitando novas formas aos elementos curriculares, como a não memorização dos conteúdos, e sim a apreensão compreensiva, permitindo ao aluno uma caminhada como sujeito de sua própria história. Bons estudos! 10 Historiagrafia Brasileira INTA Biografia do autor JOSÉ GILVAN SOUSA DA SILVA, graduado em História pelo Instituto Superior de Teologia Aplicada – INTA (2012), Especialista em História do Brasil pelo Instituto Su- perior de Teologia Aplicada – INTA (2014). Foi professor da Escola Senador Jereissati e atualmente é professor do Ensino Superior de Formação e Educação Teológica – IFETE. 11INTA Historiagrafia Brasileira 12 Historiagrafia Brasileira INTA AMBIENTAÇÃO Este ícone indica que você deverá ler o texto para ter uma visão panorâmica sobre o conteúdo da disciplina. 13INTA Historiagrafia Brasileira Nesta disciplina vamos aprender como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) teve sua importância para a nossa historiografia brasileira, vamos trabalhar com vários autores tendo a problemática da nossa história, como José Carlos Reis, Gilberto Freire, Junior Prado e outros autores clássicos como Francisco Adolfo de Varnhagem e Capistrano de Abreu. Caio Prado Junior investiga o nosso país desde que éramos colônia. Para começar nossa viagem na historio- grafia, vamos trabalhar com a obra “Formação do Bra- sil contemporâneo”, é uma obra acerca do pensamento social e da historiografia brasileira e apresenta texto sobre as relações entre nação e colônia no processo histórico que originou o Brasil. Ele trata também sobre o sentido da co- lonização, povoamento, raças, economia, grande lavoura, agricultura de subsistência, mineração, pecuária, produções extrativas, artes, indús- tria, vida social e política. 14 Historiagrafia Brasileira INTA TROCANDO IDEIAS COM OS AUTORES A intenção é que seja feita a leitura de obras indicadas pelo professor-autor numa perspectiva de dialogar com os autores de relevo nacional e/ou mundial. 15INTA Historiagrafia Brasileira Agora você é convidado a trocar ideias com os autores sugeridos. Quem somos nós, os brasileiros? Ser brasileiro será bom ou ruim, motivo de orgulho ou de vergonha? Você gosta sinceramen- te de se sentir brasileiro? Em busca de nossa identidade, José Car- los Reis analisa criticamente as narrativas e teorias de autores que interpretaram a ‘civilização brasileira’, desde a ótica da extrema direita até a da rebeldia mais radical, construíram uma intriga de nossa história e fizeram um retrato de corpo inteiro do Brasil. Nes- te livro, o autor retoma e analisa algumas das mais importantes interpretações do Brasil, aquelas que ultrapassaram a condição de simples referên- cias intelectuais, de meros modelos discursivos, para se tornar as “inventoras” das identidades do Brasil vivido e real, orientando os brasileiros em suas opções políti- cas, em sua autoidentificação e autorrepresentação. O autor sobrevoa120 anos do pensamento histórico brasileiro: de Varnhagen, nos anos 1850, a Florestan Fernan- des e FHC, nos anos 1970. REIS, José Carlos. As identidades do Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2006. O livro retrata o descobrimento do Brasil e o desenvol- vimento no século XVI, os antecedentes indígenas e sua relação com os brancos. O autor aborda sua visão mais original do país, onde ele redescobre o Brasil, valorizando seu povo, sua luta, seus costumes, o clima, a natureza e a miscigenação entre o branco e o índio, na constituição do sertanejo. ABREU, J. Capistrano de. Capítulos de história colonial, 1500-1800. 7. Ed. São Pau- lo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. Estudo Guiado: Após a leitura das obras, escolha uma e faça um resenha. 16 Historiagrafia Brasileira INTA PROBLEMATIZANDO É apresentada uma situação problema onde será feito um texto expondo uma solução para o problema abordado, articulando a teoria e a prática profissional. 17INTA Historiagrafia Brasileira Vamos analisar a seguinte situação: Dois alunos do ensino médio estavam conversando sobre a aula de História do Professor Gilvan, o aluno Carlos falou: Que coisa chata essa aula de História! O professor falando sobre IHGB, nem sei o que é, nem para que serve e nem quero saber. Luís Fernando o outro aluno retrucou - hora é muito importante para nossa vida, pois através do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), começamos a escrever nossas histórias com outro olhar, não mais de colonizados, mas sim de um país independente com os nossos heróis como Tiradentes e outros. E ainda mais, você sabe o que é HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA? Estudo Guiado: E vocês futuros historiadores sabem o que significa IHGB e para que serve? O que é historiografia brasileira e sua importância? Reflitam e respondam. 18 Fonte: wikimedia.org Planta da Restituição da BAHIA, por João Teixeira Albernaz' 19 A HISTORIOGRAFIA IMPERIAL: A CRIAÇÃO DO IHGB Conhecimentos Conhecer a historiografia brasileira e sua importância para nossa história; Características sócias profissionais do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro mais conhecido como IHGB. Compreender porque houve a necessidade da criação do IHBG. Habilidade Reconhecer a necessidade da criação do IHGB no Brasil em 1838 para o desenvolvimento dos conhecimentos geográficos e históricos no Brasil, pelo estímulo à pesquisa com reconhecimento da nossa História. Atitudes Problematizar nossa historiografia e ampliar o conhecimento histórico e reconhecer os historiadores como Francisco Adolfo de Varnhagen e outros importantes para nossa historiografia. 1 20 Historiagrafia Brasileira INTA 21INTA Historiagrafia Brasileira Historismo e as origens do Instituto Histórico Para os atuais e futuros historiadores, a historiografia é de fundamental impor- tância para nossa formação acadêmica. Mas, vocês já ouviram falar sobre historiografia? É muito simples é o registro escrito que analisa os fatos da História do passado e estudo crítico do que foi escrito. Como estamos falando de Império, após a indepen- dência do Brasil em 07 de setembro de 1822 o país precisava construir sua identida- de e com isso foi criado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro mais conhecido como IHGB, a sua criação era necessária como relata Lilia Moritz Schwarcz: Criado logo após a independência política do país, o estabe- lecimento carioca cumpria o papel que lhe fora reservado, assim como aos demais institutos históricos: construir uma história da nação, recriar um passado, solidificar mitos de fundação, ordenar fatos buscando homogeneidades em personagens e eventos até então dispersos”. ( SCHWARCZ, 2005) O IHGB teve seu inicio com o Marechal Raimundo José da Cunha Matos e o cônego Januário da Cunha Barbosa, respectivamente primeiro-secretário e secretá- rio adjunto da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN), propuseram, na sessão de 18 de agosto de 1838, do Conselho Administrativo, a fundação de um Ins- tituto Histórico e Geográfico. Em sessão do dia seguinte a proposta foi aprovada em assembleia geral da sociedade. No dia 21 de outubro de 1838 o instituto foi instalado pelo presidente da SAIN, Marechal Francisco Cordeiro da Silva Torres, presentes 27 membros, convidados para sócios fundadores. A direção provisória do Instituto ficou constituída pelo Visconde de São Leopol- do (presidente), cônego Januário da Cunha Barbosa (primeiro-secretário) e Emílio Joa- quim da Silva Maia (segundo-secretário); coube ao presidente, ao primeiro-secretário e a Raimundo José da Cunha Matos a redação do projeto dos estatutos. No dia 25 de novembro foram eles aprovados, elegendo-se a primeira diretoria, composta pelo Visconde de São Leopoldo (presidente). Cunha Matos (vice-presidente e diretor da seção de geografia), Araújo Viana (vice-presidente e diretor da seção de história). Cô- nego Januário da Cunha Barbosa (primeiro-secretário), Pedro de Alcântara Bellegarde (orador) e José Lino de Moura (tesoureiro e diretor da comissão de fundos). 22 Historiagrafia Brasileira INTA Um ano após, na sessão comemorativa do primeiro aniversário da ins- tituição, presente o Regente Araújo Lima, puderam os fundadores de o IHGB apresentar resultados satisfatórios, que atendiam às finalidades definidas nos estatutos: estabeleceram-se contatos com as províncias, para o recolhimento de documentos relativos à história e geografia do Brasil e elevava-se a 175 o número de sócios correspondentes, membros de instituições congêneres em Nápoles, Portugal, Prússia, Baviera, França, Peru, Chile e Buenos Aires. Publi- cou-se, também, a revista. Podemos citar Francisco Adolfo de Varnhagen que foi um dos pioneiros da nossa história depois da criação do IHGB, segundo José Carlos Reis no seu livro “As identidades do Brasil” e dá o titulo de Heródoto brasileiro e é pro- picio a história criada por Varnhagen foi pioneiro pelo fato de ter tido grande apoio do governo monárquico brasileiro, o mesmo produziu uma história do ponto de vista do conquistador ou podemos observar história positivista, exal- tando seus feitos e heróis nacionais. Características sócias profissionais do IHGB Nascido sob os auspícios da Sociedade Auxiliadoras da Indústria Nacional (SAIN), cuja finalidade era o fomento das atividades produtivas (especialmen- te, nesta quadra, a agrícola) e tendo como membros da elite política do impé- rio, homens da geração da independência, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro visava atingir os objetivos político-administrativo e intelectuais que transcendiam de muito qualquer rotina acadêmica, o que pode ser explicado com o auxilio de uma análise sócio profissionais de seus filiados. O status profissional de todos os 27 sócios fundadores e a importância de política de pelo menos nove deles (senadores, ministros, conselheiros de Estado) atesta a integração do Instituto ao establishment imperial. Funcio- nalmente eram magistrados, advogados, funcionários públicos, eclesiásticos e negociantes, quase todos pertencentes, assim, à alta burocracia do Império. Em 1839 o número de sócios efetivos subiu para 46, mais 12 honorários. Nos efetivos predominava a formação jurídica (41,3%) e a atividade profissio- nal no serviço público (71,7%), sendo 21,7% na magistratura, 28,3% no ensino, 6,5% de militares e 15,2% em outros ramos da administração pública. Eram parlamentares 19,6% dos sócios efetivos. Enquanto os sócios efetivos predo- Establishment: Grupo sociopolítico que exerce sua autoridade, controle ou influência, defendendo seus privilégios; ordem estabelecida, sistema. 23INTA Historiagrafia Brasileira minavam a alta burocracia, o quadro de sócios honorários brasileiros era nitidamen- te político, predominando justamente os representantes regressistas que fundariam o partido conservador. A heterogeneidade funcional era compensada pela unidade ideológica. Eram quase todos, homens de visão nacionalista e centralizadora quecaracterizou a elite política do Império. Repetem-se, no caso do IHGB, as características gerais desta elite política imperial definida por José Murilo de Carvalho: “defesa da unidade nacional, consolidação do governo civil, redução do conflito a nível nacional, limitação da mobi- lidade social e da mobilização política, ao contrário da Amé- rica Hispânica, onde a falta de unidade ideológica da elite le- vou a balcanização, ao caudilhismo e à instabilidade política”. (WEHLING, 2001) Os Objetivos do IHGB Formalmente, a principal finalidade do IHGB era o desenvolvimento dos co- nhecimentos geográficos e históricos no Brasil, pelo estímulo à pesquisa com reco- lhimento, nas províncias e no exterior, de documentos relativos à formação brasilei- ra, e pelo estímulo a produção de trabalhos monográficos e gerais que permitissem o estudo da história brasileira. Neste aspecto, serviu de incentivo ao nativismo dos fundadores do Instituto o fato de a única obra sobre o conjunto da história brasileira ser de um inglês, Robert Southey, além de alegadas distorções sobre o movimento de independência. Para além destes objetivos puramente “desinteressados” da pesquisa cientifica, os documentos sobre a fundação do IHGB demonstraram explicitamente a busca de outros fins: o “esclarecimento” da sociedade, pelo desenvolvimento da “cultura literária”, levando a um aprimoramento das relações sociais; o aperfeiçoamento da administração pública, com a formação de melhores quadros funcionais; e o exercí- cio mais aperfeiçoado dos cargos eletivos. Associam-se os estudos históricos á sorte da Monarquia constitucional, con- forme se diz na proposta de Cunha Matos e Januário da Cunha Barbosa. Sintomati- camente, a monografia premiada sobre como se deve escrever a História do Brasil 24 Historiagrafia Brasileira INTA (1843) afirma que o historiador “geral do país deveria redigi-la” do ponto de vista da monarquia constitucional. A mesma ideia encontrou no prefácio da História Geral por Varnhagem já nosso conhecido como Heródoto brasileiro, primeira obra que se propôs cumprir o programa do Instituto. A lógica do processo histórico nas origens do IHGB Os fundadores do IHGB falavam como os historiadores desde o final do século XVIII, numa história tríplice, filosofia, ou seja, interpretativa, que elucidasse o signi- ficado dos acontecimentos à luz das grandes tendências, pragmática que servisse de orientação para a sociedade do presente e critica que, através de métodos con- fiáveis, restabelecesse a verdade objetiva, ressalvadas as distorções partidárias, quer as políticas, quer religiosas, e os excessos literários. Quando, com Ranke a partir dos anos 1820, se afirma a cientificidade da história da história, já se trata de uma evolução em relação a este ponto: o aspecto filosófico é retirado de qualquer funda- mentação transcendental ou metafísico para restringir-se á própria “compreensão” histórica. A aplicação do conhecimento histórico é uma consequência extracientífica, embora desejável, deste conhecimento; e os aspectos críticos expandem-se, a ponto de constituir uma área de saber próprio dentro da história e sua metodologia. No Brasil, e particularmente no IHGB, confundem-se as duas posições; embora a formação intelectual de homens como Januário da Cunha Barbosa, São Leopoldo ou o próprio Martius seja tipicamente iluminista - mas do historicismo iluminista. O cônego Januário, por exemplo, entendia por história filosófica aquela que iria desve- lar as regularidades do mundo moral, a mesma que Newton e Clarke descobriram as leis do mundo físico. Martius viu a história do Brasil como fruto de um ‘’cruzamento de raças’’, segundo uma não explicada ‘’lei particular das forças diagonais’’. Este autor chega a aplicar ao caso brasileiro uma ‘’lei’’ histórica ou sociológica, segundo a qual o desenvolvimento social ocorreria a partir das ‘’classes baixas’’, pois estas forneceriam os elementos que aperfeiçoariam e vivificariam as ‘’classes superiores’’ impedindo sua decadência, numa antecipação das aplicações evolucionistas da se- leção natural darwiniana. Parece pacifico, pois, que as relações sociais ou morais eram submetidas a regularidades e que estas poderiam ser traduzidas cognitivamente por leis, na con- cepção dos fundadores do IHGB. Mais ainda: Januário da Cunha Barbosa chega a 25INTA Historiagrafia Brasileira afirmar que a interpretação da história brasileira permitiria a previsão do fu- turo do país, preenchendo um dos requisitos que Popper atribuiu ao histo- ricismo mais cientificista, o da previsibilidade histórica. Matius argumentou de maneira idêntica, pouco mais tarde. O conhecimento histórico, ademais, deveria ser aplicado ao aperfei- çoamento da realidade social. Num momento em que apenas se fundavam as novas ciências sociais, como a antropologia, a etnografia ou a sociologia e em que não se falava em ‘’ciências sociais aplicadas’’, esperavam os fun- dadores do IHGB da História o ‘’esclarecimento da sociedade’’ pelo desen- volvimento da cultura literária e o aprimoramento das relações sociais, a melhora dos quadros da administração pública e da representação política, com o exercício mais responsável dos cargos públicos. Os instrumentos para isso eram os próprios estudos monográficos sobre a história brasileira e as monografias biográficas, que tinham declaradamente cunho pedagógico, em especial para o exercício de funções públicas. Tanto quanto o romantismo e o nacionalismo, no plano ideológico, foi o historicismo, no plano teórico-metodológico, o informado e racionalizado por excelência da Weltanschauung dos fundadores da IHBG. Numa con- cepção historicista da história foram buscar a estrutura velada das relações sociais, as leis do desenvolvimento histórico, sua projeção para o futuro e o conhecimento aplicado, para aperfeiçoar a administração pública represen- tação política do recente e combalido Império Associado, no plano político, á ideologia liberal e no plano social ao ‘’regressismo’’ da elite centralizadora do final dos anos 1830. Realizaria sua obra, como apontaram Januário da Cunha Barbosa, o Visconde de São Leopoldo e Martius, visando consolidar o sistema unitário e a forma de governo, monarquia constitucional. A realização deste progra- ma nas décadas seguintes – cujo melhor exemplo foi a História Geral do Brasil, de Varnhagen – deu o tom da aliança entre a intelectualidade e o po- der no Segundo Reinado, pelo menos até a Guerra do Paraguai e o ‘’bando de ideias novas’’ de 1868, anunciadas por Silvio Romero. Weltanschauung: Concepção do mundo (falando- se de diversas doutrinas da Alemanha romântica ou moderna). 26 Fonte: maishistoria.com.br 27 IDENTIDADES DO BRASIL Conhecimento Compreender como se deu o processo de construção do pensamento historiográfico dos autores como Francisco Adolfo de Varnhagem e Ca- pistrano de Abreu. Habilidade Reconhecer a necessidade de analisar os vestígios do passado aos quais se denominam fontes para historiografia brasileira. Atitudes Posicionar-se criticamente diante das diferenças entre os autores com problemáticas diferentes. 2 28 29INTA Historiagrafia Brasileira Identidades do Brasil: Varnhagen e Capistrano de Abreu Embasamento a este texto é o livro de José Carlos Reis: as Identidades do Bra- sil. Nossa abordagem tem como objetivo tecer comentário alinhavando as citações para que o acadêmico possa compreender como se deu o processo de construção do pensamento historiográfico dos autores como Francisco Adolfo de Varnhagem e Capistrano de Abreu, intelectuais que figuram na historiografia brasileira dos anos de 1850 ao inicio do século XX. No campo das definições, tornam-se enriquecedor os conceitos de historiogra- fia dada por João Miguel Teixeira de Godoy: A polissemia frequentemente apontada para o termo his- tória transfere-se, de certa forma, para historiografia. Além do meramente literal – escrita da historia -, dois outros sentidos aca-baram por se impor: reunião do escritos de história inicialmente, mas também ramo do conhecimento histórico dedicado a recom- por e a analisar a trajetória e as condições de possibilidades do próprio conhecimento histórico através de suas obras. Recompor ou reconstituir a trajetória de uma forma de conhecimento exi- ge uma abordagem que leve em conta sua dimensão temporal. (GODOY, 2009) O que nos interessa é sabermos que a palavra historiografia possui vários sig- nificados, contudo, o mais adequado ao nosso estudo será de que a historiografia se torna a investigação de como se escreveu a história do Brasil desde a criação do Ins- tituto Histórico e Geográfico Brasileiro ( IHGB) em 1838. Para que nosso estudo possa acontecer, podemos dizer que há a necessidade de conceituação de fonte, neste sen- tido acordamos com José Amado Mendes quando afirma: “Os materiais de que o his- toriador se serve, ao exercer o seu oficio, designam- se genericamente fontes’’. Essas matérias anteriormente são vestígios materiais e imateriais que servem á produção do conhecimento historiográfico, sendo desde documentos escritos estatais até cantigas de roda e depoimentos memoriais. A produção de conhecimento histórico praticamente requer a análise desses vestígios do passado aos quais se denominam fontes, mas na trajetória intelectual que pretendemos comentar, ou seja, a historiografia brasileira, suas definições e usos ganham sentidos diversos dependendo do historiador e sua análise. Passaremos a 30 Historiagrafia Brasileira INTA considerar de maneira panorâmica alguns historiadores que selecionamos, ten- do como base teórica como dissemos acima o livro de José Carlos Reis: ‘’As identidades do Brasil’’. Varnhagen: elogios à colonização portuguesa do Brasil. Segundo José Carlos Reis (2006) considera Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), o primeiro historiador que produz uma ‘’obra independente mais completa, confiável, documentada, critica, com posição explicitas: a história ge- ral do Brasil refletia uma preocupação nova no Brasil com a história, com a do- cumentação sobre o passado brasileiro, que o recém-fundado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro’’. Essa preocupação com a história é justificada, pois havia a necessidade da construção de uma unidade para o país. Entretanto, para Nilo Odália a História Geral do Brasil foi escrita num estilo literário monótono, sem mostrar o dramático das tensões e opções. Varnhagen teria, segundo Odália, “o estilo de um botânico descrevendo a flora: árido e distante’’. (ODÁLIA, 1979) Para tal estudo temos que situar o autor no seu tempo histórico, suas condições materiais e intelectuais. As interpretações de Varnhagen, historiador da escola metódica, se fun- damentam em documentos e são carregadas de preconceitos próprios de seu tempo. Os elogios que tece sobre a colonização portuguesa se justifica a medida que sabemos quem é seu protetor, ‘’o imperador foi o protetor de Varnhagem’’. (REIS, 2006) Vendo o império brasileiro como iluminado dotado de civilização que salvou as terras tupiniquins. Para Reis, o Visconde do Porto Seguro ‘’inicia a pesquisa metódica nos arquivos estrangeiros, onde encontrou e elaborou inúmeros, documentos re- lativos ao Brasil’’(REIS, 2007). É esta a maior contribuição de nosso analisado: o compêndio de fontes que é o livro História Geral do Brasil. Essa busca incansá- vel pelo documento sugere uma preocupação exacerbada com a fidelidade das fontes, como sugere Reis: “‘Varnhagen representa o pensamento brasileiro do- minante durante o século XIX, e ele o expõe com rara cla- reza, com fartura de dados e datas, nomes e fatos”. Deve ser lido como um grande depósito de informações sobre o Brasil, um arquivo portátil, e como a interpretação do Brasil mais elaborada e historicamente eficaz do século XIX’’. (REIS, 2007, p, 33) Tupiniquins: tribo indígena antiga na região de Porto Seguro (Bahia) Read more: http://www.aulete. com.br/tupiniquins# ixzz3dW1sgvLP 31INTA Historiagrafia Brasileira A escrita da história dos anos de 1900: Capistrano de Abreu e o aparecimento do povo brasileiro. João Capistrano de Abreu nasceu em Maranguape, Ceará, em 1853, no sitio de Columinjuba [...] Ali, Capistrano foi criado com rigidez, severidade e austeridade, em um ambiente mar- cado pelo trabalho pesado e continuo e pelo dogmatismo ca- tólico’’. ‘’No sitio se plantava cana, algodão, mandioca, feijão, e milho. O trabalho era feito por escravos, por empregados e pela própria família’’. (REIS, 2007, p. 85) Reis o descreve como sendo um autentico sertanejo, tanto no seu modo de pensar e agir. Sua formação intelectual, sobretudo, autodidata advém da insistência de um jovem que gostava de ler e se utilizou de seus conhecimentos para se intro- duzir na corte, para isso, pediu ajuda a seu contemporâneo José de Alencar, que o descreveu da seguinte maneira: ‘’Ao chegar, ao ser apresentado a alguém ou a se apresentar, sua imagem causava desgosto; ao sair seu espírito deixava encantamen- to’’. (REIS, 2007 p. 86) Ao galgar espaço na corte, o jovem Capistrano de Abreu teria que viver seus próprios rendimentos; ‘’foi professor no colégio Aquino, publicou vários artigos em jornais, passou em concurso para o preenchimento de uma vaga na Biblioteca Na- cional, emprego público, estável e seguro, âncora de que ele precisa para fixar-se na corte’’. (REIS, 2007 p. 87) Ele também exerceu o cargo de professor de história do colégio Pedro II até o ano de 1899. “Sua biografia interessa muito, quando se co- nhece o lugar inovador que ele teve na historiografia brasileira’’”. (REIS, 2007 p. 87) Aquele jovem cearense que se fixou na corte na ultima década do século XIX escreveu um dos livros mais importantes da historiografia brasileira daquele perío- do, Capítulos de História Colonial (1907), ‘’é uma nova história do Brasil, embora muito parecida com Capistrano fisicamente: modesta, magra, quase silenciosa. Po- rém, ao mesmo tempo, extremamente eloquente. É uma síntese que reúne muitos fatos esparsos, encadeados em uma perspectiva inovadora’’(REIS, 2007 p. 96). 32 Historiagrafia Brasileira INTA Mas Reis faz uma comparação entre Capistrano e Varnhagen: Capistrano se aproxima de Varnhagen na descrição do primeiro Brasil, e Varnhagen é até mais informativo, minucio- so. Capistrano diferencia – se de Varnhagen na perspectiva que terá de tais dados. Para Capistrano, alienígenas, exóticos são os europeus e africanos, e não o indígena e a terra do Brasil, que veem chegar novos elementos. Ele olha da praia para o oceano cheio de caravelas, enquanto que Varnhagen olhava da carave- la de Cabral para a praia, e via uma terra exótica e povoada por alienígenas’’. (REIS, 2007 p. 98). Sem dúvida Varnhagen e Capistrano foram de fundamental importância para nossa História, com suas diferenças, Capistrano mostra um povo e sua formação étnica, já diferente de Varnhagen que defendia o Estado Imperial. Mas o que é mais interessante na História é a problemática, cada historiador defendendo sua ideolo- gia e buscando novos pontos de vista, entre a História de Varnhagen defendendo o olhar do colonizador e Capistrano um novo olhar da história social. Com estas problemáticas que foi construída a nossa historiografia brasileira. 33INTA Historiagrafia Brasileira 34 Historiagrafia Brasileira INTA Fonte: brasilindependente.weebly.com www.temporadalivre.com 35INTA Historiagrafia Brasileira A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL EM PERSPECTIVA HISTORIOGRÁFICA Conhecimento Compreender e contextualizar as especificidades do processo de eman- cipação política do Brasil, partindo de pressupostos básicos. Habilidade Identificar e destacar seus efeitos paradoxais: indubitavelmente, sob certos aspectos e a consolidação do novo centro político. Atitudes Posicionar-se criticamente sobre a problemática da autora do artigo. 3 36 Historiagrafia Brasileira INTA 37INTA Historiagrafia Brasileira A Independência do Brasilem perspectiva historiográfica Sonia Regina de Mendonça* O artigo “A independência do Brasil em perspectivas historiográfica” foi escri- to pela Sonia de Mendonça que traz a problemática sobre emancipação do Brasil através de interesses do Sudeste sobre as demais províncias, segundo a mesma, a emancipação do Brasil foi conquistada a partir do poder militar, político e cultural. Para embasar sua tese traz citações de alguns autores como Jurandir Malerba, Wil- ma Peres Costa e outros. Mendonça dividiu seu artigo em a emancipação como processo, o império como conquista, escravidão e cidadania no império do Brasil. O texto contextualiza as especificidades do processo de emancipação política do Brasil, partindo de três pressupostos básicos: que ela consistiu de um processo razoavelmente longo sobre determinado pela imposição da hegemonia dos grupos de interesse do Sudeste sobre as demais regiões; que a construção da sintonia entre Território e Estado Nacional somente adquiriu contornos a partir de uma “expansão para dentro” e que sua consolidação foi fruto de uma conquista militar, política e cultural tendo por alicerce a escravidão. Em tempos de celebração dos dois séculos da independência dos países lati- no-americanos, velhas questões ressurgem como pauta quase obrigatória das dis- cussões encetadas. A construção do Estado, a questão nacional, identidade, povo e revolução, reintroduzem-se no círculo dos debates, até mesmo para que possamos, histórica e historiograficamente, refletir sobre seus desdobramentos no presente e –por que não?– inferir projeções futuras, aí incluindo-se o próprio devir da prática historiadoras. No caso específico da emancipação política do Brasil cujo bicentená- rio “formal” somente se completa em 2022– é de todo importante retomar alguns questionamentos acerca de sua especificidade, mormente no concerto das expe- riências latino-americanas como um todo. Outras tantas problemáticas, não tão explicitas, subjazem à analise deste tema, dentre elas a questão da democracia e da participação política popular, bem como a da efetividade das formas representativas estatais em nosso continente. Questões de todo presentes no processo histórico vivido antanho, questões ainda mal resol- 38 Historiagrafia Brasileira INTA vidas na contemporaneidade. Por certo não se está aqui advogando a busca de origens históricas daquilo que muitos chamam de “o caráter nacional brasileiro” (Leite 2003), a não ser que compartilhasse da defesa de procedimentos teleo- lógicos, o que não é o caso. Mas, de fato, muitas das tramas de interesses que informaram o processo de independência do Brasil tiveram resultados passiveis de encontrar ecos em nossa atualidade político-social, bem como – e principal- mente - no imaginário dos “cidadãos” brasileiros e do mundo, particularmente sob a influencia das inúmeras vertentes interpretativas que marcaram a historio- grafia brasileira até hoje. A este respeito vale a pena verificar os “picos” de concentração das publi- cações sobre a independência na historiografia brasileira, marcadas por distinto teor político, teórico e metodológico, ao sabor de seus “emissores” e respectivos “públicos” a serem atingidos. Para tanto, nos valemos do quadro elaborado por Malerba (2006, p. 21) contendo toda a produção historiográfica publicada no país até 2002. Período Bibliografia Geral Na Revista do IHGB1 Total Século XIX-1908 58 42 100 1908-1930 83 43 126 1930-1964 51 13 64 1964-1980 201 99 300 1980- 2002 60 6 66 Total Geral 453 203 656 A despeito de englobar materiais bastante heterogêneos, como o sinaliza o próprio autor, os dados revelam que a bibliografia do século XIX mantém-se enquanto tendência historiográfica até 1908, quando da publicação de D. João VI no Brasil, de Oliveira Lima. Ao mesmo tempo é clara a concentração dessa produção em dois momentos-chave do século XX: o período imediatamente an- terior e posterior às celebrações do centenário (1922) e sesquicentenário (1972), bem como a segunda metade da década de 1990 quando, segundo o autor, o tema voltaria a ocupar lugar de relevo nas pesquisas históricas, mormente no to- cante à chamada “questão nacional” (Malerba 2006, p. 22-23) A renovação histo- riográfica desta ultima fase foi também marcada, como certeiramente o aponta Costa, pelo declínio do monopólio dos Institutos Históricos como espaços de produção de interpretações da “história pátria” (Costa 2005, p. 74), abrindo no- vas frentes de reflexão e abordagem da problemática. Não é minha intenção - e nem o poderia, por dever de oficio - dar respos- tas a essas questões, mas apenas retrabalhá-las visando elucidar alguns dos ex- Antanho: No ano passado. Outrora, nos tempos idos: as querelas de antanho desapareceram. 39INTA Historiagrafia Brasileira tremos a partir dos quais costuma ser analisada: ora seus aspectos mais sim- plistas, tornados senso comum nas mentes de leigos; ora os mais complexos e controverso-erigidos como autenticas querelas historiográficas intramuros da academia. Começando pelos primeiros, nunca é demais pontuar alguns “mitos” construídos sobre a independência do Brasil que são, até hoje, apropriados pelos discursos oficiais, não raro inundando manuais didáticos utilizados por estudantes do Ensino Fundamental e Médio (ALBUQUERQUE, 1986). Um de- les reside na associação imediata que se estabelece entre o episódio do “grito do Ipiranga” proferido por Pedro I em 7 de setembro de 1822 e a emanci- pação nacional, como se tal fora possível. Outro talvez mais pernicioso em seus efeitos, relaciona-se ao ocultamento da violência presente na história do Brasil em geral, e naquela sobre a independência em particular, marcado pela secundarização atribuída às guerras da independência ocorridas entre 1822- 1824 em inúmeras províncias. No entanto, tal postura deriva da total ausência de uma visão de con- junto da história daquele contexto, que deixa de lado as circunstâncias espe- cíficas e/ou regionais da emancipação política brasileira, cuja solução - manu militari- longe esteve de pacífica ou amigável, haja vista a complexa conjun- tura nacional e internacional que cercou o próprio reconhecimento do pro- cesso. Duas outras “mitologias” merecem figurar nessas considerações preli- minares. Uma, tem sua origem nas tentativas de revisão historiográfica inseri- da no contexto da comemoração do Centenário de 1922, que redundaram na consagração de uma leitura idealizada de um Império, liberal e ordeiro, fruto de um pressuposto bastante equivocado: o da permanência no poder dos mesmos grupos dominantes por eles herdados, implicando, uma vez mais, em minimizar a dimensão violenta do processo de consolidação da Indepen- dência, face à multiplicidade de interesses junto a ela imbricados. Justamente por isso causam estranheza indagações como a de McFarlane (2006, p. 407) ao perguntar-se “por que o Brasil passou relativamente com tanta suavidade de colônia a Estado independente?”, inferindo da mera continuidade da So- berania real - já que desde seu retorno a Portugal, D. João VI aqui deixara seu filho como monarca legítimo - um pacifismo que jamais existiu. A segunda afirma a existência generalizada de soluções “republicanas” no decorrer da emancipação, as quais pouco tinha em comum, por exem- plo, com o paradigma que referenciaria o regime republicano instaurado em Manu militari: Por ação militar; com o auxílio das forças armadas ou militares Read more: http://www.aulete. com.br/manu%20 militari#ixzz 3fnAfMYhp 40 Historiagrafia Brasileira INTA 1889 o qual, por sua vez, derivara da decadência do Império do Brasil e não dos momentos decisivos de sua construção, deixando entrever a confusão estabele- cida entre descentralização política e república. Isso posto, um pequeno elenco de grandes questões pode servir como ponto de partida para um approach historiográfico que, espero, possa contribuir para iluminar as peculiaridades do processo de independênciado Brasil, dentre as quais destaco: • A emancipação foi um processo razoavelmente lon- go, iniciado em 1808, porém complementado, de fato, em 1831, com a abdicação do Imperador D.Pedro I e seu retorno a Portugal neste sentido, 1822 não passaria de uma data “canônica”, crista- lizada e perpetuada por uma certa historiografia; • Os artífices do processo de independência, longe da simplória oposição que costuma antagonizar “brasileiros” e “por- tugueses”, constituíram um grupo dotado de uma trama com- plexa de interesses econômicos e políticos comuns, para além da questão das “nacionalidades”, artífices esses que foram, simulta- neamente, “construtores” e “herdeiros” (Mattos, 2005 p. 8), evi- denciando as contradições que marcaram a afirmação nacional; • A construção da sintonia entre Território e Estado Nacional somente adquiriu contornos claros enquanto projeto em ação – ou “expansão para dentro” também nos termos de (Mattos 1987, p. 86-87) - após o período regencial (1831-40), em plena década de 1850, sendo prematuro e equivocado a eles referir-se no imediato pós-emancipação; • A construção do Império do Brasil foi uma conquis- ta, sendo esta, talvez, a maior singularidade do caso brasileiro, posto ter-se verificado em meio a uma sociedade profundamen- te matizada e portadora de projetos políticos distintos. Como o afirma Oliveira (2005, p. 51) “a hegemonia alcançada pelo projeto conservador de Estado, em meados do século XIX, foi construí- da por meio de guerras e conflitos [...] que envolveram desde a luta armada e manifestações de rebeldia de escravos, libertos e homens livres pobres, até a luta por espaços de representação parlamentar”; • O papel da escravidão como fundamentos da cida- dania e da nação brasileira. Approach: Modo de encarar determinado assunto ou problema; ENFOQUE Maneira particular de lidar com algo.; ATITUDE Read more: http://www.aulete. com.br/approach# ixzz3fnGOXomO 41INTA Historiagrafia Brasileira A emancipação como processo A rigor, a emancipação política do Brasil tem como marco o ano de 1810 quando, após a instalar a Corte portuguesa no Rio de Janeiro, D. João VI proclama a chamada “Abertura dos Portos às Nações Amigas”, necessidade imperiosa já que Lisboa deixara, face aos conflitos napoleônicos, de ser o en- treposto entre Brasil-Europa. Tal fato não é carente de importância, na medida em que atingiu o ponto nevrálgico de todo o sistema colonial com relação à terra brasilis: o exclusivo colonial, de pronto destruído. O monarca também descobriu de pronto, a existência no Rio de Janeiro, de um grupo organizado na defesa de seus interesses e que soube muito bem tirar partido da necessi- dade de recursos por parte da Coroa. Eram eles os Negociantes, definidos como proprietários de capital que, além da esfera da cir- culação, atuavam no abastecimento e no finan- ciamento e investem no tráfico de escravos, o que permite que controlem setores chave da economia, inclusive na produção escravista, face ao papel que desempenham no crédito e no fornecimento de mão de obra. Uma de suas características é a mul- tiplicidade de suas atividades, o que permite que detenham uma posição privilegiada na sociedade brasileira e seja capaz de influir decisivamente tan- to nos rumos da economia e na política do país (PIÑEIRO, 2003, p. 72-73) Este seleto grupo de agentes sociais havia se fortalecido bem antes da chagada da Corte, em função de um processo denominado de “interioriza- ção da Metrópole”, expressão cunhada por Maria Odila de Souza Dias (DIAS, 1972), cuja grande e inovadora contribuição, abrindo caminhos para inúme- ras pesquisas dela derivadas (Lenharo, 1992; Martinho, 1977; Gorestein, 1978) consistiu em analisar a construção de toda a trama de interesses comuns entre “elites” portuguesas e luso-brasileiras, desde o século XVIII, consolidada pela implementação de um “movimento interno de colonização” promovido pela chegada da Corte que, igualmente, incentivara a estrutura do comércio atlântico, notadamente através do tráfico negreiro procedente de Angola. Brasilis: brasileirismo 42 Historiagrafia Brasileira INTA Neste processo, a cidade do Rio de Janeiro adquiriria centralidade impar, voltando-se para ela tanto os olhares das demais províncias do Reino, quanto o de algumas regiões da América hispânica. Ao mesmo tempo, tornado o novo centro político e administrativo da Monarquia, criava-se uma dualidade gera- dora de uma ambiguidade, que somente seria sanada com a criação, em 1815, do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, formalização da antiga ideia de um Império Luso-brasileiro (NEVES, 1995). A medida cristalizaria a trama dos interesses já enraizados no Brasil, não apenas os de negociantes, como tam- bém os de proprietários de terras e escravos, provocando um outro desdobra- mento: a crescente diferenciação da área da Corte com relação ao conjunto das demais regiões brasileiras. O Rio de Janeiro passou a figurar como sinô- nimo da “cabeça da Monarquia”, alimentando o projeto de um novo império (MATTOS, 1987). Todavia, ao mesmo tempo, tudo conspirava para a negação de um dos princípios definidores do conjunto representado pela monarquia: o Império Português, irreversivelmente comprometido. Grandes proprietários de terras e escravos e grandes negociantes do Su- deste em geral além de artífices da emancipação disputariam a imposição de projetos distintos, já sob a pressão das Cortes de Lisboa que, convocadas em 1820 como desesperadas manobra para evitar a perda da mais importante parte do Império Ultramarino, tentariam regenerar o velho Reino, por meio de medidas centralizadoras extremadas. Suas reações seriam as mais diversas no reino do Brasil. Por certo, a trama dos interesses cristalizados no Rio de Janeiro as repudiaria veementemente, insubmissas a qualquer tentativa de reedição do exclusivo colonial, por eles já redefinido. Já as províncias do “Norte”, por seu turno, ameaçadas pela nova “cabeça do Reino”, adeririam ao sistema das Cortes, em nome do principio da autonomia e de uma almejada redefinição de suas relações com a Corte do Rio de Janeiro. A necessidade do retorno de D. João a Portugal, em 1822, fez com que deixasse seu filho, o príncipe D. Pedro no Rio de Janeiro, deixando antever toda a potencialidade de ruptura vindoura. Nesse sentido, o Dia do Fico simbolizou, segundo alguns autores (Matos 2005, p. 16) não apenas o momento da funda- ção do Império do Brasil, mas também uma alteração na própria significação de “brasileiros”. Se, até então, o termo designara os portugueses que, vivendo em terras americanas, ali enriqueceram e muitas vezes retornavam à terra de seus pais, agora, seria objeto de uma disputa de significações, incluindo desde Dia do Fico: O episódio conhecido na história do Brasil como “dia do Fico” -9 de janeiro de 1822- consistiu na afirmação do príncipe regente em permanecer no país após ter sido conclamado a regressar a Portugal pelas Cortes de Lisboa, consagrando a não ruptura com Portugal. 43INTA Historiagrafia Brasileira a adjetivação do partido constituído pelos interesses dos grupos prósperos do Rio de Janeiro -cujos privilégios as Cortes ameaçavam frontalmente- até aquela defendida por José Bonifácio para quem “brasileiro” seria “todo ho- mem que segue a nossa causa, todo o que jurou a nossa independência” (apud Nogueira, 1973, p.86). Em síntese, os acontecimentos compreendidos entre 1821 e 1822 tornaram uma parte da Monarquia lusitana em corpo político independente: o Império do Brasil, numa fratura irremediável. A convocação pelo príncipe regente de uma Assembleia Geral Cons- tituinte em junho de 1822, integrada por deputados de todas as províncias do Brasil faria aflorar distintos projetos de soberania, muitas vezes confun- dindo-se, perigosamente, as concepções de liberdade e igualdade, como conclamaria o redator de um dos jornais em circulação na cidade: “bem dirigir a opinião pública a fimde atachar os desacertos populares e as efer- vescências frenéticas, de alguns compatriotas mais zelosos que discretos” (apud Morel e Barros 2003, p. 28). O temor da anarquia instaurava-se face à ameaça de fracionamento do território, derivada das tensões que presidiam a relação entre as províncias e o Rio, como o funcionamento da própria Constituinte o demonstraria. Para reforçar a autoridade príncipe e ratificar o Rio de Janeiro como “cabeça” do corpo unido, algumas medidas administrativas foram tomadas, sobretudo a que obrigava a não ser executada nenhuma decisão das Cortes de Lisboa sem o “Cumpra-se” de D. Pedro. Além dessa, merecem destaque a criação de um escudo de armas e de uma Guarda de Honra formada por três esquadrões: os do Rio, São Paulo e Minas, não por acaso base dos in- teresses “enraizados” e francamente emancipacionistas, além da elevação ao status de cidade para todas as vilas capitais de província e da concessão de títulos honoríficos às povoações que se posicionaram contrariamente às Cortes Portuguesas. O estopim da tensão interprovincial estava prestes a ser aceso. Por certo o teor dessas medidas consistia em fazer coincidir o novo corpo político com o vasto território, sendo importante destacar a convo- cação militar para promover a expulsão das tropas portuguesas ainda pre- sentes em certos pontos do litoral das províncias rebeladas e favoráveis à Lisboa. Esse seria um dos aspectos das Guerras de Independência, mas não o único: ele igualmente revelava o primeiro ensaio de fazer expandir o Im- pério do Brasil de modo a subordinar as províncias partidárias da proposta Adjetivação Ação ou resultado de adjetivar, de qualificar com adjetivo(s) 2. Ação de transformar uma palavra em adjetivo ou de usá-la como adjetivo Read more: http://www.aulete. com.br/adjetiva%C3% A7%C3%A3o#ixzz3 fnVCQ5QW 44 Historiagrafia Brasileira INTA federativa a um projeto gestado pelos grupos dominantes no Rio de Janeiro. Seria essa a correlação de forças que permitiu o rompimento com as Cortes. Nas palavras de Matos, A independência política criara a liberdade frente à domi- nação metropolitana; mas não fora capaz de gerar uma unida- de, do ponto de vista de uma nação moderna constituída por indivíduos livres e iguais perante a lei (...). Elementos de fun- do racial, social e cultural combinavam-se, de modo original, aos atributos de liberdade e propriedade no estabelecimento de fronteiras entre a boa sociedade, o povo mais ou menos miúdo e a massa de escravos (Matos 2005, p. 21). Ou seja: a liberdade política não se traduzira em unidade, além de ser também incompatível com o principio da igualdade, subsumido a um sentimento aristocrá- tico compartilhado por todos aqueles que produziram/reproduziam as hierarquias definidoras da sociedade. Mesmo os atores mais radicais deste processo - cha- mados “democratas”- consideravam a convocação da Assembleia Constituinte uma vitória da iniciativa de trazer o Povo à cena política. Por povo, entretanto, definiam a representação da “boa sociedade”, isto, é, dos que eram livres e proprietários de ter- ras e escravos, que se viam como brancos e longe estavam da plebe (Mattos 1987, p. 97), deixando claro o viés altamente hierarquizante e excludente de seu projeto e das forças nele empenhadas. A ausência de unidade logo perpassaria as próprias bases de sustentação do primeiro Imperador, explicitada nas discussões da Assembleia Constituinte. Refiro- -me, basicamente, ao grupo dos negociantes - fiadores econômicos da Corte - pou- co representados neste foro. Desde seu inicio, a disputa entre projetos diversos de poder deu o tom aos trabalhos. Quando, afinal, o projeto de Constituição foi lido, a surpresa marcou a reação dos donos de capital, sobretudo pelo fato de propor, como base organizativa do Império, as Comarcas e não as Províncias, o que signi- ficava depositar o poder político diretamente em mãos dos grandes proprietários de terras e escravos regionais. Desagrava-lhes também o sistema eleitoral previsto, não pelo fato de ser censitário, mas por definir como eleitores e elegíveis apenas os donos de “bens de raiz” (PIÑEIRO 2003, p. 78-79). A discussão do projeto fraturou a Assembleia em campos antagônicos, esva- ziando o poder do Imperador e consagrando os proprietários de terras, sobretudo do Sudeste. Nesse mesmo momento as Cortes de Lisboa enviavam negociadores 45INTA Historiagrafia Brasileira em prol da reunificação, deflagrando profunda crise, resolvida, uma vez mais, pela força das armas. A Constituinte seria dissolvida e um Conselho de Estado, nomeado por Pedro I, foi incumbido de redigir o novo texto constitucional, aprovado em 1824. Paralelamente, as negociações pelo reconhecimento da independência por parte de Portugal, mediadas pela Inglaterra, resultariam em desvantagem para algu- mas das forças que compunham o trama de interesses do Centro-Sul. Em primeiro lugar porque o Império teria que pagar polpuda indenização a Portugal que, so- mente em 1825, reconheceria a emancipação, mediante promessa de que o governo brasileiro jamais incorporaria qualquer colônia lusitana e, em segundo, porque a Inglaterra - que desde 1810 pressionava pelo fim do tráfico de escravos - voltaria à carga com renovada intensidade. Em novembro de 1826 foi assinada convenção sobre o tráfico, estabelecendo o prazo de três anos para seu término, além de novo tratado comercial concedendo tarifas preferenciais para aos produtos ingleses en- trados no país (Neves e Machado 1999). A extinção efetiva do tráfico, no entanto, somente se concretizaria em 1850, quando os grandes proprietários brasileiros além de sobejamente abastecidos de escravos, se encontrariam endividados junto aos negociantes. Quando a nova Carta Outorgada foi promulgada, em 1824, preservando a es- trutura unitária e estabelecendo que os presidentes das Províncias fossem nomea- dos diretamente pelo Imperador, este enfrentaria uma dupla oposição: de um lado, aquela movida pela Câmara dos Deputados, dominada por proprietários de terra e de escravos de todo o Reino e, de outro, o afastamento progressivo do grupo dos negociantes descontentes com as concessões feitas a Portugal e a ameaça ao fim do tráfico, uma das fontes primordiais de suas fortunas. Imediatamente, reações eclo- diriam por todo o “Império”, entre 1824 (com a Confederação do Equador) e 1848 (com a Revolta Praieira), ambas as mobilizações nordestinas contra a centralização monárquica e o Rio de Janeiro. Neste interregno, a abdicação de Pedro I seria inevi- tável, dando inicio ao Período das Regências. O Império como conquista A emancipação política do Brasil foi conduzida pela correlação de forças pre- sidida pelos negociantes do Rio de Janeiro e grandes proprietários de terras e es- cravos do Sudeste ainda que, em seu transcurso, ambos os segmentos tenham se confrontado. Já o Nordeste, cujo centro regional mais destacado era Pernambuco, dominado pelos grandes proprietários ligados ao complexo açucareiro, se insubor- 46 Historiagrafia Brasileira INTA dinaria em inúmeros momentos do processo que acabamos de discutir. Desde 1817, a província pegaria em armas em nome de “princípios liberais”, contra a hegemonia da nova “cabeça” do ainda Reino. Vale lembrar que a produção oriunda de Pernambuco e do Nordeste ainda detinham posição chave na pau- ta das exportações brasileiras de açúcar e algodão (Mota, 1972). No entanto, em 1824, nova mobilização eclodiria na Província, a Confe- deração do Equador, em defesa da autonomia provincial e contrária à tendên- cia unitarista inscrita na Carta de 1824, desta vez somando-se aos protestos da Bahia. Tanto num caso, como no outro, a resposta da Corte foi a guerra, o envio de esquadra imperial para conter os movimentos. Os grupos dominan- tes locais, contrários à Constituição e defensores do federalismo resistiram, alastrando a mobilização para as províncias vizinhas da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, todas elas áreasdependentes do centro de dominação regional pernambucano (Albuquerque 1986, p. 348). Contrariando as representações mitológicas acerca da emancipação po- lítica “pacifica e harmoniosa”, a reação da Corte do Rio seria ainda mais radi- cal: suspendendo as garantias constitucionais nas províncias rebeldes, enviaria tropas do Exército, coadjuvadas por esquadra comandada por ingleses. Não poucos foram dizimados pela repressão, tanto em Pernambuco quanto nas demais províncias, chegando-se mesmo a impor a pena capital às principais lideranças do movimento. Vale lembrar que estes não foram os primeiros episódios violentos deri- vados do processo de emancipação política como um todo. Quando das ten- tativas recolonizadoras das Cortes de Lisboa, iniciadas em 1820, muitas re- giões nordestinas sublevaram-se contra a preponderância de D. Pedro, sendo focos desta resistência às províncias da Bahia, Piauí, Maranhão e Grão-Pará, igualmente dizimados pela repressão militar do Rio de Janeiro. Neste contexto especifico, outros fatores devem ser levados em conta, sobretudo a subordina- ção dos proprietários de terras e escravos regionais aos grandes negociantes portugueses que, uma vez expulsos, os privaria de recursos (FREITAS, 1976). O caráter abertamente belicoso da consolidação da independência não deve ser relegado a segundo plano, mas sim articulado a uma estrutura mais complexa que incluía até mesmo as difíceis condições do reconhecimento in- ternacional da soberania do Brasil, os conflitos oriundos da hegemonia do Sudeste e a luta contra a manutenção de certos interesses lusitanos. Dessa perspectiva ressaltaria a necessidade de imposição da hegemonia do Sudeste BELICOSO: Inclinado à guerra, que a faz por gênio e hábito (povo belicoso). 2. Que estimula a vontade de guerrear ou brigar; que excita à guerra. Read more: http://www.aulete. com.br/belicoso#ixzz 3fnkALFXv 47INTA Historiagrafia Brasileira sobre as demais regiões, bem como a da reprodução do funcionamento de um Estado autoritário ou de um projeto autoritário de Império. Até 1850, quando a hegemonia política e ideológica do Sudeste encontraria na pro- dução cafeeira as condições econômicas para reproduzir-se e fortalecer-se, as contradições inerentes ao processo de emancipação de um Império in- tegrado por um vasto território, manifestaram-se de modo significativo. Os movimentos provinciais contestatórios se arrastaram por todo o período Regencial (1831-40), muito embora nenhumas das forças dissidentes inscre- vesse em seus programas, por exemplo, o fim da escravidão ou da própria monarquia. A adoção de princípios federalistas por parte de movimentos como a Sabinada (Bahia, 1837-38) ou a Farroupilha (Rio Grande do Sul, 1835-45) foi a tradução liberal do descontentamento dos grupos dominantes locais ao centralismo imperial em construção. Já no movimento da Cabanada (Per- nambuco, Alagoas e Pará – 1832-35) outros elementos somaram-se à rejei- ção unitarismo, com a participação de setores populares, mormente cam- poneses pobres e livres. O fundamental para os grupos de interesse hegemônicos do Sudeste era demonstrar que o rompimento com o poder Metropolitano não devia ser confundido com o aniquilamento ou enfraquecimento de todo poder centralizado, herdado do período colonial e reforçado ao longo da perma- nência da Corte no Rio de Janeiro, o que implicava na construção das “ins- tituições públicas”. Por isso era preciso deter o “carro da revolução” (Mattos 1987, p. 154), palavra de ordem da política imperial, particularmente entre os anos 1840-1850. Isso significa que o estabelecimento da associação entre Império do Brasil e Nação Brasileira vinculava a noção de império a uma concepção nacional. E a trajetória dessa nova associação seria longa e tortuosa, es- tendendo-se, como apontamos, bem além do momento da emancipação política, uma vez que implicou na própria construção do Estado imperial, por ser esta era a condição de existência da Nação. Daí a elaboração de instrumentos que promoveriam essa “conquista” ou “expansão pra dentro”, na feliz expressão de Mattos acima citada. Dentre eles se destacou o próprio constitucionalismo, que permitia que fossem solapadas as bases tradicio- nais do poder soberano à la Antigo Regime e a política externa que, sob a regência da Inglaterra, afastaria o novo império da África, inviabilizando a la Antigo Regime: Dentre elas destacam- se a lei de outubro de 1828 que dava nova forma às Câmaras Municipais e suas atribuições, bem como o processo de sua eleição e dos Juízes de Paz; e a organização do Poder. 48 Historiagrafia Brasileira INTA independência de Angola e sua incorporação ao Império do Brasil. Como afirma Oliveira (2005, p. 50) a associação entre Império e Nação, em permanente construção, não implicou apenas numa alternância de sentido, ou seja, a mudança da concepção dinástica de Império para a concepção nacional. Ela im- plicou também no fortalecimento de uma direção política: impossibilitado de um domínio ilimitado em termos espaciais, o Estado perpetrou uma “expansão para dentro”, destinada a configurar a nação e a cidadania, com todas as hierarquias e distinções que marcaram a existência de várias “nações” dentro da nação brasileira, implicando numa obra de conquista. E não conquista de territórios – muito embora o centro hegemônico se tivesse empenhado em preservar sua indivisibilidade, como vimos acima – mas conquista no sentido de reconhecer e fazer reconhecer que o Império do Brasil foi gerado no seio de uma sociedade matizada que incluía distin- tos projetos políticos. A hegemonia consolidada pelo projeto conservador de Estado defendido pelo grupo do Sudeste em meados do século XIX constituiu-se através de guerras e con- flitos múltiplos, que abarcaram a luta armada, manifestações de rebeldia escrava, de homens livres e pobres, sem falar naquela pela conquista de espaços de represen- tação política. Tudo isso em nome de um projeto de Império/Nação a ser por todos reconhecido e, na medida do possível, mais que reconhecido, compartilhado. Essa obra de conquista não pararia por aí, implicando em instrumentos bem mais sutis, capazes de ratificar a associação entre Império e Nação brasileiros. Ela incluiria a fratura das identidades gestadas pela colonização, por intermédio da vul- garização de valores, signos e símbolos imperiais, da elaboração de uma língua e de uma literatura e histórias nacionais. Nisso se empenharam os construtores do Esta- do Imperial, assumindo seu papel de dirigentes, na acepção gramsciana do termo, difundindo um projeto “civilizatório” que ultrapassaria a coerção física. Eles seriam os produtores de um consenso em torno da própria nova noção de Império. Os dirigentes imperiais perpetraram uma “expansão para dentro” em duplo registro: horizontalmente, confundindo-se com a própria constituição da classe do- minante senhorial, progressivamente incorporando o seu projeto plantadores, ne- gociantes, donos do crédito de quase todas as regiões do Império; verticalmente, confundindo-se com a própria consolidação da materialidade do Estado, atraindo para sua órbita médicos, advogados, tabeliães, jornalistas e o sempre crescente con- tingente de funcionários públicos. Tratou-se de uma expansão que, partindo do Rio de Janeiro reproduziu a hierarquia presente no interior de cada região e entre 49INTA Historiagrafia Brasileira regiões (Mattos 1987, p. 167) A construção do Estado pressupôs iniciativas integra- doras das mais diversas, desde a construção de estradas, pontes – que ademais de signos de progresso estreitariam alianças entre as frações da classe dominante – até uma obra de “esquadrinhamento” do vasto território e dos homens que ele conti- nha. Mapas, cartas topográficas, plantas das distintas circunscrições administrativas seriam encomendadas, de modo a promover o conhecimento mais refinado das po- tencialidades territoriais. Tudo isso sem negar a conflitividade social latente.Afinal, tratava-se, mais que tudo, de uma sociedade de base escravista. Escravidão e Cidadania no Império do Brasil Propositalmente, deixamos para o final considerações acerca do efetivo nexo integrador do Brasil: a escravidão. Seria ele o fio condutor principal da unidade, na medida em que toda a estrutura produtiva agroexportadora nela baseou-se até sua total extinção em 1888. Malgrado os distintos projetos políticos em disputa no de- correr do processo de emancipação política, raros foram aqueles contrários à assim chamada “instituição servil” ou mesmo ao fim do tráfico negreiro, responsável por sua reprodução. Isso significa afirmar que, para além dos mecanismos de ordem po- lítica, ideológica e cultural, eram os escravos - definidos como “bens semoventes”, mercadorias, enfim - o principal sustentáculo da economia nacional, a despeito de hierarquizações e dependências porventura estabelecidas entre os proprietários de terra e grandes negociantes fornecedores dessa mão de obra essencial. A despeito de sua importância fulcral, tampouco seria a escravidão um obs- táculo à construção nacional. Afinal, a figura do escravo desdobraria, até as ultimas consequências, a concepção de propriedade individual e de mercado, bem como as relações de dominação e desigualdade vigentes entre os cidadãos e os totalmente excluídos da sociedade (OLIVEIRA, 2003). Logo, de modo apenas aparentemente paradoxal, cidadania e nação estiveram inextrincavelmente vinculados à escravidão, ela mesma definidora do caráter da própria sociedade. Que isso possa ter gerado reconfigurações na própria noção de cidadania du- rante a primeira metade do século XIX, parece-nos óbvio, mormente considerando que o grupo hegemônico sediado na “nova cabeça” do Império, delas dependeria para a imposição de seu projeto. Na verdade, a associação verificada entre Império e Nação ocorreu numa sociedade escravista que herdara da experiência colonizadora a convivência obrigatória entre três grupos étnicos. A hierarquização entre o que 50 Historiagrafia Brasileira INTA se convencionou chamar de “boa sociedade” - os livres, brancos e proprietários de escravos, de “plebe”- integrada pelos livres, mas não proprietários de escravos e tampouco autor e apresentados como brancos e os escravos - propriedades de ou- trem e não brancos em absoluto, foi construída a partir dos atributos de liberdade e propriedade (de escravos e terras), o que não deixava de pôr em questão o conceito moderno de nação (ANDERSON, 1989). A despeito disso, a nação brasileira seria forjada com outras “nações” no inte- rior do território unificado, não sendo casual, como o aponta Karasch (2000, p. 35- 40) que no Rio de Janeiro do período se utilizasse a expressão “nação” para identifi- car os escravos negros e ameríndios, discriminando-se, igualmente, “nações de cor” (escravos nascidos no Brasil) e “nações africanas”, cujos membros, casos libertos, não poderiam tornar-se cidadãos brasileiros de acordo com a Constituição, o mes- mo não acontecendo com os escravos aqui nascido. Era claríssima, sob essa ótica, a concepção de Ordem defendida pelos artífices da emancipação e do Império. *Fonte: MENDONÇA, Sonia Regina de. A independência do Brasil em pers- pectiva histórica. Universidade Federal Fluminense – Conselho Nacional de Desen- volvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – Brasil. Ver. Pilquen nº. 12 Viedna ene/ jun, 2010. 51INTA Historiagrafia Brasileira 52 Historiagrafia Brasileira INTA Fonte: wikipedia.org - Oscar Pereira da Silva c2.staticflickr.com 53INTA Historiagrafia Brasileira COLONIZAÇÃO, MISCIGENAÇÃO E QUESTÃO RACIAL Conhecimento Compreender e contextualizar a problemática da mescla cultural na história do Brasil que foi colocada em nossos horizontes de investigação desde o começo da historiografia nacional. Habilidade Reconhecer a importância da necessidade de estudar as problemáticas de alguns autores da época do Brasil colônia. Atitudes Desenvolver o senso crítico entre os historiadores. 4 54 Historiagrafia Brasileira INTA 55INTA Historiagrafia Brasileira Colonização, miscigenação e questão racial: notas sobre equívocos e tabus da historiografia brasileira Ronaldo Vainfas* O artigo “Colonização, miscigenação e questão racial: notas sobre equívo- cos e tabus da historiografia brasileira” foram escritos pelo professor Titular de História Moderna da Universidade Federal Fluminense. Desenvolve-se a partir das notas sobre equívocos e tabus da historiografia brasileira no que tange à coloniza- ção, miscigenação e questão racial para embasar sua tese traz citações de alguns estudiosos brasileiros e estrangeiros tais como Varnahagen, Capistrano de Abreu, Gilberto Freyre, Charles Boxer, Florestan Fernandes e Líllia Schwarcz, dentre outros. A importante necessidade de estudar as problemáticas de alguns autores da época do Brasil colônia e realçar alguns equívocos e tabus da historiografia brasi- leira em relação à colonização, à miscigenação e questões raciais, pois é primordial repensar as contribuições de todos os estudiosos. Brasil, quinhentos anos de história, se adotarmos a periodização de Varnha- gen, ou sabe-se lá quantos séculos, se optarmos pelo seguidor e rival do Visconde de Porto Seguro, mestre Capistrano de Abreu, cujo primeiro capítulo do livro Capí- tulos de História Colonial tem por título “Antecedentes indígenas”, embora deles o capítulo pouco trate na verdade. De todo modo, se deixarmos de lado as idealiza- ções indigenistas ou indianistas, seja à moda romântica, seja na versão mais atual de uma “história politicamente correta”, é caso de realçar o extraordinário encontro de povos posto em cena pelo descobrimento e pela colonização efetuada pelos portu- gueses na “sua América” – a que lhes reservou o Tratado de Tordesilhas. Encontro de certo conflitivo, muitas vezes trágico, haja vista o extermínio de milhares de índios e o cativeiro destes e dos africanos, como se sabe, desde o primeiro século. Mas encontro que pôs em contato culturas radicalmente distinta de três continentes, refazendo valores, recriando códigos de comportamento e sistemas de crenças, sem falar na “miscigenação étnica”, outrora chamada de “miscigenação racial”. Miscigenação étnica e mescla cultural são problemáticas afins, embora não 56 Historiagrafia Brasileira INTA idênticas, que atualmente estão na ordem do dia na historiografia ocidental pro- duzida sobre a colonização ibérica nas Américas. No entanto, é questão que, entre nós, vem de longe, modificando-se ao longo do tempo os termos, a valoração e o sentido das interpretações. A problemática da mescla cultural na história do Brasil foi colocada em nossos horizontes de investigação desde o começo da historiografia nacional. Apareceu pela primeira vez, sob o rótulo da “miscigenação racial”, como proposta vencedora do concurso promovido na década de 1840 pelo recém-fundado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Formulou-a o alemão Karl Von Martius, naturalista, botâni- co, viajante que deixou preciosos registros sobre a natureza e as gentes do Brasil no século XIX. Em como se deve escrever a história do Brasil, Martius afirmou que a chave para se compreender a história brasileira residia no estudo do cruzamento das três raças formadoras de nossa nacionalidade – a branca, a indígena, a negra –, esboçando a questão da mescla cultural sem contudo desenvolvê-la. Martius, como naturalista ilustrado, pensava o “hibridismo racial” do mesmo modo como pensava o cruzamento de plantas ou animais, porém sua relativa sensibilidade etnológica fê-lo ao menos rascunhar o que já se chamou de “sincretismo” cultural e atualmente se formula como circularidades ou hibridismos culturais. É verdade que o naturalista alemão priorizou a contribuição portuguesa na formação da nacionalidade brasileira e praticamente silenciou sobre o papel da “raça” negra, para usar o seu vocabulário, reservando ao índio – um tanto idealizado, vale dizer –papel secundário. Mas não resta dúvida de que, já com Von Martius, a questão da miscigenação étnica e cultural estava posta. Seria mesmo caso de res- saltar a paradoxal abertura intelectual do IHGB ao premiar proposta que, malgré o conservadorismo do autor, apontava para questão desafiadora, admitindo, ao me- nos em tese, o papel do negro na formação do povo brasileiro – e isto num tempo em que os africanos e seus descendentes eram escravos, sem direito à cidadania no nascente império brasileiro. Tão inovadora era a proposta de Von Martius que ninguém na verdade a se- guiu ao longo do século XIX e nas décadas após a Abolição e a proclamação da República. No século XIX, a grande história do Brasil foi a de Francisco Adolpho de Varnhagen, a quem já mencionei, paulista de Sorocaba, descendente de alemães, homem de confiança do imperador Pedro II e autor da portentosa História geral do Brasil, em cinco volumes, publicada entre 1854 e 1857 sob o patrocínio imperial. Varnhagen não seguiu em nada os conselhos de seu quase conterrâneo Von 57INTA Historiagrafia Brasileira Martius e produziu obra factual, no estilo do historismo ou historicismo, co- meçando pelo Descobrimento de 1500 e terminando em 1808, com a chega- da da família real, fugitiva dos franceses sob a proteção dos ingleses. Cinco volumes que desfiam múltiplos fatos, as expedições de reconhecimento, as capitanias, a instalação do Governo Geral, os diversos governos, as “invasões estrangeiras” – que, para Varnhagen, o Brasil devia ser mesmo português, como rezava o Tratado de 1494. História muitíssimo bem documentada, uti- líssima em vários aspectos, porém lusófila e brigantina, a louvar a Restauração dos Bragança, a mesma dinastia do imperador brasileiro, seu mecenas, sem aspas. História branca, elitista e imperial que, se deu contribuição surpreen- dente ao informar sobre os costumes e crenças dos tupis, chamaram-nos quase sempre de bárbaros e selvagens e praticamente silenciou sobre os ne- gros. Com Varnhagen, a “miscigenação” permaneceu oculta, seja racial, étnica ou cultural. Capistrano de Abreu foi nosso grande historiador da virada do século, pois de fato inovou em diversos aspectos a interpretação da história colo- nial do Brasil. Em seus Capítulos de história colonial, publicado em 1907, fez questão de abrir nossa história com os “Antecedentes indígenas”, no lugar do descobrimento; concebeu o futuro Brasil como área de disputa entre Portugal e outros países europeus, no lugar de sacramentar o Tratado de Tordesilhas; iluminou as diversidades territoriais da América portuguesa, como se vê no magistral capítulo “O sertão”. Com Capistrano de Abreu, deu-se verdadeiro deslocamento do objeto de investigação, que em Varnhagen era a coloniza- ção portuguesa, suas instituições e motivações e nos Capítulos passou a ser a colônia, a sociedade colonial com todos os seus desequilíbrios e contrastes. Talvez neste último ponto, na ênfase que deu às diversidades regionais, resida a inovação principal da interpretação de Capistrano que, longe de fes- tejar, como Varnhagen, o êxito da colonização portuguesa e de sua vocação para manter a unidade do Brasil, acentuou a fragmentação, as incomunicabi- lidades, a ausência de qualquer consciência nacional, mesmo que em esboço, ao final de três séculos de colonização. No entanto, no tocante ao tema da miscigenação, que Von Martius apontara como chave para se compreender o Brasil, Capistrano avançou mui- to pouco. Entre seus raros comentários sobre o assunto, reiterou estereóti- pos sobre negros e mestiços, relacionando o primeiro às “danças lascivas” que alegravam o cotidiano da colônia (a compensar “o português taciturno e Estereótipos: Estereótipo são generalizações que as pessoas fazem sobre comportamentos ou características de outros. Estereótipo significa impressão sólida, e pode ser sobre a aparência, roupas, comportamento, cultura etc. 58 Historiagrafia Brasileira INTA o índio sorumbático”) (Abreu, 1976 p. 18) e vendo os mulatos como indóceis e rixentos: “podiam ser contidos a intervalos por atos de prepotência, mas reassu- miam logo a rebeldia originária”. Ainda que de forma atenuada, Capistrano re- velou-se afinado, neste ponto, com certa “raciologia cientificista” ( SCHWARCZ , 1995), concebida na Europa e assimilada pela intelectualidade brasileira, a qual via na mestiçagem um perigo para a sobrevivência das civilizações. A mesma raciologia que inspirava intelectuais do porte de Nina Rodrigues, Euclides da Cunha, Silvio Romero, Mello Moraes, Oliveira Vianna e outros que, como já se disse certa vez, eram “racistas por ofício”. É verdade que, com Capistrano de Abreu, pode parecer injusto emitir juízo aparentemente tão rigoroso, ele que, em sua rica correspondência, polemizou com João Lúcio de Azevedo, seu amigo e interlocutor, sobre a questão judaica no Antigo Regime português, criticando a intolerância inquisitorial e racista então vigente contra os cristãos novos. Mas no que toca ao Brasil, ao encontro sexual entre portugueses, índios e africanos e à mescla cultural derivada do convívio plurissecular, Capistrano tratou pouco e não deixou de pensá-la como um dos vários fenômenos que, a seu ver, esgarçavam o Brasil, funcionando an- tes como fator desagregador do que como agente de coesão. Seguiu-lhe a trilha Paulo Prado, autor do célebre e polêmico Retrato do Brasil, publicado em 1928, autor que fez da luxúria, da cobiça, da tristeza e do romantismo os grandes males da formação brasileira desde o descobrimento até o século XIX. Mas, à diferença de Capistrano, Paulo Prado foi mais explí- cito em tudo, seja quanto à embriaguez sexual e multirracial deflagrada na colônia, seja quanto às consequências da miscigenação racial dela resultante. No tocante à embriagues sexual, Paulo Prado até que avançou um pouco, ao romper os constrangimentos que cercavam o tratamento do assunto, embora de seu texto extravase um moralismo quase jesuítico, condenatório das su- postas liberdades sexuais do trópico, as quais considerava verdadeiramente patológicas. A culpa de tanta luxúria – porque disso se trata em Paulo Prado – era responsabilidade dos portugueses degenerados que para cá vieram sob degredo, dos índios naturalmente lascivos e dos africanos igualmente libidi- nosos, disso resultando um “retrato do Brasil” tremendamente orgiástico. Da condenação da orgia colonial à execração da miscigenação o passo foi curto. É no Post-scriptum que a posição de Paulo Prado se descortina com mais nitidez em meio a considerações raciológicas típicas do fim do século XIX e das primeiras décadas do século XX. Apesar de dizer que “todas raças Degredo:Pena consistente em afastamento compulsório da terra natal por certo tempo ou por toda vida; desterro, exílio. Orgiástico: que se refere a orgia. Post-scriptum: Expressão latina que significa “escrito depois”. 59INTA Historiagrafia Brasileira parecem essencialmente iguais em capacidade mental e adaptação à civi- lização”, o autor não se escusa de afirmar “a inferioridade social” do negro nas aglomerações civilizadas, ao contrário do que costuma ser nos “centros primitivos da vida africana”. Elogia o conselho de Von Martius quanto à necessidade de se estudar o negro na história do Brasil, mas propõe conhe- cê-lo “nos seus costumes, preconceitos e superstições, defeitos e virtudes, máquina de trabalho e vício para substituir o índio mais fraco e rebelde”. (PRADO, 1996, p. 187-188). O problema racial do Brasil residia, segundo Paulo Prado, porém, nem tanto no negro, mas na miscigenação. De um lado, observa que a “ariani- zação” do brasileiro avançava diariamente e “já com um oitavo de sangue negro, a aparência africana se apaga por completo [...] E assim o negro de- saparece aos poucos, dissolvendo-se até a aparência de ariano puro [...] Não temos ainda perspectiva suficiente para um juízo imparcial. A arianização aparente eliminou diferenças somáticas e psíquicas:
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