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Luciana Carvalho Corrêa O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL Centro Universitário Toledo Araçatuba/SP 2018 Luciana Carvalho Corrêa O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção de grau de Bacharel em Direito à Banca Examinadora do Centro Universitário Toledo, sob orientação do Professor Jefferson Jorge. Centro Universitário Toledo Araçatuba/SP 2018 BANCA EXAMINADORA Jefferson Jorge Thiago de Barros Rocha Luiz Gustavo Boiam Pancotti Araçatuba/SP, 20 de junho de 2018. Este trabalho é dedicado a meus pais, especialmente a meu pai que não pode alcançar minha conquista. AGRADECIMENTOS Dedico meus sinceros agradecimentos àqueles que muito me ajudaram na conclusão desse caminho árduo e difícil. Com certeza essas pessoas tornaram a realização deste trabalho uma tarefa prazerosa, a exemplo dos meus pais, Glória Carvalho Corrêa e Eliseu Corrêa, minha irmã Luciene Carvalho, minha sobrinha Julia Berjan e meu cunhado Donizete Doro. Ainda, os eternos e mais que especiais, Juliana Crespi Bozzo e Carlos Henrique Gênova Morotti, bem como aos excelentíssimos professores Renato Freitas e Jefferson Jorge os quais eu nunca poderei expressar minha eterna gratidão. Outras pessoas poderiam ser aqui citadas, fazendo com que a estrutura desse texto fosse mais completa e emotiva, porém poucas fizeram a real diferença como as que estão citadas. Maiormente, Deus, nosso Senhor em Cristo Jesus. ―Se quiseres conhecer a situação socioeconômica do país, visite os porões de seus presídios‖ Nelson Mandela. RESUMO O exposto trabalho, o qual foi nomeado ―O Sistema Prisional Brasileiro e a ineficácia da Lei de Execução Penal‖, tem por objetivo esclarecer e apontar os principais problemas do sistema carcerário brasileiro e, junto, a ineficácia e despreparo evidentes da Lei de Execução Penal desenvolvida para desobstruir o processo penal em sua última fase, concretizar a sentença ou decisão criminal e, além disso, facilitar a integração do apenado que volta a conviver em sociedade. Para tanto, este trabalho, resumidamente, esclarece aspectos relevantes da história das penas e castigos, a linha de raciocínio traçada pelos pensadores das escolas penais, bem como a história dos sistemas prisionais anteriores. Fundamentalmente, a obra propõe mostrar algumas das inúmeras causas da crise penitenciária no Brasil e, finalmente, os motivos pelos quais a Lei de Execução Penal se faz ineficaz frente ao sistema carcerário. Palavras-chave: Sistema prisional carcerário. Objetivos da LEP. Lei de Execução Penal. Crise no Sistema Carcerário Brasileiro. ABSTRACT This work, which was named " The Brazilian Prison System and the ineffectiveness of the Criminal Enforcement Law", aims to clarify and point out the main problems of the Brazilian prison system and, together, the evident inefficiency and lack of preparation of the Criminal Enforcement Law developed to clear the criminal process in its last phase, to concretize the sentence or criminal decision and, in addition, to facilitate the integration of the remorse that returns to live in society. To this end, this paper briefly clarifies relevant aspects of the history of punishments and punishments, the line of reasoning drawn by criminal school thinkers, as well as the history of previous prison systems. Fundamentally, the book proposes to show some of the innumerable causes of the penitentiary crisis in Brazil and, finally, the reasons why the Law of Criminal Execution becomes ineffective before the prison system. Keywords: Prison system in prisons. Objectives of the LEP. Criminal Execution Law. Crisis in the prison system prison. LISTA DE ABREVIATURAS CF: Constituição Federal CP: Código Penal CPP: Código de Processo Penal LEP: Lei de Execução Penal INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12 I – BREVE HISTÓRIA DAS PENAS...................................................................................13 1.1. Vingança divina ................................................................................................................ 13 1.2. Vingança privada .............................................................................................................. 14 1.3. Vingança pública ............................................................................................................... 15 1.4. Direito penal romano ......................................................................................................... 16 1.5. Direito penal germânico .................................................................................................... 19 1.6. Direito penal canônico ...................................................................................................... 21 1.7. Período Humanitário ......................................................................................................... 26 II – ESCOLAS PENAIS.........................................................................................................39 2.1. Escola Clássica .................................................................................................................. 39 2.2. Escola Positiva ................................................................................................................. 40 2.3. Escola Correcionalista ....................................................................................................... 43 2.4. Escola Técnico-Jurídica .................................................................................................... 44 2.5. Escola de Defesa Social .................................................................................................... 45 2.6. Conceito de Pena ............................................................................................................... 46 2.6.1. Teorias sobre a finalidade da pena ................................................................................. 47 2.6.2. Teoria absoluta ou retributiva. ..................................................................................... 49 2.6.3. Teorias relativas com finalidades preventivas. ............................................................. 50 2.6.4. Teoria adotada pelo Brasil e classificação das penas. .................................................. 51 III – A HISTÓRIA SOBRE OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS....................................53 3.1. A importância de John Howard ......................................................................................... 53 3.2. Jeremy Bentham e sua atuação ......................................................................................... 54 3.3. Sistema Pensilvânico ......................................................................................................... 56 3.4. Sistema Auburniano .......................................................................................................... 57 3.5. Sistema Progressivo Inglês ...............................................................................................61 3.6. Sistema Progressivo Irlandês ............................................................................................ 62 file:///C:/Users/Carlos/Desktop/MONOGRAFIA%20-%20FINAL.doc%23_Toc368410506 file:///C:/Users/Carlos/Desktop/MONOGRAFIA%20-%20FINAL.doc%23_Toc368410510 3.7. Sistema de Elmira ............................................................................................................. 64 3.8. Sistema de Montesinos ...................................................................................................... 65 IV - AS CAUSAS DA CRISE PENITENCIÁRIA...............................................................68 4.1. O Crime Organizado ......................................................................................................... 68 4.2. A Superlotação .................................................................................................................. 70 4.3. A Reincidência .................................................................................................................. 73 4.4. O Excesso de prisões provisórias ...................................................................................... 75 V - A INEFICÁCIA DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL.....................................................78 5.1. O desrespeito ao princípios constitucionais ...................................................................... 78 5.2. A não prestação dos direitos e garantias previstos ............................................................ 82 5.3. A má administração ........................................................................................................... 86 5.4. A Segurança nos presídios. ............................................................................................... 88 CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 90 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 93 file:///C:/Users/Carlos/Desktop/MONOGRAFIA%20-%20FINAL.doc%23_Toc368410537 file:///C:/Users/Carlos/Desktop/MONOGRAFIA%20-%20FINAL.doc%23_Toc368410537 INTRODUÇÃO O sistema carcerário atual constitui um dos maiores impasses do Brasil e, portanto, deve ser avaliado e reestudado para que sofra melhorias e avanços frente o ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo a Lei de Execução Penal. A relevância desse assunto é tão grande que a LEP foi criada com o objetivo de efetivar as disposições da sentença e, como preceitua a lei, proporcionar condições para a integração social do apenado. Dessa forma, esse trabalho cuidará de esclarecer um pouco da história das prisões, como as prisões chegaram ao que se tem hoje avaliando as escolas penais e as causas da crise no sistema prisional brasileiro e, ainda a ineficácia da Lei de Execução Penal. O primeiro capítulo cuida avaliar em um panorama histórico a transição do conceito de pena e prisão, bem como o período em que esta ganhou o caráter mais humano. Adiante, o trabalho se preocupa em detalhar minuciosamente os pensamentos de todas as escolas penais, principalmente, o conceito e as teorias relativas as penas no direito penal. No terceiro capitulo, se fará necessário esclarecer a história do sistema penitenciário e a influencia fundamental de alguns pensadores que fizeram história no tema penitenciário. O penúltimo capítulo deste trabalho cuida de demonstrar algumas das principais causas da crise do sistema penitenciário brasileiro. Desta forma, se fez fundamental destacar o crime organizado, a superlotação, a reincidência e o excesso de prisões provisórias no Brasil. Por fim, o ultimo capitulo elucida alguns dos pontos estimuladores da ineficácia da lei de execução penal, a exemplo, do desrespeito aos princípios constitucionais, a não observação aos direitos inerentes dos presos, bem como suas garantias e, ainda a má administração das autoridades e a segurança dentro dos estabelecimentos prisionais. I – BREVE HISTÓRIA DAS PENAS 1.1 Vingança Divina. A origem do Direito Penal tem como um de seus fundamentos as diferentes formas de advertência do homem como ser social. A repreensão do homem está associada a uma época primitiva, os livros religiosos fazem menção a uma espécie de punição sofrida pelo homem como forma de efeito por um mal causado. Segundo a Bíblia Sagrada, uma das primeiras experiências no que tange a recriminação do homem se encontra no livro de Gênesis, o qual relata a desobediência de Eva em relação à ordem emanada de Deus, tal condição merece registro: E Deus disse: Quem te disse que estavas nu? Comeste tu da árvore de que te ordenei que não comesses? Então disse Adão: A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e eu comi. E disse o Senhor Deus à mulher: Que é isto que fizeste? E disse a mulher: A serpente me enganou, e eu comi. E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor e a tua concepção; com dor darás à luz filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará. E a Adão disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela; maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida. Espinhos e cardos também te produzirão; e comerás a erva do campo. No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que retornes à terra, porque dela foste tomado; porquanto és pó, e ao pó retornarás. De acordo com a religião o conflito foi à primeira relação de Deus para com o homem e, sobretudo, a punição ou castigo foi à primeira das soluções. Porém, na passagem dos períodos, a doutrina da vingança acontece não somente pela divindade cristã, mas também por outros deuses emblemáticos nos códigos de consagradas nações, ou seja, códigos interpostos pelo próprio homem por uma presumível expiração divina. No que diz respeito à opinião de Magalhães Noronha sobre isto: Já existe um poder social capaz de impor aos homens normas de conduta e castigo. O princípio que domina a repressão é a satisfação da divindade, ofendida pelo crime. Pune-se com rigor, antes com notória crueldade, pois o castigo deve estar em relação com a grandeza do deus ofendido. É o direito penal religioso, teocrático e sacerdotal. Um dos principais Códigos é o da Índia, de Manu (Mânava, Dharma, Sastra). Tinha por escopo a purificação da alma do criminoso, através do castigo, para que pudesse alcançar a bem-aventurança. Dividia a sociedade em castas: brâmanes, guerreiros, comerciantes e lavradores. Era a dos brâmanes a mais elevada; a última, a dos sudras, que nada valiam. Revestido de caráter religioso era também o de Hamurabi. Aliás, podemos dizer que esse era o espírito dominante nas leis dos povos do Oriente antigo. Além da Babilônia, Índia e Israel, o Egito, a Pérsia, a China etc. (NORONHA, 2000, p. 21). Muitos atos foram cometidos com a desculpa de vingança divina, muitos destes cometidos pelo homem para outro homem, ou ainda, de uma tribo para com uma família. A partir destas concepções, algumas tribos ou bando destinavam e nomeavam alguns indivíduos em meio ao grupo para exercer a pretensa vingança, pode-se assim dizer chefes e sacerdotes. Ao dissertar sobre o tema Rogério Greco comenta: Era o direito aplicado pelos sacerdotes, ou seja, aqueles que, supostamente, tinham um relacionamento direto com um deus e atuavam de acordo com sua vontade. Incontáveis atrocidades foram praticadas em nome dos deuses, muitas delas com a finalidade de aplacar-lhes a ira. A criatividade maligna dos homens não tinha limites. As sociedades, nesse período, eram carregadas de misticismos e crenças sobrenaturais. Eventos da natureza, como chuvas, trovões, terremotos, vendavais etc.,podiam demonstrar a fúria dos deuses para com os homens e, para tanto, precisava ser aplacada, mediante o sacrifício humano. Alguém era apontado como culpado e, consequentemente, devia ser entregue aos deuses (GRECO, 2017, p. 49). Também em contrapartida Artur Rocha De Souza Netto aclara ―A fase da vingança divina é caracterizada pela aplicação de penas com o intuito de satisfazer os deuses pela ofensa praticada no grupo social. Exemplo típico dessa fase é o Código de Manu. Nessa fase a pena era aplicada pelos sacerdotes‖ (NETTO, 2010). 1.2 Vingança Privada Entende-se que a vingança privada era uma reação natural e muita das vezes desproporcional do ofendido para com seu ofensor. Acontece que pela falta de regulamentação de normas a invasão daquele que sofreu o delito era muito maior do que o dano causado, podendo ultrapassar a pessoa do delinquente tendo consequência, principalmente, em sua parentela. Pela lição de Magalhães Noronha temos: A pena, em sua origem, nada mais foi que vindita, pois é mais que compreensível que naquela criatura, dominada pelos instintos, o revide à agressão sofrida devia ser fatal, não havendo preocupações com a proporção, nem mesmo com sua justiça. Em regra, os historiadores consideram várias fases da pena: a vingança privada, a vingança divina, a vingança pública e o período humanitário. Todavia deve advertir- se que esses períodos não se sucedem integralmente, ou melhor, advindo um, nem por isso o outro desaparece logo, ocorrendo, então, a existência concomitante dos princípios característicos de cada um: uma fase penetra a outra, e, durante tempos, esta ainda permanece a seu lado (NORONHA, 2000, p. 20). As palavras de Rogerio Greco explana o que foi acima citado ―O único fundamento da vingança era a pura e simples retribuição a alguém pelo mal praticado. Essa vingança podia ser exercida não somente por aquele que havia sofrido o dano, como também por seus parentes ou mesmo pelo grupo social em que se encontrava inserido‖ (GRECO, Curso de Direito Penal: Parte Geral, 2015, p. 16). Rogério também compara o livro sagrado e a Lei do Talião em sua exemplificação: A Bíblia relata a existência das chamadas ―cidades refúgio‖, destinadas a impedir que aquele que houvesse praticado um homicídio involuntário, ou seja, um homicídio de natureza culposa fosse morto pelo vingador de sangue. Se, no entanto, o homicida viesse a sair dos limites da cidade refúgio, poderia ser morto pelo mencionado vingador. A Lei de Talião pode ser considerada um avanço em virtude do momento em que foi editada. Isso porque, mesmo que de forma incipiente, já trazia em si uma noção, ainda que superficial, do conceito de proporcionalidade. O ―olho por olho‖ e o ―dente por dente‖ traduziam um conceito de Justiça, embora ainda atrelada à vingança privada. (GRECO, Curso de Direito Penal: Parte Geral, 2015, p. 17) De maneira uniforme um artigo detalhado pelo aluno de direito Artur Rocha De Souza Netto faz alusão de como era o tempo da vingança privada, em suas palavras, ilustra: Na fase de vingança privada, quando alguém praticava um ato proibido por seu povo, havia a reação da vítima, dos parentes, e até de seu grupo social que agiam sem proporção à ofensa. Se o ofensor fosse da tribo podia ser expulso (banido) ou até mesmo morto, e se fosse de outra tribo, poderia acabar gerando uma guerra que levaria até mesmo à destruição de uma das tribos. Com o tempo, a fim de se evitar massacres desmedidos, tornou-se aceita a ideia de que a retaliação deveria ser proporcional ao dano causado (NETTO, 2010). Enfim, muita das vezes desproporcional a vingança privada era o meio pelo qual o homem externava suas razões por não ter garantia nenhuma que a justiça fosse ser feita. 1.3 Vingança pública A vingança pública tem se por mais organizada, isto é, instituída pelo Estado para que as autoridades competentes cumpram seu papel de vingador. A vingança pública não se desarraigou de seu caráter cruel e vexatório, ao contrário, se tornara mais violenta por seu cunho executório. Dessa forma, Greco nos afirma ―A vingança pública surge, nessa fase da evolução histórica do Direito Penal, e fundamentada na melhor organização social, como forma de proteção, de segurança do Estado e do soberano, mediante, ainda, a imposição de penas cruéis, desumanas, com nítida finalidade intimidatória‖ (GRECO, Curso de Direito Penal: Parte Geral, 2015, p. 18). Entretanto, a vinganças privada e divina nunca desapareceram do meio social, tão somente se escondiam em menor quantidade por força de grupos apartados. Pode-se refletir com base no que diz João Mestieri (1999, p.26, apud GRECO, 2015, p. 18) A vingança divina cede naturalmente lugar à vingança pública, produto da paulatina afirmação do direito no contexto sociocultural. As várias sociedades, já politicamente organizadas, contam com um poder central, procurando por todos os meios se afirmar e manter a coesão e a disciplina do grupo social. Leis severas são ditadas e a sociedade não demora muito a sentir a enorme perda que está sofrendo dia a dia, com a aplicação da justiça. As mortes e as mutilações apenas enfraqueciam a tribo, sendo necessário então outra forma de retribuição. Nesse sentido segue o resumo do promotor Cleber Masson, que em sua obra resume perfeitamente: Com a evolução política da sociedade e melhor organização comunitária, o Estado avocou o poder dever de manter a ordem e a segurança social, conferindo a seus agentes a autoridade para punir em nome de seus súditos. A pena assume nítido caráter público. Os ofendidos não mais necessitam recorrer às suas próprias forças. A finalidade dessa fase era garantir a segurança do soberano, por meio da aplicação da sanção penal, ainda dominada pela crueldade e desumanidade, característica do direito penal então vigente. Cabia a uma terceira pessoa, no caso o Estado – representante da coletividade e em tese sem interesse no conflito existente –, decidir impessoalmente a questão posta à sua análise, ainda que de maneira arbitrária. Nessa época, as penas ainda eram largamente intimidatórias e cruéis, destacando-se o esquartejamento, a roda, a fogueira, a decapitação, a forca, os castigos corporais e amputações, entre outras (MASSON, 2015, p. 120). 1.4 Direito Penal Romano Os períodos de vingança foram, sobre tudo, o tempo no qual o homem, literalmente, exercia a autotutela, tendo base para tal as próprias razões. Neste período arcaico o exercício das próprias razões era simplesmente demasiado, sem qualquer ordem ou limite. Logo, é essencial elucidar que a historia de Roma foi categórica para o desenvolvimento do direito atual. De acordo com a história a narrativa romana se desmembra em três partes: Roma passou pela monarquia, pelo império e pela republica. Roma no inicio foi governada por reis que detinham vários dos poderes, inclusive, os poderes judiciais. Rogerio Greco narra à história de Roma de uma maneira exemplar, e sobre ela aduz: O Direito Romano pode ser considerado um dos marcos mais importantes da nossa história. Roma foi fundada em 753 a.c. e surgiu de uma pequena comunidade agrícola existente na península itálica no século VIII, tornando-se um dos maiores impérios do mundo antigo. Em virtude de uma proposta levada a efeito por um plebeu chamado Gaius Terentilius, em 462 a.c., que se opunha ao modo pelo qual as leis eram conhecidas e aplicadas, principalmente pelos patrícios, foi designado um decenvirato (um grupo de dez homens), que teve por encargo a preparação de um conjunto de leis que, posteriormente, ficou conhecido como Lei das XII Tábuas, que chegou a seu termo e foi promulgada de 451 a 450 a.C. Foi, originalmente, escrita em doze tabletes de madeira, que foram afixados no Fórum Romano, permitindo, assim, que todosas conhecessem e pudessem fazer a sua leitura. Sua temática estava dividida da seguinte forma: Tábuas I e II: Organização e procedimento judicial; Tábua III – Normas contra os inadimplentes; Tábua IV – Pátrio poder; Tábua V – Sucessões e tutela; Tábua VI – Propriedade; Tábua VII – Servidões; Tábua VIII – Dos delitos; Tábua IX – Direito público; Tábua X – Direito sagrado – Tábuas XI e XII – Complementares (GRECO, Curso de Direito Penal: Parte Geral, 2015). Sendo a historia do direito em Roma muito extensa pode-se traduzi-la em uma breve linha do tempo – Período arcaico — fundação a século II a.c. - que está ligado ao primitivo e ao fazer as leis como se acha necessário, ou seja, pelas próprias razões, sendo assim por este motivo mais tarde a codificação e organização da lei na chamada ―Lei das XII Tábuas‖. Contudo, está não se distanciou do arcaísmo e da violência do homem, sendo uma das leis mais severas já elaboradas. As demais fases (Período clássico e Justiniano) nos são permitido entender melhor nessa explanação feita por Renata Flávia Firme Xavier sobre o período clássico que venho após o período arcaico, e assim a mesma discorre que: As inovações do direito no período clássico foram obras principalmente dos magistrados, os pretores, que, embora não pudessem revogar as arcaicas normas do direito antigo (como as XII Tábuas), terminaram por introduzir modificações verdadeiramente revolucionárias, que, no intuito de suprir lacunas e trazer novas soluções para uma sociedade em constante modificação, colocaram o direito romano em um movimento constante de evolução. É preciso, todavia, que se esclareça a função desempenhada pelo pretor do direito romano. Ele, ao contrário de um juiz de direito moderno, não executava os processos, nem mesmo colhia as provas. Sua atividade era observar os argumentos das partes no processo e fixar os limites da demanda, isto é, de como ela deveria ser julgada. Aí, entrava em jogo um outro juiz, o iudex (melhor seria dizer árbitro, pois era livremente escolhido pelas partes), que colhia as provas e, seguindo as diretrizes pré-fixadas pelo pretor para o caso, dava uma decisão que encerrava a demanda. Dentre os jurisconsultos da época clássica, podem ser destacados alguns, como Sabinus, Iulianus, Papinianus (que teria sido um primeiro jurista cristão), Ulpianus (brilhante jurista-filósofo, grande conhecedor da filosofia de Aristóteles, Platão e Pultarco) e Gaius, autor de uma das obras mais importantes de toda a história do direito romano, as Institutiones. Com o tempo, porém, o poder dos pretores e dos jurisconsultos foi sendo reduzido, sendo uma das marcas do final do período clássico a concentração cada vez maior do poder nas mãos dos Imperadores, que, por meio de suas próprias regras soberanas (chamadas constituições imperiais), acabaram por ir tomando, para si, a capacidade de inovar em direito, a capacidade de criar regras novas (XAVIER, 2011). Mais a frente Roma tem-se o que se chama de Período Justiniano que assim se nomeou por ser governado por Flávio Pedro Sabácio Justiniano Augusto – também conhecido como Justiniano, o Grande. Renata Flávia Firme Xavier também discorre perfeitamente sobre está época: Inicia-se no ano 530, quando o Imperador Justiniano encarregou uma comissão de juristas, encabeçada por Triboniano, de elaborar uma compilação dos melhores momentos da história do direito romano, que seria chamada de Digesto ou Pandectas. Esta fase, a última da história do direito romano, termina em 565, com o falecimento de Justiniano. É uma época em que o Império já havia se deslocado para Bizâncio, no Oriente, e está, como o período pós-clássico inteiro, marcada por uma grande decadência do antigo e clássico direito romano. Justamente são essas as preocupações que moveram Justiniano: em razão da grande decadência, tentar resgatar um pouco da tradição e história do direito romano, compilando as mais famosas frases e citações dos grandes jurisconsultos romanos, como Papinianus, Ulpianus e Gaius. Em 530, Justiniano encarregou Triboniano de fazer uma seleção das obras mais importantes dos jurisconsultos clássicos. Triboniano convocou uma comissão que, em três anos, apresentou o resultado do trabalho árduo e penoso, mas de muita valia: o Digesto (ou Pandectas), composto de 50 livros, no qual estão compilados trechos escolhidos de cerca de 2000 livros dos grandes jurisconsultos. É interessante anotar que os compiladores tinham autorização para modificar levemente os trechos escolhidos, para harmonizá-los com os princípios do direito atual (lembrar que a maior parte dos autores compilados era do período clássico, portanto de três ou quatro séculos antes de Justiniano) (XAVIER, 2011). Obviamente que a evolução das leis em Roma tem a maior influencia no nosso mundo contemporâneo. Como elucida Renata: Os romanos foram os fundadores da Ciência do Direito, os primeiros a desenvolver um trabalho de análise científica da experiência jurídica. Com isso, forjaram diversos conceitos, especialmente do Direito privado, conceitos que sobreviveram ao tempo chegando até os dias atuais. Esses conceitos surgiram no mundo romano como decorrências de uma necessidade prática, ou seja, da necessidade que os romanos tinham de descrever a realidade por eles vivenciada, e as normas e institutos que a regulavam. Para os romanos, a ligação entre Direito e sociedade não era uma relação casual, mas uma relação de necessidade. E essa necessidade do Direito fez aparecer uma reflexão típica dos jurisconsultos, com a criação dos conceitos operacionais do Direito. Justiniano mandou fazer também uma nova compilação do Codex, texto, este sim, que chegou até os dias de hoje. O Codex era, portanto, um aglomerado, das mais importantes regras dos Imperadores, em especial, como vimos, do período do Dominato, que equivale ao fim do período jurídico clássico e ao início do período jurídico pós-clássico. Além disso, Justiniano pediu aos seus juristas a elaboração de uma nova versão para as famosas Instituições de Gaius, que foi feita: são as Institutas de Justiniano. Nos anos seguintes, até o seu falecimento, Justiniano também cuidou de criar muitas regras novas, muitas constituições imperiais, que foram publicadas posteriormente como as Novellae, isto é, as novas (constituições imperiais). O conjunto das obras de Justiniano, portanto, abarca o Digesto, as Institutas, o Codex e as Novellae. Esse conjunto recebeu posteriormente o nome de "Código de Justiniano" ou, no século XVI, de Corpus Iuris Civilis (nome pelo qual ele é conhecido até hoje) (XAVIER, 2011). 1.5. Direito Penal Germânico É importante dizer que o direito encontrado nos livros de hoje muito tem a ver com o direito dos primórdios. A narrativa de Roma como de outros povos em países distinto foi crucial para o aprimoramento de nossas leis. A evolução do homem na sociedade, a passagem de tribos e clãs para uma sociedade mais organizada, o conceito de Estado, a instituição de leis que beneficiam a propriedade, o aprimoramento do processo penal no julgamento de um delito, dentre outros avanços fora importantíssimo ao desenvolvimento de normas jurídicas em muitas nações e povos. Contudo, não se pode deixar de citar Roma se esquecendo do conhecido povo germânico e suas tradições. Todavia, antes é necessário procurar ―acertadamente‖ conceituar a ideia de povo germânico. Dessa forma um artigo de estudo em um site de conteúdo educacional discorre sobre o assunto: Os povos germânicos são etnias indo-europeias originalmente estabelecidas na Europa setentrional. A maior fonte de conhecimento que temos dos germânicos - data do governo de Júlio César, quando o imperador romano empreendeu várias guerras contra estes povos. Os povos germânicos habitavam o norte da Europa, onde hoje estão localizados países comoa Alemanha, Áustria, Dinamarca, Noruega, Suécia, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Reino Unido e parte da França. Como não possuíam alfabeto, não há fontes escritas pelas próprias tribos germânicas. Por isso, as evidências arqueológicas são essenciais para descobrir como viviam ditos povos (BEZERRA, 2017). Ainda na mesma ideia temos a definição e esclarecimento de Luís Regis Prado: Nos primórdios, os germanos ocupavam, fora das fronteiras do império romano, uma extensa zona que se estendia ao leste do rio Reno e ao norte do Danúbio, até região conhecida hoje como Rússia. Estavam divididos em uma série de povos ou tribos, em geral nômades, cada qual com a sua organização própria (v.g. visigodos, ostrogodos, álavos, vândalos, borgúndios), unidos em torno de um ancestral comum, sob a liderança de um chefe de guerra escolhido em razão de sua bravura. As sociedades germânicas eram constituídas por nobres, homens livres, semilivres e escravos, e dominadas pela concepção religiosa de que os deuses dirigem o destino humano (v.g., o grande deus Wotan, ou Odin, senhor das batalhas e dos mortos). Já por volta de 359, Roma acaba por aceitar a instalação dos sálicos na margem esquerda do rio Reno, ao norte da Gália, como soldados romanos de uma tribo bárbara. Ao depois, em 382, Teodósio faz o mesmo com os visigodos, autorizando-o a viverem na Trácia, em decorrência de um pacto de aliança (o foedus), que foi originariamente a causa do desmoronamento do Império Romano do Ocidente (PRADO, 2005, p. 72). Como as demais etnias e povos o clã germânico também disponham de crenças, costumes e religiões. Entretanto, o povo germânico não possuíam uma organização estatal nem um compilado de leis para os regerem. Dessa forma, se dividiam em tribos e quaisquer destes que desobedeciam as normas de conduta deveriam sofrer severas penalidades. Tratava-se de um direito consuetudinário, de costumes e não de leis escritas. Assim elucida Mirabete e Fabbrini: O Direito Penal germânico primitivo não era composto de leis escritas, mas constituído apenas pelo costume. Ditado por características acentuadamente de vingança privada, estava ele sujeito à reação indiscriminada e á composição. Só muito mais tarde foi aplicado talião por influencia do Direito Romano e do cristianismo. Outra característica do direito bárbaro foi à ausência de distinção entre dolo, culpa e caso fortuito, determinando-se a punição do autor do fato sempre em relação ao dano por ele causado e não de acordo com o aspecto subjetivo de seu ato. No processo, vigoravam as ―ordálias‖ ou ―juízos de Deus‖ (prova de água fervente, de ferro em brasa etc.) e os duelos judiciários, com os quais se decidiam os litígios, ―pessoalmente ou através de lutadores profissionais‖ (MIRABETE & FABBRINI, 2011). Enfim, o Direito Penal Germânico estava muito atrelado com a justiça primitiva também ligada a vingança, a justiça pelas próprias razões, mas em substituição destas o direito germânico foi passando por metástase e, contudo, aderindo ao poder estatal de Roma. Dessa forma, temos pontos relevantes na historia germânica, a exemplo, das leis bárbaras, compostas de obrigações pecuniárias e se estas não fossem possíveis seriam supridas por leis corporais. Em sua fase ulterior, após a invasão de Roma, com o aumento do poder do Estado, foi desaparecendo a vindicta. As leis bárbaras (leges barbarorum) caracterizavam-se pela composição, estabelecidas às tarifas de pagamento conforme a qualidade das pessoas, o sexo, a idade, o local e a espécie da ofensa. Àqueles que não pudessem pagar eram aplicadas penas corporais. Alguns crimes, principalmente os políticos, eram punidos com penas publicas (pena capital, corporal e exilio). No direito germânico preponderou, por muito tempo, ao contrário do direito romano do período clássico, que adotava a prevalência do aspecto subjetivo do fato, a responsabilidade objetiva. Punia-se o dano, sem se levar em conta se o fato resultou de dolo, culpa ou do fortuito. (JUNIOR, 2010, p. 55). Mais tarde aderiram ao direito do talião que se baseava na reciprocidade do ato cometido, originalmente conhecida como ―olho por olho e dente por dente‖. Logo, cumpre salientar que o povo germânico usufruiu por bastante tempo de todas as espécies de vingança usando-a como soberana norma social. Como ordem dentro das tribos e aldeias o povo germânico fez jus tanto das leis barbaras quanto também por aquelas que acreditavam serem leis e recompensas divinas, assim sendo, de acordo com suas crenças e filosofias. No entanto, é correto alegar que o direito germânico é o grande introdutor da responsabilidade objetiva no campo do direito, ou seja, o menosprezo da subjetividade do autor do delito, o julgamento tão somente dos fatos e não de uma possível passionalidade do autor. Artur Rocha De Souza Netto ilustra, em seu artigo, essa fase do direito primário germânico: O Direito Germânico, anterior à invasão de Roma, não continha leis escritas, sendo de natureza consuetudinária. A pena era tida como expiação religiosa. O crime era assunto privado, sujeito à vingança ou à composição familiar. Após a invasão de Roma, com o aumento do poder do Estado, têm-se as leis bárbaras (leges barbarorum) caracterizadas pela composição, estabelecidas as taxas de pagamento conforme a qualidade das pessoas, o sexo, a idade, o local e a espécie de ofensa. Àqueles que não pudessem pagar eram aplicadas penas corporais. O direito de talião foi aplicado muito tempo depois, por influência do Direito Romano e do Cristianismo. Ao contrário do Direito Romano do período clássico, preponderou no direito penal germânico à responsabilidade objetiva, ou seja, punia-se o dano sem levar em conta se o fato resultou de dolo, culpa ou fato fortuito. Quanto ao processo penal, serviam-se os germânicos das chamadas ordálias ou juízos de Deus (prova da água fervente, ferro em brasa, etc.) e dos duelos judiciários, onde o vencedor era proclamado inocente (NETTO, 2010). 1.6. Direito Canônico. Outra narrativa bastante extensa é a correlação da igreja católica com o Estado. Embora, o mais ético fosse que as duas entidades não mantivessem relação alguma, está foi uma união muito forte durante o período da idade média e, a quem diga, recentemente também. O direito canônico é um misto de direito – por um lado temos sua essência costumeira, consuetudinária, e por outro temos um direito escrito de leis sacras, a exemplo, do Código de Direito Canónico atual e do uso da bíblia sagrada como um livro de referência de regras pré- estabelecidas sobre normas morais. Inicialmente, temos que abordar que o cristianismo era uma religião muito perseguida, mas que com o tempo se dissipou grandemente tendo o Estado que se unir a tal filosofia por sua força e adeptos. Felipe Aquino professor de História a 20 anos da Igreja do Instituto de Teologia Bento XVI da Diocese de Lorena em seu artigo detalha a expansão e correlação do cristianismo com o Estado, o mesmo declara ―No início século quarto, o cristianismo já estava espalhado por quase todo o mundo, penetrando até na classe nobre e era muito perseguido pelos imperadores que tentavam a todo custo, com o poder das armas destruir o poder da fé, mas não conseguiam‖ (Aquino, 2017). Há relatos de perseguições sob o povo cristão no império romano, na gestão do imperador Nero Cláudio César Augusto Germânico, popularmente conhecido como ―Nero‖, perseguições por judeus contra a ideologia cristã, retaliações sob o governo de Diocleciano e Galério. Ademais, o próprio coliseu que começou a ser construído sob o governo de Vespasiano foi palco para grandes torturas contra o povo cristão, a exemplo, dos devoramentos de cristãos por leões que ficavam dias sem comer. Felipe Aquino igualmente discorre sobre os mártires sofridos pelosfiéis, não somente no passado, mas também nos dias de hoje: A perseguição começou com Jesus; foi caluniado, flagelado, coroado de espinhos, crucificado e morto entre dois ladrões. Antes Dele seu Precursor, João Batista, foi degolado. Logo em seguida foi Santo Estevão, apedrejado até a morte. Em seguida foi Tiago maior, morto por um dos Herodes. Pedro e Paulo morreram sob Nero e junto com eles milhares de cristãos derramaram seu sangue no Coliseu, no Circo de Nero e nos anfiteatros romanos em toda a volta do Mediterrâneo. Milhares de crianças, jovens, mulheres e velhos derramaram seu sangue para que a fé chegasse a nós. O escritor cristão do século II, Tertuliano, escreveu em seu ―Apologeticum‖ para o imperador sanguinário, Marco Aurélio, que não adiantava matar mais cristãos porque ―o sangue dos mártires é semente de novos cristãos‖. Quanto mais cristãos eram martirizados barbaramente, mais romanos se convertiam; até que em 313, depois de 250 anos de perseguição de Nero, Domiciano, Trajano, Aureliano, Marco Aurélio, Diocleciano, etc., Constantino se converteu, impediu a perseguição. Em 385 Teodósio, o Grande, decretou o fim do paganismo e Roma se tornou cristã. Esse sangue foi derramado abundantemente no Japão, na China, no Vietnã, no Laos, no Cambodja, no México, em Cuba, na Espanha… em todos os continentes; e, mais do que nunca no século XX e XXI, pelos comunistas, nazistas e mulçumanos radicais. No Brasil, o nosso primeiro bispo, D. Pedro Sardinha, foi morto pelos índios e devorado. A revolução francesa matou cerca de 17.000 padres e 30.000 religiosos. O Papa João Paulo II disse, com dados mostrados, que o século XX sozinho fez mais mártires do que toda a história anterior da Igreja. Ele nomeou uma Comissão destinada a recensear os mártires do século XX. Mais de dez mil relatos de martírio ocorrido chegaram a Roma, em cerca de dez línguas diferentes. 45% desses relatos vieram de Conferências Episcopais e 40% de Congregações ou Ordens Religiosas. Em setembro de 1998, a Igreja da Espanha tinha mandado 2075 relatórios; a da França, sessenta e a Espanha mais 2000; a Coréia, 200; a Polônia, 900. Quanto aos países dominados por governo anticatólico (Vietnã, China, Sudão…), as autoridades civis não permitiram. (AQUINO, 2017). Enfim, muitas foram às perseguições ao cristianismo, contudo, o estigma de perseguição e represália se fez presentes em varios governos, como supracitados, e além destes, outros mais de diferentes ordens e leis em epocas diversas. Deste modo, cumpre infatizar o que realmente importou na historia do direito canonico, a exemplo do governo de Constantino I, também conhecido como Constantino Magno ou Constantino, o Grande. Com base na historia romana Constantino Magno foi um imperador que governou num dos periodos politicos mais dificeis da história e mesmo com tal quadro estabelecido foi propagador de varias reformas e mudanças no ambito social de Roma. O professor de História Felipe Aquino sintetiza com clareza a historia de Constantino, a saber: Era filho de um oficial grego, Constâncio Cloro, que no ano 305 foi nomeado Augusto ao mesmo tempo em que Galério, e de Helena, uma mulher que chegaria a ser santa. Por morte de Constâncio Cloro, em 306, Constantino é aclamado imperador do Ocidente pelo exército local, no meio de uma difícil situação política, agravada pelas tensões com o antigo imperador, Maximiano, e com o seu filho Maxêncio. Constantino começou por derrotar Maximiano, em 310, e logo a seguir Maxêncio, na batalha de Ponte Milvio, em 28 de Outubro de 312. Segundo a tradição, Constantino terá tido uma visão antes dessa batalha. Olhando o Sol, ao qual prestava culto, como pagão que era, viu uma cruz e ordenou que os seus soldados pusessem nos escudos o monograma de Cristo (as duas primeiras letras do seu nome em grego, sobrepostas). Embora continuasse a praticar ritos pagãos, a partir dessa vitória passou a mostrar-se favorável aos cristãos. Com Licínio, imperador do Oriente, promulgou o chamado ―Édito de Milão‖ (ver pergunta 49: O que foi Édito de Milão?), favorecendo a liberdade de culto. Mais tarde, os dois imperadores confrontaram-se e, no ano de 324, Constantino derrotou Licínio, convertendo-se no único Augusto do Império. (AQUINO, Quem era Constantino?, 2017). Conforme a historia de Roma, a própria mãe de Constantino foi uma devota cristã temente às doutrinas da igreja e tolerante com a devoção e permanecia do povo cristão em Roma. Não se sabe ao certo quais desses episódios influenciaram de fato a proclamação do Édito de Milão por Constantino, contudo, sabe-se que este foi o documento oficial que liberara e favorecia os cristãos a todo e qualquer exercício da religião. Com a liberação do exercício cristão em Roma o cristianismo se expandiu pelo mundo chegando ao que se conhece atualmente e sua forte influencia fez com que adquirisse forte domínio nas relações governamentais, principalmente, no continente europeu. A força da igreja sempre é contada nas obras que relatam os tempos do império, da idade média ou até mesmo os períodos das guerras e pós-guerras. A Igreja foi extremamente criticada até mesmo por seus membros, a exemplo de Martinho Lutero que a censurou por meio da reforma protestante ao buscar que a igreja católica não fizesse vista grossa aos seus componentes que pregavam a lei, mas não a cumpriam. No entanto, mesmo sobre criticas, a igreja católica manteve relações corporativas durante um longo período com os governantes que a apoiava e, esta em contrapartida, farara o mesmo. Todavia, com uma autoridade semelhante a dos governos mais poderosos do mundo e uma influencia territorial e intelectual suprema, a Igreja Católica não poderia ficar sem um código especificador de sua doutrina e ideal, ou seja, um código de regras de condutas que norteie seus dogmas. Cezar Bitencourt em sua respeitadíssima obra discorre sobre o assunto com nitidez, sobre isto diz: A influência do Cristianismo no Direito Penal, com a proclamação da liberdade de culto, pelo imperador Constantino (313 d.C.), veio a consolidar-se com a declaração do imperador Teodósio I, transformando-o na única religião do Estado (379 d.C.). O Cristianismo ingressou na Monarquia franca em 496 d.C., com a conversão de Clodovéu, surgindo a repressão penal de crimes religiosos e a jurisdição eclesiástica, protegendo os interesses de dominação. O Direito Canônico — ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana — é formado pelo Corpus Juris Canonici, que resultou do Decretum Gratiani (1140), sucedido pelos decretos dos Pontífices Romanos (séc. XII), de Gregório IX(1234), de Bonifácio VIII (1298) e pelas Clementinas, de Clemente V (1313). O Papa João Paulo II, em 25 de janeiro de 1983, promulgou o atual Código de Direito Canônico. Primitivamente, o Direito Penal Canônico teve caráter disciplinar. Aos poucos, com a crescente influência da Igreja e consequente enfraquecimento do Estado, o Direito Canônico foi-se estendendo a religiosos e leigos, desde que os fatos tivessem conotação religiosa. A jurisdição eclesiástica aparecia dividida em: ratione personae e ratione materiae. Pela primeira — em razão da pessoa — o religioso era julgado sempre por um tribunal da Igreja, qualquer que fosse o crime praticado; na segunda — em razão da matéria — a competência eclesiástica era fixada, ainda que o crime fosse cometido por um leigo (BITENCOURT, 2015, p. 78). Bitencourt ainda faz uma explanação a respeito do valor do direito canônico frente ao direito penal atual, inclusive, sobre a individualização da pena, nesse aspecto o especialista argumenta: O Direito Canônico contribuiu consideravelmente para o surgimento da prisão moderna, especialmente no que se refere às primeiras ideias sobre a reforma do delinquente. Precisamente do vocábulo ―penitência‖, de estreita vinculaçãocomo Direito Canônico, surgiram as palavras ―penitenciário‖ e ―penitenciária‖. Essa influência veio completar-se como predomínio que os conceitos teológico-morais tiveram, até o século XVIII, no Direito Penal, já que se considerava que o crime era um pecado contra as leis humanas e divinas. Sobre a influência do Direito Canônico nos princípios que orientaram a prisão moderna, afirma-se que as ideias de fraternidade, redenção e caridade da Igreja foram transladadas ao direito punitivo, procurando corrigir e reabilitar o delinquente. Os mais entusiastas manifestam que, nesse sentido, as conquistas alcançadas em plena Idade Média não têm logrado solidificar-se, ainda hoje, de forma definitiva, no direito secular. Entre elas, menciona-se a individualização da pena conforme o caráter e temperamento do réu. Seguindo a tradição canônica, na qual se fazia distinção entre pena vindicativa e pena medicinal, pode-se encontrar as iniciativas penitenciárias de Filippo Franci e as reflexões de Mabillon durante o século XVII, as realizações dos Papas Clemente XI e Clemente XII (BITENCOURT, 2015, p. 79) Em suma, a importância do direito penal canônico para se chegar ao que se conhece nos dias atuais é de extremo valor, o que conhecemos hoje por Código de Direito Canónico de 1917 nada mais é que uma união de normas jurídicas relativas à organização e hierarquia dentro da congregação católica romana. Por fim, a este compilado de leis pertencem os direitos, as obrigações e, ainda, as sanções, nos casos de contravenções direcionadas aos fiéis católicos – compondo de tal modo um dos primeiros regulamentos já estabelecido com o objetivo de punição desenvolvido por uma instituição ao homem dentro da sociedade. Insta salientar que tanto na época das vinganças privadas, publicas ou divinas como no surgimento do direito penal em Roma e entre as sociedades germânicas os povos e instituições continham suas convicções do que era justiça e punição, ou seja, em cada fase da historia se acreditava em um conceito de retribuição punitiva, ora aplicado pelo homem contra o próprio homem, ora retribuído por deuses e entidades espirituais. Fato é que no decorrer do tempo os julgamentos e conceitos da sociedade foram se transformando, o homem passou por muitas variações e este passou a entender e enxergar outros patamares no que concerne ao ramo do direito penal e sua verdadeira função. Todas as épocas têm seus atributos – a época da vingança divina buscava-se atemorizar o homem com a ideia de que um ente superior lhe faria pagar pela transgressão cometida, o que fazia este sentir certo tipo de temor religioso – a época da vingança privada continha em fazer o violador pagar pelo crime cometido em condições até piores do que a por ele causada e, como se não bastasse, receber de um grupo social ou tribo penas mais severas e cruéis como forma de probidade e sensatez, além disso, como formato de evolução social surgiu à lei do talião a qual garantia a vitima ou aos seus membros familiares a retribuição idêntica do mal cometido sobre o infrator - o famigerado olho por olho – dente por dente. Logo, o direito penal concorda com as distintas épocas pelas quais passou, acontece que o pensamento humano se assimila em acordo com suas experiências tangíveis e, portanto, ocorrem mudanças no aspecto social e cultural. Dessa forma, no decorrer da história, alguns estudiosos perceberam que muitas das sanções aplicadas anteriormente não mais funcionavam nem como intimidação ao próprio transgressor nem como exemplo para os demais entes das tribos e sociedades. Com isso, alguns pensadores da época, inclusive no campo da filosofia, indagaram-se em relação às penas no campo do direito penal. Isto aconteceu porque a brutalidade e crueldade nesse aspecto eram demasiadamente desproporcionais – o fato de uma pessoa delinquir lhe rendia a desonra e ao declínio moral e muita das vezes não só a ele, mas para seus entes e descendentes também. A família do transgressor também era alvo dos castigos que recaiam sobre este, o que naquela época se julgava ser justo e merecedor. Sobre esta analise e sobre estes costumes muitos pensadores da época levantaram a tese do que se era justo e equilibrado no momento da aplicação da pena no âmbito do direito penal. Estes intelectuais descontruíam preceitos antigos, a exemplo do uso do corpo como forma de retribuição pelo ato cometido – outros colocaram em xeque o pensamento cruel e desumano da época, e com isso, se formou um pensamento mais humano e equilibrado em relação à forma de julgamento aos crimes cometidos. 1.7 Período Humanitário - o pensamento de Beccaria. Os períodos de vingança como também os períodos mediáveis foram marcados por penas cruéis, desumanas e humilhantes. A sociedade não enxergava a pena como algo capaz de ressocializar o individuo tampouco se cogitava a ideia deste infrator ser aceito outra vez no convívio social. Em sua obra Rogério Greco esboça tais tradições: Até basicamente o período iluminista, as penas possuíam caráter aflitivo, ou seja, o corpo do homem pagava pelo mal que ele havia praticado. Os olhos eram arrancados, os membros mutilados, o corpo esticado até se destroncar, sua vida esvaía-se numa cruz, enfim, o mal da infração penal era pago com o sofrimento físico e mental do criminoso (GRECO, Curso de Direito Penal - parte geral volume 1, 2017, p. 54). De modo contrário, nota-se que a crueldade usada no meio de aplicação da pena não era e, continua não sendo, garantia para que o crime desapareça do meio social. Ao mesmo tempo, não existia a devida punição por meio de um sistema democrático e que fosse concernente a um processo justo e igualitário, maiormente, que culminasse num ideal aprendizado por parte do transgressor. E, por esse raciocínio, paulatinamente, a ideia de suplicio penal foi sendo mudada e este conceito foi sendo revisto em algumas camadas sociais, a exemplo dos monastérios que trouxeram uma ideia básica do que era prisão e para o que servia o encarceramento. Foi à concepção de encarceramento usada contra os monges da época que fez nascer a definição sobre a prisão. De outro modo Greco resume está época da história, a saber: Sobretudo a partir do final do século XVIII, as penas corporais, aflitivas foram sendo substituídas, aos poucos, pela pena de privação de liberdade, que, até aquele momento, com raras exceções (a exemplo do que ocorria com a punição dos monges religiosos em seus monastérios, cuja finalidade era levá-los a refletir sobre a conduta praticada, ou ainda com as casas de correção criadas a partir da segunda metade do século XVI na Inglaterra – houses of correction e bridewells – e na Holanda – rasphuis para os homens e spinhuis para as mulheres), era tida tão somente como uma medida cautelar, ou seja, sua finalidade precípua era fazer com que o condenado aguardasse preso, a aplicação de sua pena corporal (GRECO, Curso de Direito Penal - parte geral volume 1, 2017, p. 54). No que se refere ao enclausuramento dos monges - a privação de liberdade tinha por objetivo fazer com que o individuo preso pensasse e refletisse sobre o erro cometido e, dessa forma, por meio da solidão e do ostracismo avaliasse seus atos e julgasse ser impropria aquela conduta anteriormente praticada. De modo contrário, em outros momentos, às prisões tinham o objetivo de garantir que o preso não fugisse para o cumprimento das demais penas, a prisão era o meio e não o fim, ou seja, o encarceramento era o método achado para que o preso aguardasse por sua pena legítima, ou melhor, a prisão não era a pena, apenas um meio assecuratório de cumprimento desta. Rogério Greco elucida brilhantemente sobre essa época, a respeito: A prisão do acusado, naquela época, era uma necessidade processual, uma vez que ele tinha de ser apresentadoaos juízes que o sentenciariam e, se fosse condenado, determinariam a aplicação de uma pena corporal, de natureza aflitiva, ou mesmo uma pena de morte. Na verdade, sua prisão era destinada a evitar que fugisse, inviabilizando a pena corporal que lhe seria aplicada, em caso de condenação, ou mesmo para que fosse torturado, com a finalidade de obter a confissão do fato que supostamente por ele havia sido praticado. Assim, o corpo do acusado tinha de se fazer presente, razão pela qual, em muitos casos, aguardava preso seu julgamento. No entanto, logo após a execução da sua pena – se não fosse, obviamente, a de morte – era libertado. Essa gradativa substituição fez com que as penas privativas de liberdade fossem ocupando, prioritariamente, o lugar das penas corporais (GRECO, Curso de Direito Penal - parte geral volume 1, 2017, pp. 54 -55). Mais a frente Greco também explica a mudança ocorrida na virada do século, sobretudo por um dos eventos mais importantes da história, episódio este que transformou indiretamente o sistema de pena mundial abrangendo princípios mais humanistas e inclinados à sensibilidade humana, assim o professor comenta: Até o século XVIII, portanto, as penas mais utilizadas eram as corporais, a pena de morte, além das chamadas penas infamantes e, em alguns casos menos graves, as penas de natureza pecuniária. Com a virada do século XVIII, principalmente após a Revolução Francesa, em 1789, a pena de privação de liberdade começou a ocupar lugar de destaque, em atenção mesmo a um princípio que, embora embrionário, começava a ser discutido, vale dizer, o princípio da dignidade da pessoa humana. Analisando essa mudança de opção punitiva, Foucault dizia que, a partir daquele momento, o sofrimento não mais recairia sobre o corpo do condenado, mas, sim, sobre sua alma (GRECO, Curso de Direito Penal - parte geral volume 1, 2017, p. 55). A Revolução Francesa foi um dos eventos mais importante da história, assim, no século XVIII, a França tinha um dos reinados mais desonestos e autoritários, isto porque os camponeses e trabalhadores urbanos eram os que arcavam com os impostos para sustentar os nobres no poder e, se não bastasse, não podiam exercer o direito de voto nem opinar nas legislações e decisões governamentais, já que era o rei quem ostentava esse poder. Na obra ―A Era das Revoluções – 1789 – 1848‖ Eric Hobsbawm nos remonta tal importância: A Revolução Francesa pode não ter sido um fenómeno isolado, mas foi muito mais fundamental do que os outros fenómenos contemporâneos e suas consequências foram, portanto mais profundas. Em primeiro lugar, ela se deu no mais populoso e poderoso Estado da Europa (não considerando a Rússia). Em 1789, cerca de um em cada cinco europeus era francês. Em segundo lugar, ela foi diferentemente de todas as revoluções que a precederam e a seguiram, uma revolução social de massa, e incomensuravelmente mais radical do que qualquer levante comparável (ALTMAN, 2014). Enquanto o povo vivia na miséria e os que trabalhavam assim faziam para pagar impostos, a monarquia gozava de poderes integrais controlando a economia, a religião, a politica e, principalmente, a aplicação da justiça. Qualquer oposição contra o rei da França resultava em prisão politica e muita das vezes resultava em condenação de pena capital. O povo francês que não fazia parte da nobreza e, dessa forma era reconhecido como terceiro estado, não só sustentava o clero que era composto pelos religiosos da igreja, como também arcavam com os gastos exacerbados da real nobreza, formada pelo Rei e toda sua família e, além destes, todos os duques, condes e marqueses do período. Com essa estrutura social muito rígida e desigual, a exemplo dos camponeses que viviam em estado de servidão e da burguesia que incluía os mais poderosos banqueiros até o pequeno comerciante, o terceiro estado se via incapaz de sustentar as mordomias do primeiro e do segundo estado e assim as mudanças na França foram necessárias. Napoleão Casado Filho leciona sobre este momento da história, a saber: O Estado francês era dividido em três ―classes‖ de pessoas, denominadas ―estados‖. O 1º Estado era composto do alto clero, que não pagava impostos. No 2º Estado, ficavam os nobres, que possuíam privilégios intocáveis, vivendo junto ao Rei e recebendo pensão ou, simplesmente, não pagando nenhum tipo de tributo. No 3º Estado, ficavam os burgueses e os camponeses, que pagavam altíssimos impostos, sustentando as demais classes sociais. Com os elevados gastos da nobreza e da péssima gerência de recursos do rei Luís XIV, o Estado francês estava com um déficit muito alto e sua população, de maneira geral, passava por grandes necessidades (FILHO, 2012, p. 38). Acontece que a França ainda possuía muitas das características feudais originadas pela idade média, portanto, dependia quase que totalmente da produção agrícola, porém, esta sofreu uma escassez abundante os preços dos alimentos subiam catastroficamente e, consequentemente, quem sofria era o povo uma vez forçados a suprimir parte de seus ganhos para arcar com impostos desvantajosos. Assim explica Napoleão Casado Filho ―A situação econômica e social da França no século XVIII era crítica. Além da maior parte da riqueza do país se originar da agricultura, que carecia de técnicas modernas de cultivo, a maioria dos camponeses ainda vivia sob o regime de servidão‖ (FILHO, 2012). Vale lembrar o que ressalta Eric Hobsbawm sobre o mesmo tema: Uma má safra em 1788 (e 1789) e um inverno muito difícil tornaram aguda a crise. As más safras faziam sofrer o campesinato, pois significavam que enquanto os grandes produtores podiam vender cereais a preços de fome, a maioria dos homens em suas insuficientes propriedades tinha provavelmente que se alimentar do trigo reservado para o plantio ou comprar alimentos àqueles preços, especialmente nos meses imediatamente anteriores à nova safra (maio julho) (HOBSBAWM, 1962, p. 68). Por isso, exauridos de tanta tirania, o povo se rebelou contra esse sistema de privilégios e riquezas que a dinastia Bourbon criou e que a monarquia absolutista da França ostentava sem a menor misericórdia e procuraram depor o reinado de Luís XVI – fato que inicia o processo de revolução. Novamente Eric destaca: Os pobres do interior ficavam assim desesperados e envolvidos em distúrbios e banditismo; os pobres das cidades ficavam duplamente desesperados já que o trabalho cessava no exato momento em que o custo de vida subia vertiginosamente. Em circunstâncias normais, teria ocorrido provavelmente pouco mais que agitações cegas. Mas em 1788 e 1789 uma convulsão de grandes proporções no reino e uma campanha de propaganda e eleição deram ao desespero do povo uma perspectiva política. E lhe apresentaram a tremenda e abaladora ideia de se libertar da pequena nobreza e da opressão. Um povo turbulento se colocava por trás dos deputados do Terceiro Estado (HOBSBAWM, 1962, p. 69). Com essa combustão objetivada por uma linha de pensamento mais generosa quanto aos direitos do homem e por uma sociedade mais justa e igualitária para todas as camadas sociais sem interferência de monarcas absolutistas, a França foi influenciada pelos ideais iluministas da época protegidos pelos intelectuais mais notáveis da filosofia, a exemplo de René Descartes, Baruch Spinoza, David Hume, Adam Smith, Jean-Jacques Rousseau, Immanuel Kant, Denis Diderot, Voltaire e, além destes, Cesare Beccaria. O pensamento iluminista foi um divisor de aguas na historia mundial, tanto pelo seu conceito de razão empírica quanto pelo seu consenso de que os homens são iguais dentro do campo jurídico e, assim deviam ser tratados igualmente perante as autoridades. Explica-nos Rogério Greco sobre tal assunto: O período iluminista teve importância fundamental no pensamentopunitivo, uma vez que, com o apoio na ―razão‖, o que outrora era praticado despoticamente, agora, necessitava de provas para ser realizado. Não somente o processo penal foi modificado, com a exigência de provas que pudessem conduzir à condenação do acusado, mas, e, sobretudo, as penas que poderiam ser impostas. O ser humano passou a ser encarado como tal, e não mais como mero objeto, sobre o qual recaía a fúria do Estado, muitas vezes sem razão ou fundamento suficiente para a punição. Mediante um raciocínio jusnaturalista, passou-se a reconhecer direitos inatos ao ser humano, que não podiam ser alienados ou deixados de lado, a exemplo de sua dignidade, do direito a ser tratado igualmente perante as leis etc. Até mesmo no que dizia respeito à pena de morte, algumas formas de aplicação foram sendo aperfeiçoadas, com a finalidade de trazer o menor sofrimento possível ao condenado, como ocorreu com a utilização da guilhotina, sugerida por Ignace Guillotin, pela primeira vez no dia 25 de abril de 1792, que consistia em fazer com que a morte ocorresse rapidamente por meio de um golpe seco, produzido por uma lâmina afiadíssima e pesada, que pendia sobre a cabeça do executado. As penas, que eram extremamente desproporcionais aos fatos praticados, passaram a ser graduadas de acordo com a gravidade do comportamento, exigindo-se, ainda, que a lei que importasse na proibição ou determinação de alguma conduta, além de clara e precisa, para que pudesse ser aplicada, estivesse em vigor antes da sua prática. Era a adoção do exigível princípio da anterioridade da lei (GRECO, Curso de Direito Penal - parte geral volume 1, 2017). Finalmente, algum tempo depois tanto Luís XVI, como sua esposa, foram executados, tendo todos os seus bens embargados. Sobre isso Altman leciona: Em 15 de janeiro de 1793, 707 deputados dos 718 presentes julgam o rei culpado de conspiração contra a segurança do Estado. Por 423 votos a 281, rejeitam em seguida a ideia dos deputados moderados da Gironda de fazer ratificar o julgamento pelo povo. Por fim, mediante votação nominal e aberta que durou 36 horas, os deputados se pronunciaram sobre a pena a aplicar ao condenado. Cada qual foi chamado a justificar seu voto. A maioria exigida era de 361 votos e 387 deputados pediram a pena de morte, mas 26 abriram a possibilidade de sursis. Com efeito, faltou apenas um voto para que Luís XVI escapasse da guilhotina. Luís XVI, 38 anos, é executado na guilhotina, no domingo, 21 de janeiro de 1793, na Praça da Revolução, hoje Praça da Concórdia. O rei abatido é tirado no começo da manhã da prisão de Temple. É transportado não na charreta habitual dos condenados, mas sim na viatura do prefeito de Paris, a pedido deste, e conduzido ao local do cadafalso. (ALTMAN, 2014). A revolução francesa consolidou a história da democracia e, por isso, a ela é atribuído total respeito histórico, sobretudo, no mundo jurídico, tanto no que diz respeito à conquista de um governo mais justo, quanto ao que concerne a concretização dos direitos humanos. Assim instrui Hobsbawm: Se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente sob a influência da revolução industrial britânica, sua política e ideologia foram formadas fundamentalmente pela Revolução Francesa. A Grã-Bretanha forneceu o modelo para as ferrovias e fábricas, o explosivo econômico que rompeu com as estruturas socioeconômicas tradicionais do mundo não europeu; mas foi a França que fez suas resoluções e a elas deu suas ideias, a ponto de bandeiras tricolores de um tipo ou de outro terem-se tornado o emblema de praticamente todas as nações emergentes, e a política europeia (ou mesmo mundial) entre 1789 e 1917 foi em grande parte a luta a favor e contra os princípios de 1789, ou os ainda mais incendiários de 1793. A França forneceu o vocabulário e os temas da política liberal e radical-democrática para a maior parte do mundo. A França deu o primeiro grande exemplo, o conceito e o vocabulário do nacionalismo. A França forneceu os códigos legais, o modelo de organização técnica e científica e o sistema métrico de medidas para a maioria dos países. A ideologia do mundo moderno atingiu as antigas civilizações que tinham até então resistido às ideias europeias inicialmente através da influência francesa. Esta foi à obra da Revolução Francesa (HOBSBAWM, A Era das Revoluções, 1982). O período no qual a França esteve em processo de revolução pode ser dividido em fases, porém, a etapa mais emblemática para a esfera penal foi à fase em que ocorreu a chamada assembleia constituinte realizada nos períodos de 1789 a 1792. Nessa toada, Napoleão Casado Filho aduz: A solução encontrada pelo soberano foi convocar os Estados Gerais para uma assembleia. Logo na abertura da assembleia, ocorreram desentendimentos entre o Rei e os representantes do 3º Estado. Eles queriam que as reuniões fossem em conjunto com todos os Estados, diferentemente do Rei. Este, ao ser contrariado, resolve dissolver a reunião. Os representantes do 3º Estado se revoltam com a atitude do Rei. No dia 14 de julho de 1789, a população se rebela contra a ordem vigente e vai às ruas, derrubando um dos símbolos do poder real: a prisão da Bastilha (FILHO, 2012, p. 38). A Assembleia Nacional Constituinte trata-se de um acontecimento histórico importantíssimo onde foram abolidos todos os direitos e mecanismos feudais das épocas, bem como os privilégios e garantias pessoais que não estavam em consonância a todos os indivíduos. O povo se organiza em Assembleia Geral Constituinte e em 26 de agosto aprova a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, um verdadeiro código dos direitos humanos reconhecidos à época. Essa declaração, em seu primeiro artigo, já definia que todos os homens nascem e permanecem livres em direitos. Em 17 artigos, a Declaração busca seguir o slogan da revolução: liberdade, igualdade e fraternidade (FILHO, 2012, p. 38). E, ainda, resultante desta reunião, aprovou-se a afamada "Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão" onde os princípios iluministas se consolidaram de forma garantista. A Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão traz uma enorme evolução no que diz respeito às garantias dos direitos naturais dos homens. Composto de um preambulo direcionado aos ideais libertários da época e de dezessete artigos que fazem referencia a liberdade e igualdade de tratamento entre todos os homens, a declaração dos direitos do homem e do cidadão é o documento embrionário para o nascimento do que hoje conhecemos como princípios do direito penal. Assim são detalhadas na redação de seu preambulo as preocupações da época: Os representantes do povo francês, constituídos em ASSEMBLEIA NACIONAL, considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos Governos, resolveram expor em declaração solene os Direitos naturais, inalienáveis e sagrados do Homem, a fim de que esta declaração, constantemente presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre sem cessar os seus direitos e os seus deveres; a fim de que os atos do Poder legislativo e do Poder executivo, a instituição política seja por isso mais respeitado; a fim de que as reclamações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral. Além disso, a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão defende em seu texto uma maior participação do povo na fiscalização do agente publico, bem como nas elaborações e aplicações das leis. Além disso, a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão defende em seu texto uma maior participação do povo na fiscalização do agente publico, bem como nas elaborações e aplicações das leis. Como a França passou décadas emais décadas sendo governadas por familiares monarcas absolutistas é de tamanha compreensão que o país desenvolvesse uma espécie de constituição entre os homens. Assim sendo, a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão foi uma espécie de carta de alforria para os cidadãos franceses preocupados em estabelecer a igualdade dos homens perante a lei como forma de equilíbrio social, uma vez que o monarca sozinho num regime totalitário e completamente tirano decidia por força de suas razões a vida dos mais abastados socialmente e, assim, quase que em todas as decisões prolatava uma sentença injusta usando de seu pensamento comum e único para aplicação da lei. Inicialmente, fora por esse motivo que a população francesa resguardou em separar os poderes dentro do país, evitando assim, que as entidades se beneficiassem entre si no que diz respeito as suas vantagens pessoais, a exemplo da igreja católica, que não era tão rigorosa no momento de exercer sua jurisdição espiritual sobre um membro da nobreza ou do próprio clero. Ainda, além destas, muitas outras são as garantias e direitos afiançados pelo texto da declaração, vejamos: Por consequência, a ASSEMBLEIA NACIONAL reconhece e declara, na presença e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos do Homem e do Cidadão: Artigo 1º- Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum. Artigo 2º- O fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses Direitos são a liberdade. A propriedade, a segurança e a resistência à opressão. Artigo 3º- O princípio de toda a soberania reside essencialmente em a Nação. Nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que aquela não emane expressamente. Artigo 4º- A liberdade consiste em poder fazer tudo àquilo que não prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei. Artigo 5º- A Lei não proíbe senão as ações prejudiciais à sociedade. Tudo aquilo que não pode ser impedido e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene. Artigo 6º- A Lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através dos seus representantes, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, quer se destine a proteger quer a punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos, são igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade, e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos. Artigo 7º- Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela Lei e de acordo com as formas por esta s prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser castigados; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da Lei deve obedecer imediatamente, senão torna- se culpado de resistência. Artigo 8º- A Lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias, e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada. Artigo 9º- Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor não necessário à guarda da sua pessoa, deverá ser severamente reprimido pela Lei. Artigo 10º- Ninguém pode ser inquietado pelas suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, contando que a manifestação delas não perturbe a ordem pública estabelecida pela Lei. Artigo 11º- A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do Homem; todo o cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na Lei. Artigo 12º- A garantia dos direitos do Homem e do Cidadão carece de uma força pública; esta força é, pois, instituída para vantagem de todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada. Artigo 13º- Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum, que deve ser repartida entre os cidadãos de acordo com as suas possibilidades. Artigo 14º- Todos os cidadãos têm o direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, a necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração. Artigo 15º- A sociedade tem o direito de pedir contas a todo o agente público pela sua administração. Artigo 16º- Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida à separação dos poderes não tem Constituição. Artigo 17º- Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir evidentemente e sob a condição de justa e prévia indenização. Muitos dos princípios e das garantias achados no direito penal e processual penal foram retirados em analise a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão, como por exemplo, a anterioridade da lei penal, a presunção de inocência, o direito de afiliações a associações politicas, entre outros. A declaração dos direitos do homem tem absoluta influencia no pensamento iluminista da época, pois esta foi categórica para o desenvolvimento de uma linha de pensamento mais humana e sensata no que tange a elaboração das leis e sua aplicação. O período humanitário nasce dessa doutrina de cunho iluminista, ou seja, a reformulação das leis no sentido de que o crime é um problema social jurídico e que em muitas das situações seria mais fácil e econômico o prevenir do que o punir. Um dos estudiosos mais memoráveis e importantes do período humanitário é, sem duvida, Cesare Bonesana conhecido como Marquês de Beccaria. Cesar foi autor de uma das obras mais relevantes do mundo jurídico, principalmente no século XVIII, também conhecido como ―Século Das Luzes‖ fazendo referencia ao iluminismo, ou ainda ―Século da Filosofia‖ como alusão aos grandes pensadores da filosofia. Cesare Beccaria tinha grande parte de seu pensamento imbuído pela doutrina de Rousseau e Montesquieu – o primeiro conhecido por seu discurso de contrato social, liberdade individual e que o homem nasce bom, porém se corrompe pelos demais e, o segundo famoso por sua teoria da separação dos poderes, intensa até os dias de hoje. O Marquês de Beccaria publicou em Milão a obra ―Dos delitos e das penas‖ onde trata da necessidade de reforma das leis penais vigorantes. O livro de Beccaria nada mais é do que uma oposição ao sistema penal daquela época, isto é, penas que constituíam uma crueldade maior do que o próprio mal consolidado. A obra em suma se contrapõe aos métodos usados na época, mas, além disso, discute vários aspectos da sociedade e do mundo jurídico, como por exemplo, a origem da pena e o direito de punir, a interpretação das leis, a obscuridade das leis por aquele que a lê, a prisão, o espirito familiar, a questão da tortura, a duração do processo, o banimento daqueles que perturbam a tranquilidade dos demais, as penas de confiscos, a pena de morte, entre demais outros assuntos. O professor Cleber Masson nos resume um dos primeiros pensamentos da obra de Cesare, as saber: Baseia seu pensamento no contrato social de Rousseau, de forma que o criminoso passa a ser reputado como violador do pacto social, sendo então considerado adversário da sociedade. A pena perdia seu caráter religioso, predominando a razão sobre questões espirituais. Surge a questão do livre-arbítrio, ou seja, o homem pratica um crime consciente de sua conduta antissocial. Como consequência
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