Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL 2 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL TORTURA ASPECTOS INICIAIS – NOÇÕES HISTÓRICAS Ao final da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se um movimento de proteção da dignidade da pessoa humana, direito esse que passou a ocupar status de valor constitucional supremo. Isso se deu principalmente em razão dos atos desumanos praticados tanto na Segunda Guerra Mundial, quanto na Primeira Guerra Mundial. Após esses episódios históricos, a sociedade passou a demandar que aqueles atos cruéis pratica- dos nunca mais se fossem repetidos, o que ensejou o surgimento de diversas normas internacionais que visavam à proteção e prevalência da dignidade da pessoa humana, bem como a coibição da tortura, atos cruéis e desumanos. A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a prever expressamente a prática de tortura em seu texto, conforme ensina a doutrina. Leiam-se algumas normas internas de vedação à tortura: » Constituição Federal de 1988 – art. 5º, III e XLIII. » Art. 233, Lei nº 8.069/90 – já revogado. » Lei nº 9.455/97. Observe-se o que diz o art. 5º da CF: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; Ressalta-se que a CF/88 foi a primeira a prever expressamente a prática de tortura, mas ela não tipifica o ato, haja vista que essa não é a função dela. A sua previsão se trata de um mandado constitucional voltado ao legislador ordinário para que ele tipifique determinadas condutas, o que foi feito primeiramente com o art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente (já revogado): Art. 233. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a tortura: Pena – reclusão de um a cinco anos. § 1º Se resultar lesão corporal grave: Pena – reclusão de dois a oito anos. § 2º Se resultar lesão corporal gravíssima: Pena – reclusão de quatro a doze anos. § 3º Se resultar morte: Pena – reclusão de quinze a trinta anos. LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL 3 Tratava-se da tipificação da conduta de tortura, mas somente quando praticada contra criança ou adolescente. Sendo assim, não cumpria exatamente com o mandado constitucional por não abranger a todo tipo de pessoa. Em seguida, houve a edição da Lei nº 9.455/97 – a atual Lei de Tortura no Brasil, a qual cum- priu de forma ampla e satisfatória o mandado constitucional e, ainda, revogou expressamente o art. 233 do ECA. Quanto ao tema, podemos pensar em duas possíveis questões de prova: É certo dizer que a CF trouxe o crime de tortura, tipificando-o? ERRADO! Não é papel da Constituição tipificar condutas. Ela trouxe um mandado constitucional de criminalização direcionado ao legislador ordinário. É certo que o art. 233 do ECA continua em vigor, mas apenas quando a vítima for criança ou adolescente. ERRADO! O art. 233 do ECA foi revogado expressamente no ano de 1997, com o advento da Lei nº 9.455/97. ESQUEMATIZAÇÃO Os artigos da Lei de Tortura que todo aluno deve conhecer são os arts. 1º e 2º, sobre os quais será apresentado um panorama geral, a seguir: Portanto, o art. 1º – incisos I, II, §1° e §2° – da Lei nº 9.455/97 prevê as seguintes condutas criminosas: a) TORTURA PROVA: Com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa. b) TORTURA CRIME: Para provocar ação ou omissão de natureza criminosa. c) TORTURA DISCRIMINATÓRIA: Em razão de discriminação racial ou religiosa. e) TORTURA CASTIGO: Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. f) TORTURA POR EQUIPARAÇÃO: Submeter pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. 4 g) TORTURA OMISSÃO: Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las. CARACTERÍSTICAS BEM JURÍDICO E COMPETÊNCIA O bem jurídico nada mais é do que o valor fundamental que a norma buscou proteger ao criminalizar determinadas condutas. Diante disso, qual foi o valor que a Lei nº 9.455/97 visou tutelar? A dignidade da pessoa humana, mais especificamente em sua integridade física e psíquica. Veremos que todos os delitos comissivos previstos admitem tanto sofrimento físico quanto mental. Com relação à competência, temos que a Justiça Estadual será aquela competente para proces- sar e julgar os crimes de tortura (em regra). No entanto, existe a possibilidade de a Justiça Federal processar e julgar crimes dessa natureza, quando estiverem configurados os requisitos do art. 109, inciso IV da Constituição Federal: Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; Ainda existe a possibilidade de a Justiça Militar ser a competente para processar e julgar os crimes da Lei de Tortura. Para a melhor compreensão desse tema, é necessário analisar alguns aspectos da Lei nº 13.491/2017. Lembre-se de que a Justiça Militar é a competente para julgar crimes militares. Posto isso, antes da Lei nº 13.491/2017, os crimes militares eram aqueles previstos somente no Código Penal Militar, e os crimes de tortura não estão previstos neste código. Com o advento da lei mencionada, foram estendidas as hipóteses de crimes militares, incluin- do-se os crimes previstos no Código Penal ou em Legislações Penais Extravagantes. Contudo nessas hipóteses o delito apenas será militar se cometido na forma do art. 9º, inciso II do CPM (militar em serviço ou no exercício de sua função). Vejamos o seguinte exemplo: Um militar, após o advento da Lei nº 13.491/2017, comete um crime contido na Lei de Tortura (ou seja, um crime previsto em legislação especial) enquanto estava em serviço. Nessa situação existe um crime militar, o qual será processado e julgado pela Justiça Militar. PRESCRITIBILIDADE Os crimes contidos na Lei de Tortura são prescritíveis (podem prescrever), aplicando-se os prazos prescricionais previstos no Código Penal. ͫ Lembrando que os únicos crimes imprescritíveis no ordenamento brasileiro são: racismo e ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado democrático. Atenção! Quando às ações de reparação (âmbito cível) decorrentes de atos de tortura prati- cados durante o Regime Militar, elas são imprescritíveis, conforme firmado entendimento do STJ. LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL 5 HEDIONDEZ A doutrina entende que os crimes de tortura não são hediondos propriamente ditos, mas sim equiparados/assemelhados a hediondo. Na prática não existe diferença, pois esses crimes sofrerão as mesmas consequências rígidas dispensadas aos delitos hediondos. Apesar disso, existe a exceção do art. 1º, § 2º, da Lei nº 9.455/97 (tortura por omissão), o qual não é considerado crime equiparado a hediondo (e nem mesmo hediondo). Portanto, é correto afirmar que apenas os crimes de tortura comissivos são assemelhados a hediondo, aplicando-se a disciplina da Lei nº 8.072/90.
Compartilhar