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Gemelaridade DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO: A gravidez gemelar é definida pela presença simultânea de 2 ou mais gestações, dentro do útero ou fora dele, podendo ser classificada em dupla, tripla e múltipla de elevada ordem: quádrupla, quíntupla, sêxtupla etc. Cada produto da gravidez gemelar é considerado um gêmeo. As principais complicações encontradas nesse tipo de gravidez são o parto pré-termo e a elevada morbidade e mortalidade fetal e neonatal. A morbidade e a mortalidade materna também estão elevadas na gravidez gemelar: hiperêmese, diabetes melito gestacional, hipertensão, anemia, hemorragia, parto cesáreo e depressão pós-parto. A pré-eclâmpsia na gravidez gemelar apresenta risco relativo 2,6 vezes maior do que na gravidez única e a doença tende a ocorrer mais cedo. A corionicidade é o fator mais importante a ser determinado na gestação gemelar, uma vez que as gestações monocoriônicas apresentam mais complicações e elevada morbimortalidade neonatal. Zigosidade é diferente de corionicidade. Gestações dizigóticas sempre serão dicoriônicas e diamnióticas. Nas gestações monozigóticas, o tipo de placentação depende do período da divisão do zigoto após a fertilização: - Dicoriônica e diamniótica (DC/DA) – Quando ocorre nos primeiros três dias; - Monocoriônica e diamniótica (MC/DA) – Quando ocorre entre o quarto e o sétimo dia; - Monocoriônica e monoamniótica (MC/MA) – Quando ocorre entre o oitavo e o 12º dia; - Gemelaridade imperfeita – Quando ocorre após 13 dias. A classificação da gravidez gemelar baseia-se na: - Quantidade de fetos: dupla, tripla, quádrupla etc. - Quantidade de ovos fertilizados: zigotia - Quantidade de placentas: corionia - Quantidade de cavidades amnióticas: amnionia. Zigotia: Em relação à quantidade de ovos fertilizados, os gêmeos podem ser MZ ou DZ. Os MZ, ou gêmeos verdadeiros, uniovulares ou univitelinos, cerca de 1/3 dos gemelares, resultam da fertilização de um óvulo por um único espermatozoide. Os MZ podem corresponder a qualquer tipo de placentação, monocoriônica (MC) ou dicoriônica (DC). Os gêmeos MZ têm o mesmo genótipo: o sexo é obrigatoriamente igual, como também são os grupos sanguíneos, as características físicas e as tendências patológicas. Os gêmeos DZ, ao contrário, são o resultado de 2 ovos fertilizados por 2 espermatozoides e representam 2/3 dos gemelares. São também denominados fraternos, biovulares ou bivitelinos. A placentação é obrigatoriamente DC, embora a placenta possa estar fusionada. Corionia/Amnionia (Placentação): No que se refere ao tipo de placentação (corionia ou corionicidade) os gêmeos DZ são sempre DC: 2 placentas, embora possam estar fusionadas, uma só massa placentária. A placentação nos MZ pode ser de qualquer tipo e depende da época, em relação à fertilização, na qual ocorre a divisão do zigoto. Quando a divisão ocorre muito precocemente, durante os 3 primeiros dias após a fertilização, pela divisão da mórula, formam-se 2 blastocistos e os gêmeos serão DC, diamnióticos (DA) (30% dos MZ). Quando a divisão ocorre entre o 3 o e o 8 o dia após a fertilização, por divisão do embrioblasto, antes da formação do âmnio, o resultado será a placentação MCDA (70% dos MZ). Se a divisão sucede entre o 8 o e o 13 o dia após a fertilização, por divisão completa do disco embrionário, depois da formação do âmnio, a placentação é MC monoamniótica (MA) (1% dos MZ). Quando a divisão ocorre após o 13 o dia da fertilização, a separação do disco embrionário será incompleta, resultando em gemelidade imperfeita (rara); a placentação será obrigatoriamente MCMA. DIAGNÓSTICO: Suspeita-se de gravidez gemelar quando o tamanho uterino está muito aumentado, em discordância com a idade da gestação. O diagnóstico clínico da gemelidade está superado em face da precocidade e da certeza da ultrassonografia. Ultrassonografia: Ainda é singela a distinção entre a presença de 1 ou mais sacos gestacionais (SG). Os ecos fetais também são identificados, assim como os batimentos cardíacos. É trivial a associação de ovo anembrionado coexistindo com gestação normal (gêmeo evanescente). Apesar da maior frequência de sangramento no 1º trimestre, o prognóstico é bom. Do 1º trimestre da gravidez até o parto do 2º gemelar, a utilização da ultrassonografia no acompanhamento da gravidez gemelar é onipresente e indispensável. Entre as aplicações clínicas mais comuns estão a determinação de corioamnionicidade; a confirmação da idade da gravidez; o diagnóstico de anomalias e de complicações; o exame do colo; a avaliação do crescimento fetal e do volume do líquido amniótico (LA); a localização da placenta; e a posição fetal para a conduta no parto. Apesar da falta de evidência nível I, praticamente todos os gemelares são mais criteriosamente acompanhados pela ultrassonografia do que os fetos de gestações únicas. Diagnóstico da Zigotia: O diagnóstico da zigotia tem muito menos importância do que o da corionia. Em 35% dos gemelares, a zigotia pode ser definida como DZ por achado de sexo discordante e placenta DC. Em 20% dos casos, é certa a MZ pelo achado de placenta MC. Por outro lado, em 45% dos gemelares, a zigotia é indeterminada, pois embora o sexo seja concordante, a placenta é DC. Diagnóstico da Corionia/Amnionia: Do 1º trimestre da gravidez até o parto do 2º gemelar, a utilização da ultrassonografia no acompanhamento da gravidez gemelar é onipresente e indispensável. Entre as aplicações clínicas mais comuns estão a determinação de corioamnionicidade, além disso tem-se: • A confirmação da idade da gravidez; • O diagnóstico de anomalias e de complicações; • O exame do colo; • A avaliação do crescimento fetal e do volume do líquido amniótico (vLA); • A localização da placenta; • A posição fetal para a conduta no parto. A fase ideal para se determinar a corioamnionicidade é o 1º trimestre da gravidez. Antes de 10 semanas da gravidez há inúmeros sinais sonográficos que tornam possível a determinação da corioamnionicidade: • Número de sacos gestacionais: cada SG forma a própria placenta. Assim, a presença de 2 SG implica uma gravidez DC, enquanto SG único com 2 batimentos cardiofetais (BCF) identificados atesta gemelaridade MC; • Número de cavidades amnióticas: quando os gêmeos DA são identificados antes de 10 semanas, âmnios separados e distintos podem ser vistos pela ultrassonografia (US) transvaginal. Antes de 10 semanas, os 2 âmnios separados da gravidez DA ainda não se expandiram o suficiente para entrarem em contato e criarem a membrana (ou septo) intergemelar. Os 2 âmnios são extremamente finos e delicados, mas podem ser identificados como estruturas separadas na US transvaginal. • Número de vesículas vitelinas: o número de vesículas vitelinas (VV) é útil para o diagnóstico da amnionicidade. Quando 2 VV são vistas, a gravidez é DA, enquanto uma única VV, na maioria dos casos, indica gêmeos MA. Uma única VV com 2 embriões obriga a um seguimento sonográfico para determinar definitivamente a amnionicidade. Depois de 10 semanas, esses sinais sonográficos já não estão mais presentes: os SG já não são mais distintamente separáveis, e a membrana intergemelar está formada. Nesse estágio, novos sinais sonográficos para determinar amnionicidade/corionicidade são procurados: 1. Genitália fetal; 2. Número de placentas; 3. Sinal lambda ou twin peak; 4. Características do septo intergemelar. • Discordância sexual: não é rotineiramente utilizada na ultrassonografia de 10 a 14 semanas. A discordância entre os sexos identifica a dicorionicidade; mas a concordância não a afasta. • Número de placentas: duas placentas separadas, distintas, sugerem dicorionicidade, mas uma única massa placentária pode ser indicativa de 2 placentas fusionadas. • Sinal lambda(twin peak): esse sinal representa uma projeção do tecido corial placentário estendendo-se entre o septo intergemelar, junto à inserção na placenta, e caracteriza a gemelidade DC. É denominado sinal lambda pela semelhança com essa letra grega. A monocorionicidade pode ser determinada pela ausência do sinal lambda (mas também pela presença do sinal T). O sinal lambda ausente após 16 a 20 semanas não exclui a dicorionicidade, daí a importância da sua caracterização no 1º trimestre da gravidez. • Características do septo intergemelar: o septo intergemelar da variedade dicoriônica é formado por 4 membranas, 2 âmnios e 2 córios, por certo mais ecogênico que o septo MCDA, constituído apenas por 2 âmnios. A espessura do septo intergemelar > 2 mm identifica a dicorionicidade com valor preditivo positivo de 95%, enquanto a espessura ≥ 2 mm tem valor preditivo positivo de 90% para a monocorionicidade. No 2º trimestre, a quantidade de membranas pode ser contada e se houver mais de duas, a dicorionicidade é fortemente sugerida. Se não for detectado o septo intergemelar, há de se excluir a possibilidade da gravidez gemelar MCMA, que é rara. Nessa eventualidade, o sinal mais definitivo de monoamnionicidade é o entrelaçamento dos cordões, mais bem identificado ao Doppler colorido. O uso da US transvaginal pode ajudar a visualizar septo muito fino despercebido na via abdominal. Todo o esforço deve ser feito para diagnosticar a corioamnionicidade na gravidez gemelar antes de 14 semanas. RASTREAMENTO, AVALIAÇÃO DO BEM-ESTAR FETAL E PRÉ-NATAL: Rastreamento Do Parto Pré-Termo: O parto pré-termo é a maior causa de morbiletalidade na gravidez gemelar. O comprimento do colo > 35 mm, medido por volta de 18 a 24 semanas, é altamente indicativo de que a gravidez alcançará 34 a 35 semanas. Em grávidas com ameaça de parto pré-termo, o colo > 25 mm indica que a interrupção não ocorrerá no prazo de 1 semana; ao contrário, estando o colo ≥ 15 mm, em 44% dos casos o parto se dará em 1 semana. Em gestações gemelares assintomáticas com o colo ≥ 25 mm, mostraram que a cerclagem não foi capaz de trazer benefícios. Todavia, estando o colo ≥ 15 mm, antes de 24 semanas, houve prolongamento da gravidez significativamente estatístico de quase 4 semanas, diminuição de parto prétermo e de admissão à UTI neonatal. Por outro lado, em revisão de metanálise, concluiu-se que a cerclagem na gravidez gemelar em mulheres com o colo curto (< 25 mm) no 2º trimestre não trouxe nenhum benefício. Finalmente, sinala-se que, na gravidez gemelar com o comprimento do colo < 38 mm (< 25 o porcentil), o uso de pessário entre 16 e 22 semanas reduz o risco de parto pré-termo. Aplicando o modelo multivariável, colo curto (< 38 mm), monocorionicidade e nuliparidade, 35% das mulheres (1 em 3) se beneficiaram do uso do pessário. Por outro lado, a história de parto pré-termo e a gravidez tripla são fatores preditivos que contraindicam o uso do pessário. • Recomendações: ainda não existem dados suficientes para se recomendar o exame universal do colo uterino na gravidez gemelar. Para medir o comprimento do colo uterino, deve ser obrigatoriamente utilizada a US transvaginal. Rastreamento e Avaliação do Bem-Estar Fetal: • Como ocorre: o crescimento dos gêmeos no 1º e no 2º trimestre não é diferente daquele de fetos de gestações únicas. Mas a partir de 30 a 32 semanas, há alentecimento no crescimento dos gemelares. É necessário rastrear o CIR seletivo que necessita de acompanhamento sonográfico intensivo para prevenir complicações fetais/neonatais. • Quando ocorre: ocorre nos dois primeiros trimestres com atenção especial a partir de 30-32 semanas, quando ocorre o crescimento dos gemelares. Para avaliar o crescimento de gêmeos, devem ser utilizadas curvas da gravidez única. A discordância de crescimento na gravidez gemelar é definida quando houver diferença > 20 mm na CA ou diferença > 20% no peso estimado. • Recomendações: a ultrassonografia seriada na gravidez gemelar MC deve ser realizada a cada 2 a 3 semanas, a partir de 16 semanas da gestação, e na DC, a cada 3 a 4 semanas, com início na ultrassonografia morfológica em 18 a 22 semanas. O acompanhamento fetal deve ser intensificado quando houver CIR em 1 dos gemelares ou crescimento discordante significativo. Quando não há complicações, o Doppler da artéria umbilical não deve ser oferecido de rotina na gravidez gemelar. O Doppler da artéria umbilical pode ser útil, caso haja CIR em um dos fetos ou crescimento discordante entre os gemelares. Para definir oligoidrâmnio ou polidrâmnio, o ultrassonografista deve utilizar o maior bolsão vertical em cada saco: < 2 cm para oligoidrâmnio e > 8 cm para polidrâmnio. Pré-Natal e Recomendação Para Parto: Não existe um número mínimo de consultas pré-natal definido como ideal para as gestações gemelares. Os exames laboratoriais são os mesmos preconizados para as gestações únicas. Devido ao maior risco de anemia materna aconselha-se dosar a hemoglobina a cada trimestre. A pesquisa para o estreptococo do grupo B é realizada entre 30 a 32 semanas devido à menor idade gestacional média no parto das gestações gemelares. Nas gestações monocoriônicas é recomendada a avaliação quinzenal a partir de 16 semanas para investigar o diagnóstico de síndrome de transfusão feto-fetal. A idade gestacional ideal para a resolução da gestação é controversa. Uma prática comum é recomendar a resolução das gestações monocoriônicas com 36 semanas completas e das dicoriônicas com 38 semanas. As complicações mais comuns são distocias, apresentação fetal anômala, prolapso de corsão, descolamento prematuro de placenta e hemorragia pós-parto. Para a escolha de via de parto são levados em consideração alguns aspectos, principalmente a viabilidade dos fetos, apresentação, estimativa de peso e paridade e idade gestacional. Para gestações a termo, quando o primeiro gemelar ou ambos são cefálicos, não havendo outras complicações, pode-se optar pela via vaginal. Em casos em que o primeiro gemelar não é cefálico ou apresenta peso estimado menor que o segundo, com diferença maior ou igual a 500g, opta-se por cesárea. Para gestações prétermo em que o peso estimado é menor que 1.500g, assim como nas gestações com 3 ou mais gemelares, a via recomendada também é a cesárea. Durante o parto costuma ser maior a mortalidade do segundo gemelar. IDADE DA GRAVIDEZ; O comprimento cabeça-nádega (CCN) no 1 o trimestre e o diâmetro biparietal (DBP), no 2º trimestre, indicam a idade da gravidez com erro de mais ou menos 7 dias, e a precisão de ambos é muito similar. No 2º trimestre ainda podem ser utilizados circunferência cefálica, circunferência abdominal (CA) e comprimento do fêmur. Na gravidez gemelar modesta, é possível ocorrer discordância de tamanho e a melhor conduta é considerar o maior dos gêmeos para efeitos de datação, pois o menor deles pode apresentar crescimento intrauterino restrito (CIR), considerando-se melhor superestimar a data do que omitir possível CIR. Embora a acurácia da estimativa da idade da gravidez no 1º e no 2º trimestre seja similar, o melhor é utilizar a 1 a ultrassonografia. No 2º trimestre, a idade da gravidez deve ser determinada por uma combinação de parâmetros sonográficos. Quando houver discordância de tamanho entre os gêmeos, o melhor para efeito de datação é considerar o maior deles, evitando-se que se omita possível diagnóstico de CIR precoce. COMPLICAÇÕES: Existem normas de ganho de peso para a gestação única e a gemelar. Para a gestação gemelar, recomenda-se de 12 a 20 kg. A gemelidade está associada a inúmeras complicações maternas e fetais. Registra-se a maior incidência de: • Êmese e hiperêmese gravídica; • Dispneia; • Edema suprapubico e dos membros inferiores;• Varizes nas pernas e na vulva; • Estrias gravídicas • Abortamento; • Pré-eclâmpsia (gêmeos: aumento de 3 vezes; múltiplos: aumento de 9 vezes); • Polidrâmnio (aumento de 10 vezes, agravando os fenômenos compressivos e aumentando a incidência de parto pré-termo); • Parto pré-termo • Ruptura prematura das membranas (RPM); • Placenta prévia (por ser maior a área placentária, é dupla a incidência); • Hemorragia pós-parto; • Doença tromboembólica venosa (DTV); • Recém-nascido de baixo peso (média de peso em gêmeos: 2.500g; trigêmeos: 2.000 g; quadrigêmeos: 1.500 g); • CIR; • Anomalias congênitas (especialmente na variedade MC). A gravidez gemelar é responsável por 13 a 20% de todos os partos pré-termo. Aproximadamente 60% dos gêmeos nascem antes de 37 semanas e 12% antes de 32 semanas. O parto pré-termo tem um aumento de 6 vezes na gravidez gemelar e no pré-termo com < 32 semanas o acréscimo é de 13 vezes. Síndrome da Transfusão Feto-Fetal/Gêmelo- Gemelar: A STGG pode ser classificada em: • STGG propriamente dita ou sequência oligoidrâmniopolidrâmnio do gemelar; • STGG aguda perimortem; • STGG aguda perinatal; • Sequência de perfusão arterial reversa do gemelar; • Sequência anemia-policitemia do gemelar. A STGG aguda perimortem é a que foi descrita na morte unifetal e a STGG perinatal é o acidente semelhante durante o parto. A STGG é uma complicação grave que ocorre em 10 a 15% das gemelidades MCDA e 5% das MCMA, com morbiletalidade elevada mesmo nos casos adequadamente tratados. Na STGG há transfusão de sangue de um dos fetos (doador) para o outro (receptor) por meio de anastomoses vasculares existentes na placenta. O gêmeo doador fica hipovolêmico e desenvolve oligúria, oligoidrâmnio e CIR, enquanto o receptor manifesta poliúria, polidrâmnio e hidropisia. O critério adotado para o diagnóstico é a discordância de LA existente nas 2 cavidades – bolsão > 8 cm na cavidade do receptor e bolsão < 2 cm na cavidade do doador. A angioarquitetura da placenta MC mostra 3 tipos de anastomoses: arteriovenosas (AAV), arterioarteriais (AAA) e venovenosas (AVV). As AAV são profundas dentro da placenta e unidirecionais; as AAA e a AVV são superficiais e bidirecionais. Comunicações vasculares MC existem praticamente em todas as gestações mas somente certos padrões conduzem à STGG. Já nas placentas MC com STGG há uma AAA em apenas 25% delas. Pode-se concluir que as AAA são, de algum modo, protetoras, compensando o desequilíbrio hemodinâmico determinado pelo shunt arteriovenoso. A gravidade da STGG costuma ser classificada em estágios de Quintero que levam em conta critérios clínicos e sonográficos. A combinação arteriovenosa não representa anastomose real do ponto de vista anatômico, mas cotilédone que é alimentado por uma artéria do doador e drenado por veia do receptor (3ª circulação). Os ramos aferente e eferente, compartilhados por ambos os fetos, correm superficialmente na placa corial e se aprofundam vis-a-vis para se dirigirem ao cotilédone. A ultrassonografia de 11 a 13 +6 semanas pode entrever a possibilidade de STGG pelo achado de TN > 2,5 mm em um dos gêmeos, discordância > 0,5 mm entre as 2 TN ou ducto venoso zero/reverso. • Alterações Cardíacas e Fluxométricas: a disfunção diastólica geralmente precede e é mais pronunciada do que a sistólica. Os fetos doadores tipicamente apresentam parâmetros normais à ecocardiografia. Nos fetos receptores as alterações fluxométricas são caracterizadas por duto venoso zero/reverso e pulsação na veia umbilical. Cerca de 3 a 10% dos fetos doadores apresentam pulsação na veia umbilical; a artéria umbilical pode exibir diástole zero/reversa. • Tratamento: o tratamento da STGG pode ser feito por: amniodrenagem, lasercoagulação fetoscópica e coagulação bipolar do cordão (feticídio terapêutico). A remoção de grandes quantidades de LA visa prevenir o parto pré-termo secundário ao polidrâmnio e melhorar a circulação fetal pela redução da pressão na placa corial da placenta. Por outro lado, a terapia a laser, indicada na gestação até 26 semanas, tem como objetivo ocluir as anastomoses vasculares, interrompendo a troca de sangue intergemelar. Os resultados da laser- coagulacão são bastante superiores aos da amniodrenagem. Outra opção para o tratamento da STGG é o feticídio terapêutico de um dos fetos agônicos, geralmente o receptor hidrópico, pela coagulação bipolar do seu cordão. A laser-coagulação atualmente proposta coagula todas as anastomoses individuais, incluindo todo o equador vascular entre elas na placa corial, e é denominada de lasercoagulação de Solomon (dicorionização equatorial). Os resultados da laser- coagulação equatorial são superiores aos da seletiva, com sobrevida de ambos os gêmeos em 64% das pacientes e de no mínimo um dos gêmeos em 85% das pacientes. Apontam-se os sinais indicativos de morte fetal no doador após a laser-coagulação: discordância de peso > 30%, diástole reversa no Doppler da artéria umbilical e inserção velamentosa/marginal do cordão umbilical. Os resultados do procedimento foram 75% de sobrevida de ambos os fetos e 90% de um dos fetos. Na verdade, no estágio I de Quintero é proposta a conduta expectante com ótimos resultados e nos estágios II-IV, a laser-coagulação. História natural do estágio I de Quintero: 4,8% dos casos permanecem no estágio I, 22% regridem, 60% progridem nos estágios e 10% terminam em parto periviável espontâneo. Nessas condições, propõem a conduta intervencionista no estágio I, particularmente através da laser-coagulação que está associada a maior sobrevida fetal e melhor prognóstico. Sequência de Perfusão Arterial Reversa do Gemelar: A sequência de anemia-policitemia gemelar (TAPS, do inglês twin anemia-polycythemia sequence) ocorre em 5% das gestações MCs/DAs e em 13% das gestações com STFF após ablação com laser. Nessa patologia, ocorrem pequenas anastomoses vasculares (< 1 mm) que permitem fluxo lento entre doador e receptor, levando à discordância entre as hemoglobinas dos fetos ao nascimento (diferença de hemoglobina maior que 8 g/dL). O diagnóstico pré-natal ocorre por meio da discordância no PVS-ACM entre os fetos: feto doador com PVS-ACM > 1,5 MoM (múltiplo da mediana), sugerindo anemia, e feto receptor com PVS-ACM < 1,0 MoM, sugerindo policitemia. Há risco de prejuízo no desenvolvimento neurológico e morte fetal nos casos mais graves. O rastreamento deve ser iniciado a partir de 20 semanas com a medida do PVS-ACM e, após, ablação com laser nos casos de STFF. O tratamento depende da gravidade da situação e da IG, podendo ser realizado manejo conservador, uso de laser, transfusão intrauterina e até mesmo interrupção da gestação. Crescimento Intrauterino Restrito Seletivo: O crescimento fetal na gestação gemelar é paralelo com o da gravidez única até 32 semanas; depois, a taxa de crescimento é menor. A taxa de CIR seletivo é de 16%. O diagnóstico da discordância fetal é fundamentado na diferença entre as CA > 20 cm ou entre os pesos fetais estimados > 20%. Quando o CIR seletivo é diagnosticado, deve-se considerar a possibilidade de aneuploidia, anomalia congênita ou síndrome viral estar afetando apenas um feto. Na variedade MC, o CIR seletivo deve- se ao compartilhamento placentário desigual. Para se identificar o CIR seletivo na placenta MC, aconselha-se o rastreamento a cada 2 semanas (a partir de 16 semanas) e, na DC, a cada 4 semanas (a partir de 20 a 24 semanas). Confirmado o CIR seletivo, a avaliação fetal é feita pelo Doppler da artéria umbilical. A interrupção da gravidez no CIR seletivo com o Doppler da artéria umbilical normal é realizada habitualmente com 32 a 34 semanas. Quando o feto comprometido apresenta diástole zero/reversa, paradade crescimento, anúria/anidramnia, antes de 26 semanas, está indicada a redução seletiva (coagulação bipolar do cordão). Particularmente na gravidez MC, sinala-se uma incidência de CIR seletivo de 10 a 15%. O diagnóstico é baseado no peso fetal de um dos fetos menor que 10 o porcentil ou uma diferença entre os pesos maior ou igual a 25%. O Doppler da artéria umbilical do feto com CIR seletivo exibe três tipos de padrões: Tipo I (positivo), Tipo II (zero/reverso) e Tipo III (intermitente, zero/reverso e positivo, em um pequeno intervalo de tempo). Comparado com o padrão Tipo I, o risco de morte fetal intrauterina foi maior quando o padrão era ou tornou-se Tipo II reverso e Tipo II zero. A estratificação do risco baseada no padrão do Doppler da artéria umbilical do gêmeo com CIR seletivo é útil para planejar o acompanhamento fetal, muito embora os padrões possam se modificar com o tempo. Malformação Fetal Discordante: Na gravidez gemelar, a malformação discordante tem conduta que objetiva minimizar a probabilidade de morte do gêmeo normal e prevenir o parto pré-termo no caso dos anencéfalos, pela polidramnia. Na gemelidade DC, a redução seletiva é feita com injeção intracardíaca de KCl. Na MC, a redução seletiva do parto não pode ser realizada com KCl porque a substância entra na circulação do feto normal, devendo ser utilizada a coagulação bipolar do cordão guiada por ultrassonografia. Na gravidez DC, o risco de abortamento após a redução seletiva é de 5% se o procedimento for realizado antes de 16 semanas, e de 15% após essa época. Na variedade MC, a taxa de sobrevida perinatal no cogêmeo é maior quando a redução seletiva é realizada após 18 semanas da gravidez. Em casos de gemelidade discordante para anencefalia, na variedade DC, o polidrâmnio complica 55% dos casos, podendo-se realizar a amniodrenagem seriada. O rastreamento de aneuploidias na gravidez gemelar deve ser feito pela medida da TN, pois os testes bioquímicos não são fidedignos. Na gravidez gemelar DC, cada feto terá o seu risco individualizado; na variedade MC, afere-se o risco pelo concepto que apresentar a maior TN e, na maioria dos casos, quando presente aneuploidia, ambos os fetos estão afetados. A determinação do cariótipo deve ser realizada por amniocentese ou biopsia de vilo corial (BVC). Na gemelidade DC há de se cariotipar ambos os fetos, o que aumenta as dificuldades e as complicações do procedimento. Na amniocentese, tem-se proposto uma única entrada da agulha, por certo com 2 coletas. Na gemelidade MC, caso a placenta seja única e os gêmeos, MZ, a opção de escolha é a BVC, pois o cariótipo único representa ambos os fetos. Morte Unifetal: A morte unifetal até o fim do 1º trimestre, está associada à completa reabsorção do ovo, não havendo, no parto, qualquer evidência de gravidez gemelar. Se o óbito fetal for mais tardio, mas ainda longe do termo, a gravidez pode continuar e, no parto, o feto morto será facilmente identificado juntamente com a placenta e as membranas. Na gravidez DC, a morte unifetal, representa risco para o feto remanescente, principalmente quando relacionada com o parto prétermo, e decorre da liberação de citocinas e de prostaglandinas pela placenta em autólise. O risco de parto pré-termo é de 54%. Na variedade MC e especialmente na STGG, a morte unifetal é mais frequente (15%), em virtude das comunicações vasculares placentárias entre os gêmeos. Com a morte de um dos fetos, o cogêmeo vivo sofre desequilíbrio hemodinâmico agudo (STGG aguda perimortem). É como se ele “dessangrasse” no gêmeo morto, de modo a sofrer hipoperfusão, que pode ocasionar lesão neurológica (26%) ou mesmo óbito (15%). O risco de parto pré-termo é de 68%. A morte unifetal na gravidez gemelar monocoriônica está associada a grave lesão cerebral em 1 a cada 4 cogêmeos, a indicar exames de neuroimagem de rotina ante e pós-natal. O seguimento no feto vivo deve ser feito por ultrassonografia, após 4 semanas do óbito, ou por ressonância magnética para avaliar possível sequela neurológica. Propõe-se, também, o Doppler da artéria cerebral média (ACM) seriado para rastrear anemia. Gemelidade Monocoriônica: Já se discutiu o papel da reprodução assistida no aumento da incidência da gemelidade DC. Uma complicação inesperada da FIV é a de que ela aumenta também a frequência da gemelidade MC: 1 em cada 20 gemelares após FIV são MC. A discordância na TN em gêmeos MC é importante para predizer o prognóstico. A discordância da TN > 20% ocorre em 1:4 gestações MC. Nesse grupo, o risco de morte fetal precoce (≤ 20 semanas) foi > 60% e o de STGG grave > 50%. Gemelidade Monoamniótica: A divisão do embrião a partir do 8º dia da fertilização determina a gemelidade MA. Há apenas uma cavidade amniótica, uma única placenta e dois cordões umbilicais que se inserem na placa corial muito próximos um do outro. A ultrassonografia mostra 1 SG, 2 fetos separados sem membrana divisória e habitualmente uma única VV, embora o achado de duas não exclua a gemelidade MA. Antes de 9 semanas, a ausência da membrana intergemelar não afasta a gemelidade MA, pois o septo pode ser muito fino a essa época. Após o 1º trimestre, uma única placenta, ausência do septo intergemelar e fetos do mesmo sexo movendo-se livremente em volume de LA normal suportam o diagnóstico da monoamnionia. É muito frequente o entrelaçamento dos cordões na monoamnionia: massa comum de vasos umbilicais que ao Doppler exibem 2 padrões distintos de ondas arteriais, com frequências cardíacas também diferentes. A sensibilidade da ultrassonografia com Doppler colorido para o diagnóstico do entrelaçamento dos cordões é de 90%. Enquanto a STGG é vista em 10 a 15% dos gêmeos MCDA, nos MCMA ela é menos frequente – 5%. Isso reflete a presença de anastomoses arterioarteriais (AAA) na variedade MA que protege contra o desenvolvimento da STGG. O diagnóstico da STGG na variedade MCMA não pode ser feito pela discordância dos volumes dos líquidos amnióticos. O entrelaçamento dos cordões ocorre em 55 e 74% dos casos e é indicativo de mau prognóstico quando revela na artéria umbilical incisura, relação A/B elevada, diástole zero/reversa e pulsação na veia umbilical. É uma complicação menor na gravidez MA e parece não afetar a morbidade e a mortalidade. São mais comuns as anomalias congênitas, a sequência de perfusão arterial reversa do gemelar (TRAP) e o parto pré-termo. Em aproximadamente 90% dos casos há sobrevida de pelo menos 1 feto, e em 84%, de ambos os gêmeos. Embora a mortalidade perinatal seja de 10 a 20%, poucas mortes são atribuídas ao entrelaçamento dos cordões. A maioria ocorre antes de 20 semanas e são atribuídas a gemelidade imperfeita, anomalia fetal, abortamento e acardíaco. Os melhores resultados obtidos na gemelidade MA devem-se ao rigoroso monitoramento fetal após 26 a 28 semanas (ultrassonografia com Doppler colorido, perfil biofísico fetal, cardiotocografia basal) e à interrupção da gestação com 32 semanas. Gemelidade Imperfeita: A gemetogênese favorece anomalias do desenvolvimento, principalmente quando tardias, nos tipos MA, entre os dias 13 e 15 da fertilização. A principal modalidade é constituída pelos thoracopagus, quando os gêmeos se colocam face a face e apresentam junções entre o tórax e o abdome, com fígado, coração e intestinos compartilhados. O diagnóstico é prontamente feito pela ultrassonografia. Cerca de 30% dos gêmeos acolados são natimortos e 1/3 dos nascidos vivos têm defeitos que não são suscetíveis de cirurgia e por isso morrem no período neonatal. Naqueles nascidos vivos que suportam a cirurgia, 60% sobrevivem. Se houver possibilidade de separação pós-natal, os gêmeos devem ser monitorados com atenção, especialmentepara sinais de insuficiência cardíaca; o parto, em geral, é por cesárea clássica. Gemelidade Multifetal: A seguir, apresenta-se incidência de gemelidade multifetal em concepções espontâneas. • Dupla: 1:90; • Tripla: 1:8.000; • Quádrupla: 1:700.000; • Quíntupla: 1:60.000.000. O Comitê de Ética do ACOG (2013) refere que a reprodução assistida aumentou a taxa de gravidez multifetal dupla em 22 vezes e a tripla, em 100 vezes; a incidência de gravidez dupla é de 26% e a múltipla de 1,3%. Contudo, restrições no número de transferência de embriões nos anos de 1998 a 2009 possibilitaram uma redução de quase 30% na incidência de gravidez multifetal. Os indutores de ovulação e a FIV são os principais responsáveis pela elevada incidência de gravidez multifetal. Nos EUA o número de embriões transferidos é discutido entre o médico e a paciente. Na Inglaterra, no máximo 2 são transferidos e no Canadá, no máximo 3. O grande objetivo da FIV é alcançar taxa elevada de gravidez com a transferência de apenas 1 embrião. A gemelidade multifetal cria problemas de ordem médica e ética. O ACOG lembra que o risco de perda fetal total espontânea é de 25% na gravidez multifetal quádrupla, 15% na tripla e 8% na dupla. Redução multifetal é o termo adotado pela International Society of Twin Studies (ISTS) para nomear o feticídio terapêutico na gemelidade multifetal. A redução multifetal é realizada pela injeção de KCl no coração fetal, guiada por ultrassonografia abdominal. É preferível executá-la entre 11 e 14 semanas, pois nessa fase da gravidez é possível diagnosticar algumas malformações e realizar a TN para rastrear aneuploidias. Se todos os fetos parecerem normais, a redução deve ser feita no concepto mais distante do colo uterino, para evitar o risco potencial de amniorrexe e de infecção ascendente da vagina. A redução fetal mais comum é de tripla em que se recomenda a redução de ambos os fetos do par monocoriônico.Jamais deve ser feita a redução multifetal de dupla para única. A redução multifetal aumenta a taxa de abortamento mas reduz a de parto pré-termo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: • Rezende Obstetrícia/ Carlos Antônio Barbosa Montenegro, Jorge de Resende Filho. – 13º ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. a. Capítulo 34 – páginas 371 a 385 b. Capítulo 97 – páginas 912 (incidência das cesárias e suas indicações). • Rotinas em obstetrícia / Organizadores, Sérgio H. Martins-Costa ... [et al.] – 7. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2017. a. Parte II – Gestação múltipla – páginas 177 a 191. • Resumos da Med: https://www.passeidireto.com/arquivo/97372662/gemelaridade-e- indicacoes-de-cesarea https://www.passeidireto.com/arquivo/97372662/gemelaridade-e-indicacoes-de-cesarea https://www.passeidireto.com/arquivo/97372662/gemelaridade-e-indicacoes-de-cesarea
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