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Gestação Gemelar

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Gestação Gemelar 
É a ocorrência de mais de um embrião, 
independentemente do número final de recém-nascidos. 
Sua ocorrência está associada a um aumento de cerca 
de 5 a 6 vezes na mortalidade neonatal e responde 
por cerca de 10 a 15% da mortalidade perinatal. 
Há um aumento na chance quando há histórico 
familiar materno de gestação gemelar assim como 
no aumento da idade materna e da paridade. Nas 
últimas duas décadas, houve um aumento da 
frequência da sua ocorrência. Isso se dá, em parte, 
por conta do uso de medicações para indução da 
ovulação, assim como pelas técnicas de reprodução 
assistida. 
Zigoticidade e Corionicidade 
As gestações múltiplas podem ser classificadas segundo 
a zigoticidade e a corionicidade. As gestações 
dizigóticas resultam da fecundação de mais de 1 
óvulo, de modo que os embriões apresentam 
material genético diferentes. Quanto aos anexos, 
nela, cada embrião desenvolve seu próprio cório e 
âmnio, de modo que sempre são dicoriônicas e 
diamnióticas. 
Já as gestações monozigóticas resultam da divisão 
da massa embrionária inicial única, resultando em 
embriões com carga genética idêntica. Cerca de 2/3 
das gestações são dizigóticas, enquanto 1/3 é 
monozigótica. Nela, a corionicidade e amniocidade 
são variáveis, processo que ocorre de acordo com o 
momento em que ocorre a divisão da massa 
embrionária. Dessa forma, quando o embrião se divide 
em até 72 horas, a gestação é dicoriônica e 
diamniótica (2 placentas e 2 sacos amnióticos – ocorre 
em 25% dos casos). Caso a divisão ocorra entre o 4 e o 
8º dia após a fertilização, a gestação resulta em 
monocoriônica e diamniótica (1 placenta e 2 âmnios 
– ocorre em 74% dos casos), uma vez que as células que 
originam o cório já se diferenciaram. Por fim, caso a 
divisão ocorra entre o 8 e o 13º dia, a gestação se 
torna monocoriônica e monoamniótica (1 placenta e 
1 âmnio – ocorre em 1% dos casos), quando tanto o 
cório quanto o âmnio já possuem diferenciação. Vale 
ressaltar que caso a divisão ocorra após esses períodos, 
ocorre a formação de gêmeos siameses. 
A corionicidade sempre deve ser determinada com 
exatidão por meio da ultrassonografia precoce. Nela, 
a presença de monocorionicidade (única placenta) 
sempre indica monozigoticidade, enquanto a 
presença de dicorionicidade pode indicar origem 
monozigótica ou dizigótica. Nesses casos, o 
diagnóstico só pode ser firmado quando há 
discordância entre os sexos fetais ou por meio de 
estudos do DNA, uma vez que gêmeos de sexos 
diferentes são sempre dizigóticos e dicoriônicos, 
enquanto gêmeos do mesmo sexo podem ser tanto 
monozigóticos quanto dizigóticos. 
Além disso, as gestações monocoriônicas 
apresentam mais complicações fetais que as 
gestações dicoriônicas. Dessa forma, na prática, a 
determinação de corionicidade é o fator mais 
importante, tanto na conduta pré-natal e no 
prognóstico da gestação. 
O melhor período para determinação dessas 
variáveis é no primeiro trimestre da gestação, em 
especial entre 6 e 8 semanas, onde a acurácia pode 
chegar a 100%. A gestação dicoriônica pode ser 
diagnosticada a partir da quinta semana pela 
identificação de mais de 1 saco gestacional e da 
presença de um septo entre eles. Após a 9ª semana, 
a projeção do septo forma o sinal do lambda (Twin-
peak sign). Após esse período, o sinal pode 
desaparecer, de modo que sua ausência não exclui a 
possibilidade de gestação dicoriônica. 
Sinal do Lambda 
Já nas gestações monocoriônicas, a partir da 6ª 
semana, pode-se verificar a presença de mais de 1 
embrião no interior do mesmo saco gestacional, 
enquanto o âmnio se torna visível após a 8ª semana. No 
final do primeiro trimestre, há a fusão entre as duas 
membranas amnióticas adjacentes, as quais se 
inserem de maneira abrupta na placenta, formando o 
sinal do “T”, indicativo de gestações monocoriônicas. 
Durante o 2º trimestre, a avaliação de corionicidade se 
torna mais difícil. Nas gestações dicoriônicas, a 
persistência do sinal do lambda, a identificação de 
sexos diferentes e/ou presença de placentas inseridas 
em locais diferentes podem auxiliar no diagnóstico da 
corionicidade. A realização de exames invasivos pode 
ser feita em casos avançados e em fetos de mesmo sexo 
em que a determinação da corionicidade seja 
fundamental para a condução do caso. 
Diagnóstico 
A ultrassonografia feita durante o 1º trimestre é o 
exame padrão-ouro para o diagnóstico da gestação 
gemelar, a qual permite diagnosticar com quase 100% 
de precisão os casos. 
Ao exame físico, a presença de volume uterino maior 
do que o esperado para a idade gestacional (vide 
regra, a altura é 5 cm maior do que a esperada entre 
20 e 30 semanas gestacionais), a presença de 2 polos 
cefálicos à palpação, a ausculta de 2 ritmos 
cardíacos com frequências diferentes entre si 
podem ser encontrados. 
Complicações Maternas 
As gestações gemelares associam-se ao aumento de 
todas as complicações gestacionais, exceto o pós-
datismo e a macrossomia fetal. 
Do ponto de vista das mudanças fisiológicas, as 
adaptações maternas costumam ser mais intensas que 
de uma gravidez comum. Dessa forma, normalmente há 
uma expansão volêmica maior do que nas gestações 
únicas (em média, 1960 ml versus 1570 ml), além de 
maior estado hiperdinâmico da circulação. O 
volume abdominal é ainda maior, assim como o 
recrutamento de músculos acessórios para a 
respiração, o que acarreta em queixas mais frequentes 
de dispneia nas gestantes. 
Já nas complicações propriamente ditas, a hipertensão 
arterial é uma das complicações mais incidentes, 
chegando a ser 2 vezes mais frequente que nas 
gestações únicas, sobretudo sobre as formas graves e 
de instalação precoce. 
Sobre a diabetes gestacional, os estudos são 
controversos, onde alguns demonstram maior 
incidência, enquanto outros não demonstram aumento. 
A amniorrexis prematura também é mais frequente 
em gestações múltiplas (7 a 10%). Além disso, o 
período de latência costuma ser menor que das 
gestações normais. 
Complicações Fetais 
As complicações fetais também são mais incidentes nas 
gestações múltiplas do que nas únicas, sendo que 
algumas intercorrências são exclusivas desse tipo de 
gestação, como a síndrome da transfusão feto-fetal. 
A duração média de uma gestação gemelar é de cerca 
de 35 semanas, enquanto da trigemelar é de 32 
semanas. Assim, o parto prematuro ocorre em 30 a 
50% dos casos, sendo o principal fator determinante 
das elevadas taxas de morbidade e mortalidade 
associada a esse tipo de gestação. Sua ocorrência é 
maior entre as gestações monocoriônicas. A 
avaliação do comprimento do colo uterino e a 
dosagem de fibronectina fetal em secreção 
cervicovaginal podem ser realizadas para verificar a 
predição de parto prematuro. O colo uterino com 
comprimento menor que 20 mm na 24ª semana indica 
maior risco de trabalho de parto prematuro. Porém, 
vale ressaltar que a realização de cerclagem e o uso 
de agentes tocolíticos não demonstra diminuição 
da incidência de trabalho prematuro nesse tipo de 
gestação. Mas, sua realização durante o trabalho de 
parto prematuro tem eficácia comprovada para 
prolongar a gestação em até 48 horas. 
Outra complicação é a restrição do crescimento 
fetal, cujo risco é 10 vezes maior do que em uma 
gestação de feto único. O padrão de crescimento do feto 
na gestação gemelar é semelhante à gestação normal 
até a 28ª semana, onde passa a apresentar um ritmo 
diminuído. A confirmação da restrição de crescimento 
deve ser feita pela ultrassonografia. 
A morte fetal é outro risco importante na gestação 
gemelar. Na ocorrência da morte de 1 feto, há risco 
aumentado de morte para o outro feto também, 
assim como a ocorrência de sequelas neurológicas e 
parto pré-termo. O prognóstico do gemelar 
remanescente varia de diversos fatores, como a 
corionicidade, idade gestacional que ocorreu a morte,causa, intervalo, entre outros. Nas gestações 
monocoriônicas, quando 1 feto morre, há 25% de chance 
de o outro feto falecer também, assim como há 25% de 
chance de sequela neurológicas no feto remanescente, 
uma vez que ocorre hipotensão e isquemia abrupta 
secundária ao desbalanço hemodinâmico no feto 
sobrevivente. Dessa forma, na vigência dessa 
ocorrência, deve-se realizar monitorização 
ultrassonográfica periódica no feto sobrevivente 
para o diagnóstico de possíveis complicações. Já nas 
gestações dicoriônicas, por não haver anastomoses 
vasculares entre as placentas, o risco dessas 
complicações é mínimo. Nesses casos, o feto morto 
pode ser reabsorvido ou permanecer envolto pelas 
membranas e ser comprimido contra a parede uterina 
materna (feto papiráceo). 
Por fim, as malformações fetais podem ocorrer em 5 
a 6% das gestações, valor que é superior às gestações 
únicas, principalmente em gestações monocoriônicas (2 
a 3x mais que as dicoriônicas). As malformações mais 
frequentes correspondem aos defeitos de linha 
média, como a holoprosencefalia, defeitos do tubo 
neural, extrofia de cloaca, entre outros. 
Síndrome da Transfusão Feto-Fetal 
A síndrome da transfusão feto-fetal é uma 
complicação específica e exclusiva das gestações 
monocoriônicas que ocorre em 10 a 15% destas. Sua 
ocorrência se dá pela distribuição desigual do 
sangue entre a circulação dos 2 fetos por meio das 
anastomoses vasculares placentárias do tipo 
arteriovenosas, que funcionam como fístulas. 
Nessa síndrome, o feto doador apresenta anemia e 
restrição do crescimento fetal grave, acompanhado 
de oligúria e oligodrâmnio. Já o gêmeo receptor 
apresenta sobrecarga circulatória e policitemia, o 
que pode levar ao desenvolvimento de insuficiência 
cardíaca e hidropsia fetal. Os casos mais graves 
costumam ocorrer entre a 16ª e a 24ª semana. Quando 
não tratados, a mortalidade pode atingir 80 a 100% 
devido às altas taxas de óbito fetal espontâneo, 
abortamento, amniorrexis prematura e parto 
prematuro. Normalmente, o feto receptor apresenta 
pior prognóstico e sua morte pode complicar ainda 
mais as alterações volêmicas entre os fetos. 
O diagnóstico dessa complicação pode ser feito na 
vigência do achado ultrassonográfico de polidrâmnio 
(maior bolsão vertical > 8 cm) em uma das cavidades 
amnióticas e oligodrâmnio (maior bolsão vertical < 2 
cm) na outra, independentemente do tamanho dos 
fetos. 
Já o tratamento pode ser feito por amniodrenagem, 
que consiste na remoção do excesso de líquido 
amniótico por meio da amniocentese. Sua realização 
diminui a taxa de complicações e prolonga a gestação. 
Como a taxa de recidiva é alta, esse procedimento pode 
ser repetido em caso de necessidade. 
Outra possibilidade de tratamento é a cirurgia 
endoscópica intrauterina com laser. Sua realização 
consiste no exame direto da superfície placentária, por 
meio da fetoscopia, para identificação e coagulação 
com laser dos vasos que se comunicam. 
Também há a septostomia, onde é realizada a criação 
de um orifício na membrana interamniótica, 
possibilitando a comunicação entre as duas 
cavidades amnióticas. Dessa forma, há um efeito 
combinado do alívio do polidrâmnio com o equilíbrio 
entre as pressões das cavidades amnióticas. 
Por fim, cita-se uma técnica pouco utilizada que é o 
feticídio seletivo, que consiste na interrupção 
seletiva da vida de 1 dos fetos. Sua realização só é 
indicada nos casos onde há sinais eminentes de 
morte intrauterina de 1 dos fetos. 
Pré-Natal e Parto 
Em geral, o pré-natal gemelar não difere muito do pré-
natal de feto único. Por conta do maior risco de anemia, 
sugere-se a repetição trimestral da dosagem de 
hemoglobina materna, fazendo com que a 
suplementação com ferro e ácido fólico seja 
obrigatória. A realização de ultrassonografias deve 
ser mensalmente nas gestações dicoriônicas ou 
quinzenalmente nas monocoriônicas a partir da 16ª 
semana para o diagnóstico de síndrome da transfusão 
feto-fetal, e ainda mais frequentes no 3º trimestre. O 
Ministério da Saúde prevê que a corticoterapia para 
maturação pulmonar só deve ser realizada entre 24 e 
34 semanas na vigência de trabalho de parto 
efetivo. O uso profilático nesse período deve ficar 
reservado para as gestações trigemelares. 
A curva de mortalidade perinatal demonstra elevação 
do risco a partir da 38ª semana. Por esse motivo, 
recomenda-se que as gestações monocoriônicas devem 
ser resolvidas na 36ª semana, enquanto as 
dicoriônicas entre a 37ª semana e 38ª semana. 
Já a via de parto depende de diversos fatores. Em 
gestações a termo, quando o primeiro gemelar ou ambos 
são cefálicos, sem outras complicações, pode-se optar 
pela via vaginal. Caso o primeiro gemelar não seja 
cefálico ou apresenta peso estimado menor que o 
segundo (com diferença ≥ 500 g), opta-se pela cesárea. 
O mesmo serve para gestações pré-termo com fetos 
viáveis ou com peso inferior a 1500g. 
O trabalho de parto das gestações gemelares pode ser 
conduzido por ocitocina e sob monitorização contínua 
de ambos os fetos. Após o nascimento do primeiro 
gemelar, é importante manter o cordão clampeado 
para evitar exsanguinação do outro feto. Procede-
se então para a amniotomia da segunda bolsa e 
aguarda-se a evolução por um período máximo de 10 
minutos. Em caso de boa evolução e insinuação, 
procede-se à assistência ao trabalho de parto 
vaginal. Do contrário, não ocorrendo a insinuação ou 
caso a apresentação seja córmica, pode-se realizar a 
versão interna e extração pélvica antes do 
enluvamento fetal pelo útero contraído. Se o 
enluvamento acontecer, a utilização de drogas 
anestésicas inalatórias que promovam o 
relaxamento uterino e permitam manobras 
obstétricas pode ser feita para evitar a cesárea. É 
importante salientar que, no parto gemelar por via 
vaginal, o intervalo entre o nascimento dos fetos 
não deve exceder 30 minutos. 
Gestações trigemelares, fetos portadores da 
síndrome da transfusão feto-fetal ou em caso 
gemelaridade imperfeita (fetos acolados) se 
beneficiam da cesariana também.

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