Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina PROPEDÊUTICA DA DOR DECÁLOGO SEMIOLÓGICO DA DOR Localização, irradiação, qualidade ou caráter, intensidade, duração, evolução, relação com funções orgânicas, fatores desencadeantes ou agravantes, fatores atenuantes e manifestações concomitantes. 1- LOCALIZAÇÃO Refere-se à região onde o paciente sente a dor. Deve-se solicitar ao paciente que aponte com o dedo ou a mão a área onde sente a dor, que deve ser registrada de acordo com a nomenclatura das regiões da superfície corporal. Quando o paciente relata dor em mais de um local, é importante que todos os locais sejam registrados no mapa corporal, devendo ser interpretados separadamente, o que permite deduzir se a sensação dolorosa é irradiada ou referida ou de diferentes causas. Cumpre ressaltar que dor percebida em diferentes locais pode indicar uma mesma doença (ex. doença reumática), processos mórbidos independentes ou adquirir características de dor psicogênica, em geral, mal localizada. É relevante avaliar a sensibilidade na área onde se localiza a dor e adjacências. A hipoestesia, por exemplo, é evocativa de dor neuropática, sobretudo se for descrita como em queimação ou formigamento. Por vezes, a sensibilidade pode estar aumentada, o que indica hiperestesia (hipersensibilidade aos estímulos táteis) e hiperalgesia (hipersensibilidade aos estímulos álgicos), traduzindo reações que ocorrem em uma área sem comprometimento da inervação sensorial. Alodinia e hiperpatia que ocorrem em uma área de hipoestesia são indicadores de dor neuropática. Sua verificação é particularmente útil nos casos em que o déficit sensorial é subclínico, ou seja, condições em que é mais difícil de confirmar o diagnóstico de dor neuropática. Lembrar que a dor somática superficial tende a ser mais localizada, enquanto a somática profunda e a visceral, assim como a neuropática, tendem a ser mais difusas. 2- IRRADIAÇÃO A dor pode ser estritamente localizada ou irradiada, quando segue o trajeto de uma raiz nervosa ou nervo, ou referida, cujo mecanismo é diferente. Não se deve confundir dor referida e dor irradiada. O reconhecimento da localização inicial da dor e de sua irradiação pode indicar a estrutura nervosa comprometida. Exemplos de dor irradiada: ■ Neuralgia occipital: dor na transição occipitocervical, com irradiação superior, anterior e lateral, podendo atingir vértex, globos oculares, ouvidos e, às vezes, a face (comprometimento da raiz C2 e/ou C3) ■ Cervicobraquialgia: dor cervical com irradiação para a face lateral do braço e antebraço (raiz C6) ■ Dorsalgia com irradiação anterior, passando, pela escápula, para a área mamilar (raiz T4) ■ Dorsalgia na transição toracolombar, com irradiação anterior e inferior. Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina A dor irradiada pode surgir em decorrência do comprometimento de qualquer raiz nervosa, podendo o território de irradiação ser conhecido pelo exame do mapa dermatomérico. Exemplos de dor referida: processo patológico no apêndice – dor na região epigástrica; na vesícula e fígado – dor na escápula e no ombro; no ureter – dor na virilha e genitália externa; no coração – dor na face medial do braço. Cumpre ressaltar que processos patológicos anteriores ou concomitantes, que afetam estruturas inervadas por segmentos medulares adjacentes, aumentam a possibilidade de a dor ser sentida em uma região inervada por ambos os segmentos medulares, fazendo com que tenha localização atípica. 3- QUALIDADE OU CARÁTER Para que seja definida a qualidade ou o caráter da dor, solicita-se ao paciente para descrever a sensação que a dor provoca. Não raro o paciente experimenta dificuldade em relatar a qualidade da dor. Quando isso ocorre, pode-se oferecer a ele uma relação de termos “descritores”, mais usados e solicitar que escolha aquele ou aqueles que descrevam a dor de maneira mais adequada. A importância prática desta característica é que o caráter da dor pode auxiliar a definir o processo patológico subjacente. Assim: dor de cabeça latejante ou pulsátil é sugestiva de enxaqueca, abscesso e odontalgia; dor em choque, neuralgia do trigêmeo; dor em cólica ou em torcedura, na cólica nefrética, biliar, intestinal ou menstrual; dor em queimação, se visceral na úlcera péptica e esofagite de refluxo e, se superficial, na dor neuropática; dor constritiva ou em aperto, na angina do peito e infarto do miocárdio; dor em pontada, nos processos pleurais; dor surda, nas doenças de vísceras maciças; dor “doída” ou dolorimento, nas doenças das vísceras maciças e musculares, como a lombalgia, e também na dor neuropática (constante); e dor em cãibra, em afecções musculares. 4- INTENSIDADE É um componente relevante da dor. Aliás, é o que costuma ter mais importância para o paciente. Resulta da interpretação global dos seus aspectos sensoriais, emocionais e culturais. Como é uma experiência sensorial subjetiva, a avaliação da intensidade feita pelo paciente é o elemento fundamental desta característica. Isto porque, segundo a Organização Mundial da Saúde, a intensidade é o principal componente para escolha do esquema terapêutico, havendo para isso uma escala proposta pela OMS para a escolha do(s) medicamento(s). ESCALAS DE DOR. As escalas com expressões, tais como sem dor, dor leve, dor moderada, dor intensa, dor muito intensa e pior dor possível, de amplo uso, têm a desvantagem de serem subjetivas. Em adultos, prefere-se, uma escala analógica, a qual consiste em uma linha reta com um comprimento de 10 centímetros, tendo em seus extremos as designações sem dor e pior dor possível. É solicitado ao paciente que indique a intensidade da dor em algum ponto dessa linha. O resultado é registrado com um valor de zero a dez. Esta escala não exclui o componente subjetivo, mas melhora a avaliação da intensidade. Para adultos com baixa escolaridade, crianças e idosos, para os quais a compreensão da escala analógica visual pode ser difícil, podem-se utilizar as escalas de representação gráfica não numérica, como a de expressões faciais de sofrimento: sem dor, dor leve, dor moderada e dor intensa. Se o paciente tem dificuldade em definir a “pior dor possível”, solicita-se a ele que a compare com a dor mais intensa já experimentada. A interferência da dor no sono, trabalho, relacionamento conjugal e familiar e atividade sexual, social e recreativa fornece pistas indiretas, porém, objetivas, de sua intensidade, devendo, portanto, ser valorizadas. Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina Dentre alguns tipos de escalas, existem as escalas unidimensionais que vêm sendo caracterizadas por avaliarem apenas o aspecto intensidade da dor, e as multidimensionais, que por sua vez, avaliam diversos aspectos da dor (afetivo-emocionais). As escalas unidimensionais incluem: • escala verbal descritiva; • escala visual analógica (EAV); • escala visual numérica (EVN); • escala facial (FPS - faces pain scale); • escala NFCS (neonatalfacial coding system), utilizada para neonatos. E as multidimensionais: • questionário de McGill; • escala graduada de dor crônica (EGDC-Br); • escala multidimensional de avaliação de dor (EMADOR); • mensuração da dor geriátrica (GPM- geriatric pain measure); • escala NIPS (utilizada para neonatos); • escala PIIP (utilizada para neonatos); • escala CRIES (utilizada para neonatos); • Escala MOPS (utilizada em crianças); • escala FLACC (utilizada em crianças); • cartões da qualidade da dor (utilizados em crianças). 5- DURAÇÃO Inicialmente, determina-se com a máxima precisão possível a data de início da dor. Quando é contínua, calcula-se sua duração de acordo com o tempo transcorrido entre o início e o momento da anamnese. Se for cíclica, deve-se registrar a data e a duração de cada episódio doloroso. Se é intermitente e ocorre várias vezes ao dia, são registradasa data de seu início, a duração média dos episódios dolorosos, o número médio de crises por dia e de dias por mês em que se sente dor. Dependendo da duração, a dor pode ser classificada em aguda ou crônica. Aguda é a dor que dura menos de 1 mês (ou 3 meses, conforme alguns autores), e cessa dias ou semanas após o desaparecimento ou melhora da doença ou lesão. Dor crônica é a que persiste além do tempo necessário para a cura da doença ou da lesão, habitualmente mais de 3 meses, transformando-se em uma condição clínica de grande interesse prático. Deixa de ser um “sintoma” e passa a ser a “doença” do paciente. Em geral, este tipo de dor está associado a fatores sociais e emocionais. Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina 6- EVOLUÇÃO Trata-se de uma característica de grande relevância, que revela a maneira como a dor evoluiu, desde seu início até o momento da anamnese. A investigação é iniciada pelo modo de instalação: se súbita ou insidiosa. É relevante definir a concomitância da atuação do fator causal e o início da sensação dolorosa. Ela pode ser uma dor neuropática ou nociceptiva. Durante sua evolução, pode haver as mais variadas modificações na dor. O não reconhecimento da forma inicial de apresentação da dor (caso o paciente só seja visto tardiamente) torna mais difícil a caracterização da dor. Em pacientes com dor neuropática, os seus componentes frequentemente surgem em épocas diferentes. A dor nociceptiva também pode mudar suas características. A intensidade da dor também pode variar ao longo da evolução. Sua redução progressiva, sem qualquer alteração no tratamento, pode indicar que o quadro doloroso está entrando em remissão. Intensidade inalterada ou progressiva ou agravamento ao longo dos meses, a despeito de tratamento adequado, por outro lado, sugere que ela se tornou crônica. Uma dor crônica pode sofrer alterações de intensidade em um mesmo dia (ritmicidade) ou surgir em surtos periódicos, ao longo dos meses ou anos (periodicidade). Além dessas características evolutivas, a dor pode mudar seu padrão em função do tratamento. Assim, é necessário avaliar não somente as características da dor na fase inicial ou no momento atual, mas as alterações ao longo de sua evolução. 7- RELAÇÕES COM FUNÇÕES ORGÂNICAS Essa característica é avaliada, tendo em conta a localização da dor e os órgãos e estruturas situados na mesma área. Assim, se a dor for cervical, dorsal ou lombar, pesquisa-se sua relação com os movimentos da coluna (flexão, extensão, rotação e inclinação); se for torácica, com a respiração, movimentos do tórax, tosse, espirro e esforço físico; se tiver localização retroesternal, com a deglutição, posição e esforço físico; se for periumbilical ou epigástrica, com a ingestão de alimentos; se no hipocôndrio direito, com a ingestão de substâncias gordurosas; se no baixo-ventre, com a micção, evacuação e menstruação; se articular ou muscular, com a movimentação daquela articulação ou músculo; se nos membros inferiores, com a deambulação, e assim por diante. Quase sempre, a dor é acentuada pela atividade funcional do órgão em que se origina. Assim, na insuficiência arterial mesentérica que se manifesta por dor surda, periumbilical, a intensidade aumenta após alimentação, em virtude da estimulação do peristaltismo intestinal. 8- FATORES DESENCADEANTES OU AGRAVANTES São os fatores que desencadeiam a dor, ou a agravam. As funções orgânicas estão entre estes fatores, porém outros podem ser identificados. Devem ser procurados ativamente, pois, além de ajudarem a esclarecer o diagnóstico, seu afastamento constitui parte importante do tratamento. 9- FATORES ATENUANTES São os que aliviam a dor, incluindo funções orgânicas, posturas ou atitudes que protegem a estrutura ou função do órgão onde é originada (atitudes antálgicas), incluindo repouso, distração, analgésicos opioides e não opioides, anti-inflamatórios hormonais e não hormonais, relaxantes musculares, antidepressivos, anticonvulsivantes, neurolépticos, anestésicos locais, fisioterapia, acupuntura, bloqueios anestésicos, procedimentos cirúrgicos e outras intervenções. Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina No que se refere aos medicamentos, indagar nomes, doses e períodos em que foram usados. A distração tende a diminuir qualquer dor. Locais escuros e silenciosos podem aliviar a enxaqueca. A distensão das vísceras abdominais maciças (distensão da cápsula hepática, esplênica e renal, da serosa pancreática e pelve renal) ou ocas é acentuada pelo aumento da pressão intra-abdominal. Assim, o paciente tende a assumir posições que reduzam a pressão sobre o órgão lesado. A resposta a qualquer tipo de tratamento pode ser de grande utilidade na avaliação da dor. 10- MANIFESTAÇÕES CONCOMITANTES A dor aguda, nociceptiva, sobretudo quando intensa, costuma acompanhar-se de manifestações neurovegetativas, que se devem à estimulação do sistema nervoso autônomo, expressando-se por sudorese, palidez, taquicardia, hipertensão arterial, mal-estar, náuseas e vômitos. Identificar as manifestações clínicas relacionadas à enfermidade de base é de grande valia para o diagnóstico. REFERÊNCIAS PORTO, Celmo C. Semiologia Médica, 8ª edição. São Paulo SP: Grupo GEN, 2019. 9788527734998. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788527734998/. Acesso em: 26 mar. 2022.
Compartilhar