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Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina FIBROMIALGIA FISIOPATOLOGIA A etiologia e a patogênese da fibromialgia são largamente desconhecidas. Postula-se que sua origem seja multifatorial, com predisposição poligênica. Alguns pacientes abrem o quadro após um nítido fator precipitante, como infecção viral, trauma físico ou estresse emocional. Contudo, muitos pacientes não relatam qualquer evento desencadeante em seu histórico. Algumas teorias são fundamentadas em observações experimentais: • Discretas alterações histológicas podem ser encontradas na biópsia muscular dos portadores de fibromialgia, porém, as mesmas alterações também são observadas em indivíduos sedentários e assintomáticos. Seja como for, é possível que essas lesões justifiquem a típica mialgia esforço Induzida que os fibromiálgicos apresentam; • O sono de má qualidade influi negativamente na performance muscular e na disposição física. Um estudo mostrou que submeter indivíduos hígidos a diversos ciclos sucessivos de sono não reparador desencadeia um quadro muito semelhante à fibromialgia. Um estudo realizado com SPECT (exame de neuroimagem "funcional") demonstrou hipofluxo sanguíneo no tálamo e outras estruturas implicadas na modulação central da dor. O achado de níveis reduzidos de cortisol livre urinário e a fraca resposta do cortisol à estimulação com ACTH sugerem um possível defeito no eixo hipotálamo-adrenal como parte dos mecanismos fisiopatológicos. O eventual envolvimento do sistema nervoso autônomo justificaria a positividade no tilt-test (teste que mede a resposta da pressão arterial e da frequência cardíaca à inclinação, com o paciente em uma mesa especial) em grande parte dos pacientes, bem como a maior intolerância ao frio e a presença ocasional de olhos e boca seca. Finalmente, pode-se compreender a fibromialgia como um distúrbio de neurotransmissores: • Sabe-se que a depleção de serotonina faz aumentar, no sistema nervoso central, os níveis de substância P, um neurotransmissor importante para a sensibilidade dolorosa. Nos distúrbios do sono, na depressão e na fibromialgia, existe uma provável alteração de neurotransmissores no SNC, com redução dos níveis de serotonina e aumento da concentração de substância P, levando a um estado de hipersensibilidade à dor. Esse mecanismo fisiopatológico também explicaria a cefaleia tensional, bastante comum em pacientes com fibromialgia. Veremos adiante que os antidepressivos tricíclicos, como a amitriptilina, conseguem melhorar os sintomas da fibromialgia devido a sua ação sobre a dinâmica dos neurotransmissores do SNC. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Cefaleia é outra queixa muito comum. Pode ser do tipo enxaqueca, tensional ou, então, do tipo mista. Alterações do ritmo intestinal e dor abdominal em cólica também são frequentes, compondo a síndrome do cólon irritável. Parestesias nas extremidades e, eventualmente, sintomas Raynaud- símiles, podem ocorrer. É esperado alguma forma de distúrbio do sono na fibromialgia. A insônia ou a má qualidade do sono são comemorativos típicos do quadro. Esses indivíduos costumam ter alterações eletroencefalográficas durante o sono, com um predomínio de ondas alfa e delta (sono de ondas lentas). Disfunção cognitiva é outra queixa frequente. Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina DIAGNÓSTICO Ao longo das últimas décadas, diversas tentativas de se criar critérios precisos para a confirmação diagnóstica de fibromialgia foram realizadas. Por se tratar de uma desordem "funcional", que não produz alterações específicas e exclusivas em exames complementares, tal tarefa desde sempre se mostrou um enorme desafio. No geral, os critérios que chegaram a ser validados na realidade se prestavam mais à padronização dos estudos científicos, garantindo a seleção de populações relativamente homogêneas de pacientes, isto é, eram mais "critérios de classificação" do que ferramentas práticas que permitissem um diagnóstico clínico objetivo na rotina diária, possuindo implicações terapêuticas. Seja como for, a busca continua... Recentemente, em 2019, novos critérios (mais simples e diretos do que os anteriores, que eram de 2010), foram propostos. Trata-se dos critérios da AAPT. A sigla AAPT se refere ao consórcio entre a Analgesic, Anesthetic, and Addiction Clinical Trial Translations Innovations Opportunities and Networks (ACTTION) com a American Pain Society (APS), que criou a ACTTION-APS Pain Taxonomy (AAPT). De acordo com a AAPT, para receber o diagnóstico de fibromialgia um indivíduo precisa preencher os três quesitos a seguir: 1. Dor em seis ou mais de nove regiões definidas; 2. Fadiga e/ou distúrbios do sono moderados a graves; 3. Presença dos quesitos 1 e 2 por pelo menos três meses. De acordo com estes critérios: (1) não é preciso mais fazer a contagem de tender points no exame físico do paciente; (2) a presença de qualquer doença orgânica dolorosa de base não afasta o diagnóstico de fibromialgia, mas o paciente deve ser cuidadosamente avaliado para que seja definido o quanto dos sintomas pode ser atribuído a esta doença (respondendo apenas ao tratamento voltado para ela) e o quanto pode ser atribuído à existência de fibromialgia, isto é, um distúrbio no processamento central da dor que requer tratamento com medidas diferenciadas. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL A depressão acompanha 25-60% dos casos de fibromialgia; a síndrome do cólon irritável está presente em cerca de 50-80%; a enxaqueca é vista em 50%. Agora, existem duas outras síndromes reumatológicas "funcionais" que se assemelham em muitos aspectos à fibromialgia e constituem importantes diagnósticos diferenciais. São elas: ● Síndrome da fadiga crônica; ● Dor miofascial. Algumas doenças podem se manifestar com quadros semelhantes à fibromialgia. Aquelas que mais podem ser confundidas com esta entidade são: artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, polimialgia reumática e hipotireoidismo. Todas podem se manifestar, inicialmente, com dor musculo esquelética generalizada. O exame minucioso das articulações e a solicitação de exames laboratoriais são fundamentais para afastar esses diagnósticos. A presença de sinais flogísticos articulares, mesmo que discretos, e o Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina achado de anemia de doença crônica e de aumento do VHS sugerem o diagnóstico de uma doença reumática que não a fibromialgia. Altos títulos de fator reumatoide e alterações radiológicas nas mãos falam a favor de AR; altos títulos de Fator Anti nuclear (FAN) e alterações cutâneas e/ou sistêmicas sugerem LES. A polimialgia reumática costuma se manifestar em indivíduos idosos, caracterizada por dor e rigidez nas cinturas escapular e pélvica, associada a um aumento significativo do VHS, discreta anemia e uma pronta resposta aos corticosteroides (prednisona em baixas doses). O hipotireoidismo pode se manifestar com mialgia difusa, confundindo-se com a fibromialgia. Às vezes, os sintomas e sinais típicos do hipotireoidismo podem ser sutis, não chamando a atenção do médico. A dosagem de hormônios tireoidianos deve ser feita de rotina em pacientes com sintomas fibromiálgicos. Outros diagnósticos diferenciais são as miosites (manifestando-se com mialgia e fraqueza muscular proximal), a síndrome de Sjögren, as neuropatias periféricas, as radiculopatias e a miastenia gravis. Na verdade, a fibromialgia pode se associar a todas as doenças reumáticas ou não reumáticas descritas acima. Um estudo mostrou que 12% dos pacientes com AR e 7% dos pacientes com osteoartrose apresentam fibromialgia associada. A fibromialgia associada ao hipotireoidismo pode não melhorar com a reposição hormonal. TRATAMENTO Sempre que possível, a abordagem do médico deve ser educativa e acolhedora, estabelecendo um vínculo de parceria com o doente. O primeiro passo terapêutico, por conseguinte, consiste em esclarecero paciente quanto à real natureza de seu problema, de modo que ele compreenda que o mesmo não representa um distúrbio meramente "psicológico". Também deve ser dito que a fibromialgia e a síndrome da fadiga crônica são entidades benignas sem ameaça à vida, ainda que os sintomas sejam de difícil controle. O espectro clínico da fibromialgia é extremamente variável, indo desde quadros leves e espontaneamente reversíveis até situações verdadeiramente incapacitantes. Assim, o afastamento temporário do trabalho pode ser benéfico em alguns casos, mas o objetivo principal sempre deve ser o restabelecimento de uma função laborativa plena. Fatores agravantes de caráter emocional podem ser manejados com auxílio da terapia cognitivo-comportamental, que é comprovadamente benéfica. Após o esclarecimento do doente e seus familiares, os próximos passos no tratamento da fibromialgia são: • Atividades físicas aeróbicas, de preferência diárias; • Uso de moduladores centrais da dor. O sedentarismo é sempre prejudicial. Muitos pacientes melhoram consideravelmente após engajarem num programa de atividade física regular (ex.: atividades de baixo impacto como hidroginástica, Tai Chi Chuan e caminhada, ou mesmo atividades mais intensas como corrida, natação e ciclismo; tudo depende da capacidade e motivação de cada paciente. Em relação à terapia farmacológica, a amitriptilina é a droga mais clássica (e geralmente de primeira escolha), devendo ser usada em baixas doses (ex.: 25-50 mg VO/dia), tomadas antes de dormir. A Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina ciclobenzaprina (relaxante muscular) e os analgésicos simples (como o paracetamol e adipirona) podem auxiliar no tratamento, sendo empregados conforme a necessidade individual. Recomenda-se, no entanto, evitar o uso prolongado ou recorrente de AINE e opioides (ainda que o tramadol possa ser útil em casos selecionados). A corticoterapia não exerce qualquer efeito na fibromialgia. Recentemente novas drogas foram aprovadas para uso na fibromialgia, por terem se mostrado benéficas em estudos clínicos. Estamos falando da duloxetina e do milnaciprano (antidepressivos inibidores da recaptação dupla de serotonina/noradrenalina), e dos anticonvulsivantes gabapentina e pregabalina. A escolha de determinada droga deve se basear no padrão de queixas do doente, por exemplo: • Dor + insônia = usar drogas com efeito analgésico e facilitador do sono, como amitriptilina ou gabapentina/pregabalina; • Dor + depressão/ansiedade = usar drogas com efeito analgésico e antidepressivo/ansiolítico, como duloxetina ou milnaciprano. REFERÊNCIAS POSSO, Irimar de Paula, et al. Tratado de dor: publicação da Sociedade Brasileira para estudo da dor. Atheneu, 1ª edição. Rio de Janeiro, 2017. POSSO, Irimar de Paula, et al. Tratado de dor: publicação da Sociedade Brasileira para estudo da dor. Atheneu, 1ª edição. V 2, Rio de Janeiro, 2017. ROENN, Jaime H V.; PAICE, Judith A.; PREODOR, Michael E. CURRENT: Dor. São Paulo: Grupo A, 2010. 9788580550177 Farmacologia Básica e Clínica – Lange 13º edição.
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