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Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 1 Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório Professor Dr. Waldecir Paula Lima Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 2 Sumário 1. Introdução 3 Sistemas energéticos para o exercício 3 2. Respostas cardiorrespiratórias ao exercício 5 Frequência Cardíaca 5 Volume Sistólico de Ejeção 7 Débito cardíaco 7 Mensuração do débito cardíaco: o método de Fick 8 Débito cardíaco na situação de repouso: treinados e destreinados 9 Débito Cardíaco na situação de exercício: treinados e destreinados 11 Volume Sistólico de Ejeção: relação entre diástole (Volume Diastólico Final - VDF) e sístole ventriculares (ejeção sanguínea) 11 Diástole ventricular: enchimento (Volume Diastólico Final - VDF) 12 Sístole Ventricular: ejeção sanguínea 12 3. Débito Cardíaco e transporte de oxigênio 12 Repouso 12 Exercício 13 Relação entre o Débito Cardíaco Máximo e o VO2máx 14 Débito Cardíaco e as diferenças entre homens, mulheres e crianças 14 Diferença Arteriovenosa de Oxigênio - dif a-vO2: A extração de oxigênio 15 Diferença a-vO2: repouso 15 Diferença a-.vO2: Exercício 16 Diferença a-vO2 em exercício: Mecanismos de alteração 16 4. Fluxo sanguíneo: distribuição e redistribuição do Débito Cardíaco 17 Fluxo sanguíneo em repouso 17 Fluxo sanguíneo durante o exercício 18 Fluxo sanguíneo e mecanismos de redistribuição 18 Como ocorre a redistribuição do fluxo sanguíneo? Mecanismo de controle do Fluxo sanguíneo 20 Controle agudo do Fluxo sanguíneo 20 Controle em longo prazo 20 5. Consumo máximo de oxigênio e limiar anaeróbio 21 Determinação do VO2máx 22 Limiar Anaeróbio (Ventilatório) 22 Ventilação Pulmonar 24 6. Pressão arterial: respostas frente ao exercício 24 Exercícios Resistidos 24 Exercício dinâmico estável 25 Comportamento da pressão arterial no período de recuperação: efeito hipotensor 25 Exercício dinâmico (isotônica) e estático (isométrico) 26 Exercício para Membros Superiores (MMSS) e Membros Inferiores(MMII) 27 7. Referências Bibliográficas 29 Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 3 1. Introdução O principal objetivo desta disciplina é abordar algumas adaptações que as diversas formas de exercício poderiam promover em algumas variáveis dos sistemas cardiovascular e respiratório. Desta forma, é importante ressaltar que o conteúdo desta disciplina prevê, como pré-requisito, os conhecimentos básicos de fisiologia dos sistemas cardiovascular e respiratório. As demandas energéticas para exercitar o músculo humano podem aumentar substancialmente na transição do repouso para o esforço físico máximo. Levando-se em conta que as reservas disponíveis de trifosfato de adenosina (ATP) são limitadas e capazes de proporcionar energia para manter uma atividade vigorosa apenas por alguns segundos, o ATP deve ser ressintetizado constantemente para proporcionar uma produção contínua de energia (Fig. 1.1). Portanto, o músculo que está sendo exercitado terá de possuir uma grande capacidade para aumentar a taxa metabólica de forma a produzir ATP suficiente, para que possa prosseguir uma atividade aumentada. A produção de energia depende maciçamente dos sistemas respiratório e cardiovascular para o suprimento de oxigênio e nutrientes e para a remoção dos produtos de desgaste a fim de manter o equilíbrio interno das células. Enfatiza-se então, que a principal finalidade desta disciplina é rever as respostas cardiorrespiratórias normais ao exercício com referência específica aos sistemas energéticos, à hemodinâmica, à postura, ao consumo máximo de oxigênio (VO2máx), ao limiar anaeróbio, ao esforço dinâmico versus isométrico, ao exercício realizado com os braços versus pernas, ao consumo de oxigênio pelo miocárdio e aos efeitos do condicionamento físico. Essa informação é vital para a compreensão do papel da fisiologia do exercício na prescrição do exercício na saúde e na doença. Fig. 1.1 Estrutura simplificada de uma molécula de ATP. Fonte da imagem: www.sobiologia.com.br Sistemas energéticos para o exercício O trifosfato de adenosina (ATP) é fracionado enzimaticamente dentro das células para difosfato de adenosina (ADP) e fosfato (P) a fim de proporcionar energia para a contração muscular e a geração de força, conforme resumido pela reação: ATP + H2O --- ADP + Pi + energia Apesar de nem todo o ATP ser formado aerobiamente, a quantidade de ATP produzida pela glicólise anaeróbica é extremamente pequena (Quadro 1.1) (FOX; MATHEWS, 1986). Não obstante, os mecanismos anaeróbios proporcionam uma fonte rápida de ATP, que é particularmente importante no início de qualquer sessão de exercício e durante a atividade de alta intensidade que só pode ser mantida por um curto período. Mecanismo Combustível Químico/Nutriente O2 Necessário? Rendimento relativo de ATP ATP-CP Creatina Fosfato Não Extremamente Limitado Glicólise Glicogênio/Glicose Não Limitado Aeróbio Glicogênio/Glicose, Ác. Graxos, Aminoácidos Sim Grande Rendimento Quadro 1.1: Rendimento de ATP nos diversos mecanismos metabólicos. Fonte da imagem: FOX; MATHEWS, 1986 A figura 1.2 mostra que à medida que a duração do exercício aumenta, a contribuição relativa das fontes energéticas anaeróbias diminui (ASTRAND; RODAHI, 1980). Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 4 Fig. 1.2 Contribuição relativa dos metabolismos aeróbico e anaeróbico durante a atividade física de duração crescente. Nas atividades intensas que duram de 2 a 3 minutos, os sistemas energéticos ATP-CP e anaeróbio lático (glicolítico) geram aproximadamente 40 a 50% da energia, enquanto o metabolismo aeróbico supre o restante. Fonte da imagem: Adaptado de ASTRAND; RODAHI, 1980. O sistema aeróbio requer um fornecimento e uma utilização suficientes de oxigênio e utiliza o glicogênio, as gorduras e, eventualmente, as proteínas como substratos de energia. Ele pode sustentar os altos ritmos de produção de ATP necessários para o fornecimento da energia muscular. Conforme ilustrado na figura 1.3, a contribuição relativa do metabolismo aeróbio, na geração de energia, depende da captação de oxigênio (sistema respiratório), de seu transporte/fornecimento (sistema cardiovascular) e de sua utilização (sistema muscular) em ritmos proporcionais às demandas de energia da atividade (McARDLE et al., 2003). Fig. 1.3 Metabolismo aeróbio, na geração de energia, depende da captação de oxigênio (sistema respiratório), de transporte/ fornecimento de oxigênio (sistema cardiovascular) e da utilização de oxigênio (sistema muscular). Fonte da imagem: McARDLE et al., 2003 Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 5 2. Respostas cardiorrespiratórias ao exercício Muitos mecanismos cardiorrespiratórios e hemodinâmicos funcionam coletivamente para atender as maiores demandas aeróbias da atividade física. O efeito global das mudanças na frequência cardíaca (FC), no volume sistólico de ejeção, no Débito Cardíaco, no fluxo sanguíneo, na pressão arterial, na diferença arteriovenosa de oxigênio e na ventilação pulmonar consiste em oxigenar o sangue que é levado aos tecidos ativos. Frequência Cardíaca A frequência cardíaca aumenta linearmente com o ritmo de trabalho e a captação de oxigênio durante o exercício dinâmico. O aumento na FC durante o exercício ocorre principalmente em detrimento da diástole (tempo de enchimento), e não da sístole (Fig. 2.1) (DEHN; MULLINS, 1977). Assim sendo, nas altas intensidades do exercício, o tempo diastólico pode ser tão curto a ponto de prejudicar o enchimento ventricular adequado. Fig. 2.1 Relação dos tempos sistólico e diastólico para a FC em repouso (60 bpm) e em exercício intenso (180 bpm). Fonte da imagem: Adaptada de DEHN; MULLINS, 1977 apud ACSM, 2003 A magnitude da resposta da FC está relacionada à idade, à posição corporal, à aptidão, ao tipo de atividade, à presença de cardiopatia, às medicações, ao volume sanguíneo e aos fatores ambientais, tais como temperatura e umidade. Ao contrário da pressãoarterial sistólica, que em geral aumenta com a idade, e FC máxima alcançável diminui com a idade. A equação 220 – idade e tantas outras publicadas na literatura acadêmica (ROBERGS; LANDWEHR, 2002), proporcionam uma aproximação da FC máxima em homens e mulheres saudáveis, porém a variância para qualquer idade fixa é considerável (desvio padrão de aproximadamente ± 10 batimentos/ minuto). O Quadro 2.1 apresenta diversas equações para predição da Frequência Cardíaca Máxima (FCMáx), levando-se em consideração a idade do indivíduo (ROBERGS; LANDWEHR, 2002). Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 6 Study N Population Mean Age (range) Regression (HRmax=) r2 Sxy Univariate Equations Astrand, in Froelicher (2) 100 Healthy Men - cycle ergometer 50 (20 - 69) 211-0.922a N/A N/A Brick, in Froelicher (2) ? Women N/A 226 - age N/A N/A Bruce (12) 1295 CHD 52 ± 8 204 - 1.07a 0.13 22 Bruce (12) 2091 Healthy Men 44 ± 8 210 - 0.662a 0.19 10 Bruce (12) 1295 Hypertension 52 ± 8 204 - 1.07a 0.24 16 Bruce (12) 2091 Hypertension + CHD 44 ± 8 217 - 0.662a 0.10 21 Cooper in Froelicher (2) 2535 Healthy Men 43 (11 - 79) 217 - 0.845a N/A N/A Ellestad in Froelicher (2) 2583 Healthy Men 42 (10 - 60) 197 - 0.556a N/A N/A Fernhall (13) 276 Mental Retardation 9 - 46 189 - 0.56a 0.09 13.8 Fernhall (13) 296 Healthy W & M N/A 205 - 0.64a 0.27 9.9 Froelicher (2) 1317 Healthy Men 38.8 (28 - 54) 207 - 0.64a 0.18 10 Graettinger (14) 114 Healthy Men (19 - 73) 199 - 0.63a 0.22 N/A Hammond (15) 156 Heart Disease 53.9 209 - age 0.09 19 Hossack (16) 104 Healthy Women (20 - 70) 206 - 0.597a 0.21 N/A Hossack (16) 98 Healthy Men (20 - 73) 227 - 1.067a 0.40 N/A Inbar (17) 1424 Healthy W & M 46.7 (20 - 70) 205.8 - 685a 0.45 6.4 Jones (18) 100 Healthy W & M cycle ergometer (15 - 71) 202 - 0.72a 0.52 10.3 Jones N/A ? Healthy W & M 210 - 0.65a 0.04 N/A Jones (18) 60 Healthy Women (20 - 49) 201 - 0.65a N/A Lester (19) 48 W & M Trained 205 - 0.41a 0.34 N/A Lester (19) 148 W & M Untrained 43 (15 - 75) 198 - 0.41a N/A N/A Londeree (20) ? National Level Athletes N/A 206.3 - 0.711a 0.72 N/A Miller (21) 89 W & M Obese 42 200 - 0.48a 0.12 12 Morris, in Froelicher (2) 1388 Heart Disease 57 (21 - 89) 196 - 0.9a 0.00 N/A Morris, in Froelicher (2) 244 Healthy Men 45 (20 - 72) 200 - 72a 0.30 15 Ricard (22) 193 Treadmill W & M 209 - 0.587a 0.38 9.5 Ricard (22) 193 W & M - cycle ergometer 200 - 0.687a 0.44 9.5 Robinson 1938 in Froelicher (2) 92 Healthy Men 30 (6 - 76) 212 - 0.775a 0.00 N/A Rodeheffer (23) 61 Healthy Men 25 - 79 214 - 1.02a 0.45 N/A Schiller (24) 53 Women Hispanic 46 (20 - 75) 213.7 - 0.75a 0.56 N/A Schiller (24) 93 Women Caucasian 42 (20 - 75) 207 - 0.62a 0.44 N/A Sheffield (25) 95 Women 39 (19 - 69) 216 - 0.88a 0.58 N/A Tanaka (11) ? Sedentary W & M 211 - 0.8a 0.81 N/A Tanaka (11) ? Active W & M 207 - 0.7a 0.81 N/A Tanaka (11) ? Endurance trained W & M 206 - 0.7a 0.81 N/A Whaley (26) 754 Women 41.3 (14 - 77) 209 - 0.7a 0.37 10.5 Whaley (26) 1256 Men 42.1 (14 - 77) 214 - 0.8a 0.36 10.7 W = women, M = men Quadro 2.1 Equações para predição da Frequência Cardíaca Máxima (FCMáx), levando-se em consideração a idade do indivíduo. Fonte da imagem: ROBERGS; LANDWEHR, 2002. Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 7 Volume Sistólico de Ejeção O volume sistólico de ejeção (VSE) (volume de sangue ejetado por batimento cardíaco) é igual à diferença entre o volume diastólico terminal (VDT) e o volume sistólico terminal (VST). O primeiro é determinado por FC, pressão de enchimento e complacência ventricular, enquanto o último depende de duas variáveis: contratilidade e pós-carga. Assim sendo, um maior enchimento diastólico (pré-carga) fará aumentar o VSE. Em contrapartida, os fatores que se opõem ao fluxo anterógrado (pós-carga) resultarão em um VSE reduzido. O volume sistólico de ejeção em repouso na posição ereta em geral varia entre 60 e 100 ml/ batimento entre adultos sadios, enquanto o VSE máximo se aproxima de 100 a 120 ml/ batimento. Durante o exercício, o VSE exibe um aumento curvilíneo com o ritmo de trabalho até alcançar um valor próximo do máximo em um nível equivalente a aproximadamente 50% da potência aeróbia máxima (VO2máx) (MITCHELL; BLOMQVIST, 1971). Dentro de limites fisiológicos, o retomo venoso aprimorado faz aumentar o VDT, distendendo as fibras musculares cardíacas e aumentando a força da contração (mecanismo de Frank-Starling); assim sendo, a fração de ejeção pode aumentar. A fração de ejeção é definida pelo seguinte: Fração de ejeção = VSE VDT x 100 Normalmente a fração de ejeção é de 65% ± 8%, resultando tanto do mecanismo de Frank-Starling quanto de um VST reduzido (Fig. 2.2) (POLINER et al, 1980). O último é devido à maior contratilidade ventricular, secundária à estimulação simpática mediada pelas catecolaminas. A magnitude dessas mudanças depende de várias variáveis, incluindo função ventricular, posição corporal e intensidade do exercício. Ainda mais para uma FC mais alta, em verdade o volume sistólico de ejeção pode até diminuir, por causa do encurtamento desproporcional no tempo de enchimento diastólico (Fig. 2.1) (DEHN; MULLINS, 1977; FERGUSON et al., 1968). Fig. 2.2 As mudanças no volume sistólico de ejeção do repouso para o exercício máximo em homens. VDTVE, volume diastólico terminal ventricular esquerdo; VSTVE, volume sistólico terminal ventricular esquerdo (Adaptada de POLINER et al, 1980 apud ACSM, 2003). Fonte da imagem: Adaptada de POLINER et al, 1980 apud ACSM, 2003. Débito cardíaco O Débito Cardíaco (Q) se refere à quantidade de sangue bombeada pelo coração durante o período de 1 minuto, desta forma sendo expresso em litros por minuto – l/min. Caracteriza-se pelo produto de Volume Sistólico de Ejeção (VSE) multiplicado pela Frequência Cardíaca (FC), cuja formula é: Q = VSE x FC. Em linhas gerais, nos adultos sadios o Débito Cardíaco aumenta linearmente com um maior ritmo de trabalho de um valor em repouso de aproximadamente 5 l/min a um máximo de cerca de 20 l/min durante o exercício na posição ereta. Entretanto, os valores máximos do Débito Cardíaco dependem de muitos fatores, incluindo idade, postura, tamanho corporal, presença de doença cardiovascular e nível de condicionamento físico. Com intensidades do exercício de até 50% do VO2máx, o aumento no Débito Cardíaco é facilitado por aumentos na FC e no VSE (MITCHELL; BLOMQVIST, 1971). Daí em diante, o aumento resulta quase exclusivamente da elevação contínua na FC. Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 8 Alguns métodos tradicionais avaliam o Débito Cardíaco nos seres humanos. São eles: direto de Fick, com diluição do indicador e com reinalação do CO2. Atualmente, a plestimografia vem sendo utilizada para avaliar esta variável (CRITOPH et al., 2013). Aqui será destacado o método direto de Fick. Mensuração do débito cardíaco: o método de Fick Trata-se de um método direto, relacionando a variável diferença a-v O2 (diferença média entre o conteúdo de oxigênio no sangue arterial e venoso) e o consumo de oxigênio (expresso em litros por minuto)(ASTRAND; RODAHL, 1980; McARDLE et al., 2003; FOX; MATHEWS, 1986; WILMORE; COSTILL, 2001; WIDMAIER; HERSHEL, 2006). Para determinar o Débito Cardíaco (quantidade de sangue que circula durante o minuto) o fisiologista alemão Adolph Fick em 1870, sugere a seguinte relação entre as variáveis (ASTRAND; RODAHL, 1980; McARDLE et al., 2003; FOX; MATHEWS, 1986; WILMORE; COSTILL, 2001; WIDMAIER; HERSHEL, 2006): Q = VO2 dif a-vO2 x 100 A Fig. 2.3 exemplifica o princípio de Fick na identificação do Débito Cardíaco. Um sujeito consumindo 250 ml de oxigênio durante 1 minuto em repouso e apresentando uma diferença a-v O2 nesse período de tempo de 5 ml de oxigênio por 100 ml de sangue, teria um Débito Cardíaco de 5 litros por minuto (l/min), por meio do cálculo: Débito cardíaco = 250 ml/O2 5 ml/O2 x 100 = 5.000 ml (ou 5 litros) de sangue Fig. 2.3 A relação entrea Equação de Fick e o Débito Cardíaco (Q) por minuto. Fonte da imagem: McARDLE et al., 2003. Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 9 Embora simples, a equação de Fick para identificar o Débito Cardíaco necessita de um método de coleta de dados bem complexo, com mensuração invasiva, portanto, limitada a um ambiente clínico. A identificação do VO2, de maneira direta, relaciona- se a testes ergoespirométricos com analisador de gases em circuito aberto, caracterizando-se por uma avaliação não invasiva. Contudo, determinar a diferença a-vO2 é mais difícil, pois é necessário coletar amostra de sangue arterial – a punção comporta algum risco (normalmente de qualquer artéria sistêmica conveniente, como a femoral, radial ou braquial) e de sangue venoso. A amostra de sangue venoso misto apresenta outras dificuldades, pois o sangue em cada veia reflete somente a atividade metabólica da área específica por ela drenada. Uma estimativa precisa do conteúdo médio de oxigênio em todo o sangue venoso torna necessária a obtenção de uma amostra de uma "câmara de mistura" anatômica, como o átrio direito, o ventrículo direito ou, com maior exatidão, a artéria pulmonar. Essa amostragem torna necessária a introdução de um pequeno tubo flexível (cateter) através da veia antecubital no braço e penetrando na veia cava superior que conduz para o interior do coração direito. A seguir, são obtidas amostras de sangue arterial e venoso misto, simultaneamente, com a determinação do consumo de oxigênio. Numerosos estudos da dinâmica cardiovascular, em várias condições experimentais, aplicaram o método direto de Fick. Em geral, o método funciona como critério padronizado capaz de validar outras técnicas para a determinação do Débito Cardíaco. A principal crítica feita ao método de Fick é sua natureza invasiva. Isso altera provavelmente a dinâmica cardiovascular normal durante o período de mensuração, razão pela qual não poderá refletir a resposta cardiovascular habitual da pessoa (McARDLE et al., 2003). Débito cardíaco na situação de repouso: treinados e destreinados O Débito Cardíaco apresenta diversas variações na situação de repouso. Dentre os fatores que exercem influência no Débito Cardíaco, incluem-se as alterações no fluxo cortical (comando central) para os nervos cardioaceleradores e para os nervos que comandam os vasos arteriolares, promotores da resistência ao fluxo. Em média, por minuto, o ventrículo esquerdo bombeia um volume sanguíneo de, aproximadamente, 5 litros em um homem adulto com massa corporal de aproximadamente 75 kg. Este valor representa o Débito Cardíaco médio em homens tanto treinados quanto destreinados na situação de repouso. Na mulher, que apresenta, em média, uma massa corporal menor que do homem, o Débito Cardíaco de repouso é de, aproximadamente, 4 l/min (ASTRAND; RODAHL, 1980; McARDLE et al., 2003; FOX; MATHEWS, 1986; WILMORE; COSTILL, 2001). Mais especificamente, um indivíduo sedentário em repouso, com uma frequência cardíaca entre 70 e 80 bpm, mantém o Débito Cardíaco na casa dos 5 l/min em função do seu volume sistólico de ejeção (VSE) apresentar valores entre 70 e 80 ml/b. O Débito Cardíaco nas mulheres apresenta valores entre 20 a 30% menores que nos homens, sobretudo em função do VSE ficar entre 50 e 60 ml/b. Essa diferença de gênero, em geral, está relacionada ao menor tamanho ventricular e corporal da mulher (ASTRAND; RODAHL, 1980; McARDLE et al., 2003; FOX; MATHEWS, 1986; WILMORE; COSTILL, 2001), originada, principalmente, pelo Volume Diastólico Final (VDF) da mulher ser menor, embora ela tente compensar com uma maior Fração de Ejeção Ventricular (FEV) em relação ao homem (De BONDT et al., 2001; ROZANSKI et al., 2000) Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 10 Entretanto, os indivíduos treinados, principalmente em endurance, apresentam diversas adaptações que beneficiam todo o sistema cardiorrespiratório, sem, no entanto, modificar os valores médios dos débitos cardíacos destes indivíduos em repouso, e, sobretudo, diferenciar esta variável quando comparada com os indivíduos sedentários. Uma destas variáveis é a maior atividade parassimpática, aumentando a liberação de acetilcolina e, por consequência, aumentando o efeito desta nos nodos sino-atrial e atrioventriculares, tornando mais lenta a frequência cardíaca (ALMEIDA; ARAÚJO, 2003; UUSITALO et al., 1998; BONADUCE et al., 1998; CHESS et al., 1975; TSUJI et al., 1996; SAUL, 1990). Concomitantemente, a atividade simpática em repouso diminui. Estas adaptações promovidas pelo treinamento explicam, em parte, porque os atletas de endurance apresentam valores de frequência cardíaca de repouso mais baixos que a média populacional (ALMEIDA; ARAÚJO, 2003; UUSITALO et al., 1998; BONADUCE et al., 1998). Os valores de frequência cardíaca em atletas de endurance alcançam, em média, 50 bpm. Sendo assim estima-se, para um Débito Cardíaco de repouso de 5 l/min, um volume sistólico de ejeção de, aproximadamente, 100 ml/b. Importante ressaltar que períodos curtos de treinamento exercem efeito muito reduzido na diminuição da frequência cardíaca de repouso (ALMEIDA; ARAÚJO, 2003; UUSITALO et al., 1998; BONADUCE et al., 1998). O Quadro 2.2 fornece a seguir um resumo dos valores médios para Débito Cardíaco, frequência cardíaca e volume sistólico de ejeção para homens treinados em endurance e destreinados em repouso: Repouso Débito cardíaco Frequência Cardíaca Volume Sistólico Sedentário ~5.000 ml/sangue ~72 bpm ~70 ml/b Treinado ~5.000 ml/sangue ~56 bpm ~90 ml/b Quadro 2.2 Valores médios para Débito Cardíaco e suas variáveis para homens treinados em endurance e destreinados em repouso. Embora simples, esses cálculos não elucidam amplamente os mecanismos fisiológicos para os diferentes padrões de respostas do Débito Cardíaco nos indivíduos sedentários e treinados. Um questionamento importante é se a bradicardia (diminuição da frequência cardíaca) observada como resposta ao treinamento de endurance propicia um maior volume sistólico de ejeção ou vice- versa, porque o próprio miocárdio responderia com maior contratilidade inotrópica em resposta a este treinamento regular de endurance? Provavelmente, o treinamento em endurance promove algumas adaptações nos atletas: 1. Aumento da atividade parassimpática (Tônus vagal) adicionado a uma diminuição do impulso simpático, ambos promovendo diminuição da atividade cronotrópica cardíaca (velocidade de contratilidade miocárdica) (ALMEIDA; ARAÚJO, 2003; UUSITALO et al., 1998; BONADUCE et al., 1998). 2. Aumento do volume plasmático (MOUNIER et al., 2003). 3. Aumento da atividade inotrópica cardíaca (força de contratilidade miocárdica) (ALMEIDA; ARAÚJO, 2003; UUSITALO et al., 1998; BONADUCE et al., 1998). 4. Aumento da compliância do ventrículo esquerdo (GHORAYEB et al., 2005; PLUIM et al., 2000; SCHAIRER et al., 1992). Sem dúvidas, estas adaptações resultam na diminuição da frequência cardíaca e no aumento do volume sistólico de ejeção na situação de repouso, obtidos a partir do treinamento de endurance, embora a literatura apresente algumas contradições neste sentido, principalmente quando da aplicação deste tipo de treinamento em cardiopatas que apresentam insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (FUJIMOTO et al., 2012). Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 11 Débito Cardíaco na situação de exercício: treinados e destreinados Existe, por necessidade fisiológica, uma relação direta entre o aumento do fluxo sanguíneo sistêmico e a intensidade do exercício. Entretanto, o aumento do Débito Cardíaco não é linear durante a prática do exercício. No início do exercício, ocorre um aumento abrupto do Débito Cardíaco. Tratando-se de um exercício contínuo, objetivando atingir o “steady state”, o comportamento do Débito Cardíaco é de elevação gradual até alcançar um platô, momento em que o fluxo sanguíneo consegue atender às demandasmetabólicas do exercício (McARDLE et al., 2003; FOX; MATHEWS, 1986; WILMORE; COSTILL, 2001). McARDLE e colaboradores (2003) citam estudo com homens sedentários em idade universitária. Nestes, o Débito Cardíaco durante o exercício máximo aumentou cerca de quatro vezes acima dos valores de repouso, atingindo resultados entre de 20 e 22 I/min. A frequência cardíaca máxima para esses universitários foi, em média, de 195 bpm e o volume sistólico de ejeção variou entre 105 e 115 ml. Em contraste, atletas de endurance, com resultados expressivos em nível mundial, atingem débitos cardíacos máximos entre 35 e 40 l/min. Importante ressaltar que o atleta de endurance não apresenta diferença significativa da frequência cardíaca em exercício máximo quando comparado aos indivíduos sedentários (de mesma faixa etária) nesta mesma situação. Desta forma, o atleta de endurance atinge um grande Débito Cardíaco máximo exclusivamente por meio de um “enorme aumento” no volume sistólico de ejeção, provavelmente por adaptações morfológicas ocorridas no ventrículo (GHORAYEB et al., 2005; PLUIM et al., 2000; SCHAIRER et al., 1992). Como exemplo, destaca-se o Débito Cardíaco de um maratonista olímpico que chega a atingir a marca dos 40 l/min no exercício máximo (aproximadamente oito vezes acima do valor de repouso); o volume sistólico de ejeção é, aproximadamente, de 200ml. Isso é quase o dobro do volume máximo de sangue bombeado por batimento por um indivíduo sedentário. O Quadro 2.3 fornece a seguir um resumo dos valores médios para Débito Cardíaco, frequência cardíaca e volume sistólico de ejeção para homens treinados em endurance e destreinados durante o exercício máximo: Exercício máximo Débito Cardíaco Frequência Cardíaca Volume Sistólico Sedentário ~20.000 ml/ sangue ~200 bpm ~100 ml/b Treinado ~35.000 ml/ sangue ~200 bpm ~175 ml/b Quadro 2.3 Valores médios para Débito Cardíaco e suas variáveis para homens treinados em endurance e destreinados durante o exercício máximo. Volume Sistólico de Ejeção: relação entre diástole (Volume Diastólico Final - VDF) e sístole ventriculares (ejeção sanguínea) Em exercício, destacam-se três mecanismos fisiológicos contribuindo no aumento do volume sistólico de ejeção: 1. Específico do coração: caracteriza-se por um bom enchimento ventricular na diástole, seguido por uma boa sístole ventricular 2. Influência dos sistemas nervoso e hormonal: caracteriza-se pelo enchimento ventricular normal seguido por uma sístole consistente, promovendo alta ejeção e esvaziamento ventricular. 3. Adaptações ao treinamento: como citado anteriormente, caracterizam-se por aumentar o tamanho do ventrículo (GHORAYEB et al., 2005; PLUIM et al., 2000; SCHAIRER et al., 1992), e volume sanguíneo (MOUNIER et al., 2003), além de reduzir a resistência periférica ao fluxo sanguíneo (TATE et al., 1994; HAGBERG et al., 1998, KRIP et al., 1997). Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 12 Diástole ventricular: enchimento (Volume Diastólico Final - VDF) O retorno venoso promove um enchimento ventricular (pré-carga) durante a fase de diástole do ciclo cardíaco, caracterizando o volume diastólico final (VDF) ou terminal (VDT). Em exercício, com ênfase em indivíduos treinados em endurance, ocorre um aumento do retorno venoso (pré carga), refletindo no aumento do VDF (AZEVEDO et al., 2007). Este aumento do VDF “distensibiliza” as fibras musculares cardíacas, promovendo uma grande força de ejeção durante a contração. Este mecanismo é responsável pela ejeção do volume sistólico padrão mais uma parte do sangue adicional que tenha retornado aos ventrículos, resultando em um aumento no volume de ejeção. McArdle e colaboradores (2003) citam que dois pesquisadores, o fisiologista alemão Otto Frank (1865-1944) e o fisiologista inglês Ernest Starling (1866-1927), descreveram a relação entre a força contrátil e o comprimento em repouso das fibras musculares do coração. Esse fenômeno, conhecido como lei de Frank-Starling do coração, funciona sempre durante o ciclo cardíaco e aplica-se a todas as cavidades cardíacas. Desta forma, o mecanismo de Frank-Starling é considerado como importante estratégia fisiológica para o aumento do volume sistólico de ejeção durante o exercício (GOODMAN et al., 1991), além do aumento do volume sistólico de ejeção por adaptação ao treinamento (LEVINE et al., 1991). Um melhor arranjo das miofibrilas, além do comprimento ideal dos sarcômeros quando a fibra muscular é “distensibilizada”, favorece a contratilidade. Sístole Ventricular: ejeção sanguínea O aumento do volume sistólico de ejeção durante o exercício é progressivo e é resultado da combinação de um aumento no enchimento diastólico ( VDF) e de um aumento no esvaziamento ventricular durante a fase de sístole. A ejeção sistólica aumentada em exercício ocorre, entre outros fatores, em função dos ventrículos apresentarem condições contráteis de ejetarem maior percentual do Volume Diastólico Final (VDF), promovendo, assim, uma diminuição no Volume Sistólico Final (VSF), que se caracteriza pelo volume residual funcional de sangue, após a sístole ventricular (NEGRÃO; BARRETTO, 2010). Em repouso, aproximadamente 40% do volume sanguíneo diastólico final (cerca de 60 ml) permanecem no ventrículo esquerdo após a sístole. Por motivos diversos, entre eles, a diminuição da atividade parassimpática com o aumento da simpática (ALMEIDA; ARAÚJO, 2003; UUSITALO et al., 1998; BONADUCE et al., 1998), o aumento do estímulo hormonal - maior liberação de catecolaminas (NEGRÃO; BARRETTO, 2010) e a diminuição da resistência ao fluxo - que culmina com uma diminuição da pós carga (FOX; MATHEWS, 1986), durante o exercício ocorre uma facilitação da ejeção ventricular, com consequente esvaziamento sistólico maior ( VSE) e Volume Sistólico Final menor ( VSF). Como já elucidado, o treinamento de endurance faz aumentar a compliância do ventrículo esquerdo, facilitando sua capacidade de acumular sangue na fase diastólica do ciclo cardíaco (WOODIWISS et al., 1998, GHORAYEB et al., 2005; PLUIM et al., 2000; SCHAIRER et al., 1992). 3. Débito Cardíaco e transporte de oxigênio Repouso É fato que, na média populacional com padrão de normalidade, 100 ml de sangue possuem 15g de hemoglobina - Hb4. Considerando que cada grama de Hb4 é saturada em 100% com 1,34 ml de O2 (S%Hb4 = 100), 100 ml de sangue rico em Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 13 oxigênio teriam potencial de transportar 20,1 ml/O2 (ASTRAND; RODAHL, 1980; FOX; MATHEWS, 1986; WILMORE; COSTILL, 2001). Embora em repouso a S%Hb4 = 98, estipula-se como padrão que 100 ml de sangue em repouso transporta 20 ml de O2. Desta forma, o organismo humano tem potencial para dispor de 1.000 ml de oxigênio, considerando que o Débito Cardíaco em repouso é, aproximadamente, de 5,0 l/min. Conforme elucidado anteriormente, a diferença arteriovenosa de O2 (dif a-VO2) em repouso apresenta valores próximos a 5 ml/O2 por 100 ml/ sangue (valor obtido pela diferença entre o conteúdo de O2 do sangue arterial e o conteúdo de O2 do sangue venoso) (ASTRAND; RODAHL, 1980; FOX; MATHEWS, 1986; WILMORE; COSTILL, 2001). Esta diferença representa o CONSUMO de O2 pelas células a cada 100 ml/sangue. Quando esta diferença é relacionada com o Débito Cardíaco, observa-se que o Consumo de Oxigênio (VO2) em repouso fica na casa dos 250 ml/min. Sendo assim, cerca de 750 ml/O2 transportados pelo sangue arterial não são consumidos, retornando pela circulação venosa, sem ser utilizados. Isso não reflete um desperdício, mas sim, uma concentração extra de oxigênio circulante acima da necessidade de repouso, representando uma margem de segurança para o caso de o metabolismo de determinado tecido sofrer um aumento súbito, como ocorre durante o exercício intenso com o tecido muscular (ASTRAND; RODAHL, 1980; FOX; MATHEWS, 1986; WILMORE; COSTILL, 2001). Exercício É inquestionável quedurante a prática do exercício, tanto os indivíduos sedentários como os treinados aumentam a quantidade de O2 transportada pelo sangue e, consequentemente, o VO2. Para compararmos a magnitude deste aumento, exemplificamos, em exercício máximo: um adulto jovem e sadio, porém sedentário, com uma frequência cardíaca máxima de 200 bpm e um volume sistólico de ejeção de 90 ml (0,9 litros) gera um Débito Cardíaco máximo de 18 l/min (200 X 0,09 l). Conforme elucidado anteriormente, mesmo durante o exercício máximo, a S%Hb4 continua sendo quase completa (cerca de 97 a 98%), de forma que cada litro de sangue arterial transporta cerca de 200 ml de oxigênio. Consequentemente, 3.600 ml de oxigênio circulam por minuto graças a um Débito Cardíaco de 18 l/min (18 l X 200 ml de O2/l). Contudo, o VO2máx deste sedentário nunca seria de 3.600 ml/min, pois para sê-lo, o indivíduo teria que ter seus diversos tecidos extraindo TODO o oxigênio transportado pelo sangue naquele momento, o que não ocorre. Normalmente, em exercício máximo, o humano passa a consumir 75% do O2 transportado pelo sangue, contra os 25% consumidos em repouso (ASTRAND; RODAHL, 1980; FOX; MATHEWS, 1986; WILMORE; COSTILL, 2001). Com base no exemplo anterior, um adulto jovem e sadio, porém treinado, em exercício máximo, pode apresentar um aumento no volume sistólico de ejeção do coração de 90 para 200 ml, mantendo a frequência cardíaca máxima em 200 bpm, o que o levaria a um aumento substancial no Débito Cardíaco máximo, para cerca de 40 l/min. Isso representaria um aumento maior de duas vezes no oxigênio que circula durante cada minuto de exercício (de 3.600 para 8.000 ml) ao compararmos os sujeitos sedentários e treinados. O aumento no Débito Cardíaco máximo produz, claramente, aumento proporcional na capacidade de circular oxigênio e altera, significativamente, o consumo máximo de oxigênio do indivíduo. (AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE, 2003; ASTRAND; RODAHL, 1980; FOX; MATHEWS, 1986; WILMORE; COSTILL, 2001). Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 14 Relação entre o Débito Cardíaco Máximo e o VO2máx A Fig. 3.1 mostra a íntima relação entre o Débito Cardíaco Máximo e a capacidade de alcançar um alto nível de metabolismo do exercício aeróbio. Os valores do VO2máx representam médias para a pessoa sedentária e para o atleta de endurance de elite. Existe uma associação indiscutível - um baixo valor do consumo máximo de oxigênio corresponde intimamente a um Débito Cardíaco máximo igualmente baixo, enquanto a capacidade de gerar um VO2máx de 5 ou 6 l/min acompanha, invariavelmente, um Débito Cardíaco de 30 a 40 l/min. Em média, um aumento de 5 a 6 l/min no fluxo sanguíneo acompanha um aumento de 1litro no consumo de oxigênio acima do valor de repouso; essa relação se mantém essencialmente inalterada independentemente da modalidade do exercício através de uma ampla gama de exercícios dinâmicos. Os altos níveis de consumo máximo de oxigênio e de Débito Cardíaco geram características peculiares para os atletas de endurance pré-adolescentes e adultos. Um aumento quase proporcional no Débito Cardíaco Máximo acompanha os aumentos no VO2máx conseguidos com o treinamento de endurance. Fig. 3.1 Relação entre Débito Cardíaco máximo e consumo máximo de oxigênio em indivíduos treinados e sedentários (McARDLE et al., 2003). Débito Cardíaco e as diferenças entre homens, mulheres e crianças Durante uma sessão aguda de exercício dinâmico, o Débito Cardíaco aumenta em proporção direta com o aumento no consumo de oxigênio. Os mecanismos pelos quais o Débito Cardíaco aumenta durante o exercício pode ser diferente entre homens e mulheres (O'TOOLE, 1989). FREEDSON e colaboradores (1979) sugerem que as diferenças de Débito Cardíaco entre os gêneros, durante a prática do exercício moderado, são devidos, em parte, a diferenças na massa magra corporal, embora McARDLE e colaboradores (2003) citem que qualquer diferença sexual aparente no Débito Cardíaco submáximo resulte, mais provavelmente, da concentração de hemoglobina 10% mais baixa em mulheres que em homens. Desta forma, fica simples compreender porque tanto as mulheres adolescentes quanto adultas se exercitam em qualquer nível de consumo submáximo de oxigênio com um Débito Cardíaco 5 a 10% maior que dos homens. Contudo, em resposta ao treinamento de alta intensidade, CUNNINGHAM e colaboradores (1979) indicam resultados em que as mulheres podem apresentar adaptações cardiovasculares similares às observadas nos homens, sobretudo em relação aos ganhos relativos de Débito Cardíaco, mas não absolutos. Com relação à frequência cardíaca, observa-se que as crianças apresentam valores mais elevados do que os adultos durante a prática de exercício submáximo em esteira rolante ou em cicloergômetro. Este aumento é insuficiente para compensar o menor volume sistólico de ejeção que a crianças apresentam, quando comparadas aos adultos, acarretando em um menor Débito Cardíaco para um determinado Consumo de Oxigênio durante o exercício submáximo. Em contraste, a diferença a-vO2 é maior nas crianças, objetivando satisfazer as demandas Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 15 de oxigênio que o menor Débito Cardíaco teria dificuldades em sanar. Diferença Arteriovenosa de Oxigênio - dif a-vO2: A extração de oxigênio A extração de oxigênio pelos tecidos reflete a diferença entre o conteúdo de oxigênio do sangue arterial (CaO2 – cerca de 20 ml de O2/100 ml de sangue em repouso) e o conteúdo em oxigênio do sangue venoso (CvO2 – cerca de 15 ml de O2/100 ml de sangue em repouso), produzindo uma diferença arteriovenosa típica de oxigênio (CaO2 - CvO2) em repouso de 5 ml de O2/dI de sangue. Isso se aproxima de um coeficiente de utilização de, aproximadamente, 25%. Em linhas gerais, durante o exercício até a exaustão, o conteúdo em oxigênio venoso misto diminui tipicamente para 5 ml/dl de sangue ou mais baixo, ampliando assim a diferença arteriovenosa de oxigênio de 5 para 15 ml/dl de sangue, o que corresponde a um coeficiente de utilização de, aproximadamente, 75% (MITCHELL; BLOMQVIST, 1971). Importante ressaltar que os valores no conteúdo de oxigênio do sangue arterial e do sangue venoso são oriundos da relação entre a quantidade de hemoglobina (aproximadamente 15g/100 ml sangue), da capacidade de fixação do oxigênio na hemoglobina (1g de Hb4 se vincula a 1,34 ml de O2, quando saturado em 100%) e da saturação percentual da hemoglobina com o oxigênio (S%Hb4 entre 97 e 98 em situação de repouso, chegando a quase 100% em exercício intenso). Importante ressaltar que a variável: diferença a-vO2 é extremamente importante quando é analisado o aumento do VO2 em exercício máximo. Partindo das informações já estudadas, em repouso, o indivíduo adulto apresenta, em média, um VO2 de 250 ml/min ou 0,25 l/min. Caso seja um indivíduo treinado em endurance, seu VO2 pode atingir o patamar de 5,0 l/min, resultando em um aumento de 20 vezes. Se apenas o fluxo sanguíneo fosse responsável pelo aumento do Consumo de Oxigênio, o aumento do Débito Cardíaco deveria ser de 20 vezes, ou seja, passando dos 5 l/min em repouso para 100 l/min durante o exercício máximo. Felizmente, o exercício máximo não requer esse grande Débito Cardíaco, aliás, o débito de 100 l/ min exemplificado é impossível fisiologicamente de ser atingido por um ser humano. Pelo contrário, a hemoglobina libera uma quantidade considerável de seu oxigênio "de reserva" a partir do sangue que perfunde os tecidos ativos. O consumo de oxigênio do exercício aumenta por meio de dois mecanismos (AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE, 2003; McARDLE et al., 2003; ASTRAND; RODAHL, 1980; FOX; MATHEWS, 1986; WILMORE; COSTILL, 2001): • Aumento na quantidade total de sangue bombeado pelo coração (isto é, aumento no Débito Cardíaco). • Maior utilização da quantidade relativamente grande de oxigênio já carreada pelo sangue (isto é, expansãoda diferença a-vO2). O rearranjo da equação de Fick resume a importante relação entre Débito Cardíaco, diferença a-vO2 e VO2, da seguinte maneira: VO2 = Q X dif a-v O2 Diferença a-vO2: repouso Conforme relato anterior, a demanda metabólica energética de repouso utiliza em torno de 5 ml de oxigênio para cada 100 ml de sangue arterial (ou 50 ml/O2 por li¬tro). Isso representa uma diferença a-vO2 de 5 ml de oxigênio para cada 100 ml de sangue que flui nos vasos capilares-teciduais. Considerando que 100 ml de sangue que chegam até os tecidos transportam 20 ml de O2, 75% da carga original de oxigênio do sangue, ou seja: 15 ml de oxigênio, ainda permanecem ligados à hemoglobina, sendo transportados pelo sangue venoso (AMERICAN Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 16 COLLEGE OF SPORTS MEDICINE, 2003; McARDLE et al., 2003; ASTRAND; RODAHL, 1980; FOX; MATHEWS, 1986; WILMORE; COSTILL, 2001). Diferença a-.vO2: Exercício A Fig. 3.2 mostra um aumento progressivo da diferença a-vO2 do repouso para o exercício máximo em homens fisicamente ativos. Um padrão semelhante emerge para as mulheres, exceto que o conteúdo em oxigênio arterial é, em média, 5 a 10% menor, em função de suas concentrações de hemoglobina mais baixas. A figura inclui valores para o conteúdo de oxigênio no sangue arterial e venoso misto e durante diferentes consumos de oxigênio do exercício. Em função de não ocorrer alteração significativa da SO2%Hb4, o conteúdo de oxigênio no sangue arterial varia pouco de seu valor de 20 ml/O2/100 ml/sangue em repouso e através de toda a gama de intensidade do exercício. Em contrapartida, existe uma variação aproximada de 15 ml/O2/100 ml/sangue no conteúdo de oxigênio do sangue venoso durante a situação de repouso para cerca de 4 ml/O2/100 ml/sangue no conteúdo de oxigênio do sangue venoso durante a situação de exercício máximo. A diferença entre o conteúdo de oxigênio no sangue arterial e venoso (diferença a-v O2) representa a extração de oxigênio das células teciduais pelo sangue arterial, quando este circula pelo organismo (McARDLE et al., 2003). Verifica-se um aumento de, pelo menos, três vezes nos valores da diferença a-v O2, quando comparadas às situações de repouso e exercício máximo. Como mostrado na Fig. 3.2, a capacidade de cada 100 ml de sangue arterial de carrear oxigênio não aumenta significativamente durante o exercício. Contudo, o discreto aumento verificado pode ser resultante de uma maior S%O2Hb4, que de 98% em repouso passaria a 100% em exercício máximo, mas principalmente, de uma maior concentração de hemácias pela diminuição plasmática que ocorre em exercício de endurance, oriunda, sobretudo, do aumento exacerbado da sudorese. Este processo é denominado de hemoconcentração e decorre de inúmeros fatores relacionados ao volume e intensidade do exercício, além das condições climáticas quando da prática da atividade física (McARDLE et al., 2003; ASTRAND; RODAHL, 1980; FOX; MATHEWS, 1986; WILMORE; COSTILL, 2001). Hormônios como vasopressina (ADH) e Aldosterona são reguladores da concentração hídrica corporal, controlando a possível hemoconcentração proveniente pela prática do exercício (McCONELL et al., 1997; MELIN et al., 2001; TAKAMATA et al., 2000). Fig. 3.2 • Mudanças na diferença a-vO2, do repouso para o exercício máximo em homens fisicamente ativos. (McARDLE et al., 2003). Diferença a-vO2 em exercício: Mecanismos de alteração Durante a prática da atividade física, mecanismos centrais e periféricos trabalham em conjunto para Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 17 que o tecido muscular, reconhecidamente o mais ativo durante o exercício, possa aumentar a captação de oxigênio. Dentre estes mecanismos, destaca-se a redistribuição do fluxo sanguíneo, com um grande desvio do Débito Cardíaco para os músculos ativos, influenciando a magnitude da diferença a-vO2 nas diversas intensidades do exercício. Como mencionado previamente, alguns tecidos comprometem temporariamente seu suprimento sanguíneo durante o exercício pela redistribuição do sangue, objetivando facilitar a disponibilidade de oxigênio para o metabolismo muscular. O exercício facilita a redistribuição da circulação central para a musculatura periférica ativa (HEINONEN et al., 2012; BOSCO et al., 2004), embora a produção excessiva de espécies reativas de oxigênio, sem o sequestro adequado, possa prejudicar a função vascular periférica durante o exercício, principalmente nos indivíduos mais velhos (COPP et al., 2012). Dentre os mecanismos periféricos, destaca-se o aumento da circulação dentro do próprio músculo, possibilitando um aumento na extração de oxigênio por este tecido (LASH et al., 1995). Um aumento na quantidade de vasos (capilares) sanguíneos por fibras musculares esqueléticas indica uma adaptação positiva, ampliando a interface para a permuta de nutrientes e de gases metabólicos durante o exercício. A possibilidade das células musculares individuais de gerarem energia aerobicamente representa outro fator importante que governa a capacidade de extração de oxigênio. Outros fatores, tais como os aumentos no tamanho e no número de mitocôndrias, assim como a maior atividade das enzimas aeróbicas, também aprimoram a capacidade metabólica de um músculo durante o exercício (HOLLOSZY; COYLE, 1984; JOHNSON, 1998). Finalmente, aprimoramentos vasculares e metabólicos locais dentro do último acabam aprimorando sua capacidade de produzir ATP aerobiamente (WILSON, 1995), o que corresponde a uma maior capacidade de extração de oxigênio. 4. Fluxo sanguíneo: distribuição e redistribuição do Débito Cardíaco Como já estudado, entende-se o Débito Cardíaco como a quantidade de sangue ejetada para o sistema a cada minuto, ou seja, o sangue que vai ser distribuído (fluxo sanguíneo) para todos tecidos do organismo dentro desta unidade de tempo (minuto) é o próprio Débito Cardíaco. Esta distribuição é feita em função da necessidade metabólica de cada território corporal, ou seja: quanto maior o trabalho da célula/tecido/órgão, maior será o fluxo de sangue para aquela região, atendendo a necessidade metabólica momentânea. No cômputo geral, estudos clássicos divulgam que, em repouso, 15-20% do Débito Cardíaco são distribuídos para os músculos esqueléticos; o restante vai para os órgãos viscerais, o coração e o cérebro (ROWELL, 1969). Entretanto, durante o exercício, até 85% do Débito Cardíaco são enviados seletivamente para os músculos ativos e são desviados da pele e dos leitos vasculares esplâncnico, hepático e renal. O fluxo sanguíneo miocárdico pode aumentar quatro vezes com o exercício, enquanto o suprimento sanguíneo para o cérebro é mantido nos níveis de repouso (ZOBI et al., 1965). Pela sua importância, é necessário que este tema seja explicitado de forma mais abrangente. Fluxo sanguíneo em repouso Em repouso e em um meio ambiente confortável, o Débito Cardíaco típico de 5 l/min se distribui, geralmente, nas proporções mostradas na Fig. 4.1A. Aproximadamente uma quinta parte do Débito Cardíaco flui para o tecido muscular, enquanto o trato digestivo, o fígado, o baço, o cérebro e os rins recebem a maior parte do sangue restante. Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 18 Fluxo sanguíneo durante o exercício Verifica-se na Fig. 4.1B, a distribuição relativa e absoluta do fluxo sanguíneo (baseado no Débito Cardíaco) durante a prática do exercício máximo. Dentre os diversos fatores que afetam esta distribuição, a intensidade do exercício é um dos principais (HEINONEN et al., 2012). O percentual mostrado na figura 4.1B, de 84% do sangue sendo distribuído para a musculatura estriada esquelética, corresponde a uma intensidade máxima de exercício, sendo que em menores intensidades, este percentual diminui, embora fique sempre maior que o da situação de repouso. Aproximadamente quatro a sete ml de sangue fluem a cada minuto para cada 100 g demúsculo em repouso. Esse fluxo aumenta uniformemente no exercício gradativo, com o músculo ativo recebendo até 50 a 75 ml por 100 g de tecido durante cada minuto de esforço máximo (ROWELL et al, 1986). O fluxo sanguíneo dentro do músculo ativo é altamente regulado. A maior quantidade de sangue é desviada para as porções oxidativas do músculo em detrimento das áreas com uma alta capacidade glicolítica. Assim sendo, os valores máximos do fluxo sanguíneo em uma pequena porção muscular ativa representam uma perfusão de até 300 a 400 ml/100g/min. Durante as atividades realizadas com os "grandes grupos musculares" como a de nadar, correr ou pedalar com intensidade máxima, o fluxo sanguíneo muscular representa 80 a 85% do Débito Cardíaco total. Fluxo sanguíneo e mecanismos de redistribuição Como já foi abordado, durante a prática do exercício ocorre uma grande redistribuição do fluxo sanguíneo para a musculatura ativa, podendo chegar a valores próximos de 85% do Débito Cardíaco em exercício máximo. É evidente que, se uma grande parte do Débito Cardíaco é distribuída para os músculos, ocorre, concomitantemente, uma diminuição de fluxo sanguíneo em outros territórios corporais. Este processo, durante a prática do exercício agudo, é gerenciado pelos mecanismos de vasoconstrição visceral e vasodilatação periférica muscular (que serão detalhados posteriormente) (McARDLE et al., 2003; ASTRAND; RODAHL, 1980; FOX; MATHEWS, 1986; WILMORE; COSTILL, 2001). A redistribuição do sangue entre tecidos específicos ocorre principalmente durante o exercício de alta intensidade. Como exemplo, destacam-se os rins e os tecidos esplâncnicos, que consomem apenas 10 a 25% do oxigênio existente em seu suprimento sanguíneo normal, em repouso. Consequentemente, esses tecidos toleram um fluxo sanguíneo consideravelmente reduzido antes de a demanda de oxigênio ultrapassar o suprimento e comprometer a função. Na situação de exercício intenso, o fluxo sanguíneo renal pode cair para até quatro quintos do suprimento sanguíneo absoluto em repouso. Se for contabilizado o valor relativo, os rins recebem um fluxo sanguíneo em torno de 22% e a região esplâncnica em torno de 27% do Débito Cardíaco na situação de repouso, enquanto, no exercício intenso, estes valores diminuiriam para, respectivamente, 1% e 2%. Entretanto e, observando a figura 4.1, está claro que, durante a prática do exercício, o fluxo sanguíneo absoluto e/ou relativo não pode ser alterado alguns tecidos/órgãos. O coração (miocárdio) utiliza cerca de 75% do oxigênio que chega até ele pelos 4% do fluxo sanguíneo total em repouso (fig. 4.1 A). Esta margem de reserva é muito limitada e, pelo próprio aumento de trabalho cardíaco durante a execução do exercício agudo, ocorre um aumento do fluxo sanguíneo coronariano absoluto durante o exercício, objetivando suprir as maiores demandas de oxigênio do miocárdio (McARDLE et al., 2003; FOX; MATHEWS, 1986; WILMORE; COSTILL, 2001). Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 19 Contudo, não ocorre aumento do valor relativo, uma vez que a musculatura estriada esquelética tem sua atividade metabólica extremamente aumentada nestas circunstâncias, necessitando do maior aporte sanguíneo. Outro território que apresenta uma necessidade de manutenção do fluxo sanguíneo em exercício, porém absoluto, é o encéfalo. Importante ressaltar que, diferente do coração, a distribuição do fluxo relativo de sangue para o encéfalo diminui (McARDLE et al., 2003; FOX; MATHEWS, 1986; WILMORE; COSTILL, 2001). Em exercício máximo, o fluxo absoluto para atividades metabólicas encefálicas pode aumentar cerca de 25% (McARDLE et al., 2003). No exercício crônico (treinamento), a literatura traz diversas informações sobre o tema. Em animais de laboratório, observa-se que o treinamento de endurance aumenta fluxo sanguíneo coronariano (LAUGHLIN et al.,1998). Contudo, existe certa dificuldade em um consenso se este mecanismo ocorre em atletas de endurance, quando comparados aos indivíduos não treinados. Enquanto alguns estudos sugerem que os atletas de endurance têm um fluxo coronário aumentado (TORAA et al 1999; HILDICK- SMITH et al, 2000;. KJAER et al. 2005), outros não suportam esta afirmação (HEISS et al. 1976; RADVAN et al. 1997; KALLIOKOSKI et al. 2002). Todavia, é importante ressaltar que a tendência na literatura é que o treinamento físico (de diversas intensidades e volumes) tem a capacidade de promover adaptações benéficas no fluxo sanguíneo coronariano e também encefálico. HEINONEN e colaboradores (2008) indicam mudanças estruturais acentuadas no coração de atletas de endurance, resultando em uma perfusão aumentada do miocárdio em repouso. ROQUE e colaboradores (2001) observaram, em ratos, um aumento do fluxo sanguíneo coronariano a partir do treinamento moderado de natação. MARSHALL e colaboradores (2013) verificaram, a partir das adaptações promovidas pelo treinamento intervalado de intensidade relativa, o mesmo aumento do fluxo sanguíneo coronariano em população cardiopatas. Com relação ao encéfalo, HUANG e colaboradores (2013) observaram, a partir da prática de corrida, uma angiogênese (será discutido a seguir) cortical em ratas fêmeas em idade pré-senil. Fig. 4.1 Fluxo Sanguíneo por minuto (baseado em valores de Débito Cardíaco): Distribuição relativa e absoluta do Débito Cardíaco durante o repouso (A) e durante exercício de endurance máximo (B). O número entre parênteses indica o percentual do Débito Cardíaco total (valores relativos). Observar que, apesar de sua grande massa absoluta, o tecido muscular em repouso recebe aproximadamente a mesma quantidade de sangue dos rins (que representam massa muito menor). Todavia, mais de 80% do Débito Cardíaco são desviados para os músculos ativos durante a execução do exercício máximo Fonte da imagem: McARDLE et al., 2003. Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 20 Como ocorre a redistribuição do fluxo sanguíneo? Mecanismo de controle do Fluxo sanguíneo Para que os diversos mecanismos de controle do Fluxo sanguíneo sejam elucidados de maneira mais enfática, é importante estabelecer se a relação está sendo feita com exercício agudo ou crônico, uma vez que os mecanismos são distintos. São conhecidos como o controle agudo (durante a prática do exercício agudo) e o controle em longo prazo (oriundo de uma adaptação frente ao exercício crônico - treinamento). O controle agudo tem por objetivo alterar o diâmetro vascular (principalmente de arteríolas e capilares). Estas alterações ocorrem rapidamente, proporcionando condições de um fluxo sanguíneo adequado aos territórios corporais com demandas específicas (exemplo: tecido muscular em exercício) (WIDMAIER; HERSHEL, 2006). Por outro lado, o controle em longo prazo, indica alterações no fluxo sanguíneo que, para se efetivarem, podem demorar até meses. Em geral, as alterações em longo prazo ocorrem como consequência de aumento ou diminuição das dimensões físicas (arteriogênese) e do número de vasos sanguíneos (angiogênese) que de fato suprem os tecidos (HOLLOSZY; COYLE, 1984; BOOTH; THOMPSON, 1991). Controle agudo do Fluxo sanguíneo Os processos de vasoconstrição e vasodilatação são estimulados de três formas: por meio de controle neural, controle hormonal e controle local. Importante ressaltar que estes controles são estimulados por mensageiros químicos. O Quadro 4.1 aponta as formas de comando e exemplos dos mediadores químicos que agem como vasodilatadores e vasoconstritores (WIDMAIER; HERSHEL, 2006). Vasodilatação Vasoconstrição Controle Neural Nervos liberando Óxido Nítrico Nervos Simpáticos liberando Noradrenalina Controle Hormonal Fator Natriurético Atrial, Adrenalina Adrenalina, Angiotensina II, Vasopressina (ADH) Controle Local Po2, Co2, H+, Adenosina, Bradicinina, Óxido Nítrico Endotelina I Quadro 4.1 Formas de controle e mediadores químicos relacionados ao controle agudo do fluxo sanguíneo..Fonte da imagem: Adaptado de WIDMAIER; HERSHEL, 2006 Controle em longo prazo Em um longo prazo, podem ocorrer adaptações que promoveriam algumas alterações na vascularização, envolvendo modificações no tamanho do calibre e nº de vasos sanguíneos de vários tecidos. Uma destas alterações denomina-se Arteriogênese, que significa o aumento no calibre dos vasos arteriais, não decorrente de efeitos regulatórios locais, mas de aumento real de tecido endotelial e da musculatura lisa do vaso. Outra alteração, em longo prazo, denomina-se Angiogênese, caracterizada pela formação de novos capilares a partir de capilares pré-existentes, aumentando o número de vasos sanguíneos que distribuiriam o fluxo sanguíneo no tecido/órgão. O processo de angiogênese é estimulado, principalmente, quando ocorre uma diminuição da concentração circulante de oxigênio (Hipóxia; Hipoxemia no sangue), muito frequente em exercício de maior intensidade. Este fato age como um estímulo para as células endoteliais liberarem o fator de transcrição induzível por hipóxia (HIF), que induz a expressão do fator de crescimento endotelial vascular – VEGF. O VEGF é um potente estimulador de mitoses para as células endoteliais. Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 21 Este fator de crescimento age como sinal mitogênico pela ativação dos receptores VEGFR-1 e VEGFR-2. A angiogênese também tem sido associada a fatores mecânicos, sobretudo em tecido muscular estriado esquelético. O aumento no fluxo sanguíneo vascular acompanhado do aumento de tensão da parede capilar (shear stress), ou stress mecânico devido às mudanças no comprimento do sarcômero durante os ciclos de contração e relaxamento estão intimamente ligados à angiogênese (JUSSILA ; ALITALO, 2002; PRIOR et al, 2004; GUSTAFSSON et al, 1999; HUDLICKA, 1991; HUDLICKA et al, 1992; PRIES et al, 2003; MONTEIRO et al, 2003). 5. Consumo máximo de oxigênio e limiar anaeróbio Uma das variáveis mais reconhecidas para identificar a aptidão cardiopulmonar é a potência aeróbica, ou VO2máx (ressalta-se que a variável que identifica a Capacidade Aeróbia é o Limiar Anaeróbio). Esta variável é definida fisiologicamente como o ritmo mais alto de captação, transporte e utilização do oxigênio que pode ser conseguido com um esforço físico máximo. O consumo de oxigênio (VO2) pode ser enunciado metabolicamente por um rearranjo da equação de Fick: VO2 = FC x VSE x dif a-vO2, no qual: VO2 = consumo de oxigênio (ml/kg/min); FC = frequência cardíaca (bpm); VSE = volume sistólico de ejeção (ml/batimento); dif a–vO2 = diferença arteriovenosa de oxigênio. Assim sendo, é evidente que os mecanismos reguladores tanto centrais (Débito Cardíaco e suas variáveis) quanto periféricos (diferença arteriovenosa de oxigênio) afetam a magnitude do consumo de oxigênio pelo corpo. Os dados cardiorrespiratórios típicos em repouso e durante o exercício máximo em um homem sedentário e em um atleta de endurance de classe mundial de idade semelhante (adultos jovens) são mostrados no Quadro 5.1. Condição Vo2 (l/min) Vo2 (ml/Kg.min) Débito Cardíaco (l/min) Frequência Cardíaca (bpm) Volume Sistólico (ml/b) Dif a-vO2 ml/ O2/100ml de sangue Sedentário Repouso ~0,25 ~3,5 ~5.0 ~72 ~70 ~4.0 Exercício ~2,5 ~35,0 ~20.0 ~200 ~100 ~13.0 Treinado Repouso ~0,25 ~3,5 ~5.0 ~56 ~90 ~4.0 Exercício ~5,0 ~80,0 ~35.0 ~200 ~175 ~16.0 Quadro 5.1 Dados cardiorrespiratórios em repouso e durante o exercício máximo para um homem sedentário e em um atleta de endurance de classe mundial (homem 30 anos). O consumo de oxigênio absoluto em repouso (250 ml/minuto) dividido pelo peso corporal (70 kg) fornece a demanda de energia em repouso, de 1 MET (aproximadamente, 3,5 ml/kg/minuto). Esta expressão do VO2 em repouso é extremamente importante na fisiologia do exercício, sendo independente do peso corporal e da aptidão aeróbica; múltiplos desse valor são usados com frequência para quantificar os respectivos níveis de dispêndio de energia. Por exemplo, a corrida com um ritmo de 9.6 Km/h requer 10 vezes o dispêndio de energia de repouso; assim sendo, o custo aeróbio é de 10 MET, ou 35 ml/kg/rnin. O aumento de 10 vezes no transporte e na utilização do oxigênio no indivíduo sedentário deve ser contrastado com um aumento de 23 vezes no atleta de endurance, o que corresponde a um VO2máx de 35 ml/kg/minuto e 80 ml/kg/minuto, respectivamente. Uma maior potência aeróbica em atletas treinados Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 22 aparece principalmente como resultado de um maior Débito Cardíaco máximo, por causa de um maior aumento na FC e no VSE em vez de um aumento na extração periférica de oxigênio (dif a-vO2). Levando-se em conta que existe pouca variação na FC máxima e na diferença arteriovenosa sistêmica de oxigênio com o treinamento, o VO2máx virtualmente define a capacidade de bombeamento do coração. Portanto, é de primordial importância na avaliação cardiovascular do indivíduo. O VO2máx pode ser enunciado em bases absolutas ou relativas, isto é, em litros por minuto, refletindo a produção corporal total de energia e o dispêndio calórico (um litro por O2 consumido, quando utilizado no metabolismo energético, libera o equivalente a 4.8 kcal), ou dividindo esse valor pelo peso corporal em quilogramas. Levando-se em conta que as pessoas corpulentas em geral exibem um grande consumo absoluto de oxigênio, em virtude da maior massa muscular, o último valor toma possível uma comparação mais equitativa entre os indivíduos com uma massa corporal diferente. Essa variável, quando enunciada como mililitros de oxigênio por quilograma de peso corporal por minuto ou como MET, é considerada o melhor indicador isolado da condição de executar trabalho físico ou de aptidão cardiorrespiratória (NETO; FARINATTI, 2003). Determinação do VO2máx O consumo máximo de oxigênio pode ser mensurado de forma direta (a partir da análise dos gases expirados, corrigido para temperatura e pressão padronizadas a seco e umidade relativa do ar “padrão”) ou de forma indireta (protocolos que apresentam formulas para estimar o VO2máx). Importante ressaltar que os testes para mensuração de VO2máx podem ser máximos ou submáximos. Com relação à forma direta de mensuração, o VO2máx tem sido medido, tradicionalmente, com a utilização da técnica em circuito aberto. Entretanto, existem vários sistemas automatizados para medir o VO2máx e as variáveis respiratórias correlatas durante os testes de esforço. Embora esta técnica seja reconhecida como a que apresenta os resultados mais fidedignos para a variável VO2máx, o alto custo do equipamento inviabiliza a massificação desta forma de mensuração. Sendo assim, os diversos protocolos, ofertados pela literatura acadêmica correlata, são extremamente utilizados nos procedimentos indiretos de avaliação desta variável. Limiar Anaeróbio (Ventilatório) A variável que determina a capacidade aeróbia, denominada Limiar Anaeróbio, assim como o VO2máx, pode ser mensurada de forma direta ou indireta. A forma direta se caracteriza pela coleta de sangue para quantificar a concentração do lactato, produto do metabolismo anaeróbio (Glicólise). As formas indiretas caracterizam-se pela análise/quantificação dos gases expirados (Limiar Ventilatório), pela análise da saliva e, até, pela curva da FC durante o esforço físico incremental. Como já mencionado, é possível determinar o início da acidose metabólica durante a prática do exercício incremental, não só pelas concentrações sanguíneas de lactato, mas também pela análise dos gases expirados. Na análise do gás expirado, é importante levar em consideração a quantidade total de gás expirada por minuto (Ventilação Pulmonar – VE) e, principalmente, as concentrações de Dióxido de Carbono produzido (VCO2) e de Dioxigênio consumido (VO2) (FABRE et al., 2012; DENADAI, 1995). Quantificando estas variáveis, é possível fazer uma relação com os momentos em que o indivíduo apresentamodificações metabólicas importantes, que acabam resultando em uma maior produção e Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 23 liberação de H+/lactato e, consequentemente, uma maior atividade de tamponamento pelo sistema bicarbonato de sódio no sangue, resultando em um aumento de CO2, entre outros produtos. Além do aumento de CO2, considera-se que o fluxo de passagem de H+/lactato do músculo para o sangue está elevado, quando há a prática do exercício intenso. Desta forma, o sangue teria o aumento das concentrações de CO2 e de H+ suficientes para estimular (via quimiorreceptores periféricos e centrais) a hiperventilação (o processo fisiológico de controle da ventilação é amplamente discutido no curso de FISIOLOGIA HUMANA APLICADA AS CIÊNCIAS DA SAÚDE) (FABRE et al., 2012; DENADAI, 1995). Essas alterações bioquímicas são resumidas pela seguinte reação: H+/La + NaHCO3 ------ NaLa + H2CO3 (que se dissocia em H2O e CO2) Consequentemente, os valores da Ventilação Pulmonar (VE) e da produção de dióxido de carbono aumentam desproporcionalmente com a intensidade do exercício realizado, sugerindo um aumento substancial no lactato sérico (DAVIS et al., 1976). Estas alterações respiratórias correlacionam-se muito bem com o aumento da curva de lactato sanguíneo, obtido a partir de coletas sucessivas durante o exercício. Importante ressaltar que a maioria dos estudos nesta área determinam dois limiares: • Limiar Anaeróbio 1 – Lan1 (ou Limiar Ventilatório 1, ou Limiar Aeróbio), caracteriza-se quando a concentração de lactato no sangue atinge cerca de 2.5 mmol/l (valores discutíveis em função da individualidade) ou quando ocorre um aumento sistemático do equivalente ventilatório de oxigênio (VE/VO2), sem o concomitante aumento do equivalente ventilatório de dióxido de carbono (VE/VCO2). • Limiar Anaeróbio 2 – Lan2 (ou Limiar Ventilatório 2, ou Limiar Anaeróbio): caracteriza-se quando a concentração de lactato no sangue atinge de 4.0 a 5.0 mmol/l (valores discutíveis em função da individualidade) ou quando ocorre um aumento abrupto da ventilação pulmonar (VE), além de um aumento sistemático do equivalente ventilatório de dióxido de carbono (VE/VCO2), com uma concomitante diminuição da pressão expirada de dióxido de carbono (PETCO2) (DENADAI, 1995). Os limiares anaeróbios 1 e 2, proporcionados pelas mensurações dos gases respiratórios, são enunciados com frequência como percentual do VO2máx. Por exemplo, um atleta altamente treinado com um VO2máx de 4,25 I/min e cujo ponto de aumento abrupto na VE ocorre aos 3,20 I/min, possui um Lan2 correspondente a 75% da potência aeróbica máxima (Fig. 5.1). Esse atleta deveria ser capaz de manter intensidades do exercício abaixo de 75% do VO2máx utilizando predominantemente processos aeróbios. Ainda mais, esse esforço deveria ser empreendido sem induzir um aumento significativo no Lactato/H+ sanguíneo e, consequentemente, na fadiga muscular. Apesar de o Lan2 corresponder, em média, a 55% ± 8% do VO2máx nos indivíduos sedentários, ele ocorre normalmente em um percentual mais alto do VO2máx (70-90%) nas pessoas fisicamente treinadas (COSTILL, 1972). Estudos atuais apontam para determinar que o treinamento intervalado de alta intensidade (ou seja: executar o exercício com intensidade acima do Lan2) melhora ainda mais o VO2max do que o treinamento moderado (ou seja: abaixo do Lan2 - condição favorável para o indivíduo ter um grande volume – tempo – de treinamento por sessão) (HELGERUD et al., 2007). Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 24 Fig. 5.1 Relação entre intensidade do exercício (VO2) e aumento substancial não linear simultâneo na ventilação-minuto, que corresponde ao limiar anaeróbio 2 (Lan2). Neste indivíduo, o ponto de ruptura ocorreu com 3,20 l/min, correspondente a 75% do VO2máx medido (4,25 l/min). Historicamente, o VO2máx é reconhecido como um importante indicador do desempenho nos eventos de endurance (COSTILL et al, 1973). Entretanto, vários estudos sugerem que o percentual mais alto do VO2máx que pode ser usado por um período de tempo prolongado sem sofrer um aumento significativo no lactato sanguíneo pode ser um determinante ainda mais importante do desempenho cardiorrespiratório (da SILVA; TORRES, 2002). Isso sugere que o Lan2 pode ser crítico no sentido de determinar um ritmo ótimo durante os eventos de endurance. Ventilação Pulmonar A ventilação pulmonar (VE), que é o volume de ar inspirado ou expirado por minuto, apresenta valores médios na faixa dos 6 l/min em repouso em um homem adulto sedentário. Por ocasião do exercício máximo, a VE aumenta 15 a 25 vezes acima dos valores de repouso. Durante as intensidades do exercício leves a moderadas, a VE aumenta principalmente graças a elevações no volume corrente (VC), enquanto os aumentos na frequência respiratória (f) são mais importantes para aprimorar a VE durante o exercício vigoroso. Entretanto, para uma intensidade crítica do exercício (habitualmente 50 a 70% do VO2máx em indivíduos destreinados e 70 a 90% do VO2máx em indivíduos altamente treinados), a VE exibe um aumento desproporcional em relação ao VO2, mantendo proporcionalidade com os aumentos não- lineares abruptos do lactato sérico e do VCO2 (DAVIS et a.l, 1976; COSTILL, 1972). Isso sugere que a ventilação pulmonar é regulada muito mais pela necessidade de remover o dióxido de carbono que pelo consumo de oxigênio e que a ventilação normalmente não constitui um fator limitante para a potência aeróbica (VO2). 6. Pressão arterial: respostas frente ao exercício Exercícios Resistidos Exercícios isométricos e isotônicos que promovem aumento de tensão comprimem mecanicamente os vasos arteriais periféricos que irrigam os músculos ativos. A compressão vascular eleva substancialmente a resistência periférica total, reduzindo a perfusão muscular. De fato, o fluxo sanguíneo muscular sofre uma redução que é diretamente proporcional ao percentual da capacidade de força máxima exercida. Consequentemente, na tentativa de restaurar o fluxo sanguíneo muscular, ocorre um aumento substancial na atividade do sistema nervoso simpático, no Débito Cardíaco e na pressão arterial média/PAM. A PAM representa a média fisiológica da pressão arterial, caracterizando-se pela soma da PAS com duas vezes a PAD dividido por três, ou seja: PAM = PAS + (2 x PAD) 3 A magnitude da resposta hipertensiva se relaciona diretamente com a intensidade do esforço e com a quantidade da massa muscular ativada. As respostas hemodinâmicas agudas ao exercício resistido parecem ser semelhantes em adultos jovens e mais velhos (MIER et al, 1997). Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 25 A Figura 6.1 apresenta as respostas generalizadas para a pressão arterial durante o exercício aeróbio dinâmico e os exercícios resistidos com cargas elevadas, que ativam tanto a massa muscular relativamente pequena quanto a relativamente grande. Fig. 6.1 O exercício resistido de alta intensidade amplia a resposta da pressão arterial (mais alta com as pernas que com os braços), em comparação com o exercício aeróbio rítmico. A altura da barra indica a pressão arterial Fonte da imagem: McARDLE, 2003 Exercício dinâmico estável Durante a atividade muscular dinâmica (corrida, trote, natação, ciclismo), a vasodilatação nos músculos ativos reduz a resistência periférica total, aumentando assim o fluxo sanguíneo através de grandes segmentos da árvore vascular periférica. A contração e o relaxamento alternados dos músculos proporcionam, também, uma força efetiva para impulsionar o sangue através do circuito vascular e levá-Io de volta ao coração (Retorno Venoso). O maior fluxo sanguíneo durante o exercício dinâmico em estado estável eleva rapidamente a PAS durante os primeiros minutos do exercício. Geralmente, a PAS se estabiliza em 140 a 170 mmHg para homens e mulheres normotensos. A PAD se mantém relativamenteinaIterada durante todo o exercício, podendo apresentar variações pequenas (~10mmHg para menos ou para mais). No que tange ao Exercício Dinâmico com cargas progressivas, o padrão geral para as PAS e PAD mostra que, após uma elevação rápida inicial em relação ao nível de repouso, a PAS aumenta linearmente com a intensidade do exercício, enquanto a PAD se mantém estável ou cai ligeiramente para os níveis mais altos de exercício (MONTEIRO; SOBRAL FILHO, 2004) (fig. 6.2). Tanto os indivíduos sedentários quanto os treinados em endurance demonstram respostas semelhantes da pressão arterial. Durante o exercício máximo realizado por homens e mulheres aptos e normotensos, a PAS pode aumentar até 200 mmHg ou mais. Fig. 6.2 Resposta generalizada para as PAS e PAD durante o teste contínuo com exercício progressivo na esteira rolante Fonte da imagem: McARDLE et al, 2003 Comportamento da pressão arterial no período de recuperação: efeito hipotensor Após completar uma sessão de exercício, a PAS cai temporariamente abaixo dos níveis pré-exercício para os indivíduos tanto normotensos quanto hipertensos. Essa resposta hipotensora ao exercício prévio pode durar até 12 horas. Ocorre em resposta ao exercício dinâmico de intensidade moderada ou ao exercício resistido (HALLIWILL, 2001; FORJAZ et al., 2000; POLITO et al., 2003). Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 26 Fatores desencadeados pelo esforço físico, como redução na atividade nervosa simpática, resultando em queda do Débito Cardíaco, e da resistência vascular periférica pós-exercício (HALLIWILL, 2001; HALLIWILL et al., 1996); respostas termorregulatórias (FRANKLIN et al., 1993), alterações na volemia (HALLIWILL et al., 2003; FISHER, 2001; FORJAZ et al., 2000), bem como a ação de substâncias vasodilatadoras liberadas durante o exercício (WARK et al., 2003), apresentam forte relação com a hipotensão pós-exercício e têm sido apontados como fatores potencialmente causais. Um aumento prolongado no fluxo sanguíneo cutâneo durante a recuperação também pode contribuir para a resposta hipotensa. As observações de reduções pós- exercício significativas na pressão arterial proporcionam um apoio adicional para o exercício moderado como um tratamento não-farmacológico da hipertensão. Reduções relativamente prolongadas da pressão arterial pós-exercício justificam as recomendações de múltiplos períodos de atividade física entremeados durante o dia inteiro. Exercício dinâmico (isotônica) e estático (isométrico) A atividade dinâmica, ou isotônica (esforço físico caracterizado por movimentos rítmicos repetitivos de grandes grupos musculares), resulta em aumentos no consumo de oxigênio e na FC que mantêm proporcionalidade com a intensidade da atividade. Observa-se um aumento progressivo concomitante na PAS com manutenção ou uma ligeira redução na PAD. O sangue é desviado das vísceras para o músculo esquelético ativo (conforme já elucidado), no qual uma maior extração de oxigênio acarreta um aumento na dif a-vO2. Assim sendo, o exercício dinâmico impõe uma carga volêmica ao miocárdio, o que constitui a base para o efeito cardíaco do treinamento. Em contrapartida, o esforço isométrico envolve uma contração muscular mantida contra uma carga ou resistência fixa sem qualquer mudança no comprimento do grupo muscular ou do movimento articular envolvido. A resposta cardiovascular ao esforço isométrico é mediada por um mecanismo neural (MIKKOLA et al, 2012). As atividades que envolvem menos de 20% da contração voluntária máxima (CVM) do grupo muscular envolvido induzem um aumento moderado na PAS, na PAD e na FC. Durante as contrações com mais de 20% da CVM, a FC aumenta em relação à tensão exercida e observa-se um aumento abrupto e acentuado na PAS. O VSE se mantém essencialmente inalterado, exceto para os altos níveis de tensão (>50% da CVM). O resultado é um aumento moderado no Débito Cardíaco, embora possa ser considerado alto para a magnitude concomitante do aumento no metabolismo. Apesar do Débito Cardíaco aumentado, o fluxo sanguíneo para o músculo que não está se contraindo não aumenta muito, provavelmente por causa da vasoconstrição reflexa. A combinação de vasoconstrição e Débito Cardíaco aumentado acarreta uma elevação desproporcional nas pressões arteriais sistólica, diastólica e média. Assim sendo, é imposta ao coração uma carga tensional significativa, presumivelmente para aumentar a perfusão do músculo esquelético ativo (que está se contraindo). O Quadro 6.1 apresenta algumas respostas hemodinâmicas relativas ao exercício dinâmico e isométrico. Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 27 Dinâmico Estático Débito Cardíaco Frequência Cardíaca Volume de Ejeção = Resistência Periférica Pressão Arterial Sistólica - PAS Pressão Arterial Diastólica – PAD = ou Pressão Arterial Média – PAM = ou Trabalho Ventrículo Esquerdo volume carga pressão carga Quadro 6.1 Comparação de algumas respostas Hemodinâmicas relativas ao Exercício Dinâmico e Estático. aumento; = manutenção; diminuição. Fonte da imagem: Adaptado de ACSM, 2003. A magnitude da resposta pressórica ao esforço isométrico depende da tensão exercida em relação à maior tensão possível no grupo muscular (% da CVM), assim como à massa muscular envolvida (MITCHELL et al., 1980). Assim sendo, uma contração isométrica relativamente leve por parte dos membros superiores pouco resistentes pode induzir uma resposta pressórica excessiva. As maiores demandas miocárdicas são camufladas pelas demandas aeróbicas relativamente baixas, razão pela qual poderão estar ausentes os sinais de alerta habituais do esforço excessivo (taquicardia, sudorese, dispneia). Nas pessoas que possuem um ventrículo esquerdo isquêmico, uma elevação acentuada da pressão pode dar origem a arritmias ventriculares ameaçadoras, a uma depressão significativa do segmento ST, à angina pectoris, à descompensação ventricular e, em casos raros, à morte cardíaca súbita (ATKINS et al., 1976). Exercício para Membros Superiores (MMSS) e Membros Inferiores(MMII) Para uma produção de potência fixa (kg/minuto ou watts [W]), a FC, a PAS e a PAD, o duplo-produto (obtida pela relação da FC multiplicada pela PAS, esta variável caracteriza-se como mediadora direta entre a captação de oxigênio pelo miocárdio e o fluxo sanguíneo pelo miocárdio durante o repouso ou esforço físico – McARDLE et al., 2003), VE, VO2, relação da permuta respiratória/RER (obtida pela relação do VCO2 produzido dividido pelo VO2 consumido, variável caracteriza-se como identificadora do nutriente gerador de energia – McARDLE et al., 2003) e concentração sanguínea de lactato são mais altos, enquanto VSE e LA (o último enunciado como percentual da potência aeróbica) são mais baixos durante o exercício com os MMSS que durante o exercício com os MMII (FRANKLIN, 1985). Sabendo-se que o Débito Cardíaco é quase o mesmo no exercício com os MMSS e com os MMII, para uma captação de oxigênio fixa, admite-se que a pressão arterial elevada durante o exercício com os MMSS reflete uma maior resistência vascular periférica. Durante o esforço máximo, em geral as respostas fisiológicas são maiores durante o exercício com os MMII do que durante o exercício com os MMSS. A disparidade na resposta cardiorrespiratória e hemodinâmica ao exercício realizado com os MMSS quando comparado ao exercício executado com os MMII para ritmos de trabalho idênticos parece ser devida a vários fatores. A eficiência mecânica (a relação entre a produção de trabalho externo e o dispêndio calórico, ou VO2) é mais baixa durante o exercício realizado com os MMSS que durante o exercício executado com os MMII. Isso pode refletir o envolvimento de grupos musculares menores e o esforço estático necessário para o trabalho com os MMSS, que eleva o VO2, mas não afeta a produção externa de trabalho. Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório 28 O duplo-produto
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