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Caso 1 Seu Jurandir, 73 anos, não perde uma roda de samba regada a cerveja e petiscos. Talvez seja essa uma das razões para que este sambista da "velha guarda" apresente hipertensão arterial e diabetes mellitus , estando em uso de captopril, hidroclorotiazida, anlodipina, glibenclamida e metformin. Infelizmente, a memória que o seu Jurandir utiliza para cantar os sambas mais antigos não é tão eficaz para que ele se lembre de tomar sua medicação todos os dias. E foi assim que, em uma chuvosa quarta-feira de cinzas, acabou sendo levado à emergência, pois acordou "com fraqueza de um lado do corpo". Você, amaldiçoando o plantão que o fez voltar de viagem antes de todos os seus amigos, já tendo atendido dez pacientes embriagados nas primeiras duas horas de trabalho, pensa, resignado: "pelo menos um caso interessante...". Ao exame físico, seu Jurandir está acordado, orientado, eupneico, PA = 184 x 106 mmHg, FC = 88 bpm, ritmo cardíaco irregular, com hemiparesia braquiofacial à esquerda. Realizada TC de crânio sem contraste que não evidencia alterações. Não existe história de trauma, convulsão, hemorragia, cirurgia recente ou episódios semelhantes prévios. Você solicita exames laboratoriais, obtendo os seguintes resultados: hemograma sem alterações, glicose = 133 mg/dl, K+ = 5 mEq/L, Na+ = 135 mEq/L, Cr = 1,3 mg/dl, PTT = 35 segundos (controle = 33s), INR = 1. A respeito do caso apresentado, pergunta-se: 1) Qual é a sua principal hipótese diagnóstica? Como você justificaria a TC de crânio normal neste caso? AVE isquêmico. Geralmente só aparece na TC após 24 a 72 horas, como uma área hipodensa (cinza). A indicação da TC na abordagem inicial é importante para excluir a presença de AVE hemorrágico (aparece na TC desde o início dos sintomas como área hiperdensa – branca). 2) Havendo disponibilidade de rtPA no hospital, você o prescreveria para este paciente? A princípio não, pois o paciente já acordou com deficit neurológico e não sabemos o "delta T" para uso do trombolítico. No entanto, se houver na ressonância o padrão mismatch"difusão/FLAIR", a trombólise seria uma possibilidade. 3) Ao observar os sinais vitais do paciente, um colega sugere que você inicie nitroprussiato IV em infusão contínua. Você responde que: Não, pois a hipertensão arterial até certo valor é benéfica na fase aguda do AVE isquêmico, diminuindo a área de penumbra isquêmica. Assim, só usaremos anti-hipertensivos caso PA > 220 x 120 mmHg ou o paciente apresente emergência hipertensiva (IAM, encefalopatia hipertensiva...). Os candidatos à trombólise devem estar com a PA um pouco mais baixa: no máximo 185 x 110 mmHg. 4) Em caso de ECG evidenciando fibrilação atrial, qual seria sua conduta? Anticoagulação plena (adiar nos pacientes com AVE extenso). 5) Caso quiséssemos ter a certeza de que não se trata de um ataque isquêmico transitório (AIT), qual seria o exame recomendado neste momento? Qual é o critério empregado para tal diferenciação? Ressonância Magnética (RM). O critério para diferenciar AIT e AVEi é a ausência de infarto cerebral no AIT, reservando-se o termo "AVE isquêmico" para os pacientes com infarto cerebral. Caso 2 Utilize o enunciado a seguir para os casos 2 e 3: Homem de 55 anos, hipertenso e tabagista, é levado ao pronto-socorro por colegas de trabalho devido à cefaleia holocraniana muito intensa, acompanhada por vômitos, iniciada há cerca de duas horas. Relato de episódio de síncope na chegada ao hospital. No momento, paciente acordado, ainda referindo "a pior cefaleia de sua vida". Nega outros sintomas ou febre, dizendo que estava bem até o início do quadro. Refere apenas um episódio semelhante, de cur ta duração (poucos minutos), há cerca de uma semana. O exame físico é inteiramente normal (inclusive neurológico), exceto pela PA: 150 x 78 mmHg. A respeito do caso apresentado, pergunta-se: 1) Qual é a sua principal hipótese e o exame diagnóstico inicial para este caso? Hemorragia subaracnoide. Exame inicial: TC de crânio sem contraste. A sensibilidade para o diagnóstico de HSA é de 95%. 2) Caso o exame inicial seja negativo e o paciente mantenha os sintomas, qual é o exame de escolha? Qual seria o achado diagnóstico? Punção lombar – teste padrão-ouro para a HSA. O achado no liquor mais sugestivo é a xantocromia (cor amarela) do sobrenadante (o liquor deve ser centrifugado), que pode ser observada já nas primeiras 12 horas da HSA, permanecendo por até 1 a 4 semanas. 3) A ausência de sinais de irritação meníngea ao exame físico mudaria a sua principal hipótese diagnóstica? Por quê? Não, pois a rigidez de nuca costuma demorar 12-24 horas para se instalar na HSA. 4) Caso fosse confirmado o diagnóstico, qual seria o próximo passo na investigação e a alteração mais provável de ser encontrada? A causa mais comum de HSA, especialmente na faixa etária entre 30-65 anos, é a rotura de um aneurisma sacular! O local mais comum de sangramento é a artéria comunicante anterior. Nos pacientes mais jovens (< 30 anos), as Malformações Arteriovenosas (MAV) são as principais causas de HSA. 5) Defina as principais medidas para abordagem inicial do caso? A melhor conduta é intervir precocemente no aneurisma, de preferência nos primeiros três dias, devido ao alto risco de ressangramento. Existem dois tipos principais de intervenção: a cirurgia de clipagem do aneurisma e a terapia endovascular. 6) Caso o paciente evolua com deficit neurológico focal após sete dias de internação, qual seria sua principal hipótese diagnóstica? Qual é o tratamento desta condição? Vasoespasmo. Tratamento: hidratação venosa objetivando normovolemia e aumento da PA para 160 x 100 mmHg ou mais. Se necessário, associar vasopressores (noradrenalina). Caso 3 Homem de 55 anos, hipertenso e tabagista, é levado ao pronto-socorro por colegas de trabalho devido à cefaleia holocraniana muito intensa, acompanhada por vômitos, iniciada há cerca de duas horas. Relato de episódio de síncope na chegada ao hospital. No momento, paciente sonolento, confuso, disártrico, com hemiplegia fasciobraquiocrural à esquerda, desvio do olhar conjugado para a direita, papiledema e PA = 220 x 140 mmHg. É realizada TC de crânio sem contraste (projeção). 1) Qual é a sua principal hipótese e o exame diagnóstico inicial para este caso? AVE hemorrágico do putâmen. O exame diagnóstico é a própria TC. 2) Qual é a etiologia provável para o caso? Hipertensão arterial. Prescrição PRESCRICAO_MEDICA_MEDCLM14 Você assume o plantão na emergência do Hospital Universitário às 8h da manhã e logo chega, trazido por familiares, um homem pardo de 58 anos. A esposa relata que o marido acordou normalmente e saiu para ir à padaria, mas foi encontrado há cerca de uma hora caído próximo ao portão de casa, com "fraqueza no lado direito do corpo" e "fala enrolada". Trata-se de um paciente obeso (pesa 100 kg), hipertenso e diabético, em tratamento irregular com glibenclamida 10 mg/dia, AAS 100 mg/dia, hidroclorotiazida 25 mg/dia e captopril 75 mg/dia. Ao exame físico, apresenta as seguintes alterações: hemiplegia fasciobraquiocrural à direita (flácida e arreflexa), afasia motora, ritmo cardíaco irregular, PA = 110 x 76 mmHg. Você imediatamente leva o paciente para realizar uma TC de crânio sem contraste, que é normal. Os exames laboratoriais de admissão (hemograma, bioquímica, lipidograma, coagulograma, gasometria arterial e marcadores de necrose miocárdica) não trazem alterações, exceto por glicose = 289 mg/dl. O ECG evidencia fibrilação atrial com FC = 78 bpm. Agora, pedimos que você se antecipe em um ano e faça a prescrição inicial deste paciente... 1) Dieta oral zero. Este paciente já tem disartria e afasia, podendo também apresentar acometimento de músculos da deglutição ou evoluir com rebaixamento da consciência, situações que favoreceriam a broncoaspiração. 2) SF 0,9% 1.000 ml IV rápido. Objetivando aumentar a PA do paciente, tentando chegar a cerca de 160 x 100 mmHg, mesmo ele não estando hipotenso – tentar aumentar perfusão da área de penumbra isquêmica. Não tem uma"receita" aqui, faz-se volume com aferições regulares da PA, examinando para ver se o paciente não ficará congesto... Observem que não se devem prescrever anti-hipertensivos nesse momento. 3) rtPA (alteplase) 9 mg + SF 0,9% 10 ml IV (bolus ou em 1min). 4) rtPA (alteplase) 81 mg IV + SF 0,9% 120 ml IV (correr em 1h – iniciar em bomba infusora a 2 ml/h). Vocês vão perceber que não prescreveremos AAS nem heparina profilática, já que ficam normalmente contraindicadas nas primeiras 24h depois do trombolítico! O rtPA dilui 0,5-1 mg pra 1 ml de SF ou SG. A dose é de 0,9 mg/kg (máximo 90 mg), sendo 10% em bolus (alguns lugares falam 1min) e o resto em 1h. No caso desse paciente, devem ser evitadas diluições em SG devido ao risco de hiperglicemia. 5) Insulina regular 4 U IV bolus. 6) Insulina regular 100 U (1 ml) + SF 0,9% 99 ml IV (iniciar em bomba infusora a 4 ml/h). O alvo seria manter a glicemia entre 80-110 mg/dl na fase aguda, pelo Harrison e < 140 mg/dl, pelo guideline. Utilizou- se aqui o protocolo de Yale para dose de insulina venosa (ver ao final). Percebam que a diluição fica 1 U/ml, já que 100 U de insulina correspondem a 1 ml. 7) Metoclopramida 10 mg (2 ml) IV até de 8/8 horas em caso de náusea ou vômito. 8) Dipirona 1 g (2 ml) IV até de 4/4 horas em caso de dor ou febre. Atentar para o fato de que a hipertermia é deletéria aos neurônios! Cabe sempre questionar antes de prescrever qualquer droga, principalmente as de uso corriqueiro, como a dipirona, se o paciente apresenta algum antecedente alérgico. 9) Aferir PA de 15/15 minutos durante infusão do rtPA – avisar plantonista se > 185 x 110 mmHg. Pelo guideline: 15/15min nas primeiras 2h, 30/30min nas 6h seguintes e depois 1/1h até completar 24h. O alvo antes e durante a infusão do trombolítico é PA < 185 x 110 mmHg... Nas 24h depois do rtPA, o alvo passa para < 180 x 105 mmHg. Reforçar que se o paciente ficar com a PA acima do alvo, além de reduzir HV, devemos fazer anti-hipertensivo IV (ex.: nitroprussiato de sódio), que tem ação rápida e titulável. Não cabe nesse momento prescrever captopril SOS ou regular. 10) HGT horária. 11) Curva térmica. 12) Anotar diurese. 13) Balanço hídrico. 14) Mudança de decúbito de 2/2h. ADAPTAÇÃO DO PROTOCOLO DE YALE 1) Montar solução de insulina regular na concentração de 1 U/ml. Aumente a infusão na taxa de 0,5 U/h. 2) Faça um flush de 20 ml pelo equipo, pois parte da insulina irá aderir ao plástico e não chegar ao paciente. 3) Está indicada em todo paciente crítico com glicemia persistentemente acima de 140 mg/dl. Considerar se acima de 120 mg/dl. 4) Alvo glicêmico: 90-120 mg/dl. 5) Para encontrar a infusão inicial: Se a glicemia inicial é de 150, divida-a por 70. Em seguida, arredonde este número (escala de 0,5) e utilize- o como bolus inicial e velocidade de infusão. Ex.: glicemia de 335 → 335/70 = 4,78; arredondando dá 5. Usaremos 5 U de bolus IV + BI a 5 ml/h. Se a glicemia inicial é < 150, divida por 70 para infusão contínua. Ex.: glicemia de 148 → 148/70 = 2,11; arredondando dá 2. Usaremos BI a 2 ml/h. 6) Monitorar glicemia de 1/1h até que existam três medidas consecutivas no valor alvo. Em pacientes hipotensos, a glicemia capilar não é confiável, devendo- se utilizar a glicemia diretamente de um cateter vascular. Em seguida cheque 2/2h até que a estabilidade se mantenha por 12-24h. Esse intervalo passa a cada 3- 4h se não houver mudança clínica ou nutricional. Desafio Diagnóstico DESAFIO_DIAGNOSTICO_MEDCLM14 ID: M.S.T, sexo feminino, 35 anos, natural do RJ, costureira. Queixa: "dor de cabeça". HDA: a partir da primeira semana do puerpério, paciente começou a se queixar de cefaleia bilateral, diária, sempre mais grave pela manhã e que a está impedindo de realizar as tarefas domésticas e cuidar de seu filho recém- nascido. Procurou atendimento médico ambulatorial e recebeu prescrição de paracetamol SOS e propranolol. A cefaleia não melhorou... Duas semanas depois começou a se sentir sonolenta e a dor piorou, tornando-se insupor tável e associada à náusea. Notou fraqueza e formigamento nas pernas, dificultando a sua deambulação. Há três dias, foi trazida ao pronto-socorro por familiares, em estado confusional e com episódios de vômitos. HPP: acompanhantes apenas sabem informar que a paciente não apresenta alergia medicamentosa. H. fisiol.: NDN. H. familiar: NDN. H. social: não há relato de tabagismo, etilismo ou uso de drogas intravenosas por conta dos familiares. Exame físico: letárgica, confusa, desorientada, PA = 120 x 80 mmHg, FC = 86 bpm, eupneica. Cabeça e pescoço: tireoide tópica, discretamente palpável, ausência de linfonodomegalias. ACV e AR: sem alterações. Abdome: obeso, indolor, sem massas palpáveis. MMII: sem edema e pulsos periféricos preservados. Exame neurológico: fraqueza nos membros inferiores de predomínio proximal (força grau III), hipoestesia tátil e álgica na mesma região, sinal de Babinski bilateral. Fundoscopia revelou papiledema bilateral. Exames na admissão: hemograma e bioquímica normais, RX de tórax e ECG normais, provas de função hepática normais, hormônios tireoidianos dentro dos valores de referência. Coagulograma: PTTa alargado (restante normal). Fez uma TC de crânio contrastada, que está disposta abaixo. Exame do liquor: aumento da pressão de abertura (25 cmH 2O), hemácias = 120.000/mm3, leucócitos = 10/mm3 (predomínio de mononucleares), restante normal. Pergunta-se: 1) Qual é o provável diagnóstico? Trombose do seio sagital superior. 2) Qual é o exame confirmatório? Ressonância magnética. 3) Qual é o tratamento? Heparinização plena (mesmo na presença de focos hemorrágicos no cérebro). DEFICIT NEUROLÓGICO A neurologia é considerada o tema mais difícil da clínica médica pela maioria dos alunos. Esse fato pode se tornar desesperador quando observamos que as questões desta especialidade estão se multiplicando nas provas de residência, e com dificuldade crescente! Isso sem mencionar a prova prática... Ao longo do M.E.D, vamos convencer você, aluno, de que a neurologia pode ser ensinada de uma forma mais simples e fácil de entender, sem comprometer a seriedade do tema. Saiba que as doenças deste grupo, normalmente dispersas e perdidas entre epônimos, podem ser encaixadas em grandes síndromes clínicas. Hoje, iremos começar pela síndrome neurovascular. E o grande tema em destaque será o AVE – Acidente Vascular Encefálico, também conhecido como AVC – Acidente Vascular Cerebral, cuja suspeita começa com um deficit neurológico focal agudo!!! Em teoria, esses termos não são exatamente sinônimos (encéfalo corresponde ao conjunto cérebro, cerebelo e tronco encefálico). Mas, na prática, utilizamos tanto um quanto o outro. Assim, o mais importante é lembrarmos de um evento e iniciaremos por este cenário que se desenha a partir de agora. Boa leitura!!! AVALIAÇÃO INICIAL: DEFICIT NEUROLÓGICO FOCAL x DIFUSO Vamos começar imaginando um cenário muito conhecido por todos nós. Estamos de plantão e um paciente, aparentando ter entre 50 a 60 anos, dá entrada no pronto-socorro, trazido por familiares. A princípio, identifica-se certa dificuldade na fala, que está mais arrastada e uma dificuldade em movimentar um dos membros. A comoção é grande – todos estão preocupados – mas ninguém sabe muito bem o que está acontecendo. Exceto você!!! Seu cérebro, neste momento, certamente já deve estar pensando se conseguirá uma tomografia, em como seria boa a presença de um neurologista (até mesmo um neurocirurgião)... Pensando em como poderão ser limitados os próximos anos daquele paciente se não agir rapidamente. Agora volte e analise o que até agora foi muito instintivo. Você pode até não perceber, mas todo esse raciocínio foi desencadeado a partir do momento em que você detectou que aquele paciente tinha um DEFICIT NEUROLÓGICO, particularmente FOCAL. Este termo nada mais se refere do que ao prejuízo funcional de um grupo específico, um "foco" de neurônios. Isso se diferencia bastante de outro extremo, quando o paciente parece perder não uma ouduas, mas diversas funções neurológicas, inclusive cognitivas ou vitais – aqui teríamos um DEFICIT NEUROLÓGICO DIFUSO, representado em sua maior gravidade pelo coma. E certamente sua abordagem caminharia em outra direção. Sendo assim, diante de algum deficit neurológico identificado na avaliação inicial, o primeiro passo é definir: há um deficit FOCAL ou não??? Essa distinção se dará pela história e exame físico inicialmente, sendo complemen tada logo em seguida por um exame de imagem. É válido lembrar que, nessa situação, cabe sempre a distinção com alguns distúrbios psiquiátricos (ex.: ansiedade, transtorno conversivo...). Veja na tabela as principais causas de deficit neurológico. Daí, configurado o deficit neurológico focal, a etiologia vai se tornando mais clara conforme o dividimos de acordo com a cronologia, se agudo ou não. Dentro do quadro agudo, a doença cerebrovascular, transitória ou não, e o trauma são os grandes diagnósticos. Nos quadros arrastados, teremos as doenças degenerativas e neoplásicas como principais. Neste módulo, daremos ênfase ao acidente vascular encefálico, sendo as demais condições estudadas nos próximos módulos de neurologia e o traumatismo cranioencefálico junto com os demais, na parte de cirurgia. Se o deficit neurológico for difuso, também podemos caracterizá- lo pelo tempo de instalação. Os agudos são representados pelos distúrbios metabólicos, traumas extensos e coma, conforme vimos no módulo de terapia intensiva. Nessa situação, a abordagem sindrômica do rebaixamento de consciência, monitorização apropriada e avaliação dos critérios de morte encefálica são cruciais para a evolução do paciente. Existem quatro diagnósticos diferenciais que não podemos confundir com coma: ■ Mutismo acinético: lesões dos lobos frontais e incompletas da Formação Reticular Ativadora Ascendente (FRAA). O paciente está alerta, sem verbalização ou mobilização espontâneas; ■ Síndrome locked-in (síndrome do cativeiro): lesão pontina anterior bilateral, geralmente vascular. O paciente está alerta e consciente, com movimentos oculares preservados, mas com quadriplegia e paralisia de nervos cranianos baixos; ■ Doenças psiquiátricas: esquizofrenia catatônica, depressão grave, quadros conversivos e dissociativos. A presença de posturas atípicas, ausência de reflexos patológicos e resistência à abertura ocular e movimentação passiva dos membros seriam sinais sugestivos; ■ Delirium: estado confusional agudo, caracterizado principalmente pelo comprometimento da atenção e da coerência. O paciente pode estar apático ou agitado. Nos quadros difusos e arrastados, a demência assume papel especial, tendo cada uma das suas causas certas particularidades, e que pela importância crescente nas provas também foi tratada com detalhes na apostila de geriatria. Síndrome de Deficit Neuro lógico Focal AVE. Trauma. Neoplasias. Abscessos cerebrais. Esclerose múltipla. Hipoglicemia. Epilepsia (pós-ictal). Enxaqueca. Hipotensão arterial (isquemia prévia). Difuso Demência. Encefalites. Estado epiléptico. Hipoglicemia. Distúrbios eletrolíticos (sódio e cálcio). Sepse. RESIDÊNCIA MÉDICA – 2016 SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE – DISTRITO FEDERAL SES-DF Julgue o próximo item, relativo a acidente vascular cerebral. Todo deficit neurológico agudo deve ser visto pelo médico como um possível acidente vascular isquêmico: a) CERTO. b) ERRADO. Para todo deficit neurológico agudo (hemiparesia, afasia, disartria, heminegligência, hemianopsia, agnosias, amnésias, diplopia, vertigem central, paralisia de pares cranianos, dentre outros), o acidente vascular encefálico deve ser a primeira hipótese descartada. Nesses casos, o exame de imagem deve logo ser solicitado para excluir a presença de sangramentos e realizar a terapia trombolítica, caso existam critérios de elegibilidade. Precisamos reforçar que um deficit neurológico agudo não traumático pode ocorrer em outras situações, como na epilepsia, hipoglicemia, na aura da enxaqueca, e na hipotensão arterial em paciente com aterosclerose prévia das artérias intra ou extracranianas. Os tumores cerebrais ou abscessos também podem causar um deficit focal, mas, em geral, não o fazem de forma súbita, apesar de poder ocorrer um súbito sangramento tumoral, por exemplo. Resposta: letra A. ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO Para facilitar o estudo das doenças cerebrovasculares, conhecidas amplamente como os Acidentes Vasculares Encefálicos ou Cerebrais (AVE ou AVC), vamos dividi-las em duas partes: 1. AVE isquêmico (cerca de 80-85% dos casos); 2. AVE hemorrágico (cerca de 15-20% dos casos): incluindo a hemorragia subaracnoide e o AVE hemorrágico intraparenquimatoso. Em virtude da maior prevalência, começaremos pelo AVE isquêmico! AVE ISQUÊMICO DEFINIÇÃO: infarto por isquemia prolongada de um território do encéfalo (cérebro, cerebelo ou tronco encefálico) nutrido por uma artéria que sofreu uma oclusão aguda. ETIOPATOGENIA: os principais mecanismos são embolia (maioria) e aterotrombose (trombo formado sobre a placa de ateroma na própria artéria obstruída). SUBTIPOS DE AVE ISQUÊMICO ■ Cardioembólico. ■ Aterotrombótico de grandes e médias artérias e arterioembólico (geralmente classificados em conjunto). ■ Aterotrombótico de pequenas artérias (AVE lacunar). ■ Causas raras. ■ Criptogênico. DIAGNÓSTICO Todo deficit neurológico focal súbito: estabilizar o paciente e solicitar TC de crânio não contrastada ou ressonância magnética de crânio (encéfalo). Lembre: o AVE isquêmico só costuma aparecer na TC após 24-72h e, na abordagem inicial, sua principal utilidade é excluir a presença de hemorragia! No caso de clínica compatível com AVE e TC normal, tratar como AVE isquêmico e repetir a TC dentro de 72h. TRATAMENTO ■ Verificar critérios para trombolítico venoso – alteplase (início dos sintomas dentro do delta T < 4,5h) e checar contraindicações. ■ Verificar critérios para trombectomia mecânica (dentro de seis horas dos sintomas – quanto mais precoce, melhor; pode ter benefício em até 24h). ■ Utilizar anti-hipertensivos em caso de: ❯ » PA > 220 x 120 mmHg; ou ❯ PA > 185 x 110 mmHg, se for usar trombolítico; ou ❯ Emergência hipertensiva (encefalopatia hipertensiva, IAM, dissecção aórtica, EAP, eclâmpsia). ■ Controlar outros fatores: glicemia, sódio sérico e temperatura corporal. ■ Nutrição precoce (evitar desnutrição). ■ Reabilitação precoce (fisioterapia motora, fonoaudiologia). PREVENÇÃO SECUNDÁRIA EXAMES: Principais: ■ Duplex-scan de carótidas e vertebrais, angio-RM ou angio- TC: avaliar aterotrombose extracraniana; ■ ECG: avaliar fibrilação atrial, IAM anterior; ■ Ecocardiograma: avaliar trombo ou condição emboligênica. Eventualmente utilizados: ■ Doppler transcraniano, angio-RM ou angio-TC: avaliar aterotrombose intracraniana. CONDUTA (além do controle dos fatores de risco) : AVE aterotrombótico: ■ AAS 50-325 mg/dia ± dipiridamol de liberação lenta 200 mg 2x/dia; nos alérgicos e intolerantes ao AAS: clopidogrel 75 mg/dia; ■ Endarterectomia carotídea (em caso de estenose entre 70-99% do vaso, sintomática). (Opção: angioplastia carotídea com stent). AVE cardioembólico: ■ Anticoagulante oral. QUADRO CLÍNICO/LOCALIZAÇÃO Instalação aguda de um deficit neurológico focal persistente, do território carotídeo ou vertebrobasilar. ■ Território carotídeo (circulação anterior): síndromes de artéria cerebral média e cerebral anterior. ❯ Hemiparesia/plegia (o mais comum – 85% dos casos). ❯ Hemianestesia/parestesia. ❯ Paralisia facial central, disartria. ❯ Apraxia. ❯ Astereognosia. ❯ Afasia (motora, sensorial, de condução) – hemisfério esquerdo/dominante. ❯ Anosognosia/heminegligência – hemisfério direito. ❯ Desvio do olhar conjugado contra a hemiplegia nos primeiros 1-2 dias. ■ Território vertebrobasilar (circulação posterior): síndromes de artéria cerebral posterior, cerebelo e tronco encefálico. ❯ Hemiparesia/plegia ou tetra paresia/plegia. ❯ Hemianestesia/parestesia ou anestesia/pares tesia bilateral. ❯ Síndromes cruzadas(motoras ou sensi tivas) – lesões de tronco. ❯ Tonteira vertigem-símile, náuseas, nistagmo – síndrome vesti bular. ❯ Ataxia cerebelar. ❯ Diplopia (síndromes oculo motoras). ❯ Paralisia facial periférica. ❯ Disartria, disfagia, disfonia (síndrome bulbar). ❯ Síndrome de Horner. ❯ Desvio do olhar conjugado na direção da hemiplegia ou para baixo. CONCEITOS GERAIS EPIDEMIOLOGIA Pelas estatísticas do DATASUS, e acompanhando o que acontece em escala global, a doença cerebrovascular é uma das causas mais comuns de morte no Brasil, sempre acompanhando outra condição muito conhecida de todos nós – doença isquêmica cardíaca. Esses dados ainda são bastante expressivos graças ao grande número de hipertensos não controlados e pela fibrilação atrial relacionada à doença mitral reumática, ambas as situações ainda importantes no nosso país. O AVE isquêmico é o principal representante da doença cerebrovascular, sendo responsável por até 80-85% dos casos de acidente vascular encefálico no mundo (os 15-20% restantes são eventos hemorrágicos). Vamos aproveitar e destacar os fatores de risco: Principais ■ Hipertensão arterial (principal – incluindo a hipertensão sistólica isolada do idoso!). ■ Diabetes mellitus. ■ Dislipidemia. ■ Tabagismo. ■ Idade > 50 anos. ■ Sexo masculino. ■ História familiar. ■ Fibrilação atrial. ■ Estenose carotídea. ■ Prótese valvar (especialmen te metálica). ■ Infarto agudo do miocárdio (parede anterior). ■ Cardiopatias dilatada e restritiva. ■ Ataque Isquêmico Transi tório (AIT) prévio. Outros ■ Aterosclero se da aorta ascendente e do arco aórtico. ■ Forame oval patente + aneurisma do septo interatrial. ■ Síndromes trombofílicas (ex.: anticorpo antifosfoli pídeo). ■ Vasculites. ■ Doenças hematoló gicas ( P. vera, anemia falci forme, hemoglo‐ binúria paroxís tica noturna). ■ Meningite: bacteriana, tuberculosa, sifilítica. ■ Endocardite: infecciosa, marântica, Libman-Sacks. ■ Dissecção vertebral ou carotídea (ex.: pós-trauma, dissecção aórtica aguda). ■ Síndrome de Moyamoya. ■ Displasia fibromuscular. ■ Drogas: anfetaminas, cocaína. PATOGÊNESE O AVE isquêmico é provocado pela oclusão aguda de uma artéria intracraniana, do território carotídeo ou vertebrobasilar, levando à isquemia, seguida de infarto, da região encefálica nutrida por essa artéria. Apenas como curiosidade, a ausência completa de circulação cerebral leva à morte do tecido cerebral em 4-10 minutos (o que ocorre nas PCR não assistidas), enquanto a redução da circulação pode causar apenas isquemia ou mesmo morte celular, dependendo do sítio, do grau, do tempo de oclusão e da anatomia vascular do indivíduo (presença de circulação colateral). Por definição, o AVE isquêmico cursa com infarto cerebral, ou seja, morte celular. Existem dois mecanismos básicos de oclusão que respondem pelo infarto cerebral: ■ Embolia: o trombo forma-se à distância, no coração esquerdo, na aorta, numa artéria extracraniana (carótida, vertebral) ou mesmo numa artéria intracraniana, deslocando-se na direção do fluxo sanguíneo até ocluir uma artéria distal, de menor calibre; ■ Aterotrombose: forma-se um trombo sobre uma placa de ateroma na própria artéria "culpada" pelo AVE. Você se lembra? Recordando a anatomia vascular cerebral, vamos perceber que boa parte do fluxo sanguíneo tem origem na artéria carótida comum, ramo do tronco braquiocefálico (à direita) e do arco aórtico (à esquerda). A carótida comum, por sua vez, bifurca-se em interna e externa na região cervical, na altura da cartilagem tireoide. Embora muito se fale da obstrução da carótida interna intracraniana e seus ramos cerebrais, temos que lembrar também a possibilidade de doença carotídea extracraniana (artérias carótida comum, externa e interna até a base do crânio), que pode ser tanto relacionada ao mecanismo embólico ou aterotrombótico. Com base nesses mecanismos, o AVEi pode ser ainda subdividido nos grupos que abordaremos em seguida. A literatura varia bastante quanto ao percentual de cada subtipo em relação ao total de casos de AVE isquêmico. Embora alguns textos coloquem o AVE cardioembólico isoladamente em primeiro lugar, algumas fontes, como o Cecil, preferem colocar o AVE aterotrombótico/arterioembólico de forma agrupada nessa posição Gráfico Mecanismos relacionados à doença cerebrovascular (Fonte: Cecil– Tratado de Medicina Interna). (VER GRÁFICO). Fig. 1 AVE isquêmico (patogênese e anatomia arterial). Observe os principais sítios anatômicos geradores de AVE isquêmico, que podem ser do tipo aterotrombótico (setas azuis: origem da carótida interna, sifão carotídeo, origem da cerebral média, artéria vertebral distal e basilar proximal), arterioembólico (setas vermelhas: mesmos sítios anteriores, artéria vertebral proximal e aorta) ou cardioembólico (setas pretas: átrio esquerdo, ventrículo esquerdo, valvas). AVE Aterotrombótico e Arterioembólico O AVE aterotrombótico é caracterizado pela formação do trombo no próprio ponto de obstrução arterial, de forma semelhante ao que acontece no Infarto Agudo do Miocárdio (IAM). Ele pode ser subclassificado em aterotrombose de grandes e médias artérias ou de pequenas artérias perfurantes (responsáveis pelo chamado AVE lacunar, geralmente classificado à parte – vide a seguir). O AVE de grandes ou médias artérias é quase exclusivo de indivíduos acima dos 50 anos com fatores de risco para aterosclerose, tais como hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia, tabagismo, síndrome metabólica... Nunca esqueça: a hipertensão arterial (incluindo a hipertensão sistólica isolada do idoso) é o principal fator de risco para AVE isquêmico, não só por ser um fator na gênese da aterosclerose das artérias extra e intracranianas, mas também predispondo à fibrilação atrial, IAM e cardiopatia dilatada (causas mais comuns de AVE cardioembólico). Fig. 2 AVE aterotrombótico e embolia arterioarterial. Uma estenose aterotrombótica não oclusiva da origem da carótida interna originou um êmbolo que se alojou na artéria cerebral média. A artéria mais incriminada no AVE aterotrombótico é a carótida interna (origens mais comuns: próximo à bifurcação carotídea e, em segundo lugar, no sifão carotídeo). Depois da carótida interna, em termos de frequência, vem a artéria vertebral, no seu segmento distal ou na sua junção com a artéria basilar. Em terceiro lugar, estão as artérias intracranianas, como a origem da cerebral média, artéria basilar proximal e, bem menos frequente, a origem das cerebrais posterior e anterior. Como veremos, grande parte dos AVE isquêmicos aterotrombóticos de grandes e médias artérias é precedida por episódios de AIT (Ataques Isquêmicos Transitórios)! E, diferentemente do que acontece no AVE cardioembólico, o AVE aterotrombótico costuma evoluir de forma progressiva, com o deficit neurológico se instalando ao longo de horas ou até 1-2 dias. Pode piorar em "saltos" (AVE isquêmico em evolução). O território mais acometido é o da artéria cerebral média. Clinicamente, o AVE aterotrombótico de grandes e médias artérias é definido diante de um caso de AVE isquêmico com os exames demonstrando ausência de cardiopatias emboligênicas ou estenose > 50% carotídea ou vertebrobasilar, relacionada ao deficit neurológico (ex.: estenose da carótida direita relaciona-se à hemiparesia no dimídio esquerdo). Contudo, uma estenose de carótida quase nunca leva a isquemia e infarto de todo o território irrigado por ela! Se isso ocorresse, todos os AVE isquêmicos por aterotrombose carotídea seriam gravíssimos, determinando infartos hemisféricos! O que acontece geralmente é o envolvimento do território de apenas um ramo da carótida (ex.: cerebral média, cerebral anterior). Existem duas explicações para esse fato: 1. circulação colateral pelo polígono de Willis e pelas artérias meníngeas; e 2. o fenômeno da embolia arterioarterial. O AVE arterioembólico ocorre pelo destacamento de um fragmento do trombo carotídeo (mais comumente na bifurcação carotídea), que segue o fluxo sanguíneo até se alojar em um ramo arterial, comoa cerebral média. Muitas vezes esse (FIGURA 2) mecanismo não é individualizado nas estatísticas dos subtipos de AVE isquêmico, pois geralmente está classificado junto ao grupo do AVE aterotrombótico de grandes e médias artérias. Contudo, sabe-se que a maioria dos AVE de origem arterial são decorrentes justamente de embolia arterioarterial. AVE Cardioembólico A condição mais associada ao AVE cardioembólico é a fibrilação atrial: o risco médio de AVE é de 5% ao ano e varia significativamente (de 0,5 a 15% ao ano) segundo a presença de determinados fatores de risco: idade > 65 anos, hipertensão arterial, diabetes, disfunção de VE, cardioembolia prévia, doença mitral reumática e valva cardíaca protética. A presença de ICC e o aumento do átrio esquerdo são fatores de risco adicionais. Fenômenos trombo embólicos decorrem da formação de trombos murais no átrio ou ventrículo esquerdo, em conse‐ quência à estase atrial. Fig. 3 AVE cardioembólico: Geralmente provoca um deficit neurológico súbito em segundos ou minutos, que persiste estável, sem piorar nas próximas horas ou dias. A artéria mais acometida é a artéria cerebral média e seus ramos!! Observe na figura a área isquêmica após a oclusão embólica da cerebral média. AVE Lacunar É um AVE isquêmico pequeno, de até 2 cm de diâmetro localizado na região central do cérebro ou na ponte. A patogênese é a obstrução de pequenas artérias perfurantes e o processo envolvido pode ser um trombo (aterotrombose) ou a lipo-hialinose (depósito de material lipídico hialino na parede destas artérias). Ele representa 15-20% dos AVE isquêmicos sintomáticos, sendo a frequência muito maior quando considerados os assintomáticos, identificados como achados casuais nos exames de imagem. MAS CUIDADO! Ainda que pequenos, quando sintomáticos, muitas vezes se manifestam com deficit neurológico importante, especialmente se acometem a cápsula interna, por onde desce o feixe piramidal – causando hemiplegia contralateral! Veremos esses detalhes anatômicos daqui a pouco. Quase sempre o AVE lacunar ocorre em pacientes hipertensos!!! As regiões acometidas pelo AVE lacunar geralmente são: no cérebro, a cápsula interna, o tálamo e os gânglios da base; e, no tronco encefálico, a base da ponte. Na você irá entender melhor o AVE lacunar. VIDEO_01_MEDCLM14 Fig. 4A Artérias penetrantes e estruturas anatômicas por elas vascularizadas: cápsula interna – feixe piramidal; tálamo – sensibilidade; gânglios da base (putâmen, caudado, pálido) – sistema extrapiramidal. Fig. 4B AVE lacunares: cápsula interna e tálamo. Outros Grupos Em cerca de 10-20% dos casos não classificamos a isquemia cerebral em nenhuma das categorias anteriores. Nesses casos, pode-se tratar de uma condição mais rara (ex.: síndrome de Moyamoya, displasia fibromuscular) ou mesmo de um AVE (FIGURA 3) (FIGURA 4), FIGURA 4 criptogênico (sem causa definida). Além disso, esses processos que acabamos de descrever são responsáveis por uma isquemia focal no encéfalo. Outros casos podem estar relacionados à isquemia global que ocorre em indivíduos que sobrevivem à parada cardíaca com período prolongado de reanimação ou mesmo após arritmias graves e hipotensão arterial prolongada. Neste caso, não ocorre oclusão arterial, mas hipoperfusão generalizada do SNC, predominante nos territórios de fronteira entre as distribuições das principais artérias cerebrais, conhecidas como zonas de watershed ("divisoras de águas"). Os sintomas não serão focais, como no AVE isquêmico clássico, embora existem algumas alterações características conforme colocaremos adiante. Existiria ainda a lesão hipoxêmica difusa, em decorrência de situações específicas (ex.: altitudes elevadas, anemia grave). O motivo seria quedas importantes da oxigenação cerebral (PaO₂ < 40 mmHg), levando a alterações cognitivas, confusão mental e até mesmo coma. Revisando... O que é embolia paradoxal? É a embolia arterial cuja fonte emboligênica é a veia. Ora, em geral, quando ocorre deslocamento de um êmbolo a partir de uma trombose venosa profunda, este migra e se aloja na circulação arterial pulmonar (TEP). Contudo, esse êmbolo pode seguir outro rumo – pode passar do átrio direito para o átrio esquerdo por um forame oval patente ou por uma CIA (comunicação interatrial)! Uma vez no átrio esquerdo, pode migrar para a circulação encefálica e produzir um AVE isquêmico!! O curioso é que cerca de 15% da população adulta tem forame oval patente, embora a embolia paradoxal nesses pacientes seja raríssima! A presença de pressão elevada no átrio direito parece necessária para a ocorrência do fenômeno – por isso, a embolia paradoxal geralmente só ocorre quando no ecocardiograma existe um abaulamento do septo em direção ao AE (aneurisma do septo interatrial). O ecocardiograma com microbolhas (soro fisiológico agitado) é um excelente exame para comprovar a possibilidade de embolia paradoxal em portadores de forame oval patente. RESIDÊNCIA MÉDICA – 2019 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS UFSCAR – SP Homem de 36 anos, previamente saudável, apresenta-se com trombose venosa profunda (TVP) do segmento ilíaco femoral direito após viagem de avião. Na investigação diagnóstica, o paciente é portador de hipercoagulabilidade com mutação do fator V de Leiden. O paciente foi tratado adequadamente com heparina fracionada e warfarina. Subitamente, há 2 semanas o paciente desenvolve hemiplegia à esquerda, desvio de rima e disartria. AVCI em hemisfério direito. A explicação mais provável para o evento seria? a) Oclusão embólica da artéria carótica interna direita por embolização de forame oval patente. b) Aterosclerose cerebral. c) Dissecção de aorta torácica atingindo artérias carótidas. d) Flegmasia cerúlea dolens. e) Aneurisma de carótida esquerdo não diagnosticado. Em um paciente com história de trombose venosa profunda de membro inferior recente que evolui para AVE isquêmico, deve chamar a atenção para a possibilidade de desprendimento de um êmbolo que teve acesso à circulação que irriga o cérebro via uma comunicação anômala, uma vez que, comumente, a embolia dá-se na circulação pulmonar. O forame oval patente, ao comunicar o átrio direito ao átrio esquerdo, possibilita essa comunicação anômala. A afirmativa A é a única que traz esse raciocínio. Lembrando que a oclusão carotídea é responsável por isquemia em segmento ipsilateral cerebral, logo, como o AVEi se deu à direita, a carótida implicada também tem que ser a direita. DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO As condutas aqui apresentadas serão baseadas nas diretrizes da American Heart Association / American Stroke Association (AHA/ASA), principal referência dos tratados médicos e dos especialistas quando o assunto é AVE. DIAGNÓSTICO Todo paciente que se apresenta com um deficit neurológico focal de instalação aguda tem como diagnóstico principal um AVE, isquêmico ou hemorrágico!! Como veremos, deficit neurológico não é só hemiplegia – vale também qualquer um dos sintomas que se encaixam nas síndromes que iremos descrever (ex.: afasias, disartria, heminegligência, hemianopsia, agnosias, amnésias, diplopia, vertigem central, paralisia de pares cranianos, etc.). Existe diagnóstico diferencial? » Um deficit neurológico súbito não traumático pode também ocorrer em situações como na epilepsia (especialmente no estado pós-ictal – paralisia de Todd), na hipoglicemia, na aura de enxaqueca e na hipotensão arterial em pacientes com aterosclerose prévia das artérias intra ou extracranianas. Qual é a conduta neste caso? Todo paciente admitido com suspeita de AVE deve ser estabilizado clinicamente (sinais vitais, glicemia) e encaminhado para a realização de uma Tomografia Computadorizada (TC) de crânio não contrastada ou Ressonância Magnética (RM) de crânio. A diretriz recomenda, para a maioria dos casos, a realização de TC sem contraste, dentro de 20 minutos (tempo porta-imagem). A unidade de atendimento deve ter como objetivo cumprir esta etapa em pelo menos 50% dos pacientes que podem ser elegíveis para trombolítico e/ou trombectomiamecânica. Enquanto a RM pode diagnosticar o AVE isquêmico praticamente desde o início dos sintomas, a principal função da TC é afastar um possível AVE hemorrágico, já que a hemorragia cerebral aparece de imediato na TC como uma área hiperdensa (branca). Se a TC de crânio for normal ou mostrar apenas áreas de AVE isquêmico antigo ("áreas pretas com atrofia"), e o paciente realmente acabou de apresentar um deficit neurológico focal agudo, é quase certo que estamos diante de um novo AVE isquêmico. A TC tem duas grandes vantagens sobre a RM, que são a realização mais rápida e a maior disponibilidade em nossos hospitais. Atenção! Deficit neurológico focal súbito = exame de imagem em 20 minutos. Saiba Mais! Neuroimagem no AVE isquêmico TC de crânio: O exame de neuroimagem mais realizado na fase aguda do AVE é a TC de crânio não contrastada, pela sua altíssima sensibilidade em diagnosticar o AVE hemorrágico, além de ser de rápida execução e mais disponível que os demais exames de imagem para o AVE. Geralmente, o AVE isquêmico leva de 24 a 72 horas para aparecer de forma evidente na TC. A exceção à regra é a presença de um grande AVE isquêmico no território carotídeo, que pode aparecer desde o primeiro dia. No entanto, embora a sensibilidade da TC de crânio para detecção de alterações isquêmicas seja baixa num primeiro momento, alguns sinais de isquemia precoce (< 24 horas) já podem ser encontrados e incluem: hipodensidade de um terço ou mais do território da artéria cerebral média; obscurecimento do núcleo lentiforme; apagamento dos sucos corticais; e atenuação parenquimatosa focal. Como não se pode observar o AVE isquêmico na sua plenitude na primeira TC (realizada na admissão), ao repetirmos a TC de crânio no segundo ou terceiro dia do AVE, mostraria enfim o infarto cerebral como uma área hipodensa (cinza), com discreto edema. Após cerca de dez dias, a área infartada aparece ainda mais hipodensa (preta), sem edema, com retração, podendo repuxar algum ventrículo (hidrocefalia localizada ex-vacuum). Os AVE de tronco encefálico e os AVE lacunares são difíceis de detectar na TC, mesmo após três dias, pelo pequeno tamanho e, no caso do tronco, também pela interferência da substância óssea. A seguir, mostraremos uma figura esquemática de um corte tomográfico cerebral com os territórios das três grandes artérias (cerebral média, anterior e posterior), para você comparar com as tomografias de crânio se guintes, obtidas no terceiro dia de internação de três pacientes com AVE isquêmico. Neuroimagem no AVE isquêmico: localize a lesão. Ressonância magnética: A RM de crânio convencional é melhor que a TC para detectar: ■ AVE isquêmico nas primeiras 24-72 horas (46% x 10%); ■ AVE isquêmico de tronco, cerebelo e lacunar (em qualquer tempo). A eficácia para detecção de hemorragias é semelhante entre a TC e a RM. O único exame que precisa ser realizado antes da indicação ou não da trombólise é a glicemia. Exames como coagulograma, contagem plaquetária, troponina e ECG também são importantes, mas não devem adiar a infusão do trombolítico. Duas modalidades de RM demonstraram ser capazes de detectar o AVE isquêmico: ■ RM de difusão (DWI): capaz de detectar áreas de injúria isquêmica que aparecem após 30min do início dos sintomas, baseando-se na detecção do movimento da água em direção ao compartimento intracelular; ■ RM de perfusão (PWI): utilizando o gadolínio, avalia a existência de uma área mal perfundida, ou seja, isquêmica. Essas duas modalidades de RM podem ser utilizadas de forma combinada em alguns serviços na fase hiperaguda do AVE. Enquanto a DWI estabelece a área de injúria, ou seja, onde já está ocorrendo o infarto neuronal, a PWI detecta toda a área isquêmica – acoplando-se uma imagem a outra, pode-se inferir a área da penumbra isquêmica (aparece na PWI, mas não na DWI). Estudos vêm mostrando avanços importantes ao estabelecer critérios otimizados de trombólise venosa (rtPA) baseados no uso da combinação DWI + PWI. Na área da TC, também existe uma outra técnica, utilizando contrastes especiais e a TC helicoidal, aptas a detectar a penumbra e a injúria isquêmica precocemente – é a TC de perfusão (CTP). Qual é o papel da angio-TC e da angio-RM no AVE isquêmico? São técnicas não invasivas que têm como objetivo avaliar a vasculatura extra e intracraniana com razoável precisão. Um desses métodos está indicado, se disponível, para investigar a aterotrombose carotídea, vertebrobasilar e intracraniana, no caso de o duplex-scan e o Doppler transcraniano (TCD) trazerem resultados inconclusivos. Atualmente, a angiografia convencional (invasiva) só está indicada quando o paciente irá se submeter a um procedimento terapêutico local, como a trombólise intra-arterial. Alguns neurocirurgiões ainda confiam mais na angiografia convencional para guiar a cirurgia de endarterectomia (já que o exame ainda é considerado padrão-ouro). No entanto, sabemos que o duplex- scan, a angio-TC ou a angio-RM são confiáveis, sem ser invasivos. RESIDÊNCIA MÉDICA – 2018 HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DE MATO GROSSO DO SUL – UFMS – MS Avalie a série de afirmativas a respeito da tomografia de crânio em um paciente com acidente vascular cerebral isquêmico agudo: I - A tomografia é virtualmente normal nas primeiras 24 horas na maioria dos casos. II - A TC é tipicamente normal da primeira até a terceira hora pós-icto. III - A precocidade das alterações tomográficas é diretamente proporcional ao tamanho da área de infarto cerebral. IV - Após 12 horas, os sinais iniciais de infarto cerebral na TC são rotineiramente evidentes. V - O infarto cerebral isquêmico não cursa com edema detectável à tomografia. Estão CORRETAS: a) Todas. b) I, II, III e IV. c) III, IV e V, apenas. d) II e IV, apenas. e) II, III e IV. Questão difícil sobre o uso da neuroimagem na avaliação de pacientes com síndromes neurológicas agudas. Vamos entendê-la: I. Cuidado com esta alternativa. Embora a sensibilidade da tomografia computadorizada de crânio para detecção de alterações isquêmicas aumente após 12-24 horas, alterações precoces de infarto cerebral podem ser vistas na maioria dos pacientes – em 61% deles para ser mais exato (já nas primeiras 24 horas!!!). INCORRETA; II. Mesmo utilizando métodos que aumentem a sensibilidade da TC de crânio (ex.: contraste venoso), as alterações isquêmicas aparecem em um tempo mínimo de três horas. CORRETA; III. Quanto maior o dano isquêmico, mais rápido será seu aparecimento na TC de crânio. CORRETA; IV. Como discutimos acima, a sensibilidade para lesões isquêmicas aumenta após um período de 12-24 horas, embora as alterações precoces possam ser notadas até mesmo antes por radiologistas experientes. CORRETA; V. A área de infarto cerebral, hipodensa à TC de crânio, é tipicamente envolta por uma região de edema detectável pelo método. INCORRETA. Portanto, as afirmativas corretas são as II, III e IV. Resposta: E. RESIDÊNCIA MÉDICA – 2011 INSTITUTO ORTOPÉDICO DE GOIÂNIA – IO Dos exames abaixo, qual o mais sensível na detecção precoce do AVC isquêmico? a) Doppler craniano. b) TC de crânio. c) RNM crânio por difusão. d) Angiografia cerebral. e) Rx de crânio. Nunca esquecer: nos primeiros dias de AVE isquêmico, a TC serve para excluir a presença de hemorragia, mas geralmente não acusa a área isquêmica. Para este fim, o melhor exame é a RM! Resposta: letra C. TRATAMENTO VIDEO_02_MEDCLM14 Estabilização Clínica Como em todos os pacientes graves ou potencialmente graves, a abordagem do paciente na fase aguda de um AVE isquêmico se inicia pela estabilização clínica. Idealmente, o paciente deve ser acompanhado em uma unidade especializada (stroke unit), que vem mostrando melhores desfechos que as unidades gerais de atendimento. Para tanto, deve ser estimulado o desenvolvimento de sistemas regionais de cuidados. Em hospitais que não possuem equipe de neurologia de plantão, a diretriz atualmente recomenda avaliações por telemedicina (telestroke) para auxiliar na abordagem desses casos. Atenção especialdeve ser dada às vias aéreas, devendo ser obtida uma via definitiva nos pacientes com depressão importante do nível de consciência. A depleção volêmica também é comum e deve ser prontamente tratada, evitando-se soluções hipotônicas (salina 0,45%, soro glicosado) para não contribuir para um edema cerebral. Outro item, a glicemia capilar, deve ser logo realizada e tanto a hipoglicemia (< 60 mg/dl) quanto a hiperglicemia (> 180 mg/dl) precisam ser corrigidas. A febre também é um fator que merece controle com antitérmicos imediatamente, pois a hipertermia é deletéria aos neurônios. Qualquer hiponatremia < 130 mEq/L deve ser logo corrigida, pois está associada a edema cerebral e piora do quadro neurológico. Oxigênio suplementar está indicado nos pacientes hipoxêmicos, objetivando SatO₂ > 94%. Evitar Hiper-hidratação / soluções hipotô nicas » hiponatremia » edema cerebral. Hipo ou hiperglicemia » piora isquemia. Hipertermia (febre) » piora isquemia. » » RESIDÊNCIA MÉDICA – 2015 HOSPITAL ESCOLA LUIZ GIOSEFFI JANNUZZI – HELGJ – RJ Fatores que agravam sobremodo a lesão cerebral durante a isquemia aguda: a) Hipercolesterolemia e hipertensão arterial moderada. b) Tabagismo e hiperglicemia. c) Febre e hiperglicemia. d) Hipotermia e hiperglicemia. Hipercolesterolemia, hipertensão arterial moderada e tabagismo são fatores que favorecem cronicamente o surgimento de isquemia cerebral, ao se associarem com o desenvolvimento de doença aterosclerótica cerebrovascular. A hipotermia exerce efeito neuroprotetor, com benefícios claramente documentados na isquemia cerebral difusa associada à parada cardiocirculatória, não sendo claro, por enquanto, se há ou não lugar para o seu emprego em casos de AVC. Enfim, a única opção possível seria a letra C, que realmente cita os dois fatores AGUDOS que classicamente agravam a lesão neurológica do paciente com AVC: hipertermia e hiperglicemia. Ambos devem ser agressivamente combatidos neste contexto! Resposta: letra C. Trombólise e Trombectomia Mecânica Pense no que está acontecendo exatamente com o paciente no primeiro dia de AVE isquêmico... Uma artéria acabou de ocluir! Aos poucos, o grupo central de neurônios isquêmicos sofrerá morte por necrose ou apoptose, o que certamente já começa a ocorrer após 1h do início dos sintomas. A área isquêmica que ainda não infartou é denominada penumbra isquêmica. É justa‐ mente evitar que a maior parte dessa penumbra se transforme em infarto o objetivo primordial da abordagem ao AVE isquêmico!! E a melhor maneira de evitar que a penumbra se torne infarto é a terapia de reperfusão imediata com trombolítico venoso!! Assim, quanto antes o paciente receber o tratamento, maior a chance de sucesso: "Time is brain!". Na ausência de sinais de sangramento na TC, para que o tratamento com a classe esteja indicado, inicialmente, o paciente deve ter idade ≥ 18 anos, deficit neurológico mensurável e o delta T (tempo máximo para infusão desde o início dos sintomas) que é atualmente de 4,5h. O tempo "porta-agulha" ideal (da chegada na unidade de saúde até a infusão do trombolítico) deve ser de 60 minutos. Este benefício poderia ser estendido para casos de AVE relacionado à anemia falciforme, assim como aqueles que apresentem o sinal hiperdenso da a. cerebral média (um indicativo da presença de trombo na luz do vaso). Por isso, além da TC, o único exame que precisa ser realizado obrigatoriamente antes da administração do trombolítico é a glicemia. O resultado de outros exames solicitados (hemograma completo, bioquímica, coagulograma, troponina, ECG), conforme já pontuamos, não deve atrasar a administração da alteplase. Certamente, esta rotina poderia ser modificada se suspeitarmos que o paciente tenha uma coagulopatia ou plaquetopenia, por exemplo, quando aí sim aguardaríamos os resultados. A existência de RM prévia com número elevado de microssangramentos cerebrais (principalmente quando acima de 10), pode também compor um fator de risco para sangramento nesta análise. RESIDÊNCIA MÉDICA – 2017 SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE LIMEIRA – SCML Mulher, 66 anos de idade chega no PS com suspeita de AVCi. Qual é o exame mais urgente a ser realizado? a) ECG e troponina. b) Exames de coagulação. c) Glicemia capilar e TC de crânio. d) RM cerebral. Para que a paciente seja submetida à trombólise, além de analisar a presença de comorbidades e realizar o exame neurológico, devemos descartar alteração neurológica por hipoglicemia e hemorragia intracraniana. Para tal, devemos solicitar com urgência a glicemia capilar e a TC de crânio. Resposta: letra C. Cabe lembrar que existe uma pequena diferença teórica na indicação para as janelas de tempo de 0 a 3h e 3 a 4,5h. Isso porque a última janela só foi validada após o estudo ECASS-III e incluiu apenas pacientes com: idade ≤ 80 anos; escala da NIHSS ≤ 25 pontos; que não estejam em uso de anticoagulantes orais; sem história de diabetes e AVE isquêmico prévio (ambos); e sem imagem com evidência de acometimento de mais de 1/3 do território da artéria cerebral média. Contudo, a própria diretriz reforça que estes critérios poderiam não ser necessariamente respeitados na prática. O que vale, portanto, é o conceito a ser conhecido para as provas! O trombolítico mais validado para uso na fase aguda do AVEi é a alteplase, na dose 0,9 mg/kg IV (10% in bolus e o restante correr em 1h em veia periférica – dose máxima 90 mg). A tenecteplase poderia ser considerada uma alternativa em pacientes com eventos neurológicos menores e sem oclusão de grande vaso intracraniano (não se mostrou superior, nem inferior à alteplase). A estreptoquinase não possui respaldo científico para ser utilizada nesse cenário. Critérios de Elegibilidade ■ Idade ≥ 18 anos. ■ Tempo desde o início dos sintomas (delta T) ≤ 4,5h. ■ Ausência de contraindicações. Uma vez que o paciente possa ser incluído nos critérios para uso de trombolítico, é fundamental verificar as contraindicações mais importantes a serem checadas para o uso de trombolíticos. Veja o próximo quadro! » » Principais Contraindicações para o Uso de Trombolítico no AVE Isquêmico Agudo ■ Início dos sintomas acima de 3-4,5 horas. ■ Traumatismo Cranioencefálico (TCE) significativo, AVEi ou cirurgia intracraniana / intra espinhal nos últimos três meses. ■ História de hemorragia intracraniana, TC com hemorragia intracraniana aguda ou sinais e sintomas sugestivos de hemorragia subaracnoide. ■ Punção arterial em sítio não compressível nos últimos sete dias (incerto). ■ Neoplasia intracraniana intra-axial (na malformação arteriovenosa, o risco não é bem conhecido). ■ Dissecção aórtica conhecida ou suspeita. ■ Coagulopatia, plaquetas < 100.000/mm³; PTTa > 40s; INR > 1,7s ou TP > 15s; dose terapêutica de heparina de baixo peso molecular nas últimas 24 horas; uso < 48h de inibidores diretos da trombina ou do fator Xa ou com alteração dos testes de coagulação apropriados. ■ Quadros leves com sintomas não incapacitantes (NIHSS de 0 a 5). ■ TC de crânio demonstrando regiões de hipodensidade extensas (não existem evidências capazes de determinar um valor limítrofe para este item). ■ Endocardite infecciosa. ■ Malignidade ou sangramento gastrointestinal nos últimos 21 dias. *Este quadro foi retirado da diretriz da AHA/ASA. Pode haver discretas discrepâncias nos critérios caso sejam utilizadas outras referências bibliográficas. Atenção! Se o paciente acorda com sintomas de AVE (wake-up stroke), definimos como momento do início dos sintomas o horário em que ele foi visto sem deficit pela última vez! Segundo a diretriz da AHA, para esses pacientes ou aqueles que têm tempo de início incerto dos sintomas, a trombólise pode ser útil quando administrada dentro de 4,5 horas após o reconhecimento dos sintomas; se tem NIHSS < 25 e se é constatado o " mismatch difusão/FLAIR". Isto é, se a RM de difusão mostra lesão menor que 1/3 do território da a. cerebral média (um achado mais precoce), mas a sequência FLAIR (que é um pouco mais tardia e se relaciona ao edema vasogênico)não mostra alteração. Fig. 5 Embora a trombólise convencional seja o padrão de reperfusão no AVEi, bons resultados também apareceram com a terapia endovascular. Nesse sentido, recomenda-se atualmente a trombec tomia mecânica com a utilização de dispositivo capaz de fazer a remoção do trombo (preferencialmente os de segunda geração: stent retriever) nos pacientes que preencham todos os seguintes critérios: ■ Escore mRS (escala de Rankin modificada – ver adiante) pré-AVE 0-1; ■ Idade ≥ 18 anos; ■ Oclusão de grande artéria da circulação anterior proximal (a. carótida interna ou a. cerebral média segmento M1); ■ NIHSS ≥ 6 (ver adiante); ■ ASPECTS ≥ 6 (ver adiante); ■ Início do tratamento dentro de seis horas dos sintomas (quanto mais precoce, melhor). A última diretriz trouxe ainda uma novidade após os estudos DEFUSE e DAWN, prolongando o benefício para até 16-24 horas. Assim como para a trombólise, a PA desses pacientes deve estar previamente ≤ 185/100 mmHg e ser mantida ≤ 180/105 mmHg. Na ausência destes critérios, a trombectomia ainda poderia ser aplicada, sob análise individualizada. Isso incluiria, por exemplo, pacientes com escores mais baixos, obstrução dos segmentos M2 ou M3 da a. cerebral média e obstrução da a. cerebral anterior, posterior, vertebrais ou basilar. Técnicas de imagem como a angio-TC, angio-RM ou exames de perfusão podem auxiliar na seleção de candidatos à trombectomia, além de contribuírem para o conhecimento anatômico necessário ao procedimento. Outros métodos de reperfusão, como a trombólise intra-arterial, angioplastia com ou sem stent e trombólise combinada, também demonstraram bons resultados e vêm sendo realizados em centros especializados. RESIDÊNCIA MÉDICA – 2019 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ – UESPI – PI O acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico vem tendo mudanças importantes, no que diz respeito ao tratamento de fase aguda nos últimos anos. Sobre esse aspecto do tratamento agudo do AVC isquêmico e suas atualizações, assinale a alternativa CORRETA. a) Drogas com estreptoquinase e uroquinase podem agora ser usadas como tratamento trombolítico na fase aguda, sem risco de sangramento. b) O tratamento trombolítico intra-arterial com alteplase é superior ao tratamento intravenoso, tanto em segurança como em melhor desfecho clínico, portanto, deve ser o preferido. c) A trombectomia mecânica endovascular está agora indicada em várias diretrizes para pacientes com oclusão de grandes vasos e com início dos sintomas de até 6 horas, sendo que alguns estudos encontraram benefícios para janela de tempo ainda maior como 16 e 24 horas do início dos sintomas em pacientes bem selecionados. d) A trombectomia mecânica deve ser priorizada frente ao trombolítico intravenoso, independente da janela de tempo do início dos sintomas. e) O melhor desfecho clínico e até redução de mortalidade foi obtido em pacientes que receberam a combinação de trombolítico intravenoso e em seguida intra-arterial, segundo estudos mais recentes. Analisando as assertivas sobre o AVE isquêmico, temos a letra A como incorreta, pois o uso de qualquer trombolítico traz risco de sangramento, sobretudo para aqueles não validados como estreptoquinase e uroquinase na abordagem do AVEi. As letras B, D e E também estão incorretas, pois o trombolítico IV ainda é o método de escolha e não há benefício comprovado da associação de diferentes métodos. Ficamos então com a letra C, que reforça os benefícios mais recentes da trombectomia mecânica. » Saiba Mais! Uso de escalas na rotina do AVE As escalas assumem papel de grande importância na abordagem do AVE, pois além de melhorarem a acuidade do diagnóstico, auxiliam na monitorização contínua do paciente, escolha do tratamento mais apropriado e na definição de prognóstico. Entre as escalas mais utilizadas, temos a FAST, cuja finalidade é melhorar o reconhecimento da doença cerebrovascular na fase aguda: paresia facial, fraqueza nos braços, dificuldade para falar e horário de início dos sintomas (do inglês, Face; Arm; Speech e Time). Escalas similares também foram desenvolvidas, como as de Cincinatti (CPSS), Los Angeles (LAPSS) e ROSIER (The Recognition of Stroke In the Emergency Room). Outro grupo de escalas tem como objetivo graduar o deficit neurológico no AVE isquêmico. A mais utilizada é a NIHSS (National Institute of Health Stroke Scale), que pontua o paciente de 0 a 42 (0 = ausência de deficit; 42 = pior deficit). A escala contém 11 itens (para cada um é dada uma pontuação de 0 a 2, 0 a 3 ou 0 a 4, na dependência do item). Os itens da escala são: 1. nível de consciência, orientação (idade, mês do ano) e resposta a comandos simples; 2. olhar conjugado; 3. distúrbio visual; 4. paralisia facial; 5. força muscular do braço; 6. força muscular da perna; 7. ataxia cerebelar de membro; 8. sensibilidade álgica com agulha; 9. linguagem (afasias); 10. articulação da palavra (disartria); 11. heminegligência. Quem quiser estudar a escala NIHSS e usá-la na prática das enfermarias e emergências pode encontrá-la na versão digital. Em geral, os melhores resultados do rtPA no AVE isquêmico são obtidos em pacientes com NIHSS entre 4 e 22. O NIHSS é muito usado para avaliar a resposta ao trombolítico, considerada positiva quando há uma redução de 8 pontos na escala (melhora parcial) ou quando o paciente apresenta NIHSS ≤ 1 (melhora completa). No estudo NINDS, o uso do rtPA levou à melhora completa do deficit em 38% dos pacientes ( versus 21% no grupo placebo). Por último, com o advento da terapia endovascular, mais duas classificações passaram a assumir destaque: Escala de Rankin modificada Escore ASPECTS Divide o território da A. Cerebral Média (ACM) em dez regiões padronizadas avaliadas em dois cortes da TC de crânio: na altura Grau Descrição 0 Sem sintomas. 1 Nenhuma incapacidade significativa, a despeito dos sintomas; capaz de conduzir todos os deveres e atividades habituais. 2 Leve incapacidade; incapaz de realizar todas as atividades prévias, porém é independente para os cuidados pessoais. 3 Incapacidade moderada; requer alguma ajuda mas é capaz de caminhar sem assistência (pode usar bengala ou andador). 4 Incapacidade moderadamente severa; incapaz de caminhar sem assistência e incapaz de atender às próprias necessidades fisiológicas sem assistência. 5 Deficiência grave; confinado à cama, incontinente, requerendo cuidados e atenção constante de enfermagem. 6 Óbito. E se o paciente piorar neurologicamente após a infusão do trombolítico? A hipótese principal é um AVE hemorrágico iatrogênico. Se for constatada piora significativa, a terapia é realizada com reposição imediata de crioprecipitado (que repõe fibrinogênio) e ácido tranexâmico, enquanto aguarda por exame de imagem. Outra complicação é o angioedema, porém o mesmo costuma ser leve e autolimitado, ocorrendo em menos de 5% dos casos. O tratamento pode ser feito com anti-histamínicos e corticoides, porém, nos casos mais graves, a intubação orotraqueal é necessária. Mais recentemente, terapia com icatibant (antagonista seletivo de receptor B2 da bradicinina) ou inibidor da C1-esterase derivada do plasma também vem sendo citada no angioedema. Antiagregação e Anticoagu lação Dois grandes estudos (IST e CAST) demonstraram o benefício da administração de AAS 160-300 mg na fase aguda (primeiras 48h) do AVE isquêmico e ela continua sendo a única opção validada para esta fase inicial. Ela costuma ser prescrita após 24 horas do uso trombolítico, embora atualmente se saiba que a utilização mais precoce não está necessariamente contraindicada. O conceito de base é que mesmo na ausência desses fármacos, já existe um risco estimado em 6,4% de o AVE isquêmico sofrer uma degeneração hemorrágica durante ou logo após o rtPA (dados do estudo NINDS). Nos pacientes que não recebem trombolítico, esse risco seria de 0,6%, ou seja, cerca de 10x menor!!! O desenvolvimento de transformação hemorrágica não necessariamente contraindica o uso de AAS, especialmente nas hemorragias petequiais, sendo plausívelapenas adiá-la caso tenhamos o aparecimento de um hematoma intraparenquimatoso. Assim, na fase aguda, a conduta se baseia numa terapia de suporte cuidadosa e no uso de antiplaquetários. Também se deve iniciar compressão pneumática intermitente, a fim de reduzir o risco de TVP e TEP. A heparina profilática subcutânea pode ser utilizada em alguns pacientes, embora o benefício seja incerto diante do risco aumentado de sangramento. Outra questão em voga é sobre o uso de terapia antiplaquetária dupla, assim como já se faz na síndrome coronariana aguda. Até o momento, uma indicação que parece mais benéfica é a de AAS + clopidogrel por 21 dias, em pacientes com pequeno AVE (NIHSS ≤ 3) e que não receberam trombolítico. A terapia dupla também pode ser orientada naqueles com obstrução recente de um grande vaso intracraniano (sifão carotídeo, cerebral média, vertebral, basilar). Existe alguma indicação para anticoagulação com heparina plena? Aproveitando para rever um conceito: ■ Heparina plena: dose anticoagulante (ex.: enoxaparina 1 mg/kg SC de 12/12h, HNF intravenosa em bomba infusora); ■ Heparina profilática: apenas para prevenção de TVP (ex.: enoxaparina 40 mg/dia SC, HNF 5.000 UI SC de 8/8h). Sendo assim, pensando em heparinização plena, a resposta, a princípio, é NÃO!!! Nenhum estudo demonstrou claramente o benefício da heparina parenteral na fase aguda do AVE isquêmico quando comparada ao AAS, e a droga ainda aumentou o risco de hemorragia. O que é diferente quando estudamos a abordagem do IAM!!! Duas situações peculiares são a dissecção carotídea e o AVE isquêmico em evolução, em especial a trombose da basilar. Esta começa com episódios repetidos de AIT com sintomas vertebrobasilares, evoluindo com sintomas cada vez mais prolongados e indicando uma maior zona isquêmica (o trombo está se propagando na artéria basilar, a partir de sua origem na junção entre a vertebral e a basilar). Não há estudos randomizados sobre heparina na suposta trombose da basilar em evolução, mas boa parte dos neurologistas concordam em internar o paciente e iniciar heparinização plena durante os dias seguintes. Lembre-se de que existe risco iminente de o paciente evoluir com a "síndrome locked-in". do tálamo e núcleos da base e o próximo corte logo acima dos núcleos da base. Cada área de hipodensidade precoce na TC sem contraste diminui 1 ponto no escore. Uma TC normal tem escore ASPECTS de 10 e o escore zero indica isquemia difusa. RESIDÊNCIA MÉDICA – 2019 HOSPITAL DAS CLÍNICAS DE GOIÁS – HCG – GO Uma paciente de 28 anos apresentou cervicalgia que irradiou para hemicrânio direito, com perda visual momentânea desse lado, ao final do parto vaginal de seu primeiro filho. Persistiu com dor periocular direita. O pré-natal fora seguido normalmente, sem intercorrências. Ela entrara para a sala de parto com sinais vitais normais, mas no final do procedimento a PA se alterou ficando 135 x 85 mmHg. No dia seguinte, a paciente apresentou hemiplegia esquerda, com discreta melhora após quatro horas, ficando com hemiparesia esquerda grau 3, proporcionada, completa. Foi a primeira gestação da paciente, que era previamente hígida. Conforme o caso, o mecanismo envolvido no insulto cerebral da paciente é: a) Isquemia cerebral por cardioembolismo. b) Hemorragia subaracnóidea por rotura de aneurisma. c) Hemorragia cerebral por doença hipertensiva específica da gravidez. d) Isquemia cerebral por dissecção arterial. Esta paciente apresenta um deficit neurológico focal dimidiado persistente. Antes do evento, no entanto, ela esteve envolvida numa situação de grande estresse físico que é o parto vaginal. Curiosamente, ao final do parto, ela se queixou de uma dor cervical no lado direito que irradiou para o hemicrânio correspondente, isto é, contralateral ao deficit posteriormente instalado. A que hipótese diagnóstica essa história deve nos remeter? Parece uma dissecação carotídea aguda que se estendeu para a cerebral média, o que justifica todos os sinais e sintomas evolutivos! Vamos lembrar: a dissecção arterial é uma causa incomum de AVC isquêmico, mas deve ser considerada no contexto apresentado. Resposta: D. Tratamento da Hipertensão Arterial A hipertensão arterial até certo valor é benéfica na fase aguda do AVE isquêmico!! A penumbra isquêmica está sendo nutrida por colaterais, que precisam de maior "cabeça de pressão" para receberem fluxo de sangue – ou seja, quanto maior a PA, maior será a perfusão da penumbra! Contudo, a PA não pode se elevar demais, pelo risco de degeneração hemorrágica do AVE, encefalopatia hipertensiva e outras emergências hipertensivas. ■ Assim, não devemos usar anti-hipertensivos nas primeiras 24 horas do AVE isquêmico, exceto se: ❯ PA > 220 x 120 mmHg; ❯ PA > 185 x 110 mmHg nos candidatos à trombólise venosa com rtPA; ❯ Nos casos de hipertensão associada a condições como encefalopatia, IAM, angina instável, dissecção aórtica, Edema Agudo de Pulmão (EAP) e eclâmpsia, estamos diante de emergências hipertensivas: também devemos reduzir a PA imediatamente!!! ■ O tratamento da hipertensão em níveis > 220 x 120 mmHg visa baixar a PA em 15% nas primeiras 24 horas, alcançando PA em torno de 160 x 100 mmHg ao longo dos próximos três dias. ■ O tratamento com alteplase exige PA ≤ 185 x 110 mmHg. Além disso, a PA deve ser mantida em níveis < 180 x 105 mmHg nas 24 horas seguintes ao uso do trombolítico. ■ O anti-hipertensivo de escolha é o labetalol venoso. O nitroprussiato de sódio passa a ser o escolhido quando PA diastólica ≥ 140 mmHg ou pela ausência do labetalol na grande maioria de nossos hospitais. Como vantagem, é uma droga de efeito rápido e facilmente titulável. VIDEO_03_MEDCLM14 RESIDÊNCIA MÉDICA – 2014 HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DE RP DA USP – USP-RP Homem, 75 anos de idade, refere hipertensão e dislipidemia há 20 anos, em uso irregular de enalapril e atorvastatina. Em consulta no PA. HMA: refere tontura e perda dos movimentos de membros superior e inferior à direita há 6 horas. Nega queixa de dor precordial ou torácica, dispneia, cefaleia, tontura, náuseas ou alteração visual no momento. EF: BEG, corado, hidratado, eupneico, afebril, consciente e orientado. Ausculta pulmonar sem alterações. Força diminuída 2+/4+ em membros superior e inferior direitos. FC: 72 bpm; PA: 200 x 110 mmHg. EI: tomografia confirma acidente vascular isquêmico recente à esquerda, sem evidência de sangramentos. A conduta imediata mais adequada em relação à pressão arterial é: a) Metoprolol endovenoso. b) Nitroprussiato de sódio. c) Enalapril via oral. d) Expectante. Estamos diante de um paciente com quadro típico de AVE isquêmico, hipertenso de longa data, sem sintomas de isquemia miocárdica associada. Não há mais indicação de trombolítico, considerando o delta T de seis horas desde o início dos sintomas. Por outro lado, devemos lembrar sempre que a hipertensão até certo valor é benéfica na fase aguda do AVE isquêmico, uma vez que a área de penumbra isquêmica (em torno do parênquima cerebral infartado) está sendo nutrida por colaterais, que precisam de maior "cabeça de pressão" para receberem fluxo de sangue – ou seja, quanto maior a PA, maior será a perfusão dessa região! A regra, nesse caso, é não baixarmos a pressão arterial na fase aguda, a menos que esteja acima de 220 x 120 mmHg. Resposta: letra D. » » RESIDÊNCIA MÉDICA – 2011 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UNIRIO De acordo com o "Guidelines for the early management of adults with acute ischemic stroke" (AHA/ASA), um indivíduo portador de AVE isquêmico agudo, que atende os critérios preconizados para tratamento trombolítico, deve ter sua pressão arterial mantida, nas primeiras 24h após a trombólise, abaixo de: a) 180 x 105 mmHg. b) 140 x 90 mmHg. c) 220 x 120 mmHg. d) 200 x 100 mmHg. e) 130 x 80 mmHg. Existem dois limites pressóricos diferentes quando falamos do rtPA no AVE isquêmico: um para que a droga seja iniciada (≤ 185 x 110 mmHg) e outro para as 24 horas seguintes (< 180 x 105 mmHg).Acreditamos que ninguém seria maldoso o suficiente para colocar ambas as opções numa questão como essa, mas sabe-se lá o que se passa na cabeça dos integrantes das bancas... Resposta: letra A. Outras Questões Importantes A reabilitação inclui fisioterapia motora (primeira passiva e postural e depois passiva, postural e ativa). Um fonoaudiólogo é fundamental para otimizar a recuperação da disartria, afasia e disfagia. Já foi provado em estudos que quanto mais precoce for iniciada a reabilitação, menor sequela neurológica o paciente terá!! E a cabeceira do leito, como deixar? A princípio, só há real necessidade de elevar a cabeceira a pelo menos 30° nos pacientes com aumento da PIC, redução do nível de consciência (pelo risco de broncoaspiração) ou que apresentem descompensação de cardiopatias ou pneumopatias que melhorem com a elevação da cabeceira. Para os demais pacientes, o leito pode ser deixado em posição plana ou com a cabeceira ligeiramente elevada. Outra precaução a ser tomada é a mudança constante do posicionamento do paciente no leito, a fim de reduzir o risco de desenvolvimento de úlceras de decúbito. O que fazer com os pacientes comatosos? Se possível, interná-los na UTI, com provável necessidade de monitorização da PAM invasiva e da PIC (Pressão Intracraniana). A TC de crânio, o hemograma, a curva térmica, os eletrólitos e a glicemia podem esclarecer uma causa secundária de rebaixamento da consciência. Causas de rebaixamento da consciência: ■ Edema do próprio AVE isquêmico (pico em 3-5 dias; mais preocupante nos grandes AVE isquêmicos de cerebral média ou carotídeos hemisféricos, bem como no AVE cerebelar); ■ Degeneração hemorrágica do AVE isquêmico (pico em 12-48 horas; risco em torno de 6%, sendo maior no AVE cardioembólico e com o uso de anticoagulantes ou trombolíticos). A conduta é tratar como um AVE hemorrágico (ver adiante); ■ Crise convulsiva (em 4-10% dos casos, mais comum no AVE cardioembólico); ■ Distúrbios metabólicos: ❯ Nos casos de distúrbios da glicemia, a correção deve ser imediata; ❯ O sódio deve ser corrigido nos casos de hiponatremia com Na+ < 130 mEq/L; ❯ Infecções bacterianas, como pneumonia e pielonefrite, são comuns. Constituem importantes causas de rebaixamento do nível de consciência no AVE, especialmente em idosos. Existe indicação cirúrgica? ■ Pacientes com AVE de cerebelo e importante edema com efeito de massa devem ser submetidos de imediato à neurocirurgia descompressiva da fossa posterior, pois o edema cerebelar pode levar à herniação da amígdala cerebelar pelo forame magno, comprimindo o bulbo e causando apneia. ■ A neurocirurgia descompressiva também tem sido realizada nos AVE de cerebral média ou hemisféricos com grande edema e desvio de linha média, como tentativa de impedir uma herniação transtentorial. Profilaxia Secundária do AVE is quêmico Normalmente, após os primeiros três dias, a área de infarto já se formou e o processo fisiopatológico do AVE isquêmico já se encontra estabilizado na maioria dos casos. Nesse momento, a preocupação central passa a ser a proteção contra um novo AVE isquêmico (profilaxia secundária). A primeira medida é diferenciar o AVE aterotrombótico ou lacunar de um AVE cardioembólico!! Os exames principais que podem auxiliar para esse intuito são o ECG (avaliar fibrilação atrial, flutter atrial ou IAM prévio), o ecocardiograma, o duplex- scan de carótidas e vertebrais e, nos casos inconclusivos, o Doppler transcraniano. Os dois últimos exames podem ser substituídos pela angio-RM e pela angio-TC. ■ A presença de uma condição predisponente (ex.: FA, IAM recente, prótese valvar) ou de um trombo no átrio esquerdo ou VE estabelece o diagnóstico do AVE cardioembólico. Um eco transtorácico normal traz a necessidade da realização de um eco transesofágico em pacientes suspeitos de cardioembolismo (idade < 50 anos, ausência de fatores de risco aterogênicos). ■ A ausência de critérios para cardioembolismo e a presença no duplex-scan de estenose carotídea ou vertebrobasilar estabelece o diagnóstico de um AVE aterotrombótico de vasos » extracranianos. Tenha atenção: a lesão deve ser compatível com o quadro apresentado. Exemplo: estenose de carótida esquerda = AVE à esquerda = hemiparesia à direita, afasia... ■ A ausência dos demais critérios e um Doppler transcraniano positivo indica o raro caso do AVE aterotrombótico de vasos intracranianos. ■ A clínica e o exame de neuroimagem (TC, RM) confirmam o diagnóstico de um AVE lacunar. Conduta no Pós-AVE Cardio embólico Em pacientes estáveis, com infarto pequeno ou moderado, a anticoagulação já poderia ser iniciada após 24 horas da admissão. Todavia, para a maioria e principalmente para aqueles com infartos grandes (NIHSS > 15), transformação hemorrágica sintomática ou hipertensão mal controlada, o recomendado seria adiar para 4-14 dias. Nos portadores de trombos intracardíacos associados à valvopatia ou valva mecânica, a discussão também é grande e ainda mais indefinida, quando alguns autores sugerem uma anticoagulação mais precoce. Anticoagulantes orais devem ser mantidos por no mínimo três meses (em pacientes pós-IAM de parede anterior e acinesia apical) ou indefinidamente (na constatação de FA crônica). Alguns autores recomendam a combinação com AAS em pacientes que tiveram um novo evento tromboembólico em vigência de terapia com cumarínico. Conduta no Pós-AVE Aterotrom bótico Não há necessidade de anticoagulação crônica para este grupo de pacientes, como demonstrou o estudo WARSS, entre outros. A terapia antiplaquetária, por sua vez, é a base da profilaxia secundária. O AAS é a principal opção, ao lado do AAS com dipiridamol de liberação lenta (Aggrenox®) e clopidogrel nos alérgicos ou com intolerância gástrica ao AAS. O dipiridamol é uma droga que inibe a função plaquetária e aumenta a adenosina endógena, promovendo vasodilatação. Outro item é o controle dos fatores de risco para aterosclerose (HAS, DM, tabagismo e dislipidemia). O controle dos fatores de risco aterogênicos é de fundamental importância. Anti- hipertensivos (IECA, tiazídicos em baixa dose, bloqueadores dos canais de cálcio) são indicados para os hipertensos, e o diabetes mellitus deve ser rigorosamente controlado, assim como o tabagismo (parar de fumar é importantíssimo!!). Quanto às estatinas, a maior parte dos neurologistas recomenda o tratamento de alta intensidade, independentemente dos níveis de LDL-colesterol, como já vimos no módulo de Síndrome Metabólica. Quando indicar a cirurgia de endarterectomia carotídea? A endarterectomia carotídea é uma importante medida na prevenção de AVE em pacientes com história de AVE isquêmico ou AIT no território carotídeo! Deve ser indicada para os pacientes que tiveram um AVE isquêmico e apresentam estenose carotídea entre 70-99% na carótida relacionada ao deficit neurológico isquêmico (ex.: hemiparesia esquerda relaciona-se à estenose na carótida direita; afasias correlacionam-se com a carótida esquerda). O procedimento deve ser realizado, de preferência, dentro de 48h-7 dias após o evento cerebrovascular, para pacientes com expectativa de vida > 5 anos. Dados do estudo NASCET indicaram uma redução de 65% no risco de AVE isquêmico nesses pacientes. O benefício parece ser um pouco maior em homens e maiores de 75 anos. O benefício é menor, mas também é observado em homens com estenose carotídea sintomática entre 50 e 69% e evento há menos de duas semanas – porém, a indicação cirúrgica neste grupo ainda não é consenso na literatura especializada. Algumas referências apontam que a estenose deve ser diagnosticada através de exame não invasivo complementado com angiografia – caso não seja possível, recomenda-se associar dois métodos não invasivos. Mais recentemente, destacou-se a técnica da angioplastia carotídea com stent, que está trazendo ótimos resultados e já está indicada como método de escolha em pacientes com critério de endarterectomia, porém com risco cirúrgico proibitivo. Assim como a endarterectomia cirúrgica, não é isenta de riscos,
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