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1 2 Material didático acessível com a utilização dos softwares Google Chrome NVDA VLIBRAS https://www.google.com.br/chrome/browser/desktop/ https://sourceforge.net/projects/nvda/?source=typ_redirect https://chrome.google.com/webstore/detail/vlibras/pgmmmoocgnompmjoogpnkmdohpelkpne?hl=pt-BR 3 Luciane Azevedo Chaves HISTÓRIA DAS AMÉRICAS II 1ª Edição 2017 4 5 Sumário Palavra do Professor autor Sobre o autor Ambientação à disciplina Trocando ideias com o autores Problematizando UNIDADE I AMÉRICA COLONIAL A conquista e a colonização da América Espanhola A aculturação entre espanhóis e indígenas A crise no sistema colonial UNIDADE II AMÉRICA INDEPENDENTE O processo de independência na América Espanhola O desenvolvimento do capitalismo na América Espanhola Os sistemas de governo e o caudilhismo UNIDADE III POPULISMO, DITADURAS E REDEMOCRATIZAÇÃO NA AMÉRICA LATINA. Populismo Ditaduras Redemocratização 6 Explicando melhor com a pesquisa Leitura obrigatória Pesquisando com a Internet Saiba mais Vendo com os olhos de ver Revisando Autoavaliação Bibliografia Bibliografia Web Vídeos 7 Palavras do Professor autor Olá cara (o) estudante, É com satisfação que lhe desejo boas vindas à disciplina História das Américas II. As discussões propostas neste material visam lhe proporcionar não apenas o conhecimento, mas a reflexão em torno de questões pertinentes sobre o período de conquista, de colonização e de independência até o período das ditaduras, dos governos populistas e de redemocratização dos territórios que hoje constituem os países da América Latina. O referido material traz sugestões de leituras no intuito de possibilitar maior aprofundamento sobre o assunto abordado. É importante realizar uma leitura atenta para que possa obter bons resultados nas avaliações tanto discursivas quanto objetivas. Acredito que a leitura realizada a partir desse módulo e das sugestões de leituras de livros e filmes, poderá dar suporte para a construção de seu conhecimento acadêmico enquanto estudante e futuro professor de História. Além da leitura deste material é extremamente importante sua interação no Ambiente Virtual de Aprendizagem com seus colegas e tutor. A autora. 8 Sobre a autora Luciane Azevedo Chaves, mestre em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU, Especialista em História do Brasil pelo Instituto Superior de Teologia Aplicada (2011). Possui graduação em História Licenciatura Plena pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA (2007). Tem experiência na área de História, com ênfase em História Social, atuando principalmente nos seguintes temas: educação; memória e história oral; cultura; trabalho e ensino de história. Atualmente é Professora do Instituto Superior de Teologia Aplicada – INTA no Curso de Graduação em História na modalidade a distância. 9 Ambientação da disciplina Caras (os) estudantes, bem-vindos a disciplina História das Américas II. Nosso material de estudo está dividido em três unidades: Na primeira unidade você poderá entender sobre as relações estabelecidas entre indígenas e espanhóis no período de “conquista” e colonização da América espanhola, bem como os conflitos, lutas e resistências desses povos a dominação espanhola, acompanhado também a expansão e o amadurecimento dos territórios da colônia. Na segunda unidade do módulo, o estudante conhecerá a América durante o processo de independência, bem como a ocorrência de lutas nos principais países da América Latina. As disputas e os embates entre dominantes e dominados são pontos norteadores dessa discussão. Na última unidade do conteúdo, serão abordados os governos populistas e as ditaduras instituídas na América Latina, o período de redemocratização e a situação do país no pós-ditadura. Proporcionar uma qualidade de ensino com excelentes resultados em sua aprendizagem é a nossa maior tentativa de definição para dar significado a este módulo. Cada unidade, conteúdo e indicações bibliográficas foram pensados com critérios bastante selecionados a fim de atingirmos nosso maior objetivo, seu crescimento pessoal e profissional. Bons estudos! 10 Trocando ideias com os autores Convido a você a ler o livro A América Latina na Época Colonial, escrito por John Lockart e Stuart Schwartz. Esse livro contempla estudo da historiografia moderna que trata do período de conquista e colonização dos portugueses e dos espanhóis na América Latina, bem como o processo de independência das colônias espanholas e portuguesas. Suas discussões apresentam uma linguagem atual com relação à América Colonial, apontando semelhanças nos processos de colonização portuguesa e espanhola. Para a construção dessa obra, que teve sua primeira versão em 1983, John Lockartww e Stuart Schwartz analisam o final do século XV até meados do século XIX. SCHWARTZ, Stuart; LOCKHART, James. A América Latina na época colonial. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. Sugerimos também a leitura da obra: A Formação do Estado Populista na América Latina, de autoria de Octávio Ianni. O autor propõe nesse livro uma discussão do Populismo como um fenômeno evidenciando o antagonismo existente entre classes. Não é intenção do autor discutir as especificidades dos governos, dos partidos políticos, movimentos e regimes nacionalistas, mas de perceber o populismo como um fenômeno importante das estruturas de poder, das relações de classes, bem como as relações de caráter econômico e político. É proposta na obra uma análise do amadurecimento do processo de luta das classes em aliança com o populismo e como essas relações sociais de classes aparecem juntamente com a formação do Estado Populista. 11 IANNI, Octávio. A formação do estado populista na América Latina. 2. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. Guia de Estudo: Analise os dois livros e faça um paralelo entre os assuntos abordados nessas obras, correlacionando-os com o conteúdo estudado na disciplina. Faça uma resenha baseada na sua análise e poste no ambiente virtual. 12 Problematizando Com base na leitura sobre redemocratização na América Latina, e percebendo que vivemos um momento de desconstrução da verdadeira democracia em nosso país, partindo da concepção de que democracia implica na luta pela igualdade de direitos de uma sociedade e que num regime de governo democrático o poder pertence ao povo. Podemos dizer na prática que a democracia brasileira está sendo respeitada? Enquanto professor de História, como trabalharia essa discussão em sala de aula? Guia de Estudo: Construa um texto associando o período de redemocratização da América Latina com a realidade do Brasil em termos de democracia. 13 AMÉRICA COLONIAL 1 Conhecimentos Entender o processo de “conquista” e colonização da América Espanhola, as culturas distintas, o espaço de disputas e resistências estabelecidas entre nativos, negros e espanhóis, bem como a crise no sistema colonial que acarretou na luta pela independência dosterritórios colonizados. Habilidades Reconhecer que ao longo do processo de conquista houve a dizimação de grande parte dos povos nativos e que tal projeto de colonização visou interesse da coroa espanhola. Atitudes Estimular o estudante à reflexão da história da formação dos primeiros povos da América espanhola. 14 A conquista e a colonização da América Espanhola O perfil de um “conquistador”, um desbravador de mundos costumava ser aquele capaz de se aventurar corajosamente nos mares bravios, onde junto com sua tropa era constantemente desafiado. O juntamente consigo, um caudilho comandava a tripulação. Com diz J. H. Elliott “[...] um líder, cuja capacidade de sobrevivência seria testada na primeira oportunidade por sua capacidade de mobilizar homens e recursos [...]”. (BETHELL, 2004, p.142). Individualismo e comprometimento com o grupo eram características essenciais para o bom desempenho nas viagens. Esse movimento expansionista reunia todo um projeto que envolvia duas grandes instituições: a Igreja e a coroa espanhola. Quando “conquistada”, as terras estavam sob as ordens da Igreja que entrava com a moral e os preceitos da fé cristã e ao Estado, no qual cuidava em povoar e autorizar a liberação de terras que se tornariam produtivas sendo também cobradas o quinto real pelas rendas adquiridas. A sobrevivência das colônias espanholas dependia da mão de obra, para isso os espanhóis passaram a importá-la de outras regiões. A alternativa encontrada foi da escravização de negros que foi considerada uma alternativa natural diante do problema enfrentado nas colônias. Sendo assim, em 1505 chegara à Ilha de Hispanhola a primeira remessa de negros ladinos. Mas esse tráfico nem sempre foi contínuo, pois o cardeal Francisco Jiménez Cisneros o proibiu, sendo retomado em 1518. Como ocorreu inicialmente o processo de colonização na América espanhola? 15 O processo de colonização iniciado em 1508 já havia se expandido por Santo Domingo e suas ilhas vizinhas, bem como em Porto Rico. Já na Jamaica a colonização ocorreria em 1509, logo depois veio a Ilha de Fernandina, atual país de Cuba. Essa ilha se tornou ponto de referência para o estabelecimento da colonização, sendo o porto de Havana rota de passagem para as índias. Mapa 1: Territórios conquistados pela Espanha No mapa é possível identificar os territórios que foram “conquistados”, melhor dizendo invadidos pelos espanhóis e ingleses, porém se deve voltar à atenção para as colônias que constituíram a América espanhola do século XVII. Entre elas estavam: a Capitania Geral do Chile, o Vice-Reinado da Prata, o Vice- Reinado do Peru, o Vice-Reinado da Nova Granada, a Capitania Geral da Venezuela, o Vice-Reinado da nova Espanha e a Capitania Geral de Cuba. 16 Capitania: Território concedido a um particular nas terras descoberta. No decorrer dos anos de 1492 e 1519 teve-se o período de descoberta, “conquista” e colonização. Leslie Bethel afirma que durante esse período foram intensas e aceleradas as atividades nas colônias. Mas o processo de “conquista” só se concretizou completamente a partir de 1519 até 1540. Esse período de 21 anos foi marcado pela forte presença espanhola no continente americano. O tráfico de escravos por ser um negócio lucrativo continuou existindo para essas colônias que precisavam render lucros a Coroa espanhola. Os negros eram tratados como animais, sem nenhum pudor eram escravizados e submetidos a castigos caso não obedecessem às ordens de seus senhores. Diante disso, tem-se na América espanhola um período marcado por conflitos, disputas de poder e dizimação dos povos nativos. As disputas territoriais foram primeiramente pensadas nas buscas de riquezas como ouro e prata. A colonização foi uma necessidade, pois os gastos nesse empreendimento marítimo precisavam ser convertidos em lucros à coroa. Em 1516 a 1518 o território cubano já havia sido conquistado e logo em seguida foi à vez do México em 1519 a 1522, seguindo para o Norte e Sul do Planalto Central Mexicano. Em 1524 os “conquistadores” seguiram para Guatemala e El Salvador. Vale ressaltar que o processo de dominação do território mexicano ocorreu lentamente. Em 1529 a 1536 o norte e oeste mexicano foram dominados por Nuño de Guzmán, no território de Nova Galícia. Outros pontos estratégicos de dominação foram: o território do Panamá em 1523 a 1524, seguindo para Nicarágua e ao sul do Oceano Pacífico seguiu para o Império Inca ocupado em 1531 a 1533. Na sequência de territórios 17 dominados estava o Peru em 1534 e 1536, logo em seguida foram os territórios da Venezuela, da Colômbia, do Chile, do Paraguai e da Argentina. Ao longo dos anos que se estenderam as expedições dominadoras o processo de conquista em algumas áreas mexicanas ocorreu de forma lenta, porém tomando um contexto geral esse processo ocorreu de maneira rápida e violenta. Como aconteceu de maneira imposta essa dominação se deparou com inúmeras resistências dos povos nativos. Como reagiram os nativos no primeiro contato com os espanhóis? Inicialmente a impressão dos nativos sobre os espanhóis foi de encantamento como diz Bethel: “[...] quando viram os espanhóis pela primeira vez, os índios ficaram maravilhados [...]”.Chamaram os espanhóis de Tucupachas que significa deuses[...]”.(BETHEL, 2004, p.160). Se para os indígenas o primeiro olhar foi de encantamento, para os espanhóis o choque cultural causou-lhes estranhamento. Durante o processo de “conquista” e colonização os espanhóis implantam no território americano o sistema de encomienda, no intuito de arrecadar tributos onde foi explorado o trabalho dos índios. Com o crescimento das colônias espanholas alguns encomenderos se distanciaram dos pontos de exploração de minério, desse modo, passaram a priorizar a comercialização de mercadorias importadas da Espanha. O sistema de encomienda foi algo lucrativo tanto para os espanhóis que habitavam nas colônias como para a coroa. Para Bethell “[...] a encomienda era vista por Cortés como um dispositivo para assegurar aos conquistadores um interesse no futuro de Nova Espanha [...]”. (BETHELL, 2010, p.182). Durante o período de colonização muitos encomederos enriqueceram, mas em alguns locais 18 não era possível acumular cargos como nas áreas centrais, diferentemente do Caribe onde o colono tanto poderia ser um encomedero e ao mesmo tempo possuir um cargo de governante. Para Stuart B. Schwartz e James Lockhart os índios da encomienda não eram considerados escravos, pois em sua concepção o escravo é aquele que é vendido e comprado e que possui um valor de mercado. (SCHWARTZ, 2010). Mas isso não implica em dizer que não tenha havido escravidão indígena, pelo contrário, “[...] a escravidão do índio ocorreu como medida de transição e de emergência [...] os índios que resistiram à entrada dos espanhóis em suas terras estavam sujeitos à escravidão [...]”. (SCHWARTZ; LOCKHART, 2010, p.9). Encomienda: Instituição jurídica implantada pela coroa espanhola para cobrar e controlar os tributos, bem como a exploração do trabalho indígena. Para Schwartz e Lockhart (2010) o projeto de colonização da América espanhola se concentrou em dois pontos no que eles chamam de “flancos de conquista”, começando por Hispanhola, na região do Panamá e seguindo para o Peru, Cuba e México. Essas conquistas se concentravam em áreas indígenas. A partir dessas grandes áreas surgiram às cidades espanholas, ainda durante o processo de “conquista” surgiram às cidades principais, onde havia inicialmente,residências, comércio, porto e outras cidades com áreas indígenas. Havia cidades onde a autonomia indígena continuava existindo paralelo do mundo espanhol. Como exemplo, tem-se a cidade de Tenochitlicán no México. Mesmo diante da colonização espanhola, essa cidade como informa Schwartz e Lockhart possuía “seu governador, conselho, quatro distritos e todas as 19 características de uma corporação indígena [...]”. (SCHWARTZ; LOCKHART, 2010, p.198). Durante o período de pós-conquista, ocorreu certa “preservação” de alguns grupos indígenas, que não tenha havido conflitos e tão pouco porque houvesse um respeito por sua cultura. Alguns grupos estabeleceram acordos com os espanhóis. Esses acordos foram importantes para o fortalecimento da colonização espanhola que manteve estreitos laços com esses nativos como os grupos étnicos nabória- yanaconas. Diante disso, configura-se um cenário constituído de duas culturas distintas, um espaço de disputas e resistências, onde durante muito tempo, até o processo de independência esteve sob o domínio espanhol. É importante pensar que nesse espaço ocorreu o processo de miscigenação e que ambas as culturas influenciaram na formação dos povos latinos. A aculturação entre espanhóis e indígenas No estudo sobre os povos da América no período da conquista é importante atentar para como ficou organizada suas vidas depois da conquista, pois se sabe que quando os espanhóis chegaram ao continente americano, se depararam com cidades de uma beleza arquitetônica jamais vista antes. Durante o período da colonização essas cidades continuaram existindo, agora sob o domínio dos espanhóis. Dentro de sua organização social foram introduzidas atividades que passaram a contemplar as necessidades de uma cidade moderna para aquele período. Essas cidades cresceram e se estabilizaram no decorrer da colonização. Na citação abaixo uma descrição sobre as cidades espanholas a partir do olhar do inglês Thomas Gage. 20 Numa famosa descrição de como encontrou a cidade do México em 1625, o inglês Tomas Gage observa a construção sólida das residências particulares, feitas de pedra e tijolo, além da suntuosidade das igrejas, dos mosteiros e conventos, que proclamavam a grandeza da cidade. As lojas de artesãos e mercadores, que já eram numerosas no período da conquista havia agora se expandindo ao ponto da ampla especialização; perto da praça havia uma rua de ourives de prata, outras de ferreiros, outras de mercadores de seda, e assim por diante. Havia tanta compra e venda na praça central que existia uma alameda ou parque especial onde à alta sociedade podia se reunir e desfilar com seus coches, cavalos e criados bem vestidos de várias origens étnicas. (GAGE, apud SCHWARTZ; LOCKHART 2010, p. 190). Erguida antes da chegada dos espanhóis, a cidade do México foi sendo ampliada a partir de uma cultura europeia. Na descrição de Thomas Gage havia mosteiros, convento e igrejas, isso evidencia uma consolidação do poder da Instituição da Igreja Católica em terras americanas. É descrito também as profissões existente da época como: ferreiros, ourives e mercadores de seda, isso torna evidente que o comércio colonial era bem desenvolvido e diversificado. Outro fator relevante é da intensidade de circulação comercial, quando Gage fala da intensidade do comércio com relação às compras e vendas realizadas na praça da cidade. Esta praça também se constituía como ponto de encontro da elite da época que ia exibir-se com seus coches e cavalos, bem como suas indumentárias dignas de serem exibidas. Na América espanhola havia povos de etnias diferentes, obviamente que ao longo do texto já se foi mencionado sobre alguns desses povos como os índios e os negros. Mas é importante fazer uma reflexão sobre como eram percebidos nas colônias espanholas. Assim sendo, Gage (apud Schwartz e Lockhart, 2010) ao se referir as etnias existentes, as distingue por categorias, sendo assim para ele havia as categorias de espanhóis, negros e índios. Neste espaço de multiculturas havia divisões de mundos, sendo o mundo espanhol constituído por espanhóis e negros. Estes últimos se aproximavam mais do mundo espanhol que os índios. Mas o fato de negros estarem inseridos num ambiente espanhol não os tornavam iguais, porque eles estavam em condições 21 de escravidão e era justamente devido a essa escravidão que os tornavam mais próximos do convívio com os espanhóis. Não havia por parte dos espanhóis uma vontade e muito menos necessidade de fazer parte do mundo dos índios e vice versa. Schwartz e Lockhart (2010) explicam que os negros tinham modos de agir mais próximos dos espanhóis que os índios, e isso também os aproximavam. Quando havia relações diretas entre negros e índios, estes últimos eram colocados em condições de subordinados. Os imigrantes que chegavam eram encaminhados para se juntarem aos espanhóis já estabilizados na colônia. Os colonos veteranos já possuíam um respaldo maior com relação aos recém-chegados. Muitos deles ao longo dos anos conseguiam ascender socialmente, chegando a fazer parte dos grupos dos grandes proprietários de terras. Outros adquiriam pequenos lotes de terras e se tornavam pequenos proprietários e havia aqueles que enveredavam em atividades comerciais. Na colônia espanhola havia a divisão entre os grupos étnicos de espanhóis e os grupos étnicos de índios. Essa divisão social persistiu durante todo o período da colonização. Mas é importante salientar que no mundo espanhol do século XVII a divisão étnica não era algo rigorosamente vivenciado. Schwartz e Lockhart colocam que não havia divisões, como passaram a existir posteriormente, para dividir os grupos de um determinado território como “peninsular” ou “crioulo”. Tudo se constituía apenas no Velho Mundo. No decorrer do processo de amadurecimento das colônias americanas, A população dita hispânica obteve maior crescimento, enquanto a população indígena diminuiu. Mas os hispânicos tenderam a crescer devido ao processo de miscigenação que implicou na mistura de brancos com índios ou negros com índios. Diante disso, “[...] para a sociedade espanhola das Índias Ocidentais foi 22 uma tendência muito profunda crescer a custa das sociedades indígenas [...]”. (SCHWARTZ; LOCKHART, 2010, p. 201). Entre os anos de 1550 e 1650 cidades como Peru e México passaram por transformações. Os ares de colônia foram ganhando formas e cores hispânicas, sendo que os povos indígenas participaram ativamente desse processo. Durante esse período foram construídos mosteiros e igrejas para cada província. A música europeia também influenciou as nações indígenas, bem como na língua náuatle que passou a ser incorporados vocábulos em espanhol. Mas é importante lembrar que esse processo de mistura de culturas ocorreu de forma imposta. Náuatle: Relativo aos náuatles, ou indivíduo desse antigo povo do México; asteca. A partir desse instante a língua espanhola passou a ser importante, disseminando nos principais espaços da colônia. Havia agora duas línguas que se cruzavam, dois mundos distintos, mas ligados por meio da miscigenação. Embora isso tenha acarretado na diminuição do idioma indígena, segundo Schwartz e Lockhart, atualmente ainda existem na região central do México grupos indígenas são praticantes da língua espanhola. Veja a citação a seguir: Nas cidades índias mexicanas veem-se os mesmos tipos de atividade hispânica, ainda mais acentuados, mas não há separação bem definida entre os dois subsetores porque as atividades eram realizadas de forma muito geral. Na verdade, muitas das práticas não eram tão hispânicas, e sim comuns à Península Ibérica e à Mesoamérica do início da era moderna, que tinha mercados especialistas comerciais e algo muito próximo de uma moeda, além de, aparentemente,já conhecer o princípio da compra e venda individual de pedaços de terra. (SCHWARTZ; LOCKHART, 2010, p. 210). 23 Na citação acima Schwartz faz referências às atividades rurais e comerciais praticadas tanto por povos de origem hispânica como indígena. O autor enfatiza que essas práticas foram se intensificando entre os povos indígenas das cidades peruanas e mexicanas (no texto da citação a referência é apenas às mexicanas), mas tais práticas ao longo do tempo se tornaram comuns entre os povos da península ibérica e da Mesoamérica. É importante observar como essas práticas foram se tornando cada vez mais presentes nas vidas dos povos indígenas. Se esses povos resistiram inicialmente ao processo de colonização, em sua continuidade souberam interligar e ao mesmo tempo diferenciar os hábitos espanhóis e indígenas. Obviamente, nesse período a colonização já se encontrava num estágio mais avançado. Até o século XVII, alguns grupos indígenas ainda mantinham hábitos costumeiros praticados antes da chegada dos espanhóis. No campo religioso, por exemplo, ainda existiam sacerdotes e práticas de sacrifícios. Alguns textos sagrados de povos antigos como dos maias foram conservados e até atualizados. Alguns hábitos como o consumo de pulque foram preservados no período da colonização. Essa bebida fora repudiada pelos sacerdotes espanhóis durante o processo de colonização, mas acabou se tornando fonte de economia para colônia que passou a comercializá-la no comércio inter-regional dos povos indígenas. Na indumentária, algumas características do estilo europeu se mesclaram com as dos povos indígenas. Cada grupo trazia consigo as vestimentas peculiares, porém com um leve toque europeu. Enquanto as línguas, o náuatle não se perdeu com a introdução das palavras espanholas. É importante atentar que a cultura espanhola, aos poucos foi se naturalizando entre esses povos, embora preservassem mitos de seus costumes conforme já mencionado. 24 O processo de aculturação ocorrido entre os povos das Américas e os europeus, neste caso os espanhóis, perpassou por momentos de lutas e resistências. Muitos desses povos foram dizimados e aqueles que sobreviveram introduziram em suas culturas hábitos europeus. Quando se fala nessa mistura de culturas, às vezes pode soar como algo impactante, mas, ao longo do processo de colonização os choques culturais foram sendo amortecidos pelas gerações posteriores. Indumentária: Conjunto do vestuário utilizado em determinada época, região ou povo. A crise no sistema colonial O primeiro fator que acarretou a crise no sistema espanhol foi a mistura cultural entre os povos, pois isso refletiu nas formas de se relacionar nas esferas políticas, sociais e econômicas. O aumento de pessoas mestiças, mulatas e mamelucas, também contribuíram para que isso se agravasse, desse modo, as categorias de grupos étnicos foram se modificando em suas definições. Schwartz e Lockhart colocam que a palavra “[...] mulata, utilizada para definir os mestiços de origem africana, foi substituída pela categoria zamba para pessoas que eram metade índias, metade africanas, deixando o termo mulato para os que eram de ascendência espanhola e africana [...]”. (SCHWARTZ; LOCKHART, 2010, p. 268). Outras categorias como “pardo”, em algumas áreas era utilizado para referirem-se aqueles que eram superiores aos “mulatos”, enquanto em outros poderia representar o contrário de tal significação. Schwartz e Lockhart (2010) apontam para a possibilidade, no final do período colonial, de muitos terem optado por mudar sua categoria para se encaixarem nas condições socioeconômicas da época. 25 Nos últimos anos do período colonial, alguns índios demonstravam insatisfação com sua etnia, pois devido às condições em que estavam colocados diante das outras etnias, sentiam-se discriminados. Nesse período, foram intensificados os casamentos de índios com não índios isso porque a união matrimonial era uma alternativa para saírem da condição de subordinados. É importante deixar claro que a mão de obra indígena na América espanhola foi fundamental para o enriquecimento da coroa. Ao contrário do que pensavam, quando os espanhóis chegaram à América se depararam com uma sociedade organizada, possuidoras de costumes, de governo e religião própria. Muitas cidades peruanas e mexicanas se destacaram, novos grupos de grandes proprietários foram se estendendo ao longo desses territórios. As desigualdades sociais se tornaram mais evidentes a ponto de provocarem revoluções que culminaram em lutas pela independência de várias cidades. Outro fator relevante foi o crescimento econômico dessas colônias. A economia se estabeleceu primeiramente nas regiões costeiras e isso contribuiu para o crescimento do comércio de exportação para a Europa. Sendo assim, muitos desses territórios foram ganhando autonomia a ponto de se estruturarem num sistema político, econômico e social mais complexo. As cidades de Buenos Aires, Cuba e Venezuela começaram a se destacar nesse processo de autonomia. Buenos Aires se tornou a capital do Rio da Prata, enquanto Cuba crescia isoladamente. Em 1760 o comércio marítimo das duas primeiras cidades cresceu rapidamente e isso ocorreu devido a sua entrada no livre comércio do império. Na Venezuela a economia se voltou para a exportação de cacau, uma mão de obra que contou com o trabalho dos escravos negros. 26 A influência do iluminismo também contribuiu para novas mudanças no cenário político da colônia hispano americana. As ideias circulavam através de publicações de textos em revistas da época que disseminaram pensamentos libertários. É importante pensar que o conhecimento era uma arma poderosa e naquele período cabia a Igreja juntamente com o Estado estabelecer o controle sob a vida dos indivíduos. A influência francesa continuou tendo efeito com a política do Bourbon que defendia a continuação de um governo monárquico. Uma de suas propostas políticas foi “[...] a preferência dada a espanhóis nascidos na Península em detrimento dos crioulos nas vagas das Audiências [...].” (SCHWARTZ; LOCKHART, 2010, p. 401). Isso implicou numa política que desfavorecia aos crioulos que já se constituíam maioria na colônia e isso era visto como uma ameaça à dominação dos reis Bourbon. 27 AMÉRICA INDEPENDENTE 2 Conhecimento Compreender o processo de independência da América Espanhola, os fatores que acarretaram esse acontecimento, a influência do capitalismo e os sistemas de governo constituídos durante esse processo que implicou em disputas e legitimação de poder entre os grupos dominantes. Habilidades Analisar o processo de independência da América espanhola, suas causas e seus efeitos e as lutas em favor da liberdade dos povos colonizados. Atitudes Instigar o estudante na compreensão das lutas e dos ideais de liberdade entre Colônia e Metrópole. 28 O Processo de independência da América Espanhola O processo de independência da América foi desencadeado a partir de conflitos étnicos. Com exceção do Haiti, as demais colônias da América buscaram sua independência através da iniciativa dos brancos que dispunham de riquezas. Conforme José Del Pozo houve uma mobilização de luta iniciada através de uma classe consciente de seus objetivos, bem como “capaz de elaborar um plano político”. (POZO, 2009, p. 15). Na segunda metade do século XVIII a independência começou a ser pensada a partir de um olhar político. O desencadeamento do processo de independência ocorreu com a participação dos criollos (crioulos), brancos nascidos no chamado Novo Mundo e de homens negros escravos que viviam na colônia francesa de Santo Domingo, atual Haiti.Quais motivos levaram essas colônias a provocarem conflitos com seu monarca? Havia insatisfações por parte dos colonos com questões relacionadas à alta dos impostos, por exemplo, temos o caso da revolta de Quito em 1592. Diante disso, podemos evidenciar uma insatisfação com a forma como vinha sendo conduzida a relação metrópole e colônia. Mas havia também o desejo de um controle maior sob esse território. Desse modo, a dominação sob os povos indígenas foi outro fator que motivou os colonos a alavancarem tais conflitos. Para José Del Pozo o século XVIII foi marcado pelas reformas sociais onde os negros e mulatos livres puderam participar das milícias e comprar as condições pertencentes apenas aos brancos, permitindo-lhes que adquirissem direitos perante a sociedade da época. Mas as mudanças durante este século não agradaram de forma homogênea, muitos colonos demonstraram insatisfação 29 durante os períodos das reformas. Com exemplo, tomamos o caso das Audiências, onde a maioria das cadeiras voltou a ser constituída de espanhóis. O reforço espanhol nas colônias foi ampliado a ponto de levar a expulsão dos jesuítas, isso devido à ameaça que a ordem provocou a corte, pois a influência da Igreja havia crescido bastante durante o período da colonização. Pozo informa que “[...] no México, dos 680 membros da ordem apenas 180 eram europeus [...]” (POZO, 2009 p. 19). Com esses números podemos perceber que havia uma enorme influência religiosa nas colônias, tanto é que o processo de expulsão provocou protestos violentos que acarretaram em punições como enforcamento. É importante deixar claro que o processo de expulsão não aconteceu de forma igualitária em todas as colônias da América, pois no Brasil ao contrário do México, não houve revolta da população com a expulsão dos jesuítas. A independência dos Estados Unidos (1776) e a Revolução Francesa (1789) contribuíram para que as colônias europeias amadurecessem o processo de independência. Mas esses não foram os fatores determinantes da independência das colônias espanholas. Desse modo, anos depois, o que culminou o enfraquecimento do monopólio espanhol e nesse caso o português sobre essas colônias foram as “guerras napoleônicas”. A partir de 1796 a Inglaterra passou a enviar navios aos territórios das colônias espanholas, desse modo, as informações sobre a república foram fazendo parte dos pensamentos de liberdade dos colonos. Outro fator que despertou o sentimento de luta pela independência foi o fato da Inglaterra atacar Buenos Aires e Montevidéu. Segundo Pozo (2009) essa invasão despertou nos criollos a consciência nacional o que findou no final do século XVIII para a formação de movimentos de luta pela independência. 30 A Revolução Francesa influenciou fortemente na independência do Haiti (colônia deste país). As ideias de igualdade de direitos entre colonos brancos e homens negros e livres repercutiram na colônia francesa, despertando o sentimento de luta pela efetivação de tais direitos. Mas essas ideias provocaram o descontentamento de colonos brancos que não concordavam com tais mudanças. Essa insatisfação acabou em conflitos nessa colônia também conhecida com Santo Domingo. Embora a França tenha dado a liberdade aos seus escravos em 1793, os conflitos continuaram a existir, pois os franceses temerosos em perderem seu domínio sobre Santo Domingo buscaram negociações com os ex-escravos para não perderem o controle da colônia. A luta em torno da independência resultou na prisão e morte do líder dos negros Toussaint Louverture, porém isso não inibiu a luta pela liberdade e as resistências aos ataques franceses continuaram. Alguns fatores favoreceram a derrota dos franceses como as doenças tropicais e o bloqueio continental inglês que impediu a chegada de mais reforços europeus. Desse modo, em 1804, o novo comandante da tropa criolla Jean Jacques Dessalines conseguiu juntamente com seus companheiros proclamar a independência de Santo Domingo que passou a ser chamado de Haiti. Embora a independência do Haiti tenha ocorrido em 1804, somente vinte anos depois foi reconhecido pela França como país independente. Entre os anos que antecederam a oficialização da independência, os haitianos se depararam com um período conturbado, pois com o assassinato de Dessalines em 1806 o governo deste país ficou dividido, sendo administrado por Henry Cristophe no norte e Alexandre Pétion no sul. Podemos entender que a luta dos criollos pela independência do Haiti repercutiu para as demais colônias. De forma positiva ela pode incentivar os negros escravos a lutarem pela sua liberdade, porém o desgaste sofrido ao longo 31 desses anos deixou os criollos de colônias como Cuba, Porto Rico e Santo Domingo espanhol, temerosos com relação ao desgaste sofrido na luta pela independência. Mapa 2: Movimentos de independência Mas afinal, qual foi fator determinante que ocasionou o processo de independência da América espanhola? A invasão da Península Ibérica pelas tropas de Napoleão Bonaparte entre os anos de 1807 e 1808 determinou o início do processo de independência. Com a invasão efetivada o Rei Carlos IV se viu obrigado a abdicar do trono espanhol juntamente com seu filho Fernando VII (próximo na linha de sucessão), favorecendo assim o trono a Napoleão. É importante salientar que no caso de Portugal, isso não ocorreu, pois a família real portuguesa fugiu para o Brasil em 1808. 32 Devido à ausência de um rei, a Espanha se deparou com uma crise política que culminou para a destituição da autoridade monárquica e a formação de juntas de governo. Diante disso, enquanto o rei se encontrasse na prisão essas juntas atuariam como autoridade máxima. Isso significou a resistência da população em se submeter ao domínio francês. O governo dos criollos predominava apenas em algumas colônias, pois a organização de tais juntas não significou uma proclamação de independência, mas um compromisso assumido em governar em nome do rei enquanto estivesse na prisão. Porém, é importante salientar que esses acontecimentos abriram caminhos para mudanças e melhorias na vida dos criollos. . Nas demais colônias as lutas armadas e lideradas pelos criollos na América da região Sul do continente aconteceram a partir de 1811. Essas lutas estouraram devido às desconfianças por parte de criollos e espanhóis, pois as insatisfações entre tais povos aumentaram gradativamente, culminando para um conflito armado. A partir desses conflitos Buenos Aires foi perdendo o monopólio das colônias. O Paraguai proclamou-se independente ainda em 1811, pois segundo Pozo se encontrava em vantagem devido a ser uma colônia isolada, assim como a outras rebeliões que havia enfrentado em outras épocas e isso despertou o sentimento de nacionalismo. (POZO, 2009). O Uruguai, localizado na Banda Oriental, também já havia despertado o sentimento de luta pela liberdade e passou a reivindicar seus territórios que estavam sob o controle de Buenos Aires. As lutas armadas da banda Oriental se estenderam até 1820 e isso incluiu a luta em defesa do território que fazia fronteira com o Brasil. 33 Em 1818, após os conflitos militares e civis, que acarretou no exílio de muitos patriotas após serem derrotados na batalha de Rancagua, o Chile proclamou sua independência. Essa retomada do poder dos patriotas sob os espanhóis ocorreu logo após a repressão sofrida pelo criollos que foram acusados de apoiarem os patriotas. Diante disso, em 1817 formou-se um exército em Mendoza e assim O’ Higgins sob o comando de José de San Martin entre outros exilados, lutaram contra os realistas e retomaram o poder dos patriotas. É importante salientar que no Chile os patriotas eram divididos entre aqueles queacompanhavam José Miguel Carrera e Bernardo O’ Higgins. Ambos eram líderes chilenos e apesar das suas divergências políticas, lutavam contra o domínio espanhol. Veja na citação a seguir o que Pozo fala a respeito das guerras alavancadas nesse período. A luta foi ainda mais longa e encarniçada no antigo vice-reinado da Nova Granada. Tanto na Colômbia quanto na Venezuela, os patriotas estavam divididos, uma vez que diversas cidades importantes elegeram autoridades próprias, sem obedecer às instruções de Bogotá ou de Caracas. Ademais, os patriotas tiveram escasso sucesso ao buscarem o apoio dos negros e mulatos, pouco entusiasmados com a perspectiva de lutar ao lado de quem os dominava [...]. Assim como em outros lugares, as lutas pela independência foram verdadeiras guerras civis, pois os espanhóis eram uma minoria no campo realista. (POZO, 2009 p. 31). A pesar de Pozo (2009) se referir inicialmente ao vice-reinado de Nova Granada, um fator importante a ser observado é que essas guerras eram muito mais intensas entre os civis e isso causava grandes divergências, pois cada cidade possuía seus representantes. A Venezuela pôde vivenciar a república pela primeira vez entre os anos de 1811 e 1812. Tal experiência não ocorreu de forma positiva devido à derrota dos patriotas pelos realistas. Dentre os líderes que tiveram forte influência na luta pela independência da América espanhola podemos citar Simón Bolívar. Simón Bolívar: É considerado por alguns países da América Latina como um herói, visionário, revolucionário, e libertador. 34 Durante a luta pela independência, Bolívar se deparou com fracassos, porém conseguiu libertar a Venezuela e a Colômbia, para isso contou com a ajuda militar de ingleses e irlandeses. Um fator que contribuiu para a vitória dos patriotas foi à desvantagem dos espanhóis que se viram fracos diante das doenças contraídas na América. E assim, após a vitória na batalha de Boyacá, no ano de 1829 foi organizado um congresso com o objetivo de criar a Grande Colômbia que passou a ser formada pelo que hoje são os países da Colômbia, da Venezuela, do Panamá e do Equador sendo Bolívar proclamado presidente desses países. Mas, a libertação desses territórios dos domínios espanhóis só se concretizou após a vitória do general Antônio José de Sucre na Batalha de Pichincha em 1822. Porém isso ocorreu parcialmente, pois os espanhóis tentaram reaver os territórios ocupando onde se localiza hoje a cidade de Lima, capital do Peru. As tropas comandadas por Sucre tiveram vantagem e adquiriram a vitória de Junín e Ayacucho e em 1824 as tropas realistas foram derrotadas. Embora tenham resistido até 1826, pois acreditavam que deveriam “[...] defender a honra espanhola e pela vaga esperança de receber reforços da Espanha”. (POZO, 2009, p. 34), os espanhóis não obtiveram nenhum domínio sobre os territórios da América. Desse modo, dos territórios de fronteira entre Lima e Buenos Aires, onde já existiam disputas territoriais entre as duas cidades, foi fundada Bolívia cujo nome é uma homenagem ao líder libertador Simon Bolívar. E na região oriental o território que provocou a guerra entre Brasil e Buenos Aires veio a se constituir em 1828 o Uruguai. Através do quadro abaixo, é possível perceber como ocorreu o processo de independência das colônias na América espanhola. Quadro 1 As vias para a independência: situações nacionais 35 País Via seguida Início do processo Proclamação da independência Obtenção real da independência América Central Pacífica 1821 1821 1821 Argentina* Luta armada 1810 1816 1810 Bolívia Luta armada 1809 1825 1825 Brasil Combates limitados 1822 1822 1822 Chile Luta armada 1810 1817 1818 Colômbia Luta armada 1810 1819 1819 Cuba Persistência da condição colonial Equador Luta armada 1809-1812 1822 1822 Haiti Luta armada 1791 1802 1804 México*** Mista 1810 1821 1821 Paraguai** Luta armada 1810 1811 1811 Peru Luta armada 1814-1815 1821-1824 1821 1824 Porto Rico Persistência da condição colonial Não corresponde Rep. dominicana Persistência da condição colonial e ocupação pelo Haiti Uruguai** Luta armada 1810 1825 1828 Venezuela Luta armada 1810 1811 1821 Fonte: POZO, José Del. História da América Latina e do Caribe: Dos processos de independência aos dias atuais. 36 * Na época, o país chamava-se “províncias Unidas da América do Sul”. ** País no qual a independência foi não só da Espanha, mas também de Buenos Aires (caso Paraguai) ou do Brasil (caso do Uruguai). *** No México houve um processo de luta armada, mas a independência foi obtida por meios institucionais. Pensar no processo de independência implica em refletir alguns pontos que não podemos deixar de lado como o fato de tal independência ter sido conduzida pela elite branca. A família de Bolívar, por exemplo, era uma das mais ricas da Venezuela, O’ Higgins era filho de um grande fazendeiro que possuía propriedades no Sul do Chile. Outros pertenciam a famílias do Antigo Regime. Desse modo, os líderes da independência não pretenderam realizar transformações sociais, e aqueles que possuíam tais ideais, foram excluídos de tal combate. Podemos dizer que o princípio de igualdade foi algo afirmado apenas em teoria e a democratização dos direitos políticos e da cidadania caminhava em lentos passos. Mas é importante lembrar que embora não tenha ocorrido uma transformação por completo na sociedade, o processo de independência proporcionou a abertura para a ocorrência de avanços futuros desses países. O desenvolvimento do capitalismo na América Espanhola Desde o período colonial a agricultura se destacava como principal fonte econômica, devido ao fato da grande maioria da população viver no campo. Isso foi positivo para a época, pois durante o período dos conflitos, as guerras em favor da independência provocaram o declínio da mineração e do comércio. Isso permitiu maiores investimentos o que ocasionou no enriquecimento da elite. Nesse período, o café obteve destaque no Brasil, onde já era cultivado desde o período colonial. Na Venezuela, na América Central e na Costa Rica o café também teve destaque na economia. Na Argentina, o investimento econômico girou em torno da pecuária ovina, iniciada em 1830. Ao longo dos 37 anos, essa atividade obteve um elevado crescimento e isso garantiu o aumento nas exportações de lã. Afinal, havia terra para tantas atividades rurais? José Del Pozo informa que a demanda de novas terras na maioria das vezes não se fazia necessário, pois algumas atividades cultivadas em determinados terras eram retiradas daqueles territórios para dar lugar à produção de novos produtos. Mas, havia as tradições que continuaram fazendo parte da cultura latino americana. Até 1920 o consumo de bebidas era um hábito costumeiro como informa Fanny. Calderón de La Barca (apud POZO, 2009, p. 74) O maguey é uma fonte de seguros benefícios, pois seu consumo é enorme, tanto que muitas famílias ricas da cidade devem sua fortuna ao produto de seus mayengues. Quando seus proprietários não fabricam o pulpe, vendem as plantas aos índios: um maguey, que no momento do plantio custa um real, pode ser vendido por doze a dezoito pesos quando está no ponto de corte, lucro que merece ser levado em consideração já que a planta dá em quase qualquer terreno, requer pouco adubo e, ao contrário do que ocorre com o vinho, quase não precisa de cuidado. Podemos perceber que as culturas tradicionais atingiam seu auge, se perpetuando por longos tempos. Outras culturas como a cana-de-açúcar cultivada em Porto Rico e Cuba teve um período de grande produção entre os anos de 1839 e 1800. Isso pôde ser percebido também nas exportações, chegandoa representar como informa Pozo 15% da produção mundial no ano de 1839 e 23, 6% em 1875. O aumento de uma produção requeria uma demanda maior de terras, para isso, foram desmatadas vastas áreas no intuito de inserir novos plantios. Essa necessidade de novos plantios ocorreu devido à ampliação do mercado de consumidores norte americanos. Já nas Antilhas britânicas não houve aumento na produção de açúcar porque havia uma forte concorrente, a beterraba açucareira europeia. 38 E a mineração? Como ficou essa atividade no cenário industrial? Não podemos negar que nos primeiros anos de independência essa atividade registrou declínio, isso devido à diminuição de mão de obra e a falta de capital com a saída dos investidores espanhóis, porém essa atividade, desenvolvida deste o período colonial. Embora as exportações desse minério tenham caído, algumas minas continuaram sendo importantes, obtendo significativos números. No Norte do Chile, por exemplo, havia a mina de Chañarcillo e as de cobre de Tamaya. Conforme Pozo, no século XIX, este país foi considerado o primeiro produtor mundial de cobre, desse modo, 40% das exportações iam para a Grã-Bretanha. “A sua produção crescera de 2.000 toneladas anuais em 1830 para um máximo de 51.000 em 1869 [...]”. (POZO, 2009 p. 75). Ao contrário do Chile, o México sofreu forte queda na produção de prata, onde somente em 1850 pôde ter seus níveis de produção equivalentes ao período colonial. Não se pode deixar de enfatizar que essas explorações foram motivos de conflitos entre Peru, Bolívia e Chile, regiões de exploração de salitre e zona de conflito entre Peru e Bolívia, acarretou numa guerra entre estes países em 1879. Salitre: São sais de nitrato de sódio ou de potássio semelhantes ao sal de cozinha. É extraído de regiões do Chile, Peru e Bolívia. Geralmente encontrado em alimentos industrializados como salsichas, linguiças, entre outros. O consumo em excesso pode provocar danos à saúde. Em meados do século XIX, a produção de guano proporcionou rendas relevantes ao Peru, tanto é que a exportação deste adubo para o mercado europeu possibilitou a este país realizar o pagamento de indenizações aos donos de escravos, isso acarretou no fim da escravidão negra nesta. 39 Guano: São fezes de aves, entre elas de morcegos, atobá peruano, cormorão e o pelicano alcatraz. Elas são extraídas de ilhas peruanas e é considerado um adubo de primeira qualidade. Naquele período, em países como o Brasil a atividade industrial se fez presente com a implantação de fundições de ferro e de estaleiros. Mas foi no Paraguai que a produção industrial do ferro obteve maior destaque, porém esta produção declinou após a guerra de 1865-1870. Já no Equador e no México e nas regiões da Guatemala e Puebla do México a produção têxtil obteve maior respaldo isso devido a tradicional confecção de pano e de roupas. Sua produção era destinada ao mercado de consumo interno, pois seu mercado de vendas era estável e nem mesmo os tecidos importados abalavam suas vendas. A independência dos países latinos americanos possibilitou a comercialização direta com o mercado externo. Sendo assim, podiam comercializar livremente com os principais centros consumidores assim como importar mercadorias. Mas vale ressaltar que foram adeptos a essa política comercial. Havia um temor da entrada de produtos importados em larga escala, pois isso para alguns países, era visto como uma ameaça a sua economia artesanal. De todo modo, a demanda externa acabou impulsionando as atividades produtivas. Se por um lado a demanda externa foi um fator positivo para os países afetados com as guerras pela independência, por outro, a referida demanda não se apresentou de maneira igualitária para todos que aderiram ao comércio exterior. Países como Chile, Argentina e Brasil tiveram suas exportações aumentadas, enquanto o Peru aumentou apenas cinco vezes e o México 20 %. 40 O investimento na construção de ferrovias foram os que mais contribuíram para as atividades de exportação, assim como para a ampliação dos mercados internos. Em 1837, foi construída em Cuba a primeira estrada de ferro da América Latina, e depois vieram mais investimentos para a ferrovia em países como Peru, Chile, México, Brasil e Argentina. No Chile a ferrovia atuou no transporte de minério de prata, desse modo, é possível perceber a importância desse investimento para o setor de comércio exportador. A criação de bancos contribuiu expressivamente para a economia da América Latina. Os primeiros países a serem implementados foram Brasil e México. Com o apoio estrangeiro vieram também os bancos particulares que surgiram em diversos países como o banco inglês South American Bank. “A modernização dos transportes, o surgimento dos bancos e o aumento da produção em geral reforçaram a orientação capitalista dos centros produtivos [...].” ( POZO, 2009, p. 78). Embora tenha ocorrido significativas mudanças no modo de trabalho dos latinos americanos, ainda existiam trabalhos semiforçados. Havia a introdução de novas tecnologias e um modo de vida pautado no sistema capitalista, porém, ainda existiam países com a prática da escravidão negra e índios realizando atividades forçadas. Não pretendo dizer que o capitalismo seria a saída para a melhoria nas condições de vida desses povos e tão pouco, acabaria com a escravidão negra e com os trabalhos forçados, pois é sabido que o sistema capitalista gera desigualdades sociais e favorece o enriquecimento de uma pequena parcela da população. Apenas estou evidenciando as mudanças que ocorreram com o processo de independência e a implantação do sistema capitalista em países que antes 41 viviam num sistema colonial, considerado por alguns pesquisadores como um período em que ainda se perpetuavam práticas feudais. Muitos empresários continuaram alimentando a existência da escravidão e, ao mesmo tempo em que investiam em maquinário nesses países, mantinham também o trabalho escravo negro. Conforme Pozo, em Cuba, Porto Rico e Brasil os negros se concentravam como principal mão de obra do setor agrícola. Até 1861, os trabalhadores escravos cubanos faziam parte da grande maioria da população. (POZO, 2009). Em alguns lugares existia aquele trabalhador livre, mas apenas na teoria, pois na prática estava submetido ao seu patrão devido às dívidas que havia contraído. No Chile existia o inquillino que recebia um pedaço de terra ou podiam usufruir do pasto, vale relatar que esses “benefícios” entravam como parte de seu salário. No rio da Prata, na Argentina e no Uruguai foi estabelecido salários acima da média para os peões que permanecessem nas terras de seus patrões, porém muitos não se acostumaram a uma vida estática. Vida estática: paralisada, imóvel, sem progresso, que está parado... O fato é que a elite sempre buscou mecanismos para manter esses trabalhadores presos a um sistema de trabalho fosse escravo ou servil. Nesses últimos casos, por exemplo, foram estabelecidas leis governamentais para obrigar tais trabalhadores a permanecerem no campo. E assim, se perpetuava o mandonismo e as desigualdades sociais entre os povos da América Latina. Mandonismo: Que tende a mandar em quaisquer situações, geralmente, utilizando-se de prepotência e uso exagerado do poder. 42 Os sistemas de governo e o caudilhismo Na América Latina poucos países permaneceram como regime monárquico, aqueles que permaneceram tiveram curtos períodos, mas isso não foi o caso do Brasil que manteve esse regime com a proclamação da Independência por Dom Pedro II e assim, seguiu o país como uma monarquia independente até 1889. Como se configurava o poder do Estado no século XIX? O Estado não possuía poder máximo como nos dias atuais.Pensar o Estado naquela época é perceber um governo pequeno, com orçamentos baixos e inexistentes de impostos. Seus ministérios eram reduzidos em: Justiça, Fazenda, Guerra e marinha. As repúblicas e as monarquias governaram no século XIX pautadas ou no conservadorismo ou no liberalismo. Os conservadores defendiam a influência da Igreja Católica e eram contrárias as imigrações estrangeiras, enquanto os liberais abominavam os poderes dessa Instituição religiosa, pois acreditavam que ela dificultava o progresso social. No caso da migração estrangeira, poderia trazer desenvolvimento para o país, da mesma forma que apoiavam também a abolição da escravatura. Veja o que “Pozo” diz a respeito ao papel exercido pela Igreja Católica na América Latina. A Igreja Católica desempenhava um papel político de primeira linha. Na grande maioria dos países, inclusive naqueles governados por liberais, a lei estabelecia o catolicismo como religião oficial do Estado e única que podia ser praticada em público. A constituição argentina de 1853 especificava que o chefe do Estado devia ser necessariamente católico. Isso implica que o Estado considerava delito o desrespeito aos preceitos fundamentais da Igreja, como ficou provado no caso de Camila O’ Gorman, a jovem que se apaixonou pelo sacerdote jesuíta Ladislao Gutiérrez na Buenos Aires de 1842. O romance teve final trágico, pois o governo de Rosas mandou perseguir, prender e fuzilar o casal por ter desrespeitado o sagrado juramento do sacerdócio. (POZO, 2009, p. 83). Ocorria uma troca de favores entre igreja e Estado, eis então o motivo que favorecia a esta instituição o poder de tomar atitudes enérgicas e cruéis contra daqueles que fossem contrários a suas leis. Mas a Igreja foi perdendo ao longo 43 dos anos controle sobre a vida pública. Nos anos de 1880 e 1890 no Chile já não exercia o controle sobre o registro civil, o casamento e os cemitérios. Coube então ao Estado assumir tal responsabilidade. O ensino religioso deixou de ser obrigatório na Argentina de 1884. Dependendo da posição social e da forma de morte, cabia a Igreja determinar quem deveria ser sepultado e de que forma deveria ser os ritos fúnebres. Suicidas, protestantes e pagãos não tinham direitos a ritos fúnebres e nem a serem sepultados nos cemitérios. Mas a diminuição de sua influência não foi unânime em todos dos países da América Latina. Alguns deles, pelo contrário, fortaleceram os laços com a Igreja como foi o caso da Colômbia que atribuía privilégios a essa Instituição religiosa, a obrigatoriedade do ensino religioso e a legitimidade do casamento católico continuaram presentes no cotidiano deste país. Durante o século XIX a política oligárquica se fez presente. Nesses governos sua principal característica era a concentração de poder nas mãos de um pequeno grupo de pessoas constituídas da mesma família. As oligarquias governaram por longos anos, realizando um revezamento de poder que pode ser evidenciado, por exemplo, no Chile onde o sucesso do presidente José Joaquim Prieto (1831-1841), foi o General Manoel Bulnes, no qual era seu sobrinho. Da família Errázuriz foram eleitos três presidentes: Frederico Errázuriz Zañartu, seu filho Frederico Errázuriz Echaurren e o primo Germán Riesco Errázuriz, entre outros políticos pertencentes à referida família. Alguns políticos conseguiam se eleger mesmo estando ausentes foi caso de Domingos Faustino Sarmiento em 1868 na Argentina. Mas essas oligarquias nem sempre conseguiram concentrar seu poder, pois a América Latina por vários momentos esteve governada pelos caudilhos, que não pertenciam nem a ala conservadora nem a liberal. 44 Os caudilhos não pertenciam a uma determinada classe social. Havia aqueles que vinham de famílias com poder aquisitivo mais elevado como o caso de Juan Manuel José Domingo Ortiz de Rosas de Buenos Aires, outros vinham de famílias que não possuíam poder aquisitivo como mestiço Rafael Carrera que governou a Guatemala de 1838 a 1835. Outro exemplo foi o do peão venezuelano José Antônio Páez. Para compreender melhor a respeito dos caudilhos veja a reflexão de Frank Safford (2001 p. 354). Designa de modo geral aquele que usa a violência ou de ameaça de violência para fins políticos – seja um oficial da milícia ou ainda um civil a cavalo que comande a milícia ou forças irregulares na luta política, ou (mais amplamente) um líder essencialmente civil que usa da repressão violenta (como nos casos do Dr.Francia, no Paraguai, ou de Diego Portales, no Chile). Antes de 1840, a maioria dos homens que atualmente chamamos caudilhos eram indivíduos que haviam realizado algum feito militar antes de iniciarem suas carreiras políticas – soldados das lutas pela independência ou comandantes das milícias provinciais, como Juan Manuel de Rosas, que ganhou ama no combate aos índios (SAFFORD, 2001, p. 354). Nesse trecho é possível evidenciar que a presença do militarismo era uma característica dos caudilhos que surgiram no período das guerras pela independência. Para eles o poder se configurava através da violência e isso os levou a ascensão social através da política. Para muitos a ascensão social e riqueza pessoal era um fator importante, como exemplo é possível citar o caudilho mexicano Santa Anna que esteve sete vezes na presidência. O caudilhismo foi um acontecimento social com características peculiares que variavam entre cada região. Um fator importante a ser mencionado é que não era comum um caudilho confrontar as oligarquias. Isso evidencia que os pequenos grupos oligárquicos familiares continuaram comandando as áreas sociais, políticas e econômicas. As disputas territoriais e políticas entre os caudilhos locais começaram logo após as Províncias do Rio da Prata saírem sob a dominação espanhola. 45 Dentre os caudilhos que participaram dessas disputas de poder ganharam destaque, Manuel Oribe e Fructuoso Rivera. Seus enfrentamentos acarretaram no envolvimento de alguns países estrangeiros. Somente em 1850 esses conflitos abrandaram os ânimos, onde nesse período o Uruguai teve que se desfazer de boa parte de suas vastas propriedades, vendidas aos estrangeiros e inclusive para o Brasil. Dentre os países latinos foi na Argentina que o caudilhismo se tornou mais fervoroso. Durante longos anos o Estado encontrou-se fragmentado e isso só se estabilizou em 1860. Para se ter uma ideia de como funcionava esse governo fragmentado, em 1830 a Argentina federalista era governada por três caudilhos: Facundo Quiroga, Lopez e Juan Manuel de Rosas. Desses três governos, Rosas foi aquele que mais tempo permaneceu no poder, isso ocorreu devido ao falecimento de Quiroga e Lopez. Desse modo, Rosas governou Buenos Aires entre os anos de 1829 e 1832 e de 1835 a1852. Seu governo possuía características autoritárias tendo o hábito de perseguição a inimigos políticos. É importante enfatizar que a política de Rosas pautava-se em ideias de caráter liberal e não no federalismo. Sua administração ficou centralizada na Província de Buenos Aires a qual já governava. No decorrer de seu governo defendeu uma política em favor dos grandes latifundiários. A partir de então se evidencia uma política voltada em benefício de um pequeno grupo. No Paraguai, ao contrário da Argentina e do Uruguai, não se fragmentou, porém houve a presença de uma ditadura que se estendeu por todo o território. O criollo José Gaspar Rodríguez de Francia estabeleceu um regime ditatorial que inibiu a existência de grandes latifundiários. Francia governou de 1813 até 1840, recorrendo sempre violência para legitimar seu poder. 46 Com o fim do governo ditatorial de Francia novos governos centralizadores se ergueram como o de Carlos Antônio López e de seu filho Francisco Solano López. Durante o governo de Solano Lopeza resistência de alianças com os argentinos e brasileiros provocaram conflitos armados que alavancou na guerra do Paraguai. Os caudilhos argentinos possuíam interesses nos territórios paraguaios, pois pretendiam fortalecer o liberalismo e centralizar os poderes dos países do Rio da Prata. Isso não era interessante para Solano Lopez, que não pretendia unir-se aos países vizinhos. Seu objetivo maior foi de fortalecer seu governo com armamentos e exércitos militares. O governo paraguaio proibiu a circulação de embarcações dos países vizinhos pelo Rio da Prata (rios Paraná e Paraguai) e isso intensificou as insatisfações do Brasil e da Argentina que pretendia trafegar pelo rio afim facilitar as relações comerciais. Na verdade o Paraguai temia uma invasão em seus territórios. O envolvimento do Brasil em questões políticas também era um agravante, pois o Paraguai discordou de seu envolvimento nos conflitos internos no Uruguai em 1864. Mapa 3: Países da Tríplice Aliança 47 Disposto a combater o Brasil, o Paraguai buscou adentrar em suas terras através dos territórios argentinos que seguiam pelo Mato Grosso. Esses conflitos alavancaram em 1864 a 1870 uma Guerra do Paraguai. Essa guerra ocorreu entre os países da Tríplice Aliança formados pela Argentina, Brasil e Uruguai (apoiados pela Inglaterra) contra o Paraguai. As consequências dessa guerra não foram satisfatórias para estes países que saíram endividados com a Inglaterra (foi o caso da Tríplice aliança). O Paraguai foi o mais prejudicado, pois teve que ceder parte de seus territórios para Argentina e Brasil. É importante enfatizar que ao longo da história da América Latina os conflitos políticos, econômicos e territoriais se fizeram presentes. Cada país com suas peculiaridades se desorganizaram. Desde a colonização tais territórios se configuraram em áreas de disputa, primeiro entre as nações estrangeiras e depois, com a independência, surgiram novos conflitos entre os países vizinhos. Diante disso, pensar na construção histórica desses países implica em perceber suas problemáticas, suas limitações e suas dependências tanto no campo político, como econômico, religioso e social. As disputas de poder e os regimes ditatoriais, os grupos liberais e conservadores contribuíram para despertar a fúria dos inimigos. 48 POPULISMO, DITADURAS E REDEMOCRATIZAÇÃO NA AMÉRICA LATINA. 3 Conhecimentos Refletir sobre o fenômeno do populismo, as ditaduras e a redemocratização na América Latina. Habilidades Analisar o contexto histórico em que foram constituídos os governos populistas com as massas sociais e a luta contra as ditaduras em favor da democracia. Atitudes Estimular o desenvolvimento crítico do estudante em torno desse episódio histórico carregado de lutas conflitos e disputas de poder. 49 Populismo Esse fenômeno político se caracteriza pela mudança ocorrida na sociedade, antes constituída de características tradicionais, sofreu alterações e passou a ser de tradicional a moderna. Tal modernismo surgiu em 1950, sob a influência do pensamento norte-americano que disseminou a teoria da modernização. Naquele período o populismo passou a ser sinônimo de evolução, sendo assim, representou uma fase de transição de uma política e economia tradicionais para uma sociedade moderna, nesse caso, essa modernidade surgiu na América Latina com a implantação de instituições capitalistas. Assim sendo, a morte de líderes populares não significou que esse fenômeno deixasse de ser presente na política. Como no caso de Juan Domingo Perón, com o peronismo na Argentina, Lázaros Cárdenas Del Río com o cardenismo no México, José Maria Velasco Ibarra com o velasquismo no Equador,Getúlio Dorneles Vargas como Varguismo no Brasil entre outros. Veja abaixo tabela sobre os fenômenos dos governos populistas da América Latina. Refletindo: Essa maneira de interpretar o populismo como uma transição de uma “sociedade tradicional para uma sociedade moderna” tem como precursor o Sociólogo Gino Germani que realizou estudos sobre o populismo do governo de Juan Domingo Perón (o peronismo) na Argentina. 50 Quadro 2: O populismo na América Latina LÍDER POPULISTA FENÔMENO PAÍS ANO José Batlle E Ordóñez; Battlismo Uruguai (1903-1907 / 1911-1915) Juan Hipólito Yrigoyen Juan D. Perón Yrigoyenismo Peronismo Argentina (1916-22/1928- 30) (1946-52/1952- 55/ 1873-74) José Maria Velasco Ibarra Velasquismo Equador 1934-35/ 1944- 1947/ 1952- 1956 / 1960-61 1968-1972 Getúlio Dorneles Vargas Varguismo Brasil 1930-34/ 1934- 37 / 1937-45 Octávio Ianni apresenta duas questões para explicar o populismo na América Latina. Para este autor trata-se de “[...] fenômenos políticos produzidos no interior do processo mais amplo de modernização latino-americana” ou de fenômenos com menor intensidade políticos construídos “pela incapacidade das sociedades latino-americanas [...]”. (IANNI, 1991, p.8). No populismo as massas ganham visibilidades, mas essa visibilidade é manipulada pelos governos populistas que se apropriam de sua popularidade para sustentar a imagem de bons representantes da nação. Os valores políticos, religiosos e econômicos são deixados de lado para dar notoriedade aos valores construídos num ambiente urbano e capitalista. A força de trabalho se sobressai e o trabalhador tende a estabelecer relações com este instrumento de produção, mas é importante levar em 51 consideração que o populismo é um processo que envolve o político, o social e o cultural, estabelecendo relações de classes nos países latinos americanos. Octávio Ianni (1991) analisa dois tipos de populismo: o populismo das cúpulas caracterizado pelos governantes de perfil burguês, burocratas políticos e demagogos. Configura-se num populismo de elite e de classe média que controla a massa da população e a tudo que se refira a movimentos que provoquem estímulo e que reflita sobre sua realidade. Ocorre uma inibição das massas trabalhadoras, onde são impedidas de seguirem com suas lutas políticas. Já o populismo de massas é constituído pelos grupos sociais de classes baixas, operários, estudantes, trabalhadores do campo, intelectuais e partidos de esquerda e entre outras categorias que incluam a massa trabalhadora. (IANNI, 1991). Esse tipo de populismo costuma ser mobilizador, e dependendo das circunstâncias, assume uma posição revolucionária que culmina numa luta de classes. Alguns estudiosos desse assunto como Jorge Ferreira, Ângela de Castro Gomes, Maria Helena Rolim Capelato, conceituam o populismo, dependendo de seu lugar de origem, como “[...] trabalhismo, getulismo, queremismo, sindicalismo ou peleguismo, autoritarismo, fascismos ou totalitarismo [...]” (BORGES, 2001, p.235). Não serão tratados nesta discussão todos estes conceitos em torno do populismo, mas saliento que cada conceito tem suas peculiaridades. E como se caracteriza uma política populista? De acordo com Francisca Rafaela Parga, essa política é caracterizada pela presença do poder do Estado, instituição controladora dos mecanismos de produção. Sua atuação ocorre através da mobilização da massa popular, trazendo-a para a participação das decisões políticas. Podendo também ser 52 percebida como “[...] uma terceira alternativa frente ao capitalismo, gerador de conflitos de classe [...]” (PARGA, 2006, p.2). Desse modo, o discurso populista visou integrar as classes desfavorecidas da sociedade, trazendo-as para o cenário político, pregando uma política de comprometimento além de garantir os direitos dos cidadãos. Os populistas costumavam sercarismáticos e apresentavam um discurso cativante. Esses líderes se originavam das massas populares e apresentavam uma trajetória de vida de lutas e sofrimentos que expressavam uma identificação com o povo. Com por exemplo, a história da Argentina Eva Perón, de origem pobre, filha de um casamento ilegítimo. Outro exemplo, Jorge Gaitán, também de origem simples, destacou-se na sociedade, conquistando seu espaço. Em 1936 Lázaro Cárdenas assumiu o governo do México. Em seu governo fundou a Confederação de trabalhadores do México (CTM) no intuito de organizar e unificar as entidades sindicais. Isso implicou no fortalecimento da classe operária. O governo de Cárdenas também foi caracterizado pelo apoio aos camponeses com a implantação da reforma agrária entre os anos de 1936 e 1937. Durante seu governo foi estimulado ao camponeses uma organização enquanto classe trabalhadora. Os governos de Cárdenas e Perón foram considerados mais revolucionários, conforme Parga (2006, p. 5): Cárdenas teve uma postura com relação aos sindicatos mais democrática que Perón, que atrelou as organizações sindicais ao Estado restringindo-lhes a autonomia. A política populista destes dois líderes trouxe importantes concessões ao povo, sem, no entanto, romper com as estruturas macroeconômicas vigentes, sendo assim, de caráter mais reformista que revolucionário. 53 É possível evidenciar que no governo de Lázaro Cárdenas havia uma postura que favorecia as classes trabalhadoras. Mas o apoio à luta de classes também ocorreu no governo de Júan Domingo Péron. Desse modo, há nesses governos um fortalecimento das massas trabalhadoras com relação às classes dos grandes proprietários, bem como um equilíbrio entre o capital e o trabalho. É importante ressaltar que os projetos de tais governos procuraram estabelecer um equilíbrio entre nação e grupos dominantes. O Varguismo surgiu no Brasil como uma política ideológica do (pós-30), e objetivou tirar a população da pobreza, inserindo-a no trabalho. Como diz Ângela de Castro Gomes “[...] O trabalho, desvinculado da situação de pobreza, seria o ideal do homem na aquisição de riqueza e cidadania [...]”. (GOMES, 1999, p.55). O discurso oficial do Estado Novo pregava uma maleabilidade na política de modo a disseminar uma ideologia pautada nas melhorias das condições da classe trabalhadora. Desse modo, será que o populismo na América Latina conseguiu atingir seus ideais políticos? Ao longo dos anos o populismo disseminou uma política ideológica que priorizava pela modernização e o comprometimento com a classe trabalhadora. Contudo, esses ideais tomaram outros rumos, comprometendo a tão esperada democracia latino americana. Octavio Ianni chama a atenção para essas questões e alerta para o fato da implantação de uma ideologia enganosa. É importante pensar também que dentre as características do populismo estavam à predisposição para o autoritarismo e a censura à liberdade civil. Ditaduras As ditaduras na América Latina foram resultados das relações econômicas e políticas constituídas ao longo dos anos, passando pelas guerras civis do século XIX, as lideranças e os golpes aplicados pelos caudilhos, pelos governos nacionalistas ou populistas, porém, o fortalecimento do militarismo 54 ocorreria durante a Guerra fria com a profissionalização do exército latino Americano. Ao atentar para o processo histórico desses países, percebe-se que sempre existiu uma relação de dependência com o mercado internacional, tendo se estendido as dominações externas inclusive no pós-independência. Para os grupos de elites um regime democrático não era compatível com uma sociedade que buscava a modernização. Esse discurso foi veiculado a justificativa da implantação dos governos militares. Porém, não se podem compreender essas ditaduras do século XX atentando apenas para a tradição do autoritarismo. Na Argentina o golpe de Estado foi oficialmente implantado em 24 de Março de 1976, mas o fortalecimento militar já acontecia com a derrubada do governo de Júan Domingo Perón na década de 1950. A implantação do regime militar significou o fim de um governo marcado pela industrialização e o início de um governo de características liberais, conservadoras e agrárias aliadas ao capital estrangeiro. O golpe militar de 1976 na Argentina foi considerado o mais violento de toda a história desse país, isso devido ao número de mortos e desaparecidos que correspondia num total de 32 mil. O desaparecimento e sequestro de bebês, filhos daqueles que se manifestaram contra o regime provocou um impacto profundo nesse período. No caso do Chile, o governo norte americano de John F. Kennedy não demonstrava satisfação com a possível vitória do governo de Salvador Allende, e assim, procurou enfraquecê-lo, para isso, apoiou os partidos reformistas da classe média chilena, para conter o fortalecimento de revoltas no campo e na cidade. Contudo, isso não impediu a concretização da vitória de Allende nas urnas e em 4 de novembro de 1970 foi empossado como presidente chileno. 55 Havia no Chile o temor de que o socialismo se legitimasse como saída para os países da América Latina. Sendo assim, estimulou-se o ódio e a repressão ao governo de Salvador Allende. As greves de 1972 e 1973 como a dos setores de transportes e de comércio provocaram instabilidade no país. Esse período de instabilidades se estendeu aos bancos e as agências internacionais que perderam seus créditos, tendo também limitados as vendas de produtos considerados de grande necessidade para o país. Mas, quem estimulou tais iniciativas? Todos esses acontecimentos foram influenciados pelo governo norte- americano que alimentou na burguesia nacional a realização de greves, da mesma forma que estimulou o exército a implantação do golpe de 1973. Vale ressaltar que outras tentativas de golpe foram realizadas e apoiadas pelos norte- americanos. No final da década de 1950 o Uruguai enfrentou uma crise econômica e política que o impossibilitou de manter a estabilidade e os lucros no setor de produção agrário. A instabilidade financeira provou insatisfação nos produtores que não concordaram com a política de distribuição realizada pelo Estado para os assalariados. Tal crise se estendeu aos demais segmentos da sociedade que havia vivido em anos anteriores um período de estabilidade financeira. Setores da elite contribuíram para que o pacto social estabelecido em anos anteriores e que visava o equilíbrio e a estabilidade econômica e financeira do país se desestruturasse. Na verdade a elite do Uruguai passou a lutar pela volta do liberalismo, visando também à monopolização do poder. Em 1968, no governo de Pacheco Areco, ocorreram grandes quedas nos salários e isso provocou conflitos que gerou resistência dos trabalhadores 56 assalariados, provocando no país uma sucessão de greves que levaram o governo a convocar uma intervenção militar. Nesse período criou-se o Movimento de Libertação Nacional (MLN) dos Tupamaros tidos como um movimento de subversão. Desse modo, no cenário político da década de 1970 as disputas de poder se configuraram entre dois partidos políticos: Blanco e Colorado, bem como do grupo esquerdista apoiado pelos Tupamaros. Mas essa frente esquerdista não conseguiu impedir que o partido da situação continuasse no governo e em 1971 foi eleito Juan Maria Bordaberry. Tupamaro: Nome de origem indígena que faz referência ao cacique inca Tupac Amaru. Foi um movimento guerrilheiro que surgiu no Uruguai entre os anos que antecederam a ditadura militar. Esses guerrilheiros lutavam pela igualdade social e os direitos dos cidadãos. Os militares vinham se fortalecendo desde o governo de Pacheco Areco. Sua atuação se constituiu em um nível de repressão mais
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