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PERDA DE CONSCIÊNCIA CASOS CLÍNICOS Um homem de 64 anos foi trazido ao serviço de emergência (SE) por sua família, após ter desmaiado em casa. Ele estava em pé, tirando o pó de uma estante de livros, quando caiu de costas sobre o sofá. Sua pele ficou visivelmente pálida e pegajosa durante o incidente, recuperando-se de modo espontâneo após cerca de 30 segundos. Ele lembra dos momentos pouco antes e logo após o incidente. O paciente sentiu tontura ("cabeça leve") e teve palpitações nos instantes que antecederam a queda, mas não relata ter tido falta de ar, dor torácica, cefaleia, náusea, diplopia nem perda do controle intestinal ou da bexiga. Sua história inclui um infarto do miocárdio ocorrido há 2 anos. O paciente toma medicamentos regularmente, segundo a orientação recebida, e esses medicamentos incluem ácido acetilsalicílico, um ß- bloqueador e um agente redutor de colesterol. Recentemente, seu médico não iniciou nenhum curso de novos medicamentos nem alterou das doses das medicações em uso. Quando o paciente chegou ao SE, seus sinais vitais eram os seguintes: pressão arterial de 143/93 mmHg, frequência cardíaca de 75 bpm, frequência respiratória de 18 mpm, temperatura de 37,1°C e saturação de oxigênio de 97% ao ar ambiente. Seu exame demonstrou a existência de um galope cardíaco. Não foram notados ruídos carotídeos, anormalidades neurológicas, sangramento retal nem alterações ortostáticas. Um eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações demonstra um ritmo sinusal normal de 75 bpm, sem alterações significativas em relação a um exame rea lizado há 6 meses. O eletrocardiograma mostra ondas Q nas derivações II, III e aVF. O paciente afirma que está se sentindo bem e gostaria de ir para casa. ► Qual é o diagnóstico mais provável? Síncope, mais provavelmente causada por uma disrritmia cardíaca com resolução espontânea ► Qual é o próximo passo Tratamento ABC (via aérea, respiração, circulação), acesso IV e iniciação do monitoramento cardíaco contínuo. CONSIDERAÇÕES A síncope possui várias etiologias que frequentemente são difíceis de identificar com certeza no SE. A meta do médico emergencista é identificar e tratar quaisquer ameaças à vida. Se não houver necessidade de instituir um tratamento essencial imediato, a meta, então, é estratificar os pacientes quanto ao risco, com base na probabilidade de um resultado adverso. No caso desse paciente, existe um alto risco de que a sínco- pe tenha etiologia cardíaca. O paciente deve ser imediatamente colocado em monitor cardíaco e deve ser providenciado um acesso intravenoso. O médico deve tratar quaisquer achados anormais. Se o paciente parecer desidratado, deverá receber líqui- dos por via intravenosa (IV). Se houver disritmia (p. ex., taquicardia ventricular), será necessário tratá-la imediatamente com cardioversão ou desfibrilação. Se o pa- ciente parecer estável, deve ser dado prosseguimento ao manejo sob monitoramento cardíaco. A decisão de internar ou dar alta ao paciente depende de muitos fatores. Entretanto, diante da suspeita de síncope com etiologia cardíaca, esse paciente deve ser internado. DEFINIÇÕES SÍNCOPE: perda transiente da consciência, com perda correspondente do tônus postural, seguida de recuperação espontânea e total. PRÉ-SINCOPE: sensação de perda iminente de consciência, em geral é acompanhada de sintomas inespecíficos consistentes com o pródromo de síncope, como tontura, enfraquecimento, visão turva, ou náusea. SÍNCOPE VASOVAGAL: forma neurocardiogênica que ocorre no contexto de atividade simpática periférica aumentada e formação de pool venoso. ABORDAGEM CLÍNICA A síncope é um sintoma extremamente comum entre os pacientes que chegam ao SE. A lista de potenciais etiologias da síncope é extensa. As causas são variadas, mas todas resultam em diminuição transitória da perfusão cerebral, levando à perda de consciência. O prognóstico varia muito, desde episódio benigno em pessoa jovem e sadia, com evento precipitante evidente, como estresse emocional, até ocorrência mais grave em indivíduo mais velho, com cardiopatia. Por esse motivo, pacientes com risco mais alto rotineiramente são internados e, algumas vezes, submetidos à avaliação extensiva para determinação da causa. Suas causas podem ser cardíacas, reflexo-mediadas, ortostáticas (p. ex., hipotensão postural decorrente de depleção de volume, vasodilatação periférica associada à sepse, ou medicações), psiquiátricas, hormonais, neurológicas e idiopáticas. Com a obtenção de uma história detalhada e realização do exame físico, os clínicos podem estratificar melhor os pacientes de acordo com risco, bem como determinar quem precisa ser internado para a realização de avaliações adicionais e quem pode receber alta com segurança para se submeter ao workup ambulatorial. Tradicionalmente, a etiologia da síncope é dividida em neurológica e cardíaca. No entanto, essa classificação provavelmente não é útil, porque doenças neurológicas são causas incomuns de episódios sincopais. A síncope quase nunca é resultado de ataque isquêmico transitório (AIT) porque reflete hipoperfusão cerebral global, e o AIT é resultado de isquemia regional. Insuficiencia vertebrobasilar com resultante perda de consciência é discutida com frequência, embora raramente seja vista na prá tica clínica. Convulsões são causa comum de perda transitória de consciência e, em geral, é dificil a distinção entre convulsões e sincope com base na história. A perda da consciência associada à convulsão normalmente dura mais de cinco minutos e está associada a um período pós-ictal prolongado, enquanto os pacientes com síncope, em geral, recuperam a orientação rapidamente. Além disso, a mesma falta de fluxo sanguíneo cerebral que produz a perda de consciência pode levar a convulsões pós - sincopais. As únicas doenças neurológicas que comumente causam síncope são distúrbios na função autonómica, que levam à hipotensão ortostática, como ocorre no diabetes, no parkinsonismo e na disautonomia idiopática. Nos pacientes nos quais pode ser feito o diagnóstico definitivo de síncope, as causas geralmente são excesso de atividade vagal, hipotensão ortostática ou cardiopatia - arritmias ou obstrução de fluxo. Á síncope vasovagal refere-se ao excesso de tónus vagal, que causa diminuição das respostas autonómicas, isto é, queda da pressão arterial sem aumento adequado da frequência cardíaca e do tônus vasomotor. Ela é a causa mais comum de sincope e de desmaio em pessoas jovens e sadias. Os episódios quase sempre são precipitados por tensão fisica ou emocional ou por dor. Geralmente há fator precipitante evidente na história e, com frequência, há sintomas prodrómicos como náusea, bocejo e diaforese. Os episódios são curtos, durando de segundos a minutos, com recuperação rápida. Os episódios sincopais também podem ser desencadeados por atividades fisiológicas que aumentam o tonus vagal, como micção, defecação e tosse em individuo sadio. A síncope vasovagal precisa ser diferenciada da hipotensão ortostática. A hipersensibilidade do seio carotídeo também é mediada pelo vago. Geralmente ocorre em homens mais velhos, e os episódios podem ser desencadeados ao girar a cabeça para os lados, por colarinho apertado e até por barbear o pescoço na região do seio carotídeo. A pressão sobre um ou ambos os seios carotídeos causam excesso de atividade vagal, com resultante diminuição da frequência cardíaca, e pode produzir bradicardia, parada sinusal ou até mesmo bloqueio atrioventricular. Com menor frequência, a compressão do seio carotídeo pode causar queda da pressão arterial sem bradicardia. Na sincope recorrente resultante de bradicardia, geralmente há necessidade de marca-passo. ETIOLOGIAS A sincope cardíaca refere-se à perda do tônus postural secundária a uma queda súbita e drástica do débito cardíaco. Bradiarritmias, taquidisritmias, bloqueio cardíacoe mecanismos que interrompem o fluxo de saída ou a pré-carga são as anormalidades fisiológicas funcionais que causam essas alterações súbitas no fluxo sanguíneo e, por fim, resultam numa perfusão cerebral inadequada. Os pacientes com várias formas de cardiopatia orgânica (p. ex., estenose aórtica e miocardiopatia hipertrófica) e aqueles com doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca congestiva (ICC), hipertrofia ventricular e miocardite apresentam risco mais alto. As causas de bradidisritmias incluem a doença do nodo sinusal, bloqueio cardíaco de 2º ou 3º grau e defeito do marca-passo. As taquiarritmias incluem a taquicardia ventricular, fibrilação ventricular, torsades de pointes e taquicardia supraventricular de origem nodal e atrial, algumas das quais podem estar associadas a condições como a síndrome de Wolff-Parkinson-White, síndrome de Brugada ou síndrome do QT longo. Quando a sincope é precipitada por taquidisritmia, os pacientes podem se queixar de palpitações. As etiologias mecânicas, como tamponamento pericárdico e dissecção aórtica, devem ser consideradas entre as causas de síncope cardíaca, pois ambas as entidades resultam em queda significativa do débito cardíado funcional. A embolia pulmonar maciça também deve ser considerada, pois pode causar sincope por obstrução do fluxo de saída ventricular direito que, por sua vez, leva a uma queda da pressão de enchimento do lado esquerdo. A distensão e dilatação ventricular do lado direito também podem acarretar disritmia. A sincope reflexo-mediada, também conhecida como sincope situacional, inclui a sincope vasovagal, a sincope relacionada à tosse, a sincope associada à micção a síncope relacionada à defecação, a síncope relacionada à êmese, a síncope associada à deglutição, a síncope associada à manobra de Valsalva e a síncope emocional (p. ex., relacionada a medo, surpresa, desgosto). A perda de consciência e do tônus motor é causada pela estimulação do reflexo vagal, resultando em hipotensão e bradicardia transiente. Aquecimento, náusea, tontura e sensação de iminência que com frequência precede a perda da consciência são queixas comuns dos indivíduos afetados pela síncope vagal. A doença do seio carotídeo ou a estimulação de barorreceptores excessivamente sensíveis localizados na região cervical (um colar apertado) são outras causas de sincope reflexo-mediada súbita. Esses pacientes com frequência percebem uma atividade específica que está temporariamente relacionada aos seus episódios de sincope (virar a cabeça para determinada direção). A ortostase (i.e., uma queda de 20 mmHg ou mais na pressão sistólica, de corrente de uma alteração rápida na posição do corpo supinado para uma posição mais vertical) é outra causa comum de síncope. Diaforese, tontura e acinzentamento da visão podem sugerir uma síncope ortostática e a recorrência desses sintomas com o posicionamento em pé é mais significativa do que a alteração quantitativa real da pressão sanguínea. Entretanto, a ortostase pode estar presente em até 40% dos pacientes assintomáticos com idade > 70 anos. A hipotensão ortostática pode estar relacionada a depleção de volume, dilatação vascular periférica relacionada à sepse, medicações e instabilidade autonômica, que podem se desenvolver em algumas doenças crônicas, como diabetes, doença de Parkinson, esclerose múltipla e outros distúrbios neuromusculares. A depleção de volume secundária à perda de sangue repentina precisa ser considerada em todos os pacientes com síncope. Pacientes de todas as idades podem desenvolver sangramento gastrintestinal (GI) e o fluxo sanguíneo inicial pode permanecer oculto se estiver confinado ao trato GI inferior. Os pacientes idosos podem perder volumes consideráveis de sangue a partir de um aneurisma aórtico que apresente vazamento ou rompimento. Nesse caso, a dor abdominal ou no flanco é a queixa comumente associada, porém uma síncope isolada também pode ser a queixa apresentada. Em mulheres em idade fértil, durante a gravidez intrauterina normal ou na gravidez ectópica interrompida, pode haver manifestação de sincope. A gestação normal pode causar ortostase em decorrência de alterações cardiovasculares que costumam estar associadas à gestação. Na gravidez ectópica, a ortostase pode ser a única manifestação de uma hemorragia prejudicial à vida. A hipotensão que resulta em sincope não está necessariamente relacionada à perda de volume. Os pacientes, em particular os idosos, podem apresentar sincope como primeira manifestação evidente de uma sepse. Nesses pacientes, a hipotensão é causada pela relativa falta de volume intravascular secundária ao tônus vascular diminuído, como parte da resposta inflamatória. Pacientes com história de hipertensão podem apresentar uma pressão arterial aparentemente "normal", quando, na verdade, estão em um estado de relativa hipotensão. A medicação, em especial a polifarmácia, é um problema comum entre os idosos e constitui outra causa importante de síncope. Os anti-hipertensivos, antidepressivos, antiangínicos, analgésicos, os depressores do sistema nervoso central, as medicações prolongadoras do intervalo QT (p. ex., eritromicina, claritromicina, haloperidol, amiodarona e droperidol, entre outros), a insulina, os hipoglicêmicos orais e a polifarmácia recreativa são os culpados comuns. Os pacientes geriátricos com histórias médicas complicadas apresentam risco, ainda que uma história detalhada da ingesta deva ser obtida de todos os pacientes que sofreram síncope. E preciso investigar minuciosamente as adições ou alterações recentes introduzidas nos regimes de medicação, incluindo os medicamentos usados sem prescrição médica. As causas neurológicas de sincope são raras, exceto quando a convulsão é incluída no diagnóstico diferencial. Convulsão e sincope devem ser diferenciadas e consideradas como diagnósticos discretos. A convulsão em geral pode ser identificada rapidamente por uma história de convulsões no passado, bem como sugerida pelos achados do exame físico (p. ex., hábito de morder a língua, perda do controle dos intestinos ou da bexiga) e, em especial, pela observação de um estado pós-ictal que, em geral, resolve-se no decorrer de alguns minutos a muitas horas. Uma atividade tônico-clônica breve, resultante não de um foco convulsivo e sim de uma hipoxia transiente do tronco encefálico, que provoca perda da consciência, pode estar associada à síncope. Entretanto, a duração da confusão ou da letargia subsequente ao episódio tem curta duração. O aparecimento súbito de cefaleia forte associada à perda de consciência sugere a ocorrência de hemorragia subaracnoidea como causa da sincope. Outras causas neurológicas da sincope incluem as enxaquecas, síndrome do roubo subclávio e ataque isquêmico transitório ou acidente vascular encefálico do território vertebrobasilar. Em alguns casos, os pacientes com doença psiquiátrica apresentam queixa de perda súbita da consciência. A história desses pacientes pode incluir vários episódios prévios de síncope. De forma típica, os incidentes se manifestam com traumatismos físicos mínimos e sem nenhum dos sinais ou sintomas que costumam estar associados à síncope cardíaca. A ansiedade, com ou sem hiperventilação, distúrbio de conversão, a somatização, os ataques de pânico e os acessos de prender a respiração são todos manifestações de doença psiquiátrica capazes de causar síncope. Entretanto, as etiologias psiquiátricas e emocionais da síncope são consideradas um diagnóstico de exclusão. Esse diagnóstico deve ser considerado somente depois que os exames laboratoriais ou auxiliares apropriados tiverem excluído as etiologias mais graves. Além disso, deve ser reconhecido que muitos dos agentes neurolépticos mais prescritos causam prolongamento de QT e isso, por sua vez, pode acarretar disritmia ventricular. Há três tipos de bloqueio AV, todos perceptíveisao ECG. O bloqueio AV de primeiro grau é o prolongamento do intervalo PR > 200 ms (> 1 quadrado grande). Essa alteração é causada por um retardo de condução no nodo AV. O prognóstico é bom e geralmente não há necessidade de marca- passo. Há dois tipos de bloqueio AV de segundo grau. O Mobitz tipo I (Wenckebach) é o prolongamento progressivo do intervalo PR até que haja falha de um batimento. A onda P do batimento que falhou não é seguida por um complexo QRS. Esse fenômeno é causado por condução anormal no nó AV e pode ser resultado de infarto do miocárdio inferior. O prognóstico é bom e geralmente não há necessidade de marca-passo, salvo se for sintomático (isto é, houver bradicardia, sincope, insuficiência cardiaca, assistolia > 3 segundos). Por outro lado, o Mobitz tipo II produz falhas de batimento sem prolongamento do intervalo PR. Geralmente é causado por bloqueio dentro do feixe de His. Com frequência há indicação de marca-passo definitivo nesses pacientes porque o bloqueio AV Mobitz tipo II pode mais tarde progredir para bloqueio cardíaco completo. O bloqueio AV de terceiro grau é o bloqueio cardíaco completo, no qual o no sinoatrial e o nó AV disparam em ritmos independentes. O ritmo atrial é mais rápido do que o ritmo de escape ventricular. Nesses pacientes, há indicação de marca-passo definitivo, especialmente quando há sintomas como intolerância aos esforços e sincope. DIAGNÓSTICO Responsável por uma parte significativa da frustração de pacientes e prestadores, a causa subjacente da manifestação da sincope permanece sem ser elucidada em cerca de metade dos pacientes que chegam ao SE com esse diagnóstico. Infelizmente, os pacientes dessa categoria representam uma população mista em que, segundo as estimativas, cerca de 45 a 80% dos casos podem ter tido causa cardíaca. A maioria dos pacientes jovens e aparentemente saudáveis recebe alta sem definição da causa de sua perda da consciência. Muitos dos pacientes idosos são internados para passarem por exames adicionais e permanecerem sob observação. Entre todas as ferramentas diagnosticas disponíveis para uso médico na avaliação da síncope, a obtenção eficiente de uma história detalhada, a realização do exame físico e a obtenção do eletrocardiograma são as únicas recomendações de nível A do American College of Emergency Physicians (ACEP). Apenas as informações reunidas a partir da história e do exame físico identificam a potencial causa de síncope em 45% dos casos. A meta da avaliação inicial é descobrir o que ocorreu exatamente com o paciente. É essencial obter uma história passo a passo do evento. Para tanto, é necessário que os espectadores ou familiares do paciente forneçam um relato detalhado que poderá ser valioso para estabelecer o diagnóstico correto. As medidas de pressão arterial ortostática devem ser obtidas caso haja possibilidade de ortostase. Embora a história possa levantar uma forte suspeita das síncopes vasovagal e situacional, um diagnóstico verdadeiro de síncope vasovagal requer exames adicionais que estão indisponíveis no SE. Embora a síncope vasovagal/situacional ocorra em pacientes idosos, trata-se de um diagnóstico que não pode ser estabelecido com segurança no SE, a menos que a história seja totalmente indicativa (i.e., sincope ao ver sangue) e nenhum dos achados do exame físico e dos exames diagnósticos sejam preocupantes quanto à existência de causas mais ominosas. Os pacientes idosos também apresentam risco de sofrerem lesões sérias, como as fraturas de quadril, mesmo diante de causas relativamente benignas de síncope. Os pacientes jovens e saudáveis com história consistente com uma síncope vasovagal podem ser abordados com exames menos diagnósticos. Os pacientes mais jovens devem ser questionados com relação à história familiar de morte súbita ou precoce por causa cardíaca. Embora sejam raras, algumas condições genéticas, como a síndrome de Brugada, a miocardiopatia hipertrófica e a síndrome do QT longo podem se manifestar com síncope. EXAMES LABORATORIAIS Embora os exames laboratoriais raramente elucidem a causa da síncope, podem ser úteis em um número limitado de situações. Os exames laboratoriais econômicos incluem o hemograma completo para perda de sangue, um teste de glicemia capilar, além dos níveis de eletrólitos e ureia para a desidratação. O rastreamento toxicológico para síncope farmacológica é pouco útil para fins de avaliação imediata e estabilização do paciente. Em adição, a definição de uma causa toxicológica não deve impedir o médico de realizar uma avaliação completa. O exame de urina é um teste de rastreamento econômico e útil que pode fornecer informações sobre os níveis de glicose, infecção, estado de hidratação e presença ou ausência de cetonas. Um teste de gravidez pela urina sempre deve ser realizado em mulheres em idade fértil, pois a gravidez ainda inicial e a gravidez ectópica podem se manifestar como sincope. MANEJO Os pacientes com história ou achados de exame sugestivos de uma determinada patologia em particular devem permanecer sob monitoramento cardíaco contínuo, ecocardiografia, exames vasculares com Doppler ou exames de imagem de tomografia computa dorizada (TC) com contraste. Os pacientes cuja síncope é inexplicável e que apresentam características clínicas de alto risco (p. ex., idade avançada, eletrocardiograma anormal, história cardíaca prévia, síncope por esforço) requerem internação para realização de investigações adicionais, como o teste em esteira, teste da mesa inclinada, imagem de TC da cabeça, marcadores de lesão miocárdica, cateterismo cardíaco e exames eletrofisiológicos. Enquanto diagnóstico e tratamento são as metas da avaliação da síncope, a árvore de decisão para os médicos emergencistas é mais focada do que para os especialistas ou médicos ambulatoriais. Os pacientes instáveis que se apresentam após um episódio de sincope, incluindo aqueles com hipotensão persistente, disritmias prejudiciais à vida, perda ativa de sangue, síndromes coronarianas agudas, êmbolos pulmonares hemodinamicamente significativos e tamponamento cardíaco, devem ser tratados em caráter emergencial. A abordagem do ABC para pacientes instáveis, nesse contexto é aplicada do mesmo jeito que em todas as manifestações associadas a sinais vitais instáveis. A história e o exame físico, no contexto da síncope, devem guiar o raciocínio diagnóstico, todavia sem substituir as considerações terapêuticas emergenciais. DISPOSIÇÃO Para o paciente que se apresenta após sofrer sincope e está hemodinamicamente normal no momento da apresentação, a decisão de internar versus liberar do SE com seguimento ambulatorial depende de outros aspectos clínicos sugestivos de que o paciente tenha alto risco de desenvolver um resultado adverso a curto prazo. Vários estudos tentaram ajudar o médico emergencista a identificar os pacientes de alto risco pela utilização de regras de tomada de decisão clínica. A San Francisco Syncope Rule (SFSR), o Osservatorio Epidemiologico sulla Sincope nel Lazio (OESIL) e a Risk Stratification of Syncope in the Emergency Department (ROSE) são regras de decisão que tentam fornecer aos clínicos as características do paciente que estão associadas ao aumento da probabilidade de um resultado adverso. As diretrizes do American College of Emergency Physicians (ACEP) enfatizam a estratificação do risco dos pacientes que sofrem síncope de modo semelhante à estratificação do risco dos pacientes com dor torácica. Em geral, admite-se que os achados da história ou do exame físico consistentes com insuficiência cardíaca, cardiopatia estrutural ou coronariana, bem como um eletrocardiograma anormal, estão associados a um alto risco de resultado ruim. O avanço da idade está junto a um contínuo de risco cardiovascular crescente e também deve ser considerado. Também deve ser mencionado que, nos grupos de alto risco,por mais que estejam definidos, os eventos pré-síncope devem ser avaliados e tratados como síncope, pois as etiologias são as mesmas e somente são distinguidas pelo grau de hipoperfusão cerebral. QUESTÕES Um homem de 37 anos é trazido ao SE após desmaiar no local de trabalho. Ele nega quaisquer sintomas de pródromo. Sua história familiar é negativa para morte súbita cardíaca. No SE, a pressão arterial medida com o paciente deitado é de 125/75 mmHg, sua frequência cardíaca está em 75 bpm e a frequência respiratória é de 14 mpm. A pressão arterial e a frequência cardíaca medidas com o paciente em pé são, respectivamente, 120/75 mmHg e 77 bpm. Seu eletrocardiograma mostra um ritmo sinusal com frequência igual a 72. O exame físico não revela achados anormais. Neste momento, o paciente está lúcido e sem anormalidades neurológicas. Após a realização de uma avaliação completa do paciente, qual seria a etiologia mais comum da síncope? A. Disritmia. B. Ortostase. C. Idiopática. D. Situacional Uma mulher de 35 anos chega ao SE queixando-se de sensação de tontura. No mesmo dia, ela notara um sangramento vaginal. Sua pressão arterial é de 85/53 mmHg, a frequência cardíaca é de 130 bpm' e a frequência respiratória é de 18 mpm. Qual é o próximo passo mais apropriado no tratamento? A. Realizar um teste de gravidez na urina. B. Realizar um teste quantitativo sérico de ß- gonadotrofina coriônica humana (B-hCG). C. Obter imediatamente um acesso intravenoso (IV) e iniciar a ressuscitação com líquido. D. Obter consulta imediata com obstetra ou ginecologista Um homem de 21 anos foi levado ao SE após sofrer colapso e cair ao chão enquanto jogava basquete. Ele está alerta e orientado, e nega ter dor torácica, dificuldade para respirar ou quaisquer outras queixas físicas. Não houve traumatismo. Ele nega ter tido problemas médicos no passado. Os achados do exame físico são irrelevantes. Qual dos seguintes elementos de seu eletrocardiograma é preocupante quanto a uma possível causa de síncope prejudicial à vida? A. Frequência cardíaca de 55 bpm B. Inversão da onda P na derivação aVR. C. Arritmia sinusal. D. QTc de 495 ms O nível superior normal do intervalo QT corrigido é de aproximadamente 440 ms para homens e de 460 ms para mulheres. O achado de um intervalo QT prolongado deve conduzir prontamente a uma investigação mais detalhada das medicações tomadas pelo paciente, de sua história familiar e dos potenciais desequilíbrios eletrolíticos. A síndrome do QT prolongado está associada à morte súbita, sobretudo em atletas jovens. Apenas uma bradicardia leve em um paciente jovem e saudável, que se recuperou totalmente de um episódio de síncope, é pouco preocupante. A inversão da onda P na derivação aVR é um achado normal. A arritmia sinusal constitui uma variação normal do intervalo RR com a respiração. Um homem de 72 anos é trazido ao SE por socorristas após desmaiar no supermercado. Seu episódio de síncope foi presenciado por pessoas que faziam compras no local, as quais relataram que o paciente entrou em colapso e bateu a cabeça. No momento, o paciente está alerta e orientado, negando ter quaisquer sintomas persistentes. Sua história médica anterior é significativa para estenose carotídea, que ele trata tomando ácido acetilsalicílico e clopidogrel. Qual é o próximo passo do tratamento mais adequado para esse paciente? A. Varredura de TC da cabeça. B. Solicitar uma ultrassonografia de carótidas. C. Obter um eletrocardiograma. D. Radiografia torácica Uma mulher de 18 anos é levada à emergência porque desmaiou em um show de rock. Demonstra ter recuperado a consciência espontaneamente, não teve convulsões e não tem história médica. Tem frequência cardíaca de 90 bpm e pressão arterial de 110/70 mmHg. O exame neurológico é normal. O teste de gravidez é negativo, e o ECG mostra um ritmo sinusal normal. Qual dos seguintes é o manejo mais adequado? A. Internar para avaliação cardíaca. B. Fazer ecocardiografia no ambulatório. C. Usar monitor Holter por 24 horas. D. Tranquilizar e dar alta. Mulher de 67 anos tem diabetes e hipertensão leve. Ela tem retinopatia diabética e diz que não sente as pernas, além de sofrer com episódios recorrentes de ton turas quando levanta de manhã. Foi à consulta porque desmaiou nesta manhã. Qual das seguintes é a causa mais provável da sincope? A. Hipersensibilidade de seio carotídeo. B. Embolia pulmonar. C. Neuropatia autonómica. D. Estenose aórtica critica Homem de 74 anos sem problemas médicos anteriores desmaia quando está fazendo a barba. Recupera-se rapidamente e não tem déficits neurológicos. A glicemia é normal, e o ECG mostra ritmo sinusal. Qual dos seguintes é o teste diagnóstico mais útil para sua provável doença: A. Massagem carotidea. B. Ecocardiografia. C. TC de crânio. D. Dosagem seriada de enzimas cardíacas. Possivelmente tem hipersensibilidade carotídea, assim massagem carotídea cuidadosa (depois da ausculta para assegurar que não há sopros) pode ser realizada para reproduzir os sintomas. Homem de 49 anos é internado na UTI com diagnóstico de IAM inferior. A frequência cardíaca é de 35 bpm e a pressão arterial é de 90/50 mmHg. O ECG mostra bloqueio cardíaco Mobitz tipo I. Qual dos seguintes é o melhor próximo passo? A. Administração de atropina. B. Colocação de marca-passo transvenoso. C. Administração de lidocaina. D. Observação A bradicinesia desse paciente é grave, possivelmente do IAM inferior. A atropina é o agente ideal nessa situação. O bloqueio Mobitz tipo 1 em bom prognóstico, de modo que a colocação de marca- passo transvenoso em geral não é necessária. EPILEPSIA OU SÍNCOPE Indivíduos com perdas de consciência e convulsões são com frequência considerados epilépticos, mesmo que o eletroencefalograma entre as crises seja normal. Um diagnóstico equivocado pode ter como consequências a refratariedade ao tratamento instituído, a exposição desnecessária a anticonvulsivantes e seus efeitos adversos, os efeitos psicológicos relacionados ao estigma associado à doença epiléptica e a possibilidade de não diagnosticar condições cardiológicas passíveis de tratamento, algumas bastante graves. DEFINIÇÕES Síncope é uma perda da consciência súbita e transitória, acompanhada de perda do tônus postural, com recuperação rápida, espontânea e usualmente completa. Ocorre por uma redução crítica e transitória (5 a 20 segundos) do fluxo sanguíneo cerebral, principalmente para o sistema reticular ativador as-cendente16. Portanto, na história clínica, constata-se perda súbita da consciência e do tônus postural, seguida de queda se o paciente não estiver apoiado ou se não for amparado por alguma pessoa. Como a causa é uma redução acentuada dofluxo sanguíneo cerebral, a perda de consciênciadeve, necessariamente, ser transitória e seguida derápida recuperação; do contrário, a isquemia cerebral prolongada certamente provocaria alguma lesão cerebral. Uma perda de consciência prolongada deve levantar a suspeita de alguma condição neurológica, como acidente vascular cerebral, ataque isquêmico transitório, epilepsia, trauma encefálico, comas metabólicos etc. O corte prolongado do fluxo sanguíneo cerebral resultaria em sequela neurológica permanente ou morte súbita cardíaca. Epilepsia é uma outra entidade clínica frequentemente acompanhada por perda de consciência. Definida como uma perturbação súbita e intermitente do sistema nervoso central, é provocada por uma descarga neuronal excessiva e desordenada17. Ao contrário das síncopes, o corte do suprimento sanguíneo cerebral não faz parte da gênese do fenômeno. Essa condição se faz acompanharde um distúrbio súbito de sensações visuais, olfativas e psíquicas (auras), bem como de perda de consciência, movimentos convulsivos ou uma combinação desses fenômenos. O termo convulsão, muitas vezes usado erroneamente para designar epilepsia, refere-se apenas a contrações musculares involuntárias, súbitas e intensas, que frequentemente acompanham as crises epilépticas. O quadro clínico das epilepsias é bastante variado (tabela I), uma vez que existem vários tiposdiferentes18. De forma geral, consideram-se epilépticos os pacientes que apresentam perdas de consciência acompanhadas por convulsões. Perdas de consciência (desmaios) e do tônus postural (quedas), convulsões, amnésias e estados de confusão mental geralmente estão presentes nas crises epiléticas. Por outro lado, também as síncopes podem se fazer acompanhar por convulsões, amnésia, quedas e confusão mental, simulando dessa forma crises epilépticas. Portanto, o diagnóstico diferencial entre síncopes epilepsias é frequentemente difícil e pode gerar erros diagnósticos. Nesses estudos, os diagnósticos cardiovasculares foram os mais comuns, especialmente as síncopes reflexas, do tipo neuro cardiogênicas (vasovagais) expor hipersensibilidade do seio carotídeo, que podem ser acompanhadas de convulsões e levar ao diagnóstico errôneo de epilepsia. Para tornar o problema ainda mais complicado, na prática clínica usual, ainda não se dispõe de condições ideais para uma propedêutica do tipo “padrão-ouro”, tanto para o diagnóstico das síncopes quanto das epilepsias. O EEG é, sem dúvida, o exame mais importante para a confirmação diagnóstica das epilepsias, mas é importante ressaltar suas limitações. A epilepsia é diagnosticada embases clínicas, com apoio da eletroencefalografia e da vido eletroencefalografia de 24 horas. Um EEG negativo não exclui a epilepsia, pois a sua sensibilidade é limitada. Nos pacientes com EEGs basais negativos, o exame após o período de privação do sono conseguiu detectar alterações epilépticas em 48% dos casos, permitindo concluir que EEGs negativos não excluem epilepsias. Muitos pacientes com EEG normal e outros achados inespecíficos são considerados epiléticos com base em relatos clínicos de abalos mioclônicos e rigidez muscular que podem acompanhar episódios de perdas de consciência. Já pacientes com convulsões e descargas epileptiformes ao EEG têm probabilidade alta de realmente serem epilépticos, pois o exame tem boa especificidade e valor preditivo positivo. A perda transitória de consciência por queda crítica do fluxo sanguíneo cerebral ocasiona a síncope. A perda de consciência por descarga neuronal excessiva caracteriza a epilepsia. No entanto, perdas de consciência também podem ser atribuídas a outras causas, como traumas encefálicos, acidentes vasculares cerebrais, comas metabólicos, intoxicações e distúrbios psiquiátricos (tabela II). A força-tarefa da Sociedade Européia de Cardiologia, em suas diretrizes para síncopes, aconselha o uso do termo genérico “perda transitória de consciência” quando a causa do evento não está definida. Tanto é que a simples descoberta da síndrome vasovagal como causa de síncopes de repetição é, por si só, o tratamento do paciente. A descoberta da causa e a orientação quanto ao bom prognóstico levam à redução e, eventualmente, à eliminação total dos desmaios em um grande número de pacientes. ECG de adolescente portador de bloqueio AV total congênito e síncopes convulsivas, com diagnóstico equivocado de epilepsia e utilizando anticonvulsivantes. O implante de marcapasso definitivo fez desaparecer as crises convulsivas CAUSAS COM RISCO DE MORTE SÚBITA Outra possível causa de confusão diagnóstica entre epilepsia e síncope diz respeito à história natural de pelo menos algumas das causas de síncopes. Sabe- se, por exemplo, que as síncopes vasovagais têm bom prognóstico e podem desaparecer espontaneamente. Baron-Esquivias et al.55 avaliaram o prognóstico em longo prazo das síncopes vasovagais em 334 pacientes sem tratamento, num seguimento de 30 ± 21 meses. Não houve nenhuma morte e 70% dos pacientes não apresentaram recorrências. Portanto, é possível que pacientes com síncopes convulsivas vasovagais, em tratamento com anticonvulsivantes, não tenham recorrências e sejam erroneamente considerados casos de sucesso terapêutico em pseudo-epilepsias. Existem estudos não controlados que mostram um possível benefício do clonazepam (droga usada em alguns tipos de epilepsia) na síndrome vasovagal e em alguns tipos de convulsão. O diagnóstico correto evita sofrimentos desnecessários e os pacientes em geral mostram- se motivados a se submeter a uma investigação capaz de revelar diagnósticos menos estigmatizantes que a epilepsia. Outro problema em potencial, com consequências bastante graves, é deixar de diagnosticar uma causa cardiológica com risco de morte súbita. Reeves et al.73 levantam a hipótese de que a descarga epiléptica provoca bradiarritmias graves, com consequente choque cardiogênico. Por meio de monitoramento com EEG e ECG ambulatoriais, acompanharam 23 casos em que convulsões foram seguidas por bradiarritmias graves, no que foi denominado de “síndrome da bradicardia ictal” (figura 9). A epilepsia do lobo temporal foi responsável por 20desses casos. O tratamento foi instituído com anticonvulsivantes e marcapassos cardíacos, estes últimos, segundo os autores, para minimizar o risco de morte súbita. Se Linzer et al.54 e Grubb et al.24 descreveram arritmias cardíacas graves antecedendo crises convulsivas. O inverso também pode ocorrer, ou seja, a própria crise epiléptica pode anteceder e até causar uma bradiarritmia ou assistolia grave que, por si só, pode levar a síncope ou agravar um estado deperda de consciência. Trata-se de ocorrência rara, mas que ilustra a complexidade da diferenciação entre síncopes e epilepsias. Kouakam C,etal.75 descreveram oito pacientes com desmaios e convulsões em que a videoeletroencefalografia mostrou que as convulsões e as descargas epileptiformes antecederam pausas assistólicas prolongadas, que variaram de 12 a 30 segundos. Os autores denominaram esse quadro de “epilepsia arritmogênica”. Restam algumas questões a serem respondidas. Por que somente uma minoria de pacientes com síncopes apresentam convulsões? Por que um mesmo paciente algumas vezes apresenta uma síncope com convulsão e outras vezes, apenas uma perda de consciência, sem outros sintomas epileptiformes? Levantaram a hipótese de que uma redução mais acentuada do fluxo sanguíneo cerebral poderia explicar uma maior propensão para a ocorrência de convulsões durante as síncopes vasovagais. De fato, convulsões são relativamente comuns nas síncopes neuro cardiogênicas, nas quais ocorrem não somente bradicardias, assistolias e hipotensão arterial, mas também vasoconstrição cerebral, o que compromete enormemente o fluxo sanguíneo cerebral. Estudos com Doppler trans craniano demonstram esse comportamento paradoxal da circulação cerebral durante a reação vasovagal, que resulta em vasoconstrição, quando seria de se esperar uma vasodilatação arterial cerebral compensatória, como ocorre na hipotensão ortostática. Noteste de inclinação, esse fato ajuda a dife- renciar pacientes com hipotensão arterial ortostáticadaqueles com síncope vasovagal. Os primeiros usual-mente apresentam maior tolerância a queda dapressão, tontura eventual perda de consciência, quesão mais graduais. Nos últimos, a tolerância é menor, a perda de consciência é mais rápida e, algumas vezes, até mesmo antecede uma queda mais acentuada da pressão arterial, o que sugere que a vasoconstrição cerebrovascular pode, inclusive, anteceder a hipotensão sistêmica. DIFERENCIAÇÃO CLÍNICA ENTRE SÍNCOPES EEPILEPSIAS A avaliação tipo “padrão-ouro” para o diagnóstico diferencial das perdas transitórias de consciência acompanhadas por convulsões requer a monitoração simultânea de EEG, ECG, pressão arterial sistêmica e doppler de fluxo transcraniano exatamente no momento das crises. O padrão típico do EEG correspondente a hipoperfusão cerebral, mostra retardamento progressivo das ondas cerebrais até a faixa Téta, seguido por curtas salvas de ondas Deltas superimpostas às ondas lentas85. Se a hipoperfusão persiste, o EEG torna-se progressivamente mais plano. Esse aspecto é bastante distinto do que ocorre nas crises epilépticas verdadeiras, em que o EEG mostra atividade rítmica difusa ou localizada, usualmente de contornos agudos e pontiagudos. Perdas de consciências e convulsões que ocorrem com pressões arteriais sistêmicas normais, ausência de arritmias, fluxo sanguíneo cerebral ao doppler transcraniano normal e presença de atividade epileptiforme ao EEG configuram o ataque epiléptico verdadeiro. No entanto, se as crises convulsivas forem antecedidas por arritmias graves, hipotensão arterial sistêmica, queda do fluxo sanguíneo ao doppler transcraniano e diminuição progressiva da velocidade das ondas cerebrais ao EEG, trata-se de um quadro de síncope. No entanto, como esta abordagem propedêutica não é disponível na prática clínica usual, é necessário que a distinção entre as duas síndromes seja feita em bases clínicas e com exames mais simples. A história clínica (tabela IV) pode dar importantes informações diagnósticas que ajudam a diferenciar síncopes de epilepsias. Favorece epilepsia Favorece síncope Achados durante a perda de consciência Convulsões prolongadas e de início simultâneo com perda de consciência, convulsões hemilateais, autolimitadas, morder a língua, face cianótica Convulsões < 15 segundos e que se inicia após a perda de consciência Sintomas antes do evento aura Náusea, vômitos, sudorese, desconforto abdominal, tontura e borramento visual Sintomas após o evento Confusão prolongada e dor muscular Curta duração, palidez, náuseas e vômitos (vasovagal) EVIDÊNCIAS PREDITIVAS DE EPILEPSIAS Cortes da língua Dor muscular pós-ictal Torções da cabeça Confusão mental pós- ictal Cianose Cefaleia pós-ictal Contrações de membros Alterações prodrômicas do humor Tremores prodrômicos Comportamentos anormais Alucinações prodrômicas EVIDÊNCIAS PREDITIVAS DE SÍNCOPES Pré-síncopes Pré-síncopes no calor Pré-síncopes em punções Pré-síncopes pós-exercícios Pré-síncope de pé Qualquer pré-síncope Dor precordial Náuseas prodrômicas Ausência de amnésia Sudorese prodrômica Palpitações prodrômicas Insuficiência coronariana Posição de pé prolongada CONCLUSÕES Perdas transitórias de consciência associadas convulsões são, usualmente, consideradas epilepsia, a despeito do resultado do EEG. No entanto, no diagnóstico diferencial, não se pode descartar a possibilidade de síncopes, principalmente nos casos que pareçam duvidosos ao neurologista, refratários ao tratamento anticonvulsivante, que apresentem sintomas prodrômicos sugestivos de causas cardiológicas (palpitações, sudorese, náuseas, pré-síncopes, precordialgia etc.), sem auras típicas, EEGs normais ou não e histórias familiares de morte súbita. Em todos esses casos, sugere-se uma avaliação cardiológica especificamente direcionada para o diagnóstico de síncopes. Massagem de seio carotídeo com parada sinusal de 6,8 segundos. O paciente, de 78 anos, apresentou síncope com movimentos tônico- clônicos semelhantes aos relatados em sua história clínica. Da esquerda para a direita, a 1ª seta indica a interrupção da massagem; a 2ª seta, a perda de consciência; a 3ª, o início da convulsão e a 4ª, o retorno dos batimentos após um soco no precórdio. Paciente de 68 anos, portadora de miocardiopatia dilatada grave e BAV total, apresentou-se ao pronto-socorro após síncope com convulsão. Havia sido encaminhada primeiramente ao neurologista. Após uma tomografia do encéfalo e um EEG normal, foi encaminhada ao cardiologista e submetida a implante de um marcapasso biventricular com desfibrilador.
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