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As histórias
que me
ensinaram
a viver
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As histórias
que me
ensinaram
a viver
A inspiradora relação entre um terapeuta
e seu jovem paciente
Jorge Bucay
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Para minha filha Claudia
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Sumário
Apresentação 9
Fator comum 11
O elefante acorrentado 14
O peito e o leite 17
O tijolo bumerangue 18
O verdadeiro valor do anel 20
O rei bipolar 23
As rãs no creme 26
O homem que pensava estar morto 28
O porteiro do prostíbulo 30
Dois números menor 35
Carpintaria “O Sete” 39
Concurso de canto 42
Possessividade 45
Que terapia é esta? 47
O tesouro enterrado 53
Uma jarra de vinho 56
Sozinhos e acompanhados 60
A esposa surda 64
Não misturar! 67
Asas são para voar 71
Quem é você? 73
A travessia do rio 78
Presentes para o marajá 81
Buscando Buda 83
O lenhador esforçado 88
A galinha e os patinhos 90
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Pobres ovelhas 92
A panela grávida 94
O olhar do amor 98
Os brotos da seringueira 100
O labirinto 105
O círculo do noventa e nove 108
O centauro 115
Diógenes 118
Outra vez as moedas 120
O relógio parado às sete horas 127
As lentilhas 130
O rei que queria ser louvado 133
Os dez mandamentos 136
O gato do Ashram 140
O detector de mentiras 143
Eu sou o Peter 147
O sonho do escravo 152
A esposa do cego 154
A execução 157
O juiz justo 165
A loja da verdade 173
Perguntas 175
O plantador de tâmaras 178
Autorrejeição 181
Epílogo 186
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Apresentação 
Quando eu tinha 22 anos, dois fatos deixaram uma marca indelével 
em minha vida e moldaram meu futuro: a minha graduação em 
medicina e a morte de meu avô Farash.
Aos olhos dos que não o conheciam, meu avô pareceria um 
sujeito politicamente incorreto. Fumava e bebia em excesso, não 
gostava muito de trabalhar e adorava mulheres bonitas. No entan-
to, tinha um coração enorme e possuía uma grande habilidade para 
contar histórias. Fossem inventadas ou reais, moralistas ou absur-
das, bíblicas ou mórbidas, todas me faziam pensar. 
Assim como a maior demonstração de afeto que minha mãe 
podia dar a alguém era oferecer-lhe algo para comer, a de meu avô 
era contar uma história (e, é claro, servir um pouco de anis turco). 
Essas histórias incutiram em mim a paixão pelos pequenos contos e 
pelas narrativas inspiradoras. 
O livro que hoje você tem em mãos é uma antologia de relatos 
– alguns antiquíssimos, outros contemporâneos, histórias tradicio-
nais de várias culturas, feitos já conhecidos aos quais decidi adi-
cionar fatos da minha vida pessoal, poucos contos inventados por 
mim e uma ou outra piada que ouvi e que repito com frequência 
para meus pacientes.
Na busca por uma maneira de ilustrar o uso que faço desses 
relatos em meu consultório, criei os personagens Demián e Jorge 
(este, por sinal, se parece muito comigo!). No início ou no final 
de cada história adicionei uma conversa fictícia entre os dois para 
ilustrar uma sessão de análise. Acho que é desnecessário esclarecer 
que a lição que extraí de cada conto é somente um exemplo e que 
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a sabedoria encerrada nele pode exceder em muito a aplicação que 
apresento. 
Eu não posso materializar meu velho Farash para oferecê-lo ao 
leitor, mas confesso que gosto de pensar neste livro como um ver-
dadeiro avô, pronto para lhe contar uma história sempre que você 
precisar de companhia ou conselho. 
Dr. Jorge Bucay
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Fator comum
Quando cheguei pela primeira vez ao consultório de Jorge, sabia que 
não encontraria um terapeuta comum. Minha amiga Cláudia, que o 
recomendou, me avisou que ele era um sujeito “diferente”.
Eu já estava cansado das terapias convencionais, principalmente 
depois de ter passado anos entediantes num divã de psicanálise. 
Então liguei e marquei uma consulta.
A primeira impressão superou todas as minhas expectativas. Era 
uma tarde quente de novembro; cheguei cinco minutos antes do 
horário marcado e fiquei esperando lá embaixo, na portaria do edi-
fício, até que desse a hora exata. 
Às quatro e meia em ponto toquei o interfone, empurrei o por-
tão e me dirigi ao nono andar. 
Esperei no corredor.
Esperei.
E esperei.
E, quando cansei de esperar, toquei a campainha do consultó-
rio.
Quem abriu a porta foi um homem que parecia vestido para ir 
a um piquenique: calça jeans, tênis e uma camiseta cor de abóbora 
berrante.
– Olá – disse ele, e seu sorriso me tranquilizou.
– Oi – respondi –, sou Demián.
– Sim, claro. O que aconteceu com você? Por que demorou 
tanto para chegar aqui em cima? 
– Não, não demorei. Não quis tocar a campainha para não in-
comodar... caso estivesse atendendo...
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– Para não incomodar? Quem está incomodado aqui?
Fiquei mudo.
O lugar onde Jorge atendia (não dava para chamar aquilo de “consul-
tório”) era exatamente como ele: informal, desarrumado, descuidado, 
quente, colorido, surpreendente e – por que negar? – um pouco sujo.
Ele me fez sentar na cadeira em frente à dele. Enquanto eu con-
tava algumas coisas sobre mim, Jorge bebia mate. Ele perguntou se 
eu queria.
– Tá – falei.
– Tá o quê?
– Tá, o mate...
– Não estou entendendo.
– Eu aceito o seu mate.
Jorge fez uma reverência servil e irônica, disparando em seguida:
– Obrigado, Majestade, por aceitar o “meu mate”.
Fiquei mudo novamente.
– Por que não me diz se quer um mate ou não, em vez de me 
fazer favores?
Esse sujeito ia me deixar louco. 
– Eu quero! – disse.
E então Jorge me deu o mate.
Decidi ficar mais um pouco.
Entre várias outras coisas, contei que devia haver algo de errado co-
migo, porque eu tinha dificuldade de me relacionar com as pessoas. 
Jorge perguntou como eu sabia que o problema era comigo. 
Respondi que tinha problemas com meu pai, minha mãe, meu ir-
mão, minha namorada..., portanto, era óbvio que a culpa devia ser 
minha. 
Foi então que Jorge me contou uma história pela primeira vez.
Eu aprenderia mais tarde que ele adorava fábulas, parábolas, 
contos, frases de efeito e metáforas.
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Segundo ele, a única maneira de compreender um fato sem 
vivenciá-lo é ter uma clara representação simbólica do aconteci-
mento. 
– Uma fábula, um conto ou uma história – afirmava Jorge – 
podem ser cem vezes mais lembrados que mil explicações teóricas, 
interpretações psicanalíticas ou divagações formais. 
Nesse dia, Jorge me disse que poderia haver alguma coisa fora 
dos eixos em mim, mas que minha conclusão autoacusadora não se 
baseava em fatos concretos. Depois me relatou uma dessas histórias 
que ele contava em primeira pessoa e que eu nunca sabia se eram 
parte da sua vida ou da sua fantasia:
Meu avô era um grande pinguço. O que ele mais gostava de be-
ber era anis turco. Ele servia o anis e acrescentava água para deixá-lo 
mais fraco, mas se embriagava do mesmo modo.
Então tomava uísque com água e se embriagava.
E tomava vinho com água e se embriagava.
Até que um dia decidiu se curar... e suspendeu a água!
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O elefante acorrentado 
– Não posso – falei. – Não posso!
– Tem certeza? – perguntou Jorge.
– Tenho. Tudo o que eu queria era me sentar na frente dela e 
dizer o que sinto... mas sei que não posso.
Meu terapeuta sentou-se como Buda na horrorosa poltrona 
azul da sala. Sorriu, olhou nos meus olhos e, baixando a voz (como 
fazia sempre que queria ser ouvido atentamente), disse:
– Posso lhe contar uma história?
Meu silêncio foi resposta suficiente. Jorge começou a contar.
Quando eu era criança, adorava o circo, e o que mais gostava 
de ver eram os animais. O elefante era o que mais me chamava a 
atenção. Durante o espetáculo, aqueleanimal enorme fazia uma 
demonstração de peso, tamanho e força descomunais... mas depois 
da apresentação, ele ficava amarrado por uma das patas com uma 
corrente presa numa pequena estaca cravada no chão.
Embora a corrente fosse grossa e resistente, me parecia óbvio 
que o elefante, capaz de arrancar uma árvore pela raiz com sua for-
ça, poderia facilmente arrancar a estaca e fugir. 
O mistério era evidente: por que ele não fugia?
Quando eu tinha 5 ou 6 anos e ainda confiava na sabedoria dos 
adultos, perguntei a um professor sobre o mistério do elefante. Ele 
me explicou que o animal não fugia porque era adestrado.
– Se é adestrado, por que o acorrentam? – perguntei.
Não me lembro de ter recebido qualquer resposta coerente.
Com o tempo, esqueci um pouco essa história e só me lem-
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brava dela quando encontrava alguém que tinha a mesma dúvida 
que eu.
Há alguns anos conheci uma pessoa sábia o bastante para dar 
uma resposta: o elefante do circo não foge porque sempre esteve pre-
so a uma estaca parecida com essa – desde muito pequeno.
Fechei os olhos e imaginei o elefante recém-nascido preso à es-
taca. Tenho certeza de que naquele momento o elefantinho empur-
rou, puxou e suou, tentando se soltar. E, apesar de tanto esforço, 
não conseguiu.
A estaca certamente era forte demais para ele.
Eu poderia jurar que ele dormiu, exausto, e no dia seguinte fez 
tudo de novo, e também no seguinte, e no seguinte... Até que um 
dia aceitou sua impotência e resignou-se ao seu destino.
Esse enorme e poderoso elefante que vemos no circo não escapa 
porque acha que não pode. Ele tem o registro e a lembrança de sua 
incapacidade, aquela que sentiu logo depois de nascer. O pior é que 
nunca mais voltou a questionar isso.
E jamais tentou pôr sua força à prova novamente.
– É isso aí, Demián. Todos somos um pouco como esse ele-
fante do circo: vivemos amarrados a muitas estacas que nos tiram 
a liberdade. Acreditamos que “não podemos” um monte de coisas, 
simplesmente porque alguma vez, quando éramos crianças, tenta-
mos e não conseguimos. Então fizemos o mesmo que o elefante. 
Gravamos na memória um registro de incapacidade e repetimos 
“Não posso... Não posso e nunca poderei”. 
Fiquei olhando para ele, calado. 
– Crescemos carregando essa mensagem que nos impusemos e 
nunca mais voltamos a tentar – disse ele. – No máximo, sentimos os 
grilhões e, de vez em quando, fazemos soar as correntes ou olhamos 
para a estaca e confirmamos o estigma: “Não posso e nunca poderei!”
Jorge fez uma longa pausa; depois se aproximou, sentou-se no 
chão à minha frente e concluiu:
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– Isso é o que acontece com você. Você vive condicionado pela 
lembrança de que outro Demián, que já não existe, não conseguiu. 
A única maneira de saber se você pode agora é tentar novamente, 
usando todo o seu coração... Todo o seu coração.
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O peito e o leite 
Jorge não contava histórias em todas as sessões, mas eu me lembro 
de quase todas as que ele contou durante aquele um ano e meio de 
terapia. Talvez ele estivesse certo e essa fosse mesmo a melhor ma-
neira de me ensinar alguma coisa.
Lembro-me do dia em que eu disse que me sentia muito depen-
dente dele. Falei sobre quanto me incomodava não poder ficar sem 
a ajuda que ele me oferecia. A mistura de admiração e amor que eu 
tinha por Jorge fazia com que eu sentisse muita necessidade de sua 
aprovação. Então ele me disse:
Você tem fome de saber e fome de crescer. 
Fome de conhecer e fome de voar...
É possível que hoje eu seja o peito que dá o leite que aplaca sua 
fome... 
É ótimo que você queira esse peito. 
Mas não se esqueça:
Não é do peito que você precisa... 
É do leite!
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O tijolo bumerangue 
Naquele dia eu estava muito aborrecido. Tudo me incomodava. Mi-
nha atitude no consultório era pouco produtiva, eu só reclamava. 
Falava mal de tudo o que tinha e fazia. Eu estava com raiva de mim 
mesmo. 
– Sou um babaca – falei. – Um idiota. Eu me odeio.
– Metade das pessoas neste consultório odeia você. A outra me-
tade vai contar uma história.
Havia um garoto que andava por aí com um tijolo na mão. 
Tinha decidido arremessá-lo em qualquer pessoa que o deixasse 
irritado. Essa atitude era um pouco agressiva, mas parecia eficaz, 
não é? 
Um dia ele cruzou com um amigo que lhe respondeu mal. Fiel 
ao seu objetivo, pegou o tijolo e atirou nele. Não me lembro se che-
gou a atingi-lo, mas o garoto ficou irritado por ter que buscar sua 
arma depois do ataque. 
Decidiu então melhorar o “sistema de autoconservação do ti-
jolo”, como ele o chamava. Amarrou uma corda de um metro de 
comprimento ao tijolo, pois assim não precisaria andar tanto para 
trazê-lo de volta. Atirou-o em outra pessoa e rapidamente compro-
vou que o novo método também apresentava problemas.
Por um lado, a vítima tinha que estar a menos de um metro de 
distância. Por outro, tinha o trabalho de puxar a corda, que muitas 
vezes enrolava e formava nós.
O garoto decidiu inventar o “sistema TIJOLO III”, substituin-
do a corda por uma mola.
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Agora sim, pensava, poderia lançar o tijolo várias vezes, que ele 
voltaria sozinho.
Quando saiu à rua e recebeu a primeira agressão, atirou o tijolo. 
Errou o alvo, mas a mola fez com que o tijolo voltasse e atingisse 
sua cabeça.
O segundo tijolo que arremessou também o atingiu, assim 
como o terceiro. 
O que aconteceu no quarto foi interessante. O garoto tinha 
decidido arremessar o tijolo em sua vítima e, ao mesmo tempo, 
protegê-la da sua agressão. Esse galo ficou enorme.
Nunca se soube exatamente por que, mas o garoto jamais con-
seguiu atingir alguém.
Os golpes sempre atingiram ele mesmo.
– Esse mecanismo se chama retroflexão e consiste basicamen-
te em proteger outra pessoa da nossa agressividade. Criamos uma 
barreira que detém nossa energia negativa para que ela não atin-
ja o outro. Essa barreira não absorve o impacto, apenas o reflete. 
Assim, toda a raiva volta para nós mesmos, e a manifestamos por 
meio de condutas de autoagressão (danos físicos, comida em exces-
so, drogas, riscos inúteis) ou de emoções ou manifestações ocultas 
(depressão, culpa, somatização). Seria muito bom se não ficássemos 
com raiva. Porém, quando ela surge, a única maneira de dissipá-la é 
colocando-a para fora. Caso contrário, só o que conseguimos é ficar 
com raiva de nós mesmos.
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O verdadeiro valor do anel 
Falávamos sobre a necessidade de sermos reconhecidos e valoriza-
dos. Jorge terminava de explicar a teoria de Maslow sobre essas ne-
cessidades. Todos precisamos do respeito e da afeição dos outros 
para construir nossa autoestima.
Na ocasião, eu estava me queixando por não ser aceito por meus 
pais, não ter muitos amigos de verdade e não ser reconhecido no 
trabalho.
– Há uma velha história – disse Jorge, enquanto me passava a 
chaleira para que eu me servisse – sobre um jovem que procurou a 
ajuda de um sábio. O problema dele era parecido com o seu.
– Venho procurá-lo, mestre, porque me sinto tão medíocre que 
não tenho vontade de fazer nada. Dizem que sou inútil, que faço 
tudo errado, que sou atrapalhado. Como posso melhorar? O que eu 
posso fazer para ser mais valorizado?
O mestre, sem olhar para o jovem, respondeu:
– Sinto muito, rapaz, mas não posso ajudá-lo. Primeiro devo 
resolver meu próprio problema. Talvez, se me ajudar a resolvê-lo, 
eu possa tentar fazer algo por você. 
– De... de acordo, mestre – titubeou o jovem, sentindo-se mais 
uma vez desvalorizado por ver suas necessidades sendo colocadas 
em segundo plano.
– Bem, moço – disse o sábio, tirando um anel do dedo min-
dinho da mão esquerda e entregando-o ao rapaz –, pegue o cavalo 
que está lá fora e vá até o mercado.Você deve vender este anel para 
pagar uma dívida. É necessário vendê-lo pelo melhor preço possí-
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vel, mas não aceite menos do que uma moeda de ouro. Vá e volte o 
mais rápido que conseguir.
O jovem pegou o anel e partiu.
Assim que chegou ao mercado, começou a oferecê-lo aos co-
merciantes. Eles demonstravam interesse, até que o jovem falava o 
preço.
Quando mencionava a moeda de ouro, alguns riam e outros iam 
embora. Um velhinho chegou perto dele e amavelmente explicou-lhe 
que uma moeda de ouro era muito por um anel. Querendo ajudar, 
alguém quis pagar com um anel de prata e uma panela de cobre, mas, 
seguindo as instruções do mestre, o homem não aceitou.
Abatido pelo fracasso, depois de oferecer a joia a mais de cem 
pessoas no mercado, ele montou no cavalo e regressou.
O rapaz desejava muito ter voltado com a moeda de ouro; assim 
poderia liberar o mestre da preocupação e receber seu conselho e 
sua ajuda. 
– Mestre, sinto muito, não foi possível conseguir o que pediu 
– disse ele ao entrar na casa. – Talvez até conseguisse duas ou três 
moedas de prata, mas não acredito que possa enganar ninguém so-
bre o valor do anel.
– O que você disse é muito importante, amigo – respondeu o 
sábio, sorrindo. – É preciso primeiro saber o verdadeiro valor do 
anel. Pegue o cavalo novamente e vá até o joalheiro. Quem melhor 
do que ele para saber? Ofereça a joia e pergunte quanto ele pagaria 
por ela. Mas não venda. Volte aqui com meu anel.
E o jovem saiu cavalgando novamente.
Depois de pesar e examinar o objeto com uma lupa, o joalheiro 
disse:
– Diga ao mestre que, se ele precisa vendê-lo agora, não posso 
pagar mais do que 58 moedas de ouro.
– Cinquenta e oito?! – exclamou o jovem.
– Sim – insistiu o joalheiro. – Eu sei que você poderia obter 
cerca de 70 moedas, mas como a venda é urgente...
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O moço, emocionado, voltou rapidamente à casa do mestre para 
contar o que tinha ocorrido.
– Sente-se – disse o sábio depois de escutá-lo. – Você é como 
este anel: uma joia valiosa e única. E, como tal, só pode ser avaliado 
por um especialista. Por que você vai querer que qualquer um des-
cubra o seu verdadeiro valor?
E, dizendo isso, pôs novamente o anel no dedo mindinho da 
mão esquerda.
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O rei bipolar
Só me dei conta da minha excitação quando comecei a falar. Eu 
estava eufórico.
À medida que contava, percebia quantas coisas tinha feito na-
quela semana.
Como outras vezes, sentia-me triunfante, apaixonado pela vida, 
um super-homem. Falei dos meus planos para os próximos dias. 
Tinha tanta força, tanta energia!
Jorge sorria enquanto escutava meu relato. Como sempre, ele pa-
recia acompanhar meu estado de espírito. Poder dividir minha alegria 
com ele era mais um motivo para ficar contente. Tudo estava dando 
certo para mim. Continuei fazendo planos. Nem mesmo duas vidas 
seriam suficientes para eu realizar tudo o que eu estava disposto a fazer. 
– Tenho uma história para lhe contar – disse meu analista. Fi-
quei calado, mas reconheço que tive de fazer um esforço para isso.
Era uma vez um rei muito bom e poderoso que morava em um 
país distante. Mas ele tinha um problema: suas duas personalidades. 
Havia dias em que se levantava exultante, eufórico, feliz, e tudo lhe 
parecia maravilhoso. Achava os jardins de seu palácio ainda mais 
bonitos. Nessas manhãs, por alguma estranha razão, seus servos 
eram amáveis e eficientes.
Durante o desjejum, o rei afirmava que no seu reino eram fa-
bricadas as melhores farinhas e colhidos os frutos mais saborosos.
Naqueles dias, o monarca reduzia os impostos, repartia rique-
zas, concedia favores e legislava pela paz e pelo bem-estar dos an-
ciãos. Além disso, realizava todos os pedidos dos súditos e amigos.
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Mas também havia os “outros dias”.
Eram dias negros. Ele acordava achando que deveria ter dormi-
do um pouco mais, porém já era tarde e o sono o abandonara.
Apesar do esforço, não compreendia por que seus servos esta-
vam tão mal-humorados nem por que o serviço estava tão ruim. O 
sol o incomodava mais do que a chuva. Achava a comida sem graça 
e o café, frio. A ideia de receber pessoas piorava ainda mais sua dor 
de cabeça.
Nesses dias, o rei pensava nos compromissos que havia assu-
mido e em como conseguiria cumpri-los. Ele tornava a aumentar 
os impostos, confiscava terras, prendia seus opositores... Temeroso 
do futuro e do presente, perseguido pelos erros do passado, o rei 
voltava-se contra o povo e a palavra que mais usava era NÃO.
Consciente dos problemas causados por essas alterações de hu-
mor, o rei chamou todos os sábios, magos e assessores do reino para 
uma reunião.
– Senhores, todos vocês conhecem minhas mudanças de hu-
mor. Todos têm sido beneficiados pelos meus momentos de euforia 
e têm padecido com meus desgostos. Mas quem é mais prejudicado 
sou eu mesmo, que a cada dia desfaço o que já fiz, pois vejo as coisas 
de um modo diferente. Necessito que vocês trabalhem juntos para 
conseguir um remédio, uma poção mágica ou um encanto que me 
ajude a não ser tão absurdamente otimista que não enxergue os 
fatos nem tão ridiculamente pessimista que oprima e prejudique 
aqueles de quem eu gosto.
Os sábios aceitaram o desafio e trabalharam na tarefa durante 
várias semanas.
Porém, apesar de todos os feitiços e de todas as ervas, não en-
contraram solução e admitiram o fracasso.
Nessa noite, o rei chorou.
Na manhã seguinte, apareceu um estranho visitante pedindo 
um encontro com o rei. Era um misterioso homem de pele escura 
vestindo uma túnica puída que algum dia havia sido branca.
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– Majestade – disse o homem, fazendo uma reverência –, venho 
de um lugar onde se fala dos vossos males e da vossa dor. Trago o 
remédio de que Vossa Majestade precisa. – Inclinando a cabeça, 
entregou ao rei uma caixinha de couro. 
O rei, entre surpreso e esperançoso, abriu a caixa. Nela havia 
um anel prateado.
– Obrigado. É um anel mágico? – perguntou com entusiasmo.
– Sim – respondeu o viajante. – Mas apenas usá-lo não é su-
ficiente. Todas as manhãs, assim que vos levantardes, deveis ler a 
inscrição do anel e lembrar-se dessas palavras cada vez que o virdes 
em vosso dedo.
O rei pegou o anel e leu em voz alta: 
ISTO também passará.
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As rãs no creme 
Eu estava em época de provas. Já tinha feito duas provas finais e 
haveria mais uma na semana seguinte. A matéria era muito extensa 
e eu achava que não daria conta de estudar tudo.
– Não vou conseguir – falei. – É inútil continuar gastando ener-
gia numa causa perdida. Acho que é melhor fazer a prova com o 
que eu aprendi até agora; ao menos, se for reprovado, não vou me 
lamentar pelo tempo que perdi estudando.
– Você conhece a história das duas rãs? – perguntou Jorge.
Era uma vez duas rãs que caíram numa tigela de creme. Ime-
diatamente começaram a afundar; era impossível nadar ou boiar 
naquela massa espessa como areia movediça. No começo, as duas 
mexiam as pernas tentando inutilmente chegar à borda do recipien-
te. Só conseguiam espirrar creme para todos os lados sem sair do lu-
gar, afundando mais. Sentiam que era cada vez mais difícil respirar. 
Uma delas falou:
– Não adianta. É impossível sair daqui. Não consigo nadar neste 
líquido pegajoso. Já que vou morrer mesmo, para que prolongar a 
dor? Não vejo sentido em morrer extenuada por um esforço inútil.
Então ela parou de bater as pernas e afundou de vez, literalmen-
te engolida pela massa branca.
A outra rã, mais persistente, ou talvez mais teimosa, disse a si 
mesma:
– Não tem jeito! Não dá para sair daqui. Porém, já que a morte 
está chegando, vou lutar até ficar sem fôlego. Não quero morrer 
nem um segundo sequer antes da hora.
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Ela continuou batendo as pernas sem sair do lugar, sem avançar 
um centímetro, por horas a fio. E assim, depois de tanto mexer a 
massa, o creme virou manteiga.
A rã, surpresa, deu um pulo e foi patinando até a borda da tige-
la. E saiu coaxando alegremente de volta para casa.
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O homem que pensava estar morto 
Fiquei pensando no conto das duas rãs.
– É como aquela frase de Almafuerte – comentei. – “Não se dê 
por vencido nem quando já estiver vencido.” 
– Pode ser – disse meu terapeuta –, embora nesse caso me pare-
ça mais “Não se dê por vencido antes de ser vencido”. Ou, se você 
preferir, “Não se declare perdedor antes de chegar a hora da avalia-
ção final”. Porque...
E ele me contou outra história.
Havia um senhor que estava muito preocupado com sua saúde, 
temendo que a morte estivesse chegando. Um dia, junto com outras 
ideias loucas, ele achou que poderia já estar morto. Então pergun-
tou à sua mulher:
– Será que eu já estou morto? 
A mulher riu e mandou que tocasse as mãos e os pés. Ele obe-
deceu.
– Viu, estão mornos! – disse a mulher. – Isso quer dizer que você 
está vivo. Se estivesse morto, suas mãos e seus pés estariam gelados. 
A resposta pareceu razoável e o homem se tranquilizou.
Semanas depois, ele saiu durante uma nevasca para arranjar lenha. 
Quando chegou ao bosque, tirou as luvas e começou a cortar alguns 
galhos. Sem pensar, passou a mão na testa e notou que estavam frias. 
Lembrando-se do que a esposa lhe dissera, tirou os sapatos e as meias 
e verificou, aterrorizado, que seus pés também estavam gelados.
Naquele momento não teve mais dúvidas: tinha certeza de que 
estava morto.
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“Não é bom que um morto ande por aí cortando lenha”, disse 
a si mesmo. Assim, colocou o machado ao lado de seu burro e se 
deitou em silêncio no chão gelado, com as mãos em cruz sobre o 
peito e os olhos fechados.
Passados alguns momentos, uma matilha se aproximou da bol-
sa onde o homem guardava os alimentos que havia levado para o 
bosque. Ao ver que não seriam impedidos, os cães devoraram tudo. 
O homem pensou: “Sorte desses animais eu já estar morto. Caso 
contrário eu os expulsaria a pontapés.”
A matilha continuou farejando a área e encontrou o burro 
amarrado a uma árvore. Era uma presa fácil para os dentes afiados 
dos cães. O burro chiou e deu coices. O homem pensou que pode-
ria defendê-lo se não estivesse morto.
Em poucos minutos os cães acabaram com o burro. Insaciáveis, 
continuaram rondando o lugar. Não demorou muito até que um 
dos cães farejasse o homem. De repente, todos os animais estavam 
salivando à sua volta. 
“Agora vão me comer”, pensou. “Se eu não estivesse morto, se-
ria tudo diferente.”
Os cães se aproximaram... e, vendo que o homem não se mexia, 
comeram-no.
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