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METODOLOGIA DO ENSINO DA LINGUAGEM Roberta Spessato História da língua portuguesa: alguns apontamentos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer a origem da língua portuguesa e a importância do seu estudo. Identificar as diferenças entre a língua portuguesa e o português brasileiro. Relacionar as variações da língua portuguesa de forma didática. Introdução Um dos maiores desafios das aulas de português diz respeito, sem dú- vida, ao tratamento que o professor deve dar à variação linguística e aos saberes gramaticais. Para que os desafios não sejam tão perturbadores, é preciso conhecer não somente a origem da língua portuguesa, mas também contrastá-la com a sua história no Brasil. Neste capítulo, você vai estudar a origem da língua portuguesa. Você também vai ver quais são as principais diferenças entre a língua portu- guesa europeia e a brasileira. Além disso, vai conhecer alguns contrastes entre ambas. 1 A origem da língua portuguesa Os estudos linguísticos representam uma das mais antigas ciências exis- tentes na humanidade. Neves (2004) pontua que os primeiros estudos sobre a natureza da linguagem foram desenvolvidos pelos gregos por volta do século V a.C. Nas primeiras manifestações investigativas, a língua era estudada em uma perspectiva filosófica, em que representava a expressão do pensamento. Aos poucos, questionamentos sobre flexão verbal, estruturas e outros elementos foram surgindo, juntamente às transformações linguísticas. De acordo com Silva (1996), foi com o latim clássico, em Roma, no século I d.C., que ocorre- ram os primeiros estudos gramaticais de uma língua diferente do grego. Com os estudos atuais, sabe-se que a língua é um reflexo social e uma forma de imperialismo e unificação cultural. O Império Romano e a sua dominação foram decisórios para a formação das línguas neolatinas atuais. Os romanos, além de estudiosos, desenvolveram o con- ceito de civilização e deixaram várias construções como legado. A sua dominação não foi repentina; pelo contrário. Estudos alegam que os romanos chegaram à península por volta de 206 a.C. e, desde então, iniciaram um processo de dominação territorial. Com essa dominação, a língua latina foi imposta em todo o território. Assim, após séculos de plurilinguismos, diversos idiomas foram deixando de ser usados pelos habitantes, e o latim passou a ser a língua predominante. Embora tenha existido uma imposição linguística, a sociedade compro- vadamente se modifica, e a língua é um dos espelhos sociais; ou seja, se a sociedade não é uniforme, a língua tampouco o será. Portanto, assim como há variantes linguísticas nas línguas contemporâneas (como mostram os estudos sincrônicos atuais), o latim também possuía “subdivisões”: o latim clássico e o latim vulgar. O primeiro era usado pelas classes dominantes do Império e também por poetas, senadores, filósofos, etc. Ele se caracterizava por ser o latim correto, culto. O segundo, além de ter características de outros idiomas falados pelos povos dominados, era utilizado pelas classes consideradas mais baixas. Por muitos séculos, Portugal passou por diferentes guerras e invasões; concomitantemente, a língua portuguesa foi se transformando até configurar o idioma que você conhece atualmente. Segundo Cardeira (2006), há quatro fases primordiais para a língua portuguesa: o português antigo ou arcaico, o português médio, o português clássico e o português moderno. No século XIII, no reinado de D. Dinis, o português arcaico foi adotado como língua escrita. Esse idioma, de acordo com a autora, foi utilizado no pacto de Gomes Pais e Ramiro Pais (1173–1175) e no testamento de Afonso II (1214), entre outros documentos escritos em português antigo. No entanto, em função da diversidade linguística, ao lado do português antigo, com os trovadores, se originava a produção poética galego-portuguesa. O português médio, não sendo ainda a língua escrita por Camões, floresceu no início do século XV. Essa época é fundamental para a autonomia da língua portuguesa, pois o seu uso passou a fazer parte da cultura de Portugal. Cardeira História da língua portuguesa: alguns apontamentos2 (2006, p. 64) afirma que “[...] um processo de grande expressão do português a partir do século XV é a relatinização do português [...]”, pois mesmo que a língua portuguesa tenha atingido a sua autonomia em estudos escolares e na universidade apenas no século XVII, o primeiro passo foi dado, pelo menos, 200 anos antes. Além disso, essa fase se caracterizou por separar o galego do português. A expansão da língua portuguesa foi resultado da necessidade de afir- mação nacional e de consolidação de uma nova monarquia, o que ocorreu juntamente às grandes navegações. Como você viu, no Império Romano, o latim se tornou a língua oficial por uma questão de imposição linguística, o que também ocorreu com o português. Somente com a queda do Império Romano, com a crise feudal e com a proclamação de independência pelo rei D. Afonso Henriques, o país renasceu para uma nova época: a época das grandes navegações e dos descobrimentos. A história se repetiu, pois os que antes foram dominados passaram a ser os desbravadores e dominadores, e a sua dominação incluía a imposição linguística. A época das grandes navegações foi essencial para a formação do por- tuguês clássico. Com o avanço das conquistas, os portugueses descobriram novas terras, novas línguas e novas realidades. A relação com o catolicismo e a necessidade de dominação cultural oficializaram não apenas a língua portuguesa, mas também a espanhola. Portugal e Espanha foram duas nações muito fortes na época do descobrimento do Brasil. O reino de Castela, que deu origem à língua espanhola, se viu diante do mesmo problema de Portugal: precisava dominar as novas nações conquistadas. Além disso, segundo Azeredo (2001), essa fase foi marcada pelo Renascimento Cultural e Urbano (séculos XV a XVIII), e nele surgiram as primeiras gramáticas das línguas vernáculas. Portanto, a primeira gramática das línguas neolatinas ou românicas foi a gramática espanhola, nomeada Gramática de la lengua castellana e escrita por Elio Antonio de Nebrija em 1492. Portugal, após chegar ao Brasil, em 1500, percebeu a mesma necessidade, então a normatização da língua foi iniciada. A primeira gramática da linguagem portuguesa, de Fernão de Oliveira, data de 1536, enquanto a gramática de João de Barros foi publicada em 1540. Ambas foram fortemente inspiradas nas gramáticas clássicas. Essa fase foi substancial para o português. Junto com a primeira gramática do português, o último auto de Gil Vicente é representado e, ainda, nessa mesma época, se fundou o Santo Ofício da Inquisição. Gil Vicente estabelece a ponte linguística e cultural entre o português médio e o clássico. Além disso, a língua não é mais vista pelos portugueses somente como forma de comu- nicação, mas como objeto em si. Ou seja, a noção da importância linguística para a consolidação de um império é estabelecida. 3História da língua portuguesa: alguns apontamentos O interesse pela língua como objeto a ser estudado, organizado e planifi- cado é reflexo do Humanismo. As gramáticas e os dicionários surgem de um movimento europeu que tinha o objetivo de unificar e defender as línguas nacionais. A partir disso, Cardeira (2006, p. 69) afirma que “[...] nacionalismo, ideal unificador e expansionista traduzem-se em preocupação com o ensino da língua portuguesa. Multiplicam-se as gramáticas, os vocabulários e as cartilhas [...]”. No fim do século XVII, o português era uma língua em expansão, sendo disseminado por escritores renomados até os dias atuais. O racionalismo dos séculos XVII e XVIII, na óptica de Azeredo (2001), reforçou a ligação entre a linguagem e o pensamento, considerando “abusos” ou “imperfeições” tudo o que estivesse fora dessa concepção de língua. Embora os séculos XVII e XVIII sejammomentos importantes para a consolidação da língua portuguesa, eles fazem parte de um período transitório. O século XVIII simboliza a nova fase do português: o português moderno. Em 1759, a Companhia de Jesus é expulsa de Portugal e o monopólio educa- cional jesuítico se acaba. Com isso, constitui-se a Escola dos Nobres e a Academia Real da Ciência e reforma-se a universidade. O ensino de língua portuguesa e línguas modernas passa a integrar o currículo escolar e pesquisas de cunho linguístico começam a fazer parte da educação portuguesa. Uma consequência desse ensino foi a fixação da norma culta, o que se reflete até os dias atuais. Todavia, embora o século XVIII tenha sido substancial para o português moderno, Portugal viveu uma história paradoxal em sua existência. Veja: Quando se inicia o português moderno, no século XVIII, Portugal encontra-se dividido entre Europa e Brasil e entre um pensamento conservador e uma nova mentalidade. Na Europa, as inovações tecnológicas “iluminavam” o conhe- cimento; no Brasil, as riquezas agrícolas e minerais atraíam a emigração e alimentavam, em Portugal, um trono absolutista e uma aristocracia nobiliária e clerical (CARDEIRA, 2006, p. 74). Essa situação perdurou boa parte do século XVIII, mas a coroa não ima- ginava que o Brasil, no século XIX, seria oficialmente a sua nova casa. Em 1808, após a invasão francesa, enquanto a Inglaterra combatia os franceses em Portugal, a corte portuguesa se instalou no Brasil. A história da língua portuguesa, a partir dessa data, é demarcada por uma nova fase, da qual fez parte a expansão oficial do português culto de Portugal, mas também a identidade nacional do português brasileiro como outra língua. Conhecer a história da língua portuguesa europeia e a imposição linguística no Brasil é fundamental para a compreensão do português brasileiro falado hoje. História da língua portuguesa: alguns apontamentos4 As grandes navegações se caracterizam pela sua importância em relação à expansão territorial portuguesa. Nessa época (entre os séculos XV e XVI), o português atingiu todos os continentes; contudo, mesmo após essa visita, a língua portuguesa se “instalou” apenas em alguns locais. O português, em decorrência da colonização, é a língua oficial no Brasil, na Angola, na República Democrática de São Tomé e Príncipe, em Moçambique, na Guiné-Bissau e em Cabo Verde. 2 Português lusitano e português brasileiro A língua é um refl exo da sua comunidade falante. Para Calvet (2002, p. 12), “[...] as línguas não existem sem as pessoas que as falam, e a história de uma língua é a história de seus falantes [...]”. Embora exista uma suposta unifi cação da língua portuguesa, é necessário explicitar que a língua portuguesa lusitana e a língua portuguesa brasileira são duas línguas com duas histórias diferentes. Anteriormente, você conheceu a origem da língua portuguesa lusitana. Como você viu, ela se constituiu, oficialmente, há quase 900 anos, ou seja, tem praticamente o dobro da idade da língua portuguesa brasileira. Por isso, para que você compreenda as diferenças existentes entre as duas vertentes do português, é necessário que reflita sobre a história da língua portuguesa no Brasil. A origem do português brasileiro A história do Brasil, após as grandes navegações e a chegada do homem branco, é marcada pelo plurilinguismo, em função de todos os contatos linguísticos que aconteceram desde o século XVI. Mello (2011, p. 175) declara que “[...] o contato inicial entre os portugueses e os povos indígenas de línguas tupis- -guaranis levou à formação da língua brasílica, que chegou a ser falada como língua materna por parte da população da área que hoje é a cidade de São Paulo [...]”. Na óptica de Battisti (2014), na época do Brasil colonial (1530–1815), o português teve contato com as línguas indígenas faladas pelos nativos brasileiros e as línguas africanas dos mais de quatro milhões de escravos. Desde 1500, mesmo que a língua oficial do Brasil tenha sido o português, o País nunca foi monolíngue. Como você viu, desde a imposição inicial do português, a comunidade já falava línguas indígenas, e o contato não se deu 5História da língua portuguesa: alguns apontamentos “apenas” com línguas africanas, mas também com outras nações europeias, por exemplo, com os espanhóis, franceses, holandeses e ingleses. E isso se refere apenas aos primeiros 300 anos desde o descobrimento. Inclusive, Mello, Altenhofen e Raso (2011, p. 13) afirmam que, “[...] ao longo dos mais de cinco séculos depois do descobrimento, no território brasileiro, conviveram, comunicaram e se misturaram populações ameríndias, europeias, africanas e asiáticas. Se a língua-teto foi o português, essa língua conviveu e ainda convive em lugares e domínios do repertório com muitas outras [...]”. Battisti (2014) afirma que foi no Brasil colonial que se consagrou a iden- tidade nacional, sustentada pela tríade branco, índio e negro. Além disso, para a autora, foi também no plano linguístico que surgiram características definidoras do português brasileiro, como a colocação de pronomes antes do verbo em início de sentença (“Me viu” em lugar de “Viu-me”). Na visão de Mello (2011), a língua portuguesa se consolidou no Brasil após a vinda da família Real, em 1808, e a ampliação da escolarização no século XIX. Além disso, para Andreazza e Nadalin (2011), a descoberta do ouro no século XVIII atraiu a vinda espontânea de outros colonos portugueses sedu- zidos pela possibilidade de enriquecer com a mineração, o que favoreceu a ocupação em lugares até então não colonizados, como Goiás e Mato Grosso. E, obviamente, se fez necessária uma nova leva de importação de africanos. A situação inicial de plurilinguismo foi gradualmente desaparecendo, e o português, paulatinamente, passou de língua oficial a língua efetivamente falada por uma população mestiça, na qual o branco sempre ocupou o topo da hierarquia social. Calvet (2002) afirma que existe um conjunto de atitudes e sentimentos dos falantes para com as suas línguas, para com as variedades de línguas e para com aqueles que as utilizam. Ou seja, se o homem branco, português, ocupa o topo da hierarquia social, a tendência é que a sua língua seja instaurada paulatinamente na sociedade. A perspectiva linguística desde a independência do Brasil A família real, que vivia no Brasil desde 1808, após a Revolução Liberal do Porto, em 1820, teve de voltar à sua terra de origem. O rei, D. João I, havia deixado seu fi lho D. Pedro II como governante representante da corte por- tuguesa; no entanto, em 1822, o príncipe declara a independência do Brasil, tornando-se imperador dessa nação. O português brasileiro se formou a partir de uma língua base portuguesa, trazida pelos colonizadores, adquirida como segunda língua por milhões de História da língua portuguesa: alguns apontamentos6 africanos e por povos indígenas. Tal língua foi alterada pela influência de outras nações europeias desde o início da colonização e continuou em permanente evolução por meio de outros contatos linguísticos que ocorreram após 1822. A partir da independência, segundo Andreazza e Nadalin (2011), construía- -se uma nova sociedade, em que o objetivo era povoar e branquear a nação, ou seja, o imigrante passou a ser extremamente necessário para “trazer o pro- gresso” e “domar o interior selvagem”. O desenrolar desse propósito permitiu que, desde o final do século XIX e em grande parte do século XX, entrassem mais de cinco milhões de estrangeiros no Brasil. Ou seja, entre meados de 1820 e 1970, houve a entrada de imigrantes italianos, alemães, espanhóis, ucranianos, poloneses e japoneses para ocupar pequenas propriedades em colônias, principalmente no Sul do País. No entanto, a entrada dos imigrantes, embora tivesse o objetivo de bran- quear a nação, nem sempre foi vista com bons olhos. Segundo Croci (2011), a abolição da escravidão, em 1888, ocorreu devido a um significativo movimento de desobediênciados escravizados, resultando na fuga em massa dos afro- descendentes. Os negros estavam montando suas comunidades quilombolas e a mão de obra ficava cada vez mais escassa. Por questões de necessidade e por pressão social de parte da sociedade intelectual abolicionista, a Lei Áurea foi assinada. Em função disso, o País viveu numa contradição entre os que detinham o poder: enquanto os latifundiários apenas buscavam substituir o trabalho escravo, a burocracia imperial e a intelectualidade estavam preocupadas com o mapa social e cultural do País. Estas tinham como meta transformar a imi- gração em um processo civilizatório, com o objetivo de construir a identidade nacional. Elas se inspiravam em teorias sobre o branqueamento populacional e almejavam a “melhora” da raça brasileira. Croci (2011) afirma que a entrada de imigrantes europeus foi estratégica para a operação de branqueamento da sociedade que estava em formação. Mesmo que os imigrantes tivessem “ganhado terras”, as suas condições eram subalternas; além disso, quando a sua cultura passou a ser inserida de maneira efetiva na sociedade, mesmo brancos, antes desejados, passaram a ser indese- jáveis. Em função das promessas não cumpridas e das péssimas condições de trabalho, o fluxo de saída dos imigrantes europeus foi superior ao de entrada. Dessa forma, em 1902, foi expedido, pelo governo italiano, o decreto Prinetti, no qual o governo italiano afirmou que o governo brasileiro tratava seus imigrantes como “escravos brancos”, proibindo a emigração subvencionada. Por necessidade de mão de obra, o Brasil conseguiu firmar com o Japão uma solução imediata. Portanto, em 1907, Brasil e Japão firmaram um acordo 7História da língua portuguesa: alguns apontamentos migratório. No entanto, o governo japonês, além de possuir uma cultura com- pletamente diferente da brasileira, era mais imperialista do que os governos europeus. Por isso, tal acordo não agradou aos governantes, tampouco à elite brasileira. Com o aumento vegetativo e o aumento de imigrantes, em 1900, segundo Andreazza e Nadalin (2011), havia 17.318.556 habitantes no território brasileiro; em 1960, já eram 70.967.185 habitantes. As metrópoles brasileiras foram se formando e se consagrando multiétnicas, assim como configurando a sua cultura e a sua variedade linguística. Mello, Altenhofen e Raso (2011, p. 19) afirmam que, “[...] apesar de o Brasil parecer um país monolíngue, é um dos territórios com maior densidade linguística do mundo [...]”. Além disso, com os processos de globalização, a internet e o turismo, por exemplo, o Brasil, por ser um país ainda muito jovem e pluricultural, absorve constantemente novas características na sua fala. Mello (2011) é contra a visão de que o português do Brasil é uma evolução linguística do português lusitano. Para a autora, não existiu um processo de crioulização e descrioulização, ou seja, o português falado no Brasil não se formou apenas a partir da imposição do português falado em Portugal, mas também foi composto por inúmeras línguas indígenas, africanas, europeias, etc. A relação atual entre a língua portuguesa brasileira e a lusitana A relação entre a língua do colonizador e a língua do colonizado é um tema bastante discutido. Questiona-se, por exemplo, qual é a relação existente entre o português brasileiro e o português europeu, ou entre o espanhol europeu e o espanhol americano. Trata-se de uma mesma língua, ou estão em jogo dois idiomas? Essa pergunta está continuamente presente na relação entre o espanhol e o castelhano, mas não na relação entre o português do Brasil e o português de Portugal. Por incrível que pareça, o desconhecimento é algo extremamente relevante para tal questionamento. Isso porque existe uma unidade muito maior no espanhol, que tem oficialmente 22 países falantes, do que no português, que possui cinco. A unidade presente na língua espanhola e a identidade contrastante entre a língua portuguesa brasileira e a lusitana se relacionam diretamente a aspectos históricos. Na época do Renascimento e do descobrimento, publicaram-se muitas gramáticas latinas inspiradas na literatura greco-romana. Foi nesse História da língua portuguesa: alguns apontamentos8 momento, mais especificamente em 1492 (ano de descobrimento da América), que o latinista Elio Antonio de Nebrija foi convidado pela coroa de Castela (que deu origem à Espanha) para escrever a primeira gramática da língua castelhana. Essa publicação é um marco na história das gramáticas das lín- guas românicas, pois na Europa não havia nenhuma gramática de qualquer língua vulgar. O italiano teve sua primeira gramática em 1529, o português, em 1536, e o francês, em 1550. A Espanha foi a precursora na normatização das línguas latinas vernáculas. Com a normatização linguística, seria possível não somente criar uma unidade linguística para propagar o idioma perpetuamente, mas, principal- mente, usar a língua como ferramenta na manutenção da unidade dos países conquistados. A partir disso, era possível criar material pedagógico para ensinar uma língua nacional aos povos colonizados. O uso de material pedagógico como objeto unificador de um povo foi fundamental para todos os países que fizeram parte das grandes navegações, inclusive para o Brasil. No entanto, a Espanha, além de vanguardista em relação à primeira gramática, em 1713, pela necessidade de manter o controle nas suas colônias, inaugurou a Real Academia Española, uma academia linguística existente até hoje e que normatiza, aceita as variantes da língua espanhola de diferentes países e unifica o idioma. Ela é a referência mundial do que se pode ou não aceitar no espanhol. Não há diferença — nem na prática, nem na teoria — entre o espanhol e o castelhano, já que se trata de um mesmo idioma. Assim, a comunicação entre um argentino, um espanhol e um chileno, mesmo com sotaques dis- tintos, é fluida, como no caso de um amazonense e um gaúcho dialogando. No entanto, a comunicação entre um português e um brasileiro não obtém o mesmo sucesso, pois, mesmo que Portugal tenha se inspirado na Espanha para a confecção de sua primeira gramática, a unificação oficial da língua portuguesa aconteceu apenas em 2009, com a última reforma ortográfica. Essa unidade linguística do português é ilusória, pois não se unifica algo artificialmente. Além disso, se não existisse a fala, a gramática nunca nas- ceria. Em contraste, há uma unidade na língua espanhola que foi imposta e construída ao longo de séculos. Sabendo que a língua é o reflexo da sociedade, ao comparar a história do português lusitano à história do português brasileiro, é possível perceber que se tratam de duas línguas. E, por mais que exista uma forma padrão no português brasileiro, há diferentes variantes que constituem essa unidade linguística repleta de identidade. 9História da língua portuguesa: alguns apontamentos O português do Brasil é uma língua que tem uma unidade dentro da sua variedade territorial, mas não tem tal unidade em relação ao seu antigo colo- nizador. O contato do português no Brasil com diferentes línguas e culturas resultou na identidade cultural e linguística desse idioma. Portanto, mesmo que existam diferentes sotaques e variações no português brasileiro, a comunicação é fluida entre um baiano, um carioca e um mineiro; entretanto, é possível e provável que todos tenham dificuldade de se comunicar com os portugueses. Ou seja, estão em jogo duas línguas diferentes que carregam a sua história, a sua unidade e a sua identidade. A seguir, veja a linha do tempo da história da língua portuguesa desde o descobrimento do Brasil. 1500 — Ocorre a chegada dos portugueses no Brasil. É o primeiro momento de contato linguístico entre as nações. 1536 — É publicada a primeira gramática da língua portuguesa, escrita por D. Fernão. 1580 — Começa a ser registrada a língua brasílica ou língua geral paulista. “Tucuriuri” significava “gafanhotos verdes”. 1580a 1640 — Período de dominação espanhola. 1759 — Marquês de Pombal promulga lei impondo o uso da língua portuguesa; no entanto, no território brasileiro, coexistem diversos idiomas indígenas e africanos. 1808 — A chegada da família real é decisiva para a difusão da língua: são criadas bibliotecas, escolas e gráficas (e, com elas, jornais e revistas). 1819 — A chegada de imigrantes europeus incentiva o branqueamento e as trans- formações do idioma, com a introdução de diversos estrangeirismos. 1907 — Inicia-se a imigração japonesa. 1922 — A Semana de Arte Moderna carrega o português informal para as artes. A crescente urbanização e o surgimento do rádio ajudam a misturar variedades linguísticas. 1988 — A Constituição garante a preservação dos dialetos de grupos indígenas e remanescentes de quilombos. 1990 — Com a televisão presente em mais de 90% dos lares, não se constata isolamento linguístico. 2000 — Com a evolução tecnológica, a internet começa a fazer parte da cultura brasileira. Devido à globalização, há uma aproximação bastante significativa da sociedade brasileira com outras culturas. História da língua portuguesa: alguns apontamentos10 3 O contraste estrutural entre o português do Brasil e o português europeu Como você pôde perceber, existem dois idiomas, e um deles pode ser con- siderado a língua materna de outro; ou seja, há o português de Portugal e o português brasileiro. Para Câmara Jr. (1976), as diferenças entre a língua portuguesa brasileira padrão e a língua portuguesa padrão resultam em dois sistemas linguísticos distintos, ou seja, dois diferentes idiomas, como você pode ver a seguir: [...] as discrepâncias de língua padrão entre Brasil e Portugal não devem ser explicadas por um suposto substrato tupi ou por uma suposta influência africana, como se tem feito às vezes. Resultam essencialmente de se achar a língua em dois territórios nacionais distintos e separados (CÂMARA JR., 1976, p. 30–31). As evidências linguísticas que organizam as oposições entre o português brasileiro e o europeu representam a identidade linguística nacional de cada comunidade. Na óptica de Souza (2011), com o avanço da linguística, o centro das discussões sobre o português do Brasil ganha outros delineamentos. Afinal, busca-se explicar como as línguas, embora aparentadas, funcionam em sua estrutura de forma diferente, dando lugar a sistemas ou até mesmo idiomas distintos. Na visão de Perini (2011), hoje, no Brasil, a população urbana e escola- rizada fala uma variedade do português que pode ser considerada padrão, pois se trata da língua falada pela população culta brasileira. O autor afirma que concomitantemente há também certo número de variedades não padrão (normalmente estigmatizadas), utilizadas nas zonas rurais e por pessoas com pouca escolaridade em centros urbanos. E, por fim, há uma língua padrão escrita que se diferencia de todas as variedades faladas e que ainda se espelha no modelo do português escrito baseado nas gramáticas da língua portuguesa europeia. Assim como há a forma padrão falada pelos brasileiros, há também a forma padrão falada pelos portugueses. Contudo, segundo Perini (2011, p. 140), “[...] o padrão falado brasileiro difere em muitos pontos importantes do padrão falado europeu, de modo que não é ficção falar num português americano, em bloco, em face do bloco do português europeu [...]”. A seguir, veja algumas diferenças sintáticas existentes entre o português lusitano e o brasileiro. 11História da língua portuguesa: alguns apontamentos A morfologia verbal Em Portugal, segundo Holm (2011), o pronome de tratamento “tu” é informal, enquanto “você” é formal. No Brasil, os lugares que usam “tu” o conjugam na terceira pessoa do singular, e os lugares que usam “você” o utilizam em situações formais e informais. Além disso, os falantes brasileiros não utilizam o pronome de sujeito “vós”. De acordo com Perini (2011), o pronome “vos” está completamente extinto no Brasil. De maneira geral, há uma redução na conjugação verbal no português brasileiro. Por exemplo: Eu parto Tu/você/ele parte Nós partimos Mello (1997) afirma que os falantes brasileiros utilizam mais os pronomes de sujeito do que os falantes portugueses, pois os pronomes são necessários para todas as pessoas, menos para as primeiras, uma vez que elas mantêm a sua marca flexional distinta. Na óptica de Perini (2011), a simplificação também é retratada pela subs- tituição do pronome de primeira pessoa do plural (“nós”) por “a gente”, que se conjuga na terceira pessoa do singular. Portanto, o quadro do português falado no Brasil, segundo o autor, é o seguinte: Eu faço Tu/você/ele/a gente faz Vocês/eles fazem O uso dos pronomes em relação à substituição de oblíquo por reto Uma das características mais marcantes do português brasileiro é o uso de formas pronominais plenas como objeto direto, em substituição aos clíticos esperados pela norma padrão. Por exemplo: Vi uma calça linda e quero muito comprar ela. No lugar de: Vi uma calça linda e quero muito comprá-la. História da língua portuguesa: alguns apontamentos12 O uso dos pronomes em relação à ordem O brasileiro tem o hábito de usar o pronome oblíquo para iniciar a oração. Por exemplo: Maria, te comprei um presente. No lugar de: Maria, comprei-te um presente. Tempos verbais O futuro do presente (“chegarei”), o mais-que-perfeito (“chegara”) e o futuro do pretérito (“chegaria”), para Perini (2011), são praticamente inexistentes. O autor afi rma que a noção de futuro se expressa pelo presente do indicativo. Por exemplo: Amanhã João vai a Porto Alegre. No lugar de: Amanhã João irá a Porto Alegre. Também se utiliza a construção “ir” + infinitivo: Eu vou vender meu carro. No lugar de: Eu venderei meu carro. Os estudos que investigam se o português brasileiro é ou não uma nova língua ultrapassam a questão linguística e cultural, pois está em jogo, principal- mente, uma discussão política. Perini (2011) afirma que há uma nova língua em formação no Brasil e em Portugal, já que o processo de afastamento é mútuo. Ou seja, as diferenças linguísticas abarcam todas as áreas da gramática — não só a sintaxe, mas também a fonologia, a morfologia e a semântica. Com a evolução da linguística e com o avanço dos estudos linguísticos, há uma 13História da língua portuguesa: alguns apontamentos tendência paulatina de separação. No entanto, a ciência, embora com estudos e provas cabíveis para a separação dos idiomas, depende do Estado para que os estudos saiam das academias e cheguem à comunidade. Espera-se, portanto, que a história se repita. Isto é, que a autonomia do Brasil (não apenas econômica, mas também cultural e linguística) tenha como reflexo uma língua chamada não “português brasileiro”, mas apenas “brasileiro”, a qual não negará a relação com a sua língua materna, o português. ANDREAZZA, M. L.; NADALIN, S. O. História da ocupação do Brasil. In: MELLO, H. R.; ALTENHOFEN, C. V.; RASO, T. (org.). Os contatos linguísticos no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2011. p. 57–72. AZEREDO, J. C. Iniciação à sintaxe do português. 7. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. BATTISTI, E. O português falado no Rio Grande do Sul: história e variação linguística. In: BISOL, L.; BATTISTI, E. (org.). O português falado no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2014. p. 9–17. CALVET, L. J. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola Editorial, 2002. CÂMARA JR., J. M. História e estrutura da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Padrão, 1976. CARDEIRA, E. O essencial sobre a história do português. Lisboa: Editorial Caminho, 2006. CROCI, F. A imigração no Brasil: In: MELLO, H. R.; ALTENHOFEN, C. V.; RASO, T. (org.). Os contatos linguísticos no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2011. p. 73–120 HOLM, J. O português do Brasil e o português europeu. In: MELLO, H. R.; ALTENHOFEN, C. V.; RASO, T. (org.). Os contatos linguísticos no Brasil. Belo Horizonte:UFMG, 2011. p. 157–172. MELLO, H. R. Formação do português brasileiro sob a perspectiva da linguística de contato. In: MELLO, H.; ALTENHOFEN, C. V.; RASO, T. (org.). Os contatos linguísticos no Brasil. 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Belo Horizonte: UFMG, 2011. p. 139–155. SILVA, R. V. M. Tradição gramatical e gramática tradicional. 3. ed. São Paulo: Contexto, 1996. SOUZA, T. C. Língua nacional e materialidade discursiva. In: MELLO, H. R.; ALTENHOFEN, C. V.; RASO, T. (org.). Os contatos linguísticos no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2011. p. 241–253. 15História da língua portuguesa: alguns apontamentos LINGUÍSTICA GERAL Marlise Buchweitz Níveis de linguagem Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir as características das modalidades escrita e falada da língua culta e da língua popular. Identificar os contextos de uso da língua culta e da língua popular. Reconhecer a necessidade do uso de cada uma das modalidades das línguas culta e popular de acordo com os seus contextos. Introdução Neste capítulo, discutiremos as características das modalidades escrita e falada da língua culta e da língua popular, com maior ênfase na fala devido ao fato de, muitas vezes, ser motivo de preconceito e consequente discriminação nas mais variadas comunidades linguísticas. Nesse sentido, constataremos que não há modos “corretos” ou “errados” de expressar-se, tendo em vista que sempre é preciso considerar o contexto em que cada modalidade ocorre. Também estudaremos os usos das modalidades da língua e as relações entre os grupos sociais e as formas como cada um realiza a comunicação. Afinal, algumas características devem ser consideradas dentro de uma comunidade de fala, pois implicam nos modos como as construções linguísticas são organizadas em tal ambiente. Características das modalidades escrita e falada da língua culta e da língua popular Tanto a língua culta quanto a língua popular, também identifi cada como coloquial, possuem variantes que diferenciam as suas modalidades escrita e falada. Assim, sempre que ouvimos uma conversa, ainda que não prestemos muita ou quase nenhuma atenção ao assunto, somos capazes de formar distintas opiniões para qualifi car socialmente os sujeitos envolvidos de acordo com as escolhas linguísticas que fazem. Por outro lado, ainda que não dominemos as diferenças entre as modalidades da língua, já trazemos conosco certo co- nhecimento de mundo que nos permite identifi car tais nuances da linguagem. Camacho (2004, documento on-line) destaca que: [...] é possível identificar as características sociais de um falante desconhecido com base em seu modo de falar. Podemos facilmente concluir que toda língua comporta variedades: (a) em função da identidade social do emissor; (b) em função da identidade social do receptor; (c) em função das condições sociais de produção discursiva. Isso quer dizer que as características principais das modalidades escrita e falada, sejam da língua portuguesa ou de outros idiomas, são intrínsecas ao contexto social dos sujeitos participantes do discurso — oral ou escrito. Por- tanto, o emissor está sujeito também a variedades geográficas, ou diatópicas, e socioculturais, ou diastráticas. Somado a isso, quanto ao receptor e às condições sociais, têm-se as variedades estilísticas, ou diafásicas, que se referem ao grau de formalidade da situação e ao ajustamento do emissor à identidade social do receptor. Nesse sentido, quanto mais o emissor e o receptor mantêm contato entre si, mais provável é a semelhança entre os seus modos de comunicar-se. Por outro lado, outras características interferem a comunicação no que diz respeito aos sujeitos que a realizam. Para Camacho (2004, documento on-line): Fatores como idade, gênero e ocupação motivam o aparecimento de lingua- gens especiais que contrastam com a linguagem comum por consistirem em variedades dialetais próprias das diversas subcomunidades linguísticas, cujos membros compartilham uma forma especial de atividade, sobretudo na esfera profissional, mas também científica e lúdica. Podemos perceber o apontado pelo autor ao observarmos diferentes gera- ções de indivíduos, com especial interesse nas gírias por eles adotadas e nos seus jeitos de falar. Quanto às gírias, Camacho (2004, documento on-line) destaca que podem estar relacionadas à criação “[...] de neologismos por força de necessidades expressivas”, mas também a uma “[...] demanda especial, em certos grupos, por forte coesão social, cuja consequência é a exclusão, via linguagem, dos que não fazem parte do grupo”. A adoção de gírias com vistas à exclusão de sujeitos que não pertencem a certos grupos é constatada com maior frequência em comunidades linguísticas integradas por adolescentes Níveis de linguagem2 e jovens, o que podemos interpretar como uma maneira de proteger-se de críticas ou intromissões provindas de adultos ou idosos, dado o habitual conflito entre gerações. Vale ressaltarmos que a diversidade linguística não pode ser usada para separar os indivíduos em função do seu modo de falar ou de escrever. Um mesmo falante pode adotar diferentes variantes para expressar-se de acordo com o contexto no qual se encontra. Logo, você, como estudante de Letras e futuro professor, precisa ter consciência dessa diversidade e deve saber transitar entre os distintos modos de expressão para adequar-se da melhor maneira possível às situações interlocucionais que se apresentarem na sua trajetória profissional. Frente a isso, você jamais deve usar a língua para inferiorizar alguém por, supostamente, “falar errado”. A consciência linguística deve fundamentar a sua vida docente, já que, em cada contexto, você deve saber como interagir da melhor forma com os envolvidos. Por exemplo, na sala de aula da universidade, você deve utilizar a norma culta padrão, visto que, no meio acadêmico, ela se constrói e serve como mediadora da comunicação; porém, se você estiver no bar com os seus amigos, pode usar variações como “cê” em vez de “você”, “tá” em vez de “está”, “massa” em vez de “legal” ou “ótimo”, dentre tantas outras, possíveis e socialmente aceitáveis em uma conversa informal. Em suma, uma situação de comunicação e interação qualquer caracteriza: o contexto social; o assunto; a identidade do interlocutor/receptor. O contexto social depende de variedades geográficas, socioculturais e estilísticas Até este ponto dos nossos estudos, você leu, principalmente, sobre as características da linguagem falada. No que concerne à escrita, você deve conscientizar-se de que “[...] a pedagogia da língua materna deve valorizar o princípio de que todos os falantes são capazes de adaptar seu estilo de fala à diversidade das circunstâncias sociais da interação verbal e de discernir que formas alternativas são as mais apropriadas” (CAMACHO, 2004, documento on-line). Nesse sentido, a escrita deve ser sempre a mais próxima possível da 3Níveis de linguagemnorma culta da língua. Como professor, você deverá intermediar a construção do processo escrito do aluno, gradualmente, isto é, de forma evolutiva. Camacho (2004, documento on-line) também destaca que: Em geral, indivíduos de baixa escolarização e que exercem atividades produti- vas que não exigem senão habilidades manuais tendem a ser menos estimulados quanto à capacidade de operar com regras variáveis (ao menos no âmbito de seu trabalho). Nesse caso, como lhe foram vedadas as possibilidades de adaptar seu estilo às circunstâncias de interação, a variedade que usam acaba representando uma poderosa barreira para toda possibilidade de ascensão social que depender de capacidade verbal. Cabe ao sistema escolar cuidar para que as formas da variedade-padrão sejam desde cedo ensinadas à criança, para que, quando adulto, ela incorpore em seu acervo o máximo possível de formas padrão, tornando-se, assim, capaz de adequar a expressão verbal às circunstâncias de interação. A pedagogia da língua materna deve valorizar o princípio de que todos os falantes são capazes de adaptar seu estilo de fala à diversidade das circunstâncias sociais da interação verbal e de discernir quais formas alternativas são as mais apropriadas. Portanto, ainda que, inicialmente, o sujeito em processo de construção do seu conhecimento não escreva de acordo com a norma padrão da língua e a sua escrita esteja mais próxima da fala, a mediação deverá ser realizada pelo professor, com os devidos cuidados em relação a equívocos do aluno. Os desvios da norma culta serão normais até que as regras gramaticais sejam dominadas, de modo que, conforme ele adquirir o conhecimento necessário, a sua escrita se modificará, em um processo natural e gradual. A seguir, discutiremos um pouco mais as variações linguísticas. Variação linguística As variações linguísticas ocorrem de acordo com o meio no qual os su- jeitos encontram-se. Cada classe social ou região geográfi ca conta com peculiaridades nos modos de falar dos seus membros. Segundo Camacho (2004, documento on-line): [...] toda língua varia, isto é, não existe comunidade linguística alguma em que todos falem do mesmo modo e [...], por outro lado, a variação é o reflexo de diferenças sociais, como origem geográfica e classe social, e de circunstâncias da comunicação. Com efeito, um dos princípios mais evidentes desenvolvi- dos pela linguística é que a organização estrutural de uma língua (os sons, a gramática, o léxico) não está rigorosamente associada com homogeneidade; pelo contrário, a variação é uma característica inerente das línguas naturais. Níveis de linguagem4 Dessa forma, você pode perceber o quanto é importante para a sua trajetória profissional entender as peculiaridades das falas dos seus futuros educandos. Muitas vezes, os próprios indivíduos, inseridos nos seus contextos, creem falar erroneamente, tendo em vista que há uma cultura de “falar certo” ou “falar errado” sendo reforçada pelos que desfrutam da norma culta, mas possuem sensibilidade bastante para compreender as diferenças sociolinguísticas. Em sala de aula, você perceberá que cada educando traz singularidades sociais para o contexto escolar, cabendo aos professores o cuidado para evitar dis- criminações linguísticas na turma. Vejamos algumas situações de uso da linguagem coloquial nos casos a seguir. Caso 1 O sujeito reclama à sua mãe: “Farta muito pra essa veia se mexê?” O que se tem: na palavra falta, cuja letra “l” geralmente é representada na fala pelo fonema /u/, nesse caso assume o som de /ɾ/; na palavra velha, cuja partícula “lh” costuma ser representada na fala pelo fonema /ʎ̝ /, nesse caso assume o som de /i/; na palavra mexer, ocorre o apagamento do último fonema, /ɾ/, repre- sentado na escrita pela letra “r”. Interpretação: provavelmente, o falante é de baixa escolaridade ou provém de área rural. Caso 2 Um vizinho diz ao outro: “Os vizinho não chega nunca pra proseá”. O que se observa: diferença entre as concordâncias nominal e verbal, evidenciada pelo artigo definido no plural “os”, anunciando que se seguirá um sujeito pertencente também ao plural, sendo que o que se segue é um sujeito da 3ª p. sing. (“vizinho” = ele) e um verbo que concorda com essa pessoa (“chega”); 5Níveis de linguagem a variação lexical “proseá” como sinônimo de “conversar”. Interpretação: provavelmente, o falante é de baixa escolaridade ou provém de área rural de uma região específica do País. Ademais, cabe destacarmos algumas particularidades da linguagem coloquial: a palavra falta possui ‘l’ ao final da primeira sílaba; se comparada a uma palavra com ‘l’ no início da sílaba, como lápis ou ladeira, as mesmas substituições do fonema /l/ por /u/ ou /ɾ/ não sucederão, uma vez que nenhum falante nativo da Língua Portuguesa pronunciará “rápis”, embora fale “farta”, conforme o caso 1; é comum ouvirmos “Os vizinho não chega”, mas jamais “O vizinhos não chegam” de um falante nativo, motivo pelo qual podemos afirmar que o primeiro enunciado é gramatical e o segundo, agramatical. Tais observações indicam que há uma regra para a variedade popular, “[...] motivada pela organização sintática do Português, que permite a ausência de pluralidade nos últimos constituintes de uma locução, mas não no primeiro da série, que, via de regra, deve vir marcado com o plu- ral” (CAMACHO, 2004, documento on-line). Posto isso, Camacho (2004, documento on-line) afirma que: [...] esses fatos linguísticos nos levam a concluir também que a variação não é um processo sujeito ao livre arbítrio de cada falante, que se expressaria, assim, do jeito que bem entender; muito pelo contrário, a variação é um fenômeno regular, sistemático, motivado pelas próprias regras do sistema linguístico. Portanto, enquanto professor de linguagens, você deve estar ciente de que mesmo os falantes da variante popular seguem alguma regra para a formulação das suas orações. Em contraposição, eles não seguem as regras da língua culta. Nesse sentido, pensar que a língua, seja ela qual for, é única, invariável e que há um único modo “correto” de usá-la configura um mito. Níveis de linguagem6 Camacho (2004, documento on-line) alerta para o fato de que “[...] todas as línguas e dialetos (variedades de uma língua) são igualmente complexas e eficientes para o exercício de todas as funções a que se destinam e nenhuma língua ou variedade dialetal é inerentemente inferior à outra similar [a] sua”. Além disso, devemos atentar que: [...] nenhuma forma de expressão é em si mesma deficiente, mas tão somente diferente, e todas as línguas e variedades dialetais forne- cem a seus usuários meios adequados para a expressão de conceitos e proposições lógicas; assim, nenhuma língua ou variedade dialetal impõe limitações cognitivas tanto na percepção quanto na produção de enunciados (CAMACHO, 2004, documento on-line). Portanto, não esqueça: todas as formas de expressão são válidas; a língua serve à comunicação; tanto a língua culta quanto a língua coloquial seguem uma sequência lógica e todos os falantes dessa são capazes de seguir tal sequência. Contextos de uso da língua culta e da língua popular Ainda que a escrita tenha sido criada tardiamente em relação à oralidade, Marcuschi (1997) destaca que, hoje, a escrita permeia quase todas as práticas sociais das mais variadas sociedades. Desse modo, ela é usada nos contextos sociais básicos, paralelamente à oralidade, os quais são: escola; família; trabalho; atividade intelectual; cotidiano; vida burocrática. 7Níveis de linguagem Assim, podemos destacar que, no Brasil, a língua culta possui um padrão nacional, mas também padrões regionais, além de uma série de padrões ideais locais, conforme apontam os pesquisadores no livro organizado por Bagno (2004). Isso implica destacar que os contextos de uso das línguas culta popu- lar estão relacionados às variedades geográficas e socioculturais, conformeestudamos anteriormente neste capítulo. Os principais ambientes de uso da norma culta são a escola e a academia, ou seja, as instituições de ensino. Nesses contextos, os sujeitos podem aprimorar os seus conhecimentos da língua, com o intuito de expressarem- -se com base nas regras que o código escrito exige. Conforme destacado previamente, você precisa ter o devido cuidado ao corrigir os desvios da norma, o que sempre deve ser feito de forma didática e conscientizando os educandos dos motivos pelos quais tal variedade não é adequada à ocasião ao invés de, simplesmente, acusá-la de inaceitável, “errada”. Ademais, você deve respeitar o tempo de cada educando, posto que o processo de aquisição da língua é distinto para cada um. Em uma mesma sala de aula, você poderá se deparar com diferentes níveis de aprendizagem da norma culta da língua, a depender dos sujeitos que se apresentarem. Todavia, atentemos ao fato de que a língua culta não se limita aos es- paços escolar ou universitário. O que podemos analisar é que, nos meios escolar e acadêmico, existe a possibilidade de reflexão e de aprendizado sobre a língua no âmbito das suas mais diversas variantes. Frente a isso, é importante perceber que a norma culta é uma forma universal, ou seja, uma modalidade da linguagem à qual todos os sujeitos do País devem têm acesso — ou deveriam ter — por meio do ensino. Desse modo, quando o objetivo de um texto — escrito ou falado — é ser lido por todos os sujeitos de um país, é necessário adotar a norma culta. Por outro lado, quando se está em um contexto local ou regional qualquer, é possível usar variantes específicas daquele lugar para ser compreendido. Níveis de linguagem8 O uso de cada uma das modalidades das línguas culta e popular de acordo com os seus contextos Guy (2000) defi ne o que é uma comunidade de fala, atribuindo-lhe algumas características. Características linguísticas compartilhadas: palavras, sons e cons- truções gramaticais utilizadas dentro da comunidade, mas que não são usadas fora dela. Densidade de comunicação interna relativamente alta: diz respeito à frequência com que as pessoas se comunicam dentro do grupo, sendo maior do que em relação a pessoas de fora dele. Normas compartilhadas: ações em comum frente ao uso da língua, normas em comum frente à direção da variação estilística, avaliações sociais em comum frente às variáveis linguísticas. São essas especialidades do modo de comunicação dentro de um grupo de indivíduos que permitem os usos de cada uma das modalidades da língua culta e da língua popular. Os sujeitos utilizam as diferentes modalidades da língua sem precisarem ser advertidos a respeito. A construção da comunicação se estabelece segundo essas características de modo natural. Quando um sujeito inicia sua jornada escolar, pressupõe-se que ele aprenderá a ler e a escrever conforme as normas da língua culta. Por outro lado, quando um candidato à eleição de algum cargo público faz campanha em um bairro periférico de classe social mais baixa, ele busca adequar o modo de expressar-se àquele grupo, pois, em geral, pressupõe que o grau de escolaridade da comunidade não é muito elevado devido às condições de acesso à educação daqueles sujeitos. O uso das modalidades da língua culta e da língua popular, portanto, são sempre adequados ao contexto em que o falante se encontra. A partir do momento em que um sujeito deixa a sua comunidade de fala e insere-se em outra, ou ele adéqua o seu modo de falar, ou causa um estranhamento quanto à compreensão da mensagem que deseja transmitir. Tal adequação é possível, em nível mais elevado, aos sujeitos que compreendem o funcionamento da língua. Por isso, cabe a esses indivíduos o papel de mediadores de uma comunicação próxima dos seus receptores. 9Níveis de linguagem Para compreender a diferença entre as linguagens escrita e falada, o poema de Oswald de Andrade (1890–1954), publicado na coletânea Pau Brasil em 1925, é um bom exemplo ANDRADE, 2003): Pronominais Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso, camarada Me dá um cigarro Com base no conteúdo deste capítulo, percebemos que é necessário adequar o modo de expressar-se ao contexto no qual se está inserido. Poderá ocorrer, assim, um estranhamento pela inadequação da norma em alguns contextos, o que demonstra a importância de conhecimento da transição que o sujeito letrado deve realizar para comunicar-se com os diferentes grupos sociais. No link a seguir, você pode acessar um vídeo que trata das variantes linguísticas dos vestibulares, em especial, discutindo as normas culta e coloquial. https://goo.gl/898egS Níveis de linguagem10 ANDRADE, O. Pau Brasil. 2. ed. Porto Alegre: Globo, 2003. BAGNO, M. (Org.). Linguística da norma. São Paulo: Loyola, 2004. CAMACHO, R. G. Norma culta e variedades linguísticas. Cadernos de Formação, São Paulo, p. 34-49, 2004. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/174227/ mod_resource/content/1/01d17t03.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2019. GUY, G. R. A identidade lingüística da comunidade de fala: paralelismo interdialetal nos padrões de variação lingüística. Organon, v. 14, n. 28-29, p. 17-32, 2000. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/organon/article/view/30194/18703>. Acesso em: 14 jan. 2019. MARCUSHI, L. A. Oralidade e escrita. Signótica, v. 9, n. 1, p. 119-146, 1997. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6323097>. Acesso em: 14 jan. 2019. Leitura recomendada OFICINA DO ESTUDANTE. Variedade linguística: culta e coloquial. Produção da Oficina do Estudante, Campinas, 26 jun. 2017. Vídeo (3 m 51 s). Disponível em: <https://www. youtube.com/watch?v=eR01yuducm4>. Acesso em: 14 jan. 2019. 11Níveis de linguagem Conteúdo: ACENTUAÇÃO GRÁFICA Conteúdo: Michela Carvalho da Silva 2 INTRODUÇÃO Você sabe qual é a função da acentuação gráfica? Já percebeu que ela está relacionada a regras, e não à intensidade com que as palavras são pronunciadas? Conhece as suas regras conforme o Novo Acordo Ortográfico? O Novo Acordo Ortográfico é um apanhado de normas que visam a unificar as regras ortográficas em todos os países lusófonos, passando a vigorar a partir de 2009 e sendo obrigatório a partir de 2016. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Ao final da unidade você deverá ser capaz de: • Identificar as regras de acentuação gráfica conforme o Novo Acordo Ortográfico; • Demonstrar a utilização dos acentos agudo e circunflexo; • Selecionar a regra de acentuação adequada a cada palavra. REGRAS DE ACENTUAÇÃO A acentuação gráfica serve para marcar a posição da sílaba tônica de algumas palavras que fogem à regra da maioria dos vocábulos da língua portuguesa. Acentuamos as palavras para que sejam corretamente lidas e pronunciadas. Antes de iniciar o estudo das regras de acentuação, é importante definir a classificação das palavras conforme a posição da sílaba tônica. Vamos a ela: Oxítona A sílaba tônica é a última Ex: até, sofá Paroxítona A sílaba tônica é a penúltima Ex: cadáver, álbuns Proparoxítona A sílaba tônica é a antepenúltima Ex: trágico, patético 3 Isto posto, passamos às regras de acentuação conforme o Novo Acordo Ortográfico, que entrou em vigor com obrigatoriedade a partir de 1º de janeiro de 2016 e alterou a acentuação de algumas palavras: 1) São acentuados os monossílabos (palavras compostas por uma única sílaba) terminados em: a) – a (s): já, lá, vás b) – e (s): fé, lê, pés c) – o (s): pó, dó, pós, sós. 2) São acentuadas as palavras oxítonas terminadas em: a) – a (s): cajás, vatapá, ananás, carajás b) – e (s): você, café, pontapés c) – o (s): cipó, jiló, avô, carijós d) – em (ens): também, ninguém, vinténs, armazéns. 3) São acentuadas as palavras paroxítonas terminadas em: a) – i (s): júri, cáqui, lápis, tênis b) – us: vênus, vírus, bônus c) – r: caráter, revólver, éter d) – l: útil,amável, nível, têxtil e) – x: tórax, fênix, ônix f) – n: éden, hífen g) – um, – uns: álbum, álbuns, médium h) – ão (s): órgão, órfão, órgãos, órfãos i) – ã (s): órfã, ímã, órfãs, ímãs j) – ps: bíceps, fórceps. 4 IMPORTANTE 1) As paroxítonas terminadas em n são acentuadas, mas as que terminam em ens não são. Ex: edens, hifens. 2) Os prefixos terminados em i e r não são acentuados. Ex: semi, super. 4) Todas as proparoxítonas são acentuadas: cálido, tépido, cátedra, sólido, límpido, cômodo. 5) Casos especiais: a) São sempre acentuadas as palavras oxítonas com ditongos abertos -éis, - éu(s) ou -ói(s). Ex: anéis, fiéis, papéis; céu(s), chapéu(s), ilhéu(s), véu(s), herói(s), sóis. b) São acentuados o i e u, quando representam a segunda vogal tônica de um hiato e desde que não formem sílaba com r, l, m, n, z ou não venham seguidos de nh. Ex: saúde, viúva, saída, caído, faísca, aí. c) São acentuadas as vogais tônicas i e u das palavras oxítonas quando, mesmo precedidas de ditongo decrescente, estão em posição final, sozinhas na sílaba, ou seguidas de s. Ex: Piauí, teiú, teiús, tuiuiú, tuiuiús. 5 IMPORTANTE Se, neste caso, a consoante final for diferente de s, tais vogais não serão acentuadas. Ex: cauim, cauins. d) São acentuadas as palavras terminadas por ditongo oral átono. Ex: ágeis, jóquei, túneis, área, espontâneo, ignorância, imundície, lírio, mágoa, régua, tênue. e) É acentuada a vogal tônica i das formas verbais oxítonas terminadas em - air e -uir, quando seguidas de -lo(s) e -la(s), caso em que perdem o r final. Ex: atraí- lo(s), atraí-lo(s)-ia, possuí-la(s), possuí-la(s)-ia. f) Leva acento diferencial a sílaba tônica da 3ª pessoa do singular do pretérito perfeito pôde, para distinguir-se de pode, forma da mesma pessoa do presente do indicativo. Observação: A forma verbal pôr continuará a ser grafada com acento circunflexo para se distinguir da preposição átona por. g) A 3ª pessoa de alguns verbos é grafada da seguinte maneira: 1) quando termina em – em (monossílabos): 3ª pessoa do singular: ele tem, ele vem 3ª pessoa do plural: eles têm, eles vêm 2) quando termina em – ém: 3ª pessoa do singular: ele contém, ele convém 3ª pessoa do plural: eles contêm, eles convêm 3) quando termina em – ê (crê, dê, lê, vê e derivados): 3ª pessoa do singular: ele crê, ele revê 3ª pessoa do plural: eles creem, eles reveem 6 h) As palavras paroxítonas com os ditongos abertos -ei e –oi não são mais acentuadas. Ex: assembleia, boleia, ideia, proteico; alcaloide, boia, heroico, jiboia, paranoico. SAIBA MAIS Receberá acento gráfico a palavra que, mesmo incluída neste caso, se enquadrar em regra geral de acentuação, como ocorre com blêizer, contêiner, destróier, gêiser e outras, porque são paroxítonas terminadas em -r. i) Não se acentuam os encontros vocálicos fechados. Ex: pessoa, patroa, coroa, boa, canoa; teu, judeu, camafeu; voo, enjoo, perdoo, coroo. j) Perde o acento gráfico a forma para (do verbo parar) quando faz parte de um composto separado por hífen: para-balas, para-brisa(s), para-choque(s), para-lama(s). j) O trema não é mais utilizado nos grupos gue, gui, que, qui, mesmo quando for pronunciado e átono. Ex: aguentar, arguição, eloquência, frequência, tranquilo. Sintetizamos na tabela a seguir as principais regras de acentuação das oxítonas e paroxítonas: TERMINAÇÕES OUTRAS TERMINAÇÕES a(s), e(s), o(s), em e ens l, n, r, x, os, t, ã(s), ão(s), ei(s), i(s), u(s), on(s), um, uns OXÍTONAS sim não PAROXÍTONAS não sim 7 REFERÊNCIAS BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. DESLIGAMENTO Conteúdo: João Guterres de Mattos MORFOSSINTAXE I Patrícia Hoff Conceitos e interfaces: sintaxe e morfologia Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer os conceitos de sintaxe e morfologia. � Identificar os procedimentos metodológicos na interface. � Avaliar a importância da conexão entre sintaxe e morfologia. Introdução Livro é um substantivo, certo? Sim, é. E livro também pode ser sujeito ou objeto direto, por exemplo. No primeiro caso, a classificação é mor- fológica; no segundo, é sintática. Esse tipo de análise é possível porque a língua é um sistema complexo e pode ser estudada a partir de diferentes abordagens e variados enfoques de investigação. O objetivo, no entanto, é sempre o mesmo: estudar as funcionalidades da língua. Neste capítulo, você vai estudar os conceitos de sintaxe e morfolo- gia, duas ciências que propõem, respectivamente, a análise da função sintática e da classe gramatical dos termos de uma oração como forma de estabelecer conexões e significados no texto. Você também vai en- tender como se dá o funcionamento da formação de palavras, base da morfologia, que serve de ferramenta para adaptar palavras em relação ao significado que queremos comunicar. Morfologia vs. sintaxe Morfologia é a parte da gramática que estuda as palavras de acordo com a classe gramatical a que elas pertencem. As classes gramaticais são: substan- tivos, artigos, pronomes, verbos, adjetivos, conjunções, interjeições, prepo- sições, advérbios e numerais. Já a sintaxe estuda a função que as palavras desempenham dentro da oração, isto é: sujeito, adjunto adverbial, objeto direto e indireto, complemento nominal, aposto, vocativo, predicado, entre outros. O filho obedece aos pais. Análise morfológica � O: artigo definido masculino singular. � Filho: substantivo comum, simples, concreto, masculino singular. � Obedece: verbo obedecer, segunda conjugação. � Aos: combinação (a – preposição + os – artigo definido masculino plural). � Pais: substantivo simples, comum, plural. Análise sintática � O: adjunto adnominal. � O filho: sujeito simples. � Filho: núcleo do sujeito simples. � Obedece aos pais: predicado verbal. � Aos pais: objeto indireto. O filho tem obediência aos pais. Análise morfológica � O: artigo definido masculino singular. � Filho: substantivo comum, simples, concreto, masculino singular. � Tem: verbo ter, segunda conjugação. � Obediência: substantivo abstrato. � Aos: combinação (a – preposição + os – artigo definido masculino plural). � Pais: substantivo simples, comum, plural. Análise sintática � O: adjunto adnominal. � O filho: sujeito simples. � Filho: núcleo do sujeito simples. � Tem obediência aos pais: predicado verbal. � Obediência: objeto direto. � Aos pais: complemento nominal. Quando se trata de análise morfológica, os termos da oração são analisados isoladamente. Já na análise sintática, eles são analisados de acordo com a sua posição, ou seja, de acordo com a função desempenhada. Conceitos e interfaces: sintaxe e morfologia2 Tradicionalmente, a morfologia estuda os domínios da palavra, enquanto a sintaxe estuda os domínios da frase, da oração e do período. De acordo com o apresentado pelas gramáticas modernas, você deve consi- derar que a definição de palavra é uma unidade de som composta por vogais, consoantes, semivogais, sílabas e acentos que compõem enunciados, além de possuírem classificação morfológica. Já a frase trata-se do enunciado em si, com capacidade de comunicar, e é analisada sintaticamente. Estrutura morfológica Quanto à estrutura, você precisa conhecer alguns elementos importantes na formação das palavras: Morfema: unidade mínima de caráter significativo na palavra. Considere a palavra “mesinhas”: mes — elementos básicos da palavra, radical que a identifica. inh — indica que a palavra está no diminutivo. a — indica que a palavra é feminina. s — indica que a palavra é plural. Raiz ou radical: é a unidade irredutível da palavra, que concentra o seu significado. Considere a palavra “casa”, cujo radical é cas: casinha casebre casarão A partir do radical, você pode constituir várias palavras, acrescentado outros elementos. 3Conceitos e interfaces: sintaxe e morfologia Desinência: é a unidade responsávelpor caracterizar as flexões. Pode ser nominal (indicando gênero e número) ou verbal (indicando modo e tempo). Desinência nominal — menina, menino, criança, crianças. Desinência verbal — corri, correu, corremos, correram, correrias, correrá. Prefixos: são morfemas inseridos antes da palavra, modificando seu sentido. Atemporal Contraindicação Desconfigurado Refeito Sufixos: são elementos acrescentados ao final da palavra, também dando um novo significado. Panfletagem Casamento Rinite Perfeccionismo A frase no discurso Forma e função O debate da prioridade da forma sobre a função ou da função sobre a forma é antigo, e não se limita somente à área da linguística. Porém, a disposição em contrariar as abordagens que privilegiam uma ou outra tem sido forte na linguística moderna. Na abordagem funcionalista, a sintaxe é vista como o reflexo das funções comunicativas veiculadas pela frase. A partir desse ponto de vista, forma e uso não podem ser divididos em partes na explicação dos fenômenos na área da sintaxe. Na abordagem da Teoria da Gramática Gerativa desenvolvida por Chomsky, ao contrário, a sintaxe é um componente independente, com princípios próprios que independem do uso. Todavia, mesmo nessa aborda- gem, a questão da relação entre forma e função, entre gramática e uso, entre Conceitos e interfaces: sintaxe e morfologia4 estrutura e interpretação semântica, constitui-se uma questão central nas diversas formulações do modelo ao longo dos anos. Não faz sentido estudar a morfologia se ela não for aplicada ao enunciado. Por exemplo, palavras que isoladamente têm determinado sentido, no texto, podem apresentar outro sentido — uma vez que não trabalhamos sem levar em consideração o contexto em que as formas e funções estão inseridas. Veja um exemplo muito difundido: Ele não sabia que a aula terminaria mais cedo naquele dia. O sabiá nem sempre se aproxima das pessoas. Ele agora está são. São duas horas agora. Hoje é dia de São Jorge. ABAURRE, M. L.; PONTARA, M. N.; FADEL, T. Português: língua, literatura, produção de texto. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2004. BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006. CUNHA, C.; CINTRA, L. Nova gramática do português contemporâneo. 6. ed. Rio de Ja- neiro: Lexikon Editorial, 2013. FIORIN, J. L. Sintaxe. São Paulo: Contexto, 2009. ORLANDI, E. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 4. ed. Campinas: Pontes Editores, 2006. 5Conceitos e interfaces: sintaxe e morfologia Conteúdo: COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO Letícia Sangaletti Os modos de organização do discurso: tipo e gênero textual Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer uma sequência discursiva de acordo com sua tipologia e função dentro de um texto. � Usar as tipologias textuais de maneira adequada e consciente em seus textos. � Diferenciar tipo de gênero textual. Introdução Os textos são constituídos por sequências discursivas que podem assumir as funções de descrever, de narrar, de expor, de persuadir ou de fazer com que o leitor aja. Dependendo do gênero textual, você pode verificar todas essas se- quências para que o objetivo do texto seja atingido. Em uma petição, por exemplo, há momentos de descrever os sujeitos envolvidos, momentos de narrar os fatos e momentos de justificar os pedidos. Enfim, para que a atividade jurídica se realize em forma de petição, o discurso precisa se organizar coerentemente por meio das sequências tipológicas. Esse é o tema que você vai explorar neste texto. Modos de organização do discurso O indivíduo organiza sua fala considerando a situação comunicativa e os objetivos que possui a partir do seu discurso, como os efeitos que quer cau- sar. Assim, por meio de estratégias discursivas adequadas para cada caso, o locutor age sobre seu interlocutor. Conforme Charaudeau (2010), os modos de organização são os procedimentos que consistem em utilizar e organizar determinadas categorias da língua em função das finalidades discursivas do ato de comunicação. Esses modos de organização podem se dividir em quatro categorias: enunciativo, descritivo, narrativo e argumentativo. Os modos se diferenciam entre si conforme a função de base, que se trata da finalidade discursiva de cada projeto de fala. Eles também diferem de acordo com seu princípio de organização, que está relacionado a uma organização do mundo referencial e de sua encenação (CHARAUDEAU, 2010). O modo de organização enunciativo possui como função de base a relação de influência (eu > tu), o ponto de vista do sujeito (eu > ele) e a retomada do que já foi dito (ele). Seu princípio de organização é a posição em relação ao interlocutor, ao mundo e a outros discursos. O modo de organização descritivo possui como função de base identi- ficar e qualificar seres de maneira objetiva/subjetiva. Seus princípios são a organização da construção descritiva (nomear – localizar – qualificar) e a encenação descritiva. O modo de organização narrativo tem como função de base construir a su- cessão das ações de uma história no tempo, com a finalidade de fazer um relato. Seus princípios são a organização da lógica narrativa e a encenação narrativa. O modo de organização argumentativo possui como função de base expor e provar causalidades para influenciar o interlocutor. Seus princípios são a organização da lógica argumentativa e a encenação argumentativa. Os modos de organização servem para organizar o conteúdo e a matéria linguística. Como você deve imaginar, eles não são completamente separados, e mais de um podem aparecer no mesmo texto. Ou seja, os gêneros textuais podem se combinar com um modo de discurso, ou também resultar da combinação de vários modos. Nesse sentido, os textos se constituem por sequências discursivas, que assumem funções como as de narrar, descrever, persuadir e expor. Tipos textuais e gêneros textuais Os tipos textuais, de acordo com Marcuschi (2003), muitas vezes são empre- gados erroneamente, com sentido de gênero de texto. Conforme o teórico, Os modos de organização do discurso: tipo e gênero textual112 os tipos textuais possuem traços linguísticos predominantes, que é o que os define. Nas palavras do teórico (MARCUSCHI, 2003, p. 22): Tipologia Textual é um termo que deve ser usado para designar uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição. Em geral, os tipos textuais abrangem as categorias: narração, argumentação, exposição, descrição e injunção (SWALES, 1990; ADAM, 1990; BRON- CKART, 1999). Esse termo é usado para designar uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Nesse sentido, o tipo textual se dá por um conjunto de traços que vão formar uma sequência, e não um texto. Além disso, ao ser nomeado como “descritivo” ou “narrativo”, o texto não está sendo chamado pelo gênero em si, mas pelo predomínio de uma sequência de base. Quer dizer, o tipo textual é uma noção relacionada à forma com que o texto se constitui estruturalmente, quando, por exemplo, um texto configurado em um gênero pode ser organizado com vários tipos textuais. Conforme Marcuschi (2003), as tipologias textuais são descritiva, narrativa, expositiva, argumentativa e injuntiva. Já para Travaglia (2007), o tipo textual pode ser identificado e caracterizado por instaurar um modo de interação, uma forma de interlocução. Isso de acordo com perspectivas que variam, constituindo critérios para tipologias diferentes serem estabelecidas. Travaglia (2007) propõe diferentes formas de classificar os tipos textuais. Contudo, as ideias de Adam, Dolz e Schneuwly citadas por ele são as que mais se aproximam do que é apresentado por Marcuschi (2003). Adam (1993 apud TRAVAGLIA, 2007) elenca as sequências narrativa, descritiva, argumentativa explicativa e dialógica(conversacional). E Dolz e Schneuwly (2004 apud TRAVAGLIA, 2007) propõem cinco tipos de textos, referidos pelo autor como ordens: narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações. No que tange à definição dos tipos textuais, Travaglia (2007) afirma que é necessário observar os parâmetros e critérios usados para propor a tipologia e os objetivos com que foi construída a definição. Também é fundamental considerar o material textual que serviu como corpus, ou ainda o material empírico utilizado para sua proposição, assim como os elementos/categorias que compõem a tipologia e o fato de serem ou não da mesma natureza. Desse modo, observe a seguir as tipologias e seus objetivos: � Descritiva: o objetivo do texto de tipologia descritiva é descrever coisas, pessoas ou situações. Quando se trata de personagens, por exemplo, a descrição pode ser física ou psicológica. A física descreve características 113Os modos de organização do discurso: tipo e gênero textual externas, como altura, cabelo, cor da pele, olhos, idade, entre outros. A descrição física pode ser objetiva, quando o que é descrito se apresenta de forma direta, simples, concreta, como realmente é; ou subjetiva, que envolve os sentimentos do descritor. A descrição psicológica trata de comportamento, caráter, personalidade. Ela é sempre marcada por subjetividade. Os gêneros que possuem estrutura descritiva são: laudo, relatório, ata, guia de viagem, textos literários. � Narrativa: contar uma história, ficcional ou não, ocorrida em tempo e lugar determinados, envolvendo personagens, é a principal carac- terística da narração. Esse tipo possui o passado como tempo verbal predominante e geralmente é escrito em prosa. A narração pode ser feita em primeira pessoa, quando o narrador participa, sendo o narrador- -personagem; ou em terceira pessoa, quando há um narrador-observador, que mostra o que ele viu ou ouviu. Ainda pode haver um narrador onisciente, que sabe tudo o que se passa na cabeça das personagens. Os gêneros da estrutura narrativa são: conto, crônica, fábula, romance, biografia, lenda, narrativa de aventura, narrativa de ficção científica, narrativa de enigma, narrativa mítica, sketch ou história engraçada, biografia romanceada, romance, romance histórico, novela fantástica, advinha, piada, entre outros. � Argumentativa: o texto argumentativo é opinativo e geralmente disser- tativo. Nele, são desenvolvidas ideias por meio de estratégias argumen- tativas, de modo a convencer o interlocutor. A estrutura dos textos de tipo argumentativo é dividida em três partes: (1) ideia principal, que é a introdução; (2) desenvolvimento, no qual se encontram os argumentos e aspectos que o tema envolve; e (3) conclusão, uma síntese da posição assumida. Nos textos desse tipo, você irá encontrar posicionamentos pessoais, exposição de ideias e defesa de um ponto de vista. Os gêneros da estrutura argumentativa são: ensaio, carta argumentativa, dissertação argumentativa, editorial, textos de opinião, diálogo argumentativo, carta de leitor, carta de reclamação, carta de solicitação, debate regrado, assembleia, discurso de defesa (advocacia), resenha crítica, artigos de opinião ou assinados, editorial, ensaio. � Expositiva: o texto expositivo possui apresentação, explicação ou constatação, de maneira impessoal, sem julgamento de valor e sem o propósito de convencer o leitor. É também de natureza dissertativa. Seu objetivo é fornecer informações acerca de um objeto ou fato específico, enumerando suas características com linguagem clara e concisa. Os gêneros da estrutura expositiva são: reportagem, resumo, fichamento, Os modos de organização do discurso: tipo e gênero textual114 artigo científico, seminário, texto expositivo em livro didático, confe- rência, palestra, entrevista com especialista, texto explicativo, tomada de notas, resumo de textos, resenha, relatório científico, relatório oral de experiências. As exposições orais ou escritas entre professores e alunos numa sala de aula, os livros e as fontes de consulta também são exemplos dessa modalidade. � Injuntiva: a instrução do interlocutor é um dos objetivos dos textos injuntivos. Esse tipo de texto orienta como se realiza determinada ação, pede, manda ou aconselha, utilizando verbos no imperativo para chegar à sua finalidade. Os gêneros da estrutura injuntiva são: manual de instruções, receitas culinárias, bulas, regulamentos, editais, instru- ções de montagem, receita médica, regras de jogo, instruções de uso, comandos diverso, textos prescritivos. A sequência temporal é, de acordo com Marcuschi (2003), um elemento central na organização de textos narrativos. Conforme o autor, em textos descritivos predominam as sequências de localização. Já nos textos expositivos, há o predomínio de sequências analíticas ou então explicitamente explicativas. No caso dos textos argumentativos, predominam sequências contrastivas explícitas. Os textos injuntivos, por sua vez, apresentam o predomínio de sequências imperativas. Exemplos de tipos textuais em diferentes gêneros Veja exemplos de tipos textuais e gêneros: � Descritiva: trecho de O primo Basílio, de Eça de Queirós (1878, p. 4). A obra se trata de um romance ficcional. Tinha dado onze horas no cuco da sala de jantar, Jorge fechou o volume de Luís Figuier que estivera folheando devagar, espreguiçou-se, bocejou e disse: — Tu não te vai vestir, Luísa? — Logo. Ficara sentada a mesa a ler o Diário de Notícias, no seu roupão da manhã de fazenda preta, bordado a sutache, com largos botões de ma- 115Os modos de organização do discurso: tipo e gênero textual drepérola; o cabelo louro um pouco desmanchado, com um tom seco do calor do travesseiro, enrolava-se, torcido no alto da cabeça pequenina, de um perfil bonito; a sua pele tinha a brancura tenra e láctea das louras; com o cotovelo encostado à mesa acariciava a orelha, e, no movimento lento e suave dos seus dedos, dois anéis de rubis miudinhos davam cintilações escarlates. Observe que, nesse exemplo, há a descrição de uma pessoa. Tal descrição é física, pois trata de características externas: ela está sentada, tem cabelo loiro e ele está desmanchado, a cabeça é pequeninha, o cotovelo está encostado à mesa, por exemplo. � Narrativa: o exemplo narrativo também se trata de um romance ficcio- nal – Harry Potter e a Pedra Filosofal, de J. K. Rowling (2000, p. 77). Harry apanhou a varinha. Sentiu um repentino calor nos dedos. Ergueu a varinha acima da cabeça, baixou-a cortando o ar empoeirado com um zunido, e uma torrente de faíscas douradas e vermelhas saíram da ponta como um fogo de artifício, atirando fagulhas luminosas que dançavam nas paredes. Hagrid gritou entusiasmado [...]. No exemplo de texto narrativo, há uma personagem em terceira pessoa contando a história de um menino, Harry. O tempo verbal predominante, o passado, aparece em termos como “apanhou”. � Argumentativa: “‘Escola Sem Partido’: engodo e ensino acrítico”, de André Luiz Rodrigues de Rossi Mattos (2016). Aqui, há uma crônica opinativa como gênero textual. Em primeiro lugar, o movimento ‘Escola Sem Partido’ não é exatamente isento de partidarismo, uma vez que reúne um grupo de pessoas que partilham de uma mesma ideia, lutam por um mesmo ideal, possuem uma mesma interpretação do mundo educacional e colaboram com alguma organicidade entre si. Isso, por si, apenas indica um tipo de mo- vimento social, que como todo movimento, independente de ser ou não diretamente filiado a alguma agremiação eleitoral institucionalizada, toma partido da realidade e, assim, absolutamente não possui neutralidade. Além disso, todo movimento sempre está inserido em um leque de relações que demarcam os limites das suas ideias. No caso do movimento ‘Escola Sem Partido’, seus relacionamentos passam por concepções radi- calmente contrárias às posições consideradas de esquerda, o que indica Os modos de organização do discurso: tipo e gênero textual116 seu
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