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POLíTICAS EDUCACIONAIS Conceitos e Debates Ficha Técnica: Políticas Educacionais: Conceitos e Debates Ângelo Ricardo de Souza Andréa Barbosa Gouveia Taís Moura Tavares (Organizadores) Editora Appris Ltda. 2ª Edição - Copyright© 2013 Todos os Direitos Reservados. Editor Chefe: Vanderlei Cruz editorchefe@editoraappris.com.br Coordenação Editorial: Marli Caetano editorial@editoraappris.com.br Coordenação Administrativa: Eliane Andrade administrativo@editoraappris.com.br Diagramação e Projeto Visual: Sara Coelho Bruno Braz Catalogação na Fonte Elaborado por Sônia Magalhães Bibliotecária CRB9/1191 Políticas educacionais: conceitos e debates / Ângelo Ricardo de Souza, Andréa P769 Barbosa Gouveia, Taís Moura Tavares (organizadores). - Curitiba : Appris, 2013 organizadores. - 2. ed. - Curitiba : Appris, 2013. 195 p. : il. ; 23 cm Inclui bibliografias ISBN 978-85-8192-161-7 1. Educação e Estado. 2. Política e educação. 3. Política pública. 4. Avaliação educacional. I. Souza, Ângelo Ricardo de. I. Gouveia, Andréa Barbosa. 111. Tavares, Tais Moura. CDD 20. ed. - 379 Editora e Livraria Appris Ltda. RuaGeneral Aristides Athayde Jr., 1027 - Bigorrilho AttI' Curitiba/PR - CEP:80710-520 , L:) Tel: (41) 3203-3108 - (41) 3030-4570 .tor"", http://www.editoraappris.com.br/ Printed ln Brazil Impresso no Brasil mailto:editorchefe@editoraappris.com.br mailto:editorial@editoraappris.com.br mailto:administrativo@editoraappris.com.br http://www.editoraappris.com.br/ Ângelo Ricardo de Souza Andréa Barbosa Gouveia Tais Moura Tavares (Organizadores) POLíTICAS EDUCACIONAIS Conceitos e Debates Curitiba - PR 2013 COLEÇÃO EDUCAÇÃO: POLíTICAS E DEBATES Política educacional é um tema candente na realidade brasileira contem- porânea, seja no cotidiano da vida escolar - em que as condições de organi- zação da escola, de contratação de professores ou de acesso a uma vaga estão condicionadas por decisões da política -, seja no contexto midiático - em que temas como qualidade de ensino, valorização dos professores e resultados das avaliações das escolas ou das tensões em torno da escola alimentam artigos de opinião, editoriais especializados e conversas que reúnem especialistas de variadas formações -, ou, ainda, no debate acadêmico propriamente dito, em que a análise da conjuntura educacional exige a compreensão das relações da política específica com o contexto mais amplo de coordenação da vida coletiva. Em outros termos, podemos afirmar que debatemos a política educacional de maneira muito intensa na sociedade brasileira. Contudo, será que utilizamos de fato as mesmas concepções nesse debate? O conceito de políticas educacionais é polissêmico, como o são, em geral, as noções do campo das ciências humanas. Nesse caso, uma singula- ridade que se impõe ao conceito é seu uso no plural, já que não se trata de uma política, mas de diferentes e diversas políticas na área. No caso brasileiro, de um sistema educacional historicamente descentralizado, essa pluralidade tem ainda uma expressão que é de colaboração (e muitas vezes concorrência) de políticas no mesmo território. Além de podermos, portanto, advogar que a análise é sempre de múl- tiplas políticas, a própria ideia de política é nesse caso polissêmica: ela pode referir-se à ação do Estado na organização da oferta de educação, mas também a ausência da ação do Estado pode conformar uma política de preterição de alguns grupos sociais. Assim, talvez seja mais prudente pensar política como espaço de relações de poder e compreender que a dinâmica dessas relações é que confere sentido ao que entendemos em cada momento histórico como direito à educação, dever do Estado na oferta de educação e possibilidades de permanência das crianças, jovens e adultos no sistema escolar. Para pensar a política em termos de relação de poder é preciso identi- ficar quais são os âmbitos de manifestação de tais relações; assim, no contexto do debate da política educacional, as relações de poder no interior da escola e no sistema de ensino são espaços de produção da política, mas não é só aí que se tomam decisões sobre a educação. O sistema educacional assenta-se num conjunto normativo e a produção dessa norma faz-se, num país repu- blicano, no âmbito do sistema legislativo. Assim, as relações de poder que con- formam as forças e as decisões no âmbito do parlamento são também parte do debate da política educacional. As normas produzidas no legislativo têm sido alvo de contestação judicial (lembremo-nos da Lei do Piso Salarial Profis- sional Nacional do magistério, que foi discutida há alguns anos no Supremo), seja por aqueles que não querem ou alegam não poder cumprir a lei, seja por segmentos que são prejudiciais pela ausência do cumprimento da lei; assim as relações de força que se expressam no judiciário passam a compor o conceito de política educacional. Essa amplitude que envolve as políticas educacionais configura-se como um bom motivo para a organização de uma coleção que tenha como foco con- ceitos e debates desse campo. Não parece possível dissolver a polissemia dos termos, mas, ao contrário, ao explorar as múltiplas facetas do fenômeno social, podem-se construir mais porosidades entre o debate que se faz no chão da escola, no espaço público midiático e no espaço acadêmico de forma a, quiçá, contribuir para que demo- craticamente avancemos na compreensão coletiva do que temos produzido como direito à educação neste momento histórico da sociedade brasileira. Este é um convite aos autores e aos leitores: explicitemos nossos conceitos e vamos ao debate! Andréa Barbosa Gouveia Diretora Científica: Andréa Barbosa Gouveia Consultores: Amarildo Pinheiro Magalhães -/FPR Ângela Mara de Barros Lara - UEM Angelo Ricarâo de Souza - UFPR Cláudia Cristina Ferreiro - UEL Dalva Valente - UFPA Denise tsmênia Bossa Grassano Ortenzi - UEL Edcleia Aparecida Basso - UNESPAR-FECILCAM Elisa Bartolozzi - UFES Fernanda Coelho Liberal: - PUC-SP Gilda Araujo - UFES Gladys Barreyro - USP Iuca Gil- UFRGS Magna Soares - UFRN Marcia Iacomini - USP Marcos Alexandre dos Santos Ferraz - UFGD Maria Antonieta Alba Ceiam - PUC-SP Maria Dilnéia Fernandes Espindola - UFCG Maria Teresa Celada - USP-FFLCH Maria Vieira Silva - UFU Marisa Duarte - UFMG Nalu Farenzena - UFRGS Odair Luiz Nadin - UNESP Rosana Evangelista Cruz - UFP/ Rosana Gemaque - UFPA Savana Diniz - UFMG SUMÁRIO POR QUE ESTUDAR POLíTICAS EDUCACIONAIS? 13 Referências bibliográficas 21 CAPíTULO I ESTADO, POLíTICA E SOCIABILlDADE 23 Marcos Ferraz Referências bibliográficas 43 CAPíTULO 11 POLíTICAS EDUCACIONAIS NA AMÉRICA LATINA E OS IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO 47 RoseMeri Trojan 1. Políticas de financiamento e aportes multilaterais 51 2. Descentralização da gestão educacional. 58 3. Sistemas de avaliação da qualidade da educação 59 4. Avaliação do marco de ação da Educação para Todos 61 Conclusões: tendências em curso 71 Referências bibliográficas 73 CAPíTULO 111 O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL E O DESAFIO DA SUPERAÇÃO AS DESIGUALDADES 75 Andréa Barbosa Gouveia 1. A política de fundos para a educação básica 81 2. O fundo de manutenção e desenvolvimento da educação básica 85 3. Notas sobre o Salário Educação e o Piso Salarial Profissional Nacional. 92 Considerações finais 94 Referências bibliográficas 94 CAPíTULO IV FEDERALISMO EGESTÃO DOS SISTEMAS DE ENSINO NO BRASIL 97 Katnerine Finn Zander Tais tâoura Tavares 1. A educação como dever do Estado 99 2. Características do federalismo brasileiro 100 3. Federalismo e educação no Brasil 105 4. Centralização e descentralização na organização do sistema de ensino no Brasil: um pouco de história 109 5. A municipalização do ensino como estratégia de descentralização 113 6. O regime de colaboração 117 7. O debate atual.. 118 Referências bibliográficas 119 CAPíTULO V PLANOS EDUCACIONAIS: ENTRE A PRIORIDADE EA DESCRENÇA 121 Juca Gil 1. Planos para quê? 124 2. Aprendendo com a história dos planos 125 3. PDE:um antiplano 127 4. O próximo PNE 133 5. Outros planos são possíveis135 Considerações provisórias 143 Referências bibliográficas 144 CAPíTULO VI POLíTICA DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: LIMITES E PERSPECTIVAS 147 Maria Angélica Minhoto 1. Políticas de avaliação da educação básica SAEBe Prova Brasil 152 2. Provinha Brasil 156 3. ENEM 158 4. ENCCEJA 159 5. Políticas de avaliação da educação superior 162 Considerações finais 166 Referências bibliográficas 167 CAPíTULO VII PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO: ENTRE O ENCANTAMENTO DA RESISTÊNCIA INDIVIDUAL E O SOFRIMENTO DO TRABALHO 169 Andréa do Rodo Caldas 1. As políticas educacionais e a hiper-responsabilização do professor 175 2. Professor(a): do protagonismo (discursivo) ao sofrimento (negado) 178 3. O sofrimento no trabalho educativo 179 4. As políticas educacionais e as condições de trabalho 181 5. Comprometimento e desmotivação com o trabalho educativo 182 Referências bibliográficas 185 SOBRE OS AUTORES 189 POR QUE ESTUDAR POLíTICAS EDUCACIONAIS? Política é o que faz o sujeito que deseja/aspira o poder (WEBER, 1970i 2004). Assim, quem opera na política, não atua por outra razão central senão conquistar, ampliar ou, mais difícil, manter o poder (BOURDIEU, 2004i MAQUIAVEL,1996). Então, governar (o país, a cidade ou a escola), que é uma ação política, implica em buscar manter-se no poder, pois mesmo para continuar governando e, assim continuar atuando na política, tal poder é preciso. Essa dominação, que para Weber é uma forma especial de poder (legitimado/reconhecido), é con- duzida com o intuito de primeiramente manter, para depois ampliar, o poder. A noção de política com a qual trabalhamos nesta obra caminha sob esta leitura da política. Logo, a ação dos sujeitos que atuam na condução dos apa- relhos do Estado ou daqueles outros que os enfrentam, deve ser entendida a partir do dissenso entre eles na luta pelo poder. Os fenômenos próprios do campo das políticas, educacionais e demais políticas sociais, todavia, nem sempre expressam os conflitos a eles sub- jacentes (NEGTi KLUGE, 1999). A discussão sobre o direito à educação, por exemplo, alcançou um ponto básico de consenso: todos têm direito ao acesso à educação escolar. Porém, a forma para tal acesso e os limites dele (se se trata de acesso físico: vagas, ou, para além, substantivo: condições de apren- dizagem) ainda são expressão da disputa entre muitos grupos (intra e extra qoverno: entre classes e frações de classe social etc.). O projeto deste livro, assim, iniciou-se quando os organizadores ava- liavam a falta de uma publicação que atualizasse, em uma única obra, os prin- cipais temas desse amplo campo de pesquisa e estudos das Políticas Educa- cionais e servisse de suporte na formação de novos quadros de pesquisadores e professores, mas fizesse tudo isso pautando a leitura da ação pública sobre a educação considerando as diversas faces das disputas pelo poder presentes nesse campo. O interesse em discutir as políticas educacionais, assim, tem relação com a preocupação de debater aspectos atuais desse campo e oportunizar maiores e melhores condições de acompanhamento e avaliação da educação às admi- nistrações públicas, aos estudantes nas universidades e à sociedade civil. 13 Essa discussão oportuniza e amplia as condições de se avaliar a ação, os produtos e os impactos das políticas educacionais e, especialmente, de se reconhecer que isso tudo tem uma intimidade destacável com a luta pelo poder. Esse procedimento insere-se em um campo mais amplo, o da avaliação de políticas públicas, a qual demanda uma profunda análise da ação governa- mental em dada área e, para além disso, as relações que se estabelecem entre a ação pública e as demandas sociais, pois, como mencionado, o Estado se relaciona/responde à pressão ou à ausência de pressão social. Nesse sentido, é necessário considerar que qualquer política pública não pode ser entendida como iniciativa isolada e unidirecional do Estado. É preciso que \\0 prisma analítico das políticas públicas" permita "urna interrogação constante sobre a natureza evolutiva do Estado e das relações entre espaço público e privado" (MULLERj SUREL, 20021 p. ~7). Há muitas possibilidades de análise dessa interação entre demanda social e ação governamental/o que permite dizer que "urna política é, ao mesmo tempo, um constructo social e um constructo de pesquisa" (MULLERj SUREL, 20021 p. 12). E isso significa que a tentativa de auxiliar na formação de investiga- dores que tratem dessa matéria, não pode tomar os produtos da política como simples resultado da intenção do governante de plantão sobre os problemas que se lhe apresentam. A teoria não pode ser reduzida a apresentação de esquemas analíticos teóricos padronizados e uniformes, ou melhor, e por isso mesmo, padronizadores e uniformizadores da realidade, pois tais princípios não sobrevivem aos mais simples testes empíricos. Senão, vejamos. No caso da educação, há uma construção social do pro- blema educacional. Oliveira (2006) apresenta tal construção delineando um panorama da expansão do acesso ao ensino fundamental, desde sua origem como escola primária, até sua quase universalização no fim do século XX e, com isso, problematiza as condições de qualidade em que essa expansão se deu. Considera que o resultado desse processo imprimiu novas demandas de acesso ao ensino médio e superior, além de tornar urgente a discussão sobre os resultados escolares alcançados pelo contingente gigantesco de alunos que compõe o sistema de ensino obrigatório no Brasil. Oliveira dialoga com os estudos de Spósito (~984j ~993) sobre o acesso à escola, estudos esses dedicados a reconstituir a pressão social por vagas na escola em São Paulo dos anos ~940 aos anos ~970.O que o trabalho de Spósito 14 ÂNGELO RICARDO DE SOUZA! ANDRFA BARBOSA GOUVEIA ITAis ,iOURA TAVARES (ORGANIZADORES) (1984) mostra é que a expansão da escola é conquistada pela população à revelia de um planejamento prévio do Estado. Mesmo que o debate entre os educadores, desde os anos 1920 indicasse a necessidade de universalização do acesso ao ensino elementar, isso não se efetivou até os anos 1970,1 quando a luta por escolas se articulava a um conjunto mais amplo de reivindicações de melhorias urbanas (KOWARICK,1979) em São Paulo e em outros centros em expansão no país. A luta pela escola, via de regra, é marcada por três grandes dimensões, que não se manifestam, necessariamente, de forma sucessiva: 1) conquista de base material para o funcionamento das escolas, o que implica autori- zação da abertura de turmas, espaço físico (construção ou sessão de espaço) e condições de funcionamento; 2) gestão da escola com a participação dos pais, alunos e grupos organizados, o que implica participação desses pais, por exemplo, nos Conselhos de Escola e nas Associações de Pais e Mestres ou equivalentes; 3) discussão da atividade pedagógica propriamente dita. Dito de outro modo, pode-se pensar que a questão educacional coloca-se primeiro como questão de acesso, depois como questão de gestão e finalmente como questão de qualidade. Há que se considerar, entretanto, que a construção social de tais novas demandas não é resultado de etapas evolutivas, ou seja, as demandas por gestão e qualidade não se colocam apenas quando a questão do acesso está resolvida. À medida que o acesso se expande, as questões da gestão e da qua- lidade se impõem tornando o quadro da política educacional mais complexo. Todavia, o conceito e a consequente operação/ação do Estado no que con- cerne à gestão e à qualidade (ou às condições para a qualidade), são também elementos em disputa. A qualidade na educação não é uma referência passível de ser dimensionada em uma métrica atemporal e as condições para que seja conquistada tampouco são uniformes em qualquertempo, espaço e dimensão. Ainda que a qualidade possa ser representada no crescimento e no aperfeiçoa- mento da aprendizagem, quão mais/melhor formado ou aperfeiçoado deve ser o estudante (ou o seu domínio de conhecimento e formação) é algo extre- mamente complexo e, por isso mesmo, em disputana política educacional. A , Autores como Romanelli (1996) e Ribeiro (1988) demonstram que a expansão do ensino de 1° grau no Brasil impõe- se como necessidade oficial no Brasil, nos anos 70, principalmente, articulado ao modelo de desenvolvimento econô- mico do país. Modelo esse que sustentava o investimento em educação como investimento em capital humano. Não estamos aqui desconsiderando que tal contexto contribui para a ampliação da oferta, entretanto, tal ampliação não se fez numa sociedade alheia a questão educação. POLíTICAS EDUCACIONAIS: CONCEITOS E DEBATES 15 gestão, como ferramenta da política', expõe nua e explicitamente as disputas pelo poder na educação. Não é incomum, como se fará ver em capítulos desta obra, governantes cambiarem modelos de gestão da educação e da escola na esperança e expectativa de ganharem a política. No campo da pesquisa em política educacional, tal complexidade se revela na necessidade de compreendermos melhor o que e como se constitui a agenda política (a pressão social), o que e como se institui a política pro- priamente dita (as decisões governamentais), a sua execução e os resultados desse processo, com vistas a se saber os desenhos e os movimentos da ação do Estado ante as demandas, mesmo as pouco reconhecidas, por educação. A área tem um esforço já consolidado na avaliação política das ações governamentais (FIGUEIREDOj FIGUEIREDO, 1.986). São trabalhos que tomam as intenções proferidas frente aos determinantes mais gerais para demonstrar o quanto a política educacional pode estar respondendo à lógica, meramente econômica ou administrativa, externas às demandas propriamente educa- tivas. Nessa chave temos os trabalhos de Fonseca (1.997j 2004) sobre os efeitos dos acordos de cooperação internacional na produção da política educacional brasileira, e trabalhos que avançando um pouco além das intenções das polí- ticas, consideram os desdobramentos na organização dos sistemas educa- cionais subnacionais no Brasil. Entre esses últimos estão análises dos efeitos das reformas educacionais em estados e município (PERONI, 2003j ADRIÃO, 2006j GOUVEIA, 2009, TAVARES,2009). Outra forma de avaliação é aquela em que se considera a avaliação da política propriamente dita (FIGUEIREDOj FIGUEIREDO, 1.986), o que implica em estabelecer relações entre o proposto, o executado, como se executou e que resultados são alcançados. Nessa outra chave, podem-se encontrar tra- balhos (GONÇALVESj FRANÇA, 2009) que, ao analisar os sistemas de edu- cação básica, demonstram a importância de variáveis como democracia e capacidade de financiamento dos estados brasileiros na determinação da qualidade ofertada por esses entes federados. Ou, ainda, que analisam matrí- culas como indicador de acesso à escola (SOUZA; DAMASO, 2008) ou cotejam modelos de gestão escolar (SOUZA, 2008) presentes nos sistemas escolares do Brasil com os resultados estudantis, compreendendo aí gestão da escola como interveniente da qualidade. São trabalhos mais recentes, mas fecundos e dialogam com metodologias variadas. , "Para a vida cotidiana, dominação é primariamente administração" (WEBER, 2004, p. 175). 16 ÂNGELO RICARDO DE SOUZA IANDRÉA BARBOSA GOUVEIA ITAis MOURA TAVARES (ORGANIZADORES) E, ainda, há estudos mais teóricos sobre as relações entre Estado, Política e Educação. São trabalhos que discutem concepções de Estado e Política pre- sentes na literatura ou na ação concreta da operação da política. Neste livro, procuramos apresentar-Ihes textos que dialogam com todos esses campos e perspectivas. Como são textos que abordam questões diversas das políticas educacionais, o leitor encontra leituras mais conceituais, outras com uma macroabordagem do problema e ainda outras com uma avaliação de impactos da política educacional. O primeiro texto situa uma leitura sobre o Estado e a Política, de maneira a ampliar a compreensão sobre as políticas educacionais. O capítulo assinado por Marcos Ferraz, "Estado, Política e Sociabilidade", toma a discussão sobre a publicização do privado e a privatização do público como eixo para análise da política, isso é, para o conhecimento sobre as disputas históricas da sociedade brasileira no (não) atendimento às políticas sociais. Localizando que a ideia sobre o que é Estado moderno é algo também em disputa, o autor mostra que se o Estado não pode ser entendido apenas como um espaço de disputa de poder, de outro lado, a sua sinonimização a um aparelho gerencial não é suficiente para explicar a própria política. O texto desse capítulo é concluído na forma de questões decorrentes da leitura da relação sobre a esfera do público e as necessidades do privado, uma vez que se há o reconhecimento, por exemplo, da educação como direito social por (quase) toda a sociedade brasileira, a sua consagração está distante de ocorrer. As distâncias entre os extremos dos direitos (privados) e dos deveres (públicos) de parte a parte (Sociedade e Estado) não parecem muito pequenas. No segundo capítulo, o leitor encontra uma discussão sobre a situação da educação na América Latina, após decorridas duas décadas da massificação industrial das reformas educacionais na região. O texto de Rose Meri Trojan, "Políticas Educacionais na América Latina e os Impactos da Globalização", é uma atualização importante que coloca em questão o quadro da educação latinoamericana 20 anos após o início das reformas educacionais na região. Dialogando constantemente com Juan Casassus (2001), que havia produzido um panorama equivalente, dez anos atrás, a autora mostra como há uma tendência predominante em curso na região que mantém a direção dada às reformas educacionais articulando-as aos acordos firmados entre governos nacionais e as agências internacionais de fomento. POLíTICAS EDUCACIONAIS: CONCEITOS E DEBATES 17 No capítulo 111,temos o texto da professora Andréa Barbosa Gouveia, destinado a apresentar conceitualmente o financiamento da educação básica pública no Brasil. O financiamento é a principal peça de materialização da política educa- cional. Não se pode reduzir a análise da política à leitura dos investimentos educacionais, mas sem tal informação, torna-se muito difícil dimensionar a possível tradução da política como texto na política como efeitos (BALL,2006). A autora sintetiza o quadro do financiamento da educação no Brasil, apresentando as regras que pautam o funcionamento do sistema. Demons- trando a existência e funcionamento dos recursos orçamentários vinculados, passando pela relação de tal vinculação com a manutenção e desenvolvimento do ensino, chegando aos problemas e virtudes da política de fundos criada em 1996 e efetivada em 1998 e, ainda, até à existência e organização da impor- tante fonte complementar da contribuição do salário educação, o texto exibe todo o panorama do financiamento da educação básica pública brasileira. Temos, a seguir, dois textos sobre planejamento e gestão da educação. São textos importantes porque tratam daquilo que é a estrutura da política, uma vez que a gestão é pelo que a política educacional opera (SOUZA, 2007) e o planejamento é peça decisiva nesta operação. No capítulo IV,Taís Moura Tavares e Katherine Finn Zander desenvolvem no texto intitulado "Federalismo e gestão dos sistemas de ensino no Brasil" uma reflexão sobre a gestão da educação considerando as relações entre as necessidades sociais por educação (direito à educação) e a realidade da organi- zação política em um país definido pelo federalismo. Aorganização e condução da educação pública no Brasil não pode ser igual e atender a todos e a cada um nas suas necessidades educacionais, enquanto a desigualdade política própria do federalismo nacional prevalecer. Isso é, as autoras mostram que uma vez que a educação é assumida/gestada localmente, seus resultados (porque, antes, suas condições de oferta e gestão) são extremamente desiguais. Logo, a federação, como desenhada especialmente na Constituição Federal de 1988, precisa ser reconhecida menos como democrática, ainda que ela reconheça osmunicípios como entes federados e, por isso, Ihes inclua participativamente no cenário político nacional de maneira mais efetiva, e mais como comprome- tedora de avanços dos direitos sociais, considerando a real capacidade que os municípios, em sua maioria, têm para enfrentar e atender as demandas educa- cionais da população. 18 ÂNGELO RICARDO DE SOUZA! ANDRÉA BARBOSA GOUVEIA I TAis ~10URA TAVARES (ORGANIZADORES) Já o artigo de Juca Gil nos traz uma reflexão sobre o planejamento edu- cacional brasileiro. O texto "Planos educacionais: entre a prioridade e a des- crença" traz uma leitura que evidencia a sanha nacional com essa constante busca pela captura do futuro por meio do planejamento educacional. O autor mostra como o planejado nem sempre se articula com a leitura mais qualificada acerca dos problemas educacionais mais evidentes. Isso mostra como o planejamento é mais do que uma peça técnica da organização e gestão da educação. Ora, antes mesmo vimos que a gestão é pelo que a política opera e o planejamento é peça central dessa engrenagem, assim, e considerando as análises de Gil, resta evidente que o planejamento na e para a educação brasileira sempre foi um instrumento poderoso de se fazer a disputa no campo da política. O texto conclui que o Brasil precisa ainda caminhar um longo percurso para transformar os planos educacionais gestados sob os interesses evidentes do governo em políticas de Estado. É certo que isso não é suficiente para se dispersar conflitos. Ao contrário, como políticas de Estado, os planos de edu- cação podem se traduzir no consenso possível de uma dada conjuntura ou época e, assim, possam servir de instrumental mais adequado para o enfren- tamento dos problemas educacionais e para o controle da sociedade sobre a ação pública. O texto de Maria Angélica Minhoto, intitulado "Política de Avaliação da Educação Brasileira: limites e perspectivas", trata dessa face da política que é, quiçá, a que mais tem se sobressaído na última década e meia. A autora parte do reconhecimento de que a avaliação na educação não pode, per si, explicar os produtos do trabalho escolar e educacional, desconsiderando o contexto social e suas interfaces com a cultura, economia, história; o perfil dos estu- dantes; as condições escolares; etc. O texto traz ao leitor uma didática apresentação sobre as principais peças do sistema de avaliação da educação nacional e permite uma leitura crítica acerca dos seus limites, como o alcance das metodologias utilizadas, a hierarquização de disciplinas avaliadas, a indução curricular que deriva do sistema, dentre outros .. A avaliação, ao apresentar os seus produtos, expressa uma importante face do sistema educacional, mas esta face não pode ser confundida como a plenintude de resultados de todos os esforços de inúmeros professores e alunos (e extensivamente: diretores, pedagogos, trabalhadores não docentes; POlÍTICAS EDUCACIONAIS: CONCEITOSE DE6ATE~. 19 famílias. dirigentes dos sistemas de ensino) no país. Entre a necessidade de se conhecer e monitorar o andamento dos trabalhos nas escolas brasileiras e, de outro lado, de se indicar os rumos a serem perseguidos pela educação e pelos educadores (efeito esse que também decorre por conta do sistema de avaliação vigente), a política educacional precisa encontrar o termo adequado para ter informações o mais precisas possível sobre os processos e os produtos do trabalho escolar e, ao mesmo tempo, auxiliar na construção de rumos mais democráticos para o futuro educacional. Por fim, o artigo que fecha este livro é denominado "Profissionais da edu- cação: entre o encantamento da resistência individual e o sofrimento no tra- balhou de autoria de Andréa do Rocio Caldas. O texto expõe a situação daqueles que se encontram no olho do furacão: os professores (GOMEZ, 2001.). Entre extremos de (sentimentos de) envolvimento e abandono, os trabalhadores docentes encontram-se inclinados e tensionados a atender as demandas que Ihes são apresentadas pelos dirigentes dos sistemas de ensino e das escolas, pela mídia e mesmo pelos alunos e/ou seus familiares e, por outro lado, não possuem as condições para fazer o que lhe cobram ou o que ele mesmo cobra de si com o grau de qualidade que o aluno e ele próprio merece. A autora mostra que a desistência ou a resistência dos docentes no enfrentamento dos dilemas e desafios educacionais são ambas forjadas por e forjadoras desses mesmos dilemas e desafios. Assim, mesmo contra a per- cepção mais evidente do significado dessas expressões, é necessário que a política educacional também enxergue o oposto. Pois, os sentidos câmbios na organização da profissão docente, frutos dos impactos das reformas edu- cacionais, podem ter apresentado a esses profissionais razões para desistir e, com isto, o futuro da ação do professor e da escola são postos em cheque. A desistência não é expressão da face negativa do professor, expressão da fraqueza. Ao contrário, desistir pode ser a única opção de sanidade em dado momento, e a sua existência evidencia (ou deveria evidenciar) o quão em crise está o professor, a escola e o sistema de ensino. Na outra extremidade, a resis- tência nem sempre se traduz como a fortaleza que é sustentada pela cons- ciência e pelos ideais educacionais que movem esse ou aquele professor. Por vezes, pode ser expressão da vitória do conformismo sobre ideais que já não existem mais. Esses textos todos nos convidam a estudar as políticas educacionais, com o intuito de nos mostrar como são operadas as relações entre o Estado e a 20 ÃNGELO RICARDO DE SOUZA / ANDRF.A BARBOSA GOUVEIA I TAís ~10URA TAVARES (ORGMJIZADORES) Sociedade na luta pelo reconhecimento da educação como direito, nos desafios da sua oferta e organização e nos conflitos decorrentes da busca por qualidade. Conhecer melhor as políticas educacionais representa conhecer melhor o papel do Estado e as disputas pelo poder no seu interior e para além dele. Ao conhecer melhor o Estado, é possível conhecer melhor o direito e suas manifestações positivadas e de luta pela consagração de demandas sociais. Ao conhecer melhor o direito, pode-se mesmo conhecer melhor a sociedade e os dilemas que travamos cotidianamente com nossos pares (intra, entre e supra classes sociais) por aquilo que acreditamos ser o melhor para todos. Ao conhecer melhor a sociedade, podemos indicar mais apropriadamente qual é o papel do Estado e o que dele esperamos no atendimento ao que precisamos não só, mas especialmente, nesse caso, em termos educacionais. Ângelo Ricardo de Souza Referências bibliográficas ADRIÃO, T..Educação e produtividade: a reforma do ensino paulista e a desobrigação do Estado. São Paulo: Xamã, 2006. BALL, S. Education Policy and Social Class. Londres: Routledge, 2006. BOURDIEU, P.Opoder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. FIGUEIREDO, A. M. c.; FIGUEIREDO, M. F. Avaliação política e avaliação de políticas: um quadro de referência teórico. São Paulo: IDESP,1986. FONSECA, M. O Banco Mundial e a gestão da educação brasileira. In: OLIVEIRA, D. A. (Org.). Gestão democrática da educação. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 46-63. FONSECA, M.; TOSCHI, M. S.; OLIVEIRA, J. F.Escolas Gerenciadas. Goiânia: UCGo, 2004. FRANÇA, M. T. A.; GONÇALVES, F. 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México: FCE, 2004. 22 ÂNGELO RICARDD DE SOUZA IANDRÉA BARBOSA GOUVEIA ITAis ~jOURA TAVARES (ORGANIZADORES) CAPíTULO I ESTADO, POLíTICA E SOCIABILIDADE Marcos Ferraz 23 Quando se procura iniciar um debate sobre o conceito e o papel do Estado Moderno, o senso comum e, em alguns momentos, o pensamento acadêmico delimitam um campo semântico, e por que não dizer cognitivo, que destaca a reflexão sobre um lócus privilegiado de poder e uma função gerencial, regu- ladora ou política de fixação dos parâmetros de igualdade, assim como das ações para melhor promovê-Ia. Não é de se estranhar, portanto, que o Estado seja o objeto por excelência da Ciência Política, do Direito Administrativo e de áreas de conhecimento prático no exercício de políticas públicas, como a Educação, a Saúde, a Economia, o Serviço Social, entre outras. Entretanto, é sempre de maneira um tanto quanto tangencial, que o Estado se apresenta no interior do debate sociológico. Ou seja, raramente o Estado é central para o pensamento do sociólogo. Talvez, porque a Sociologia se ocupe de objetos aparentemente mais nobres como as relações sociais, a ação social, as estru- turas sociais, a revolução social, a divisão do trabalho, a identidade coletiva, a estratificação social, entre tantos outros. Como uma produção fundamentalmente sociológica, este texto não tem a pretensão de romper com esta tradição disciplinar. Mas, ao tentar reunir em uma mesma reflexão, Estado, sociabilidade e política, se esforçará por buscar um sentido sociológico de interconexão entre esses três fenômenos na experiência cultural e mesmo de classe dos indivíduos. Estado, nesse contexto, de alguma forma ainda será um lócus privilegiado de poder. Também será uma instituição capaz de agir organizadamente - seja de forma administrativa ou política - sobre as desigualdades que cortam determinada sociedade. Mas fundamentalmente, será uma instituição capaz de intervir- sobre a sociabilidade, ou porque não dizer, sobre a construção dos parâmetros de solidariedade entre os indivíduos. O debate que se propõe não se iniciará pelo Estado, mas pela sociabi- lidade e pela solidariedade que unem diferentes indivíduos em sociedade. Entende-se sociabilidade no rastro dos escritos de Simmel'. Não há sociedade sem interações entre indivíduos. No entanto, os padrões destas interações, em outras palavras, sua forma, podem se desprender dos conteúdos e interesses individuais que as motivaram. É a valorização, até mesmo lúdica, da forma , o verbo intervir não tem aqui um significado moral de ação autoritária, no sentido de contrapor Estado e indivíduo como tanto gosta o pensamento liberal. Com esse verbo busca-se apenas a neutralidade de caracterizar um processo em que Estado e indivíduo não se opõem como pólos, mas constituem partes de um todo e se relacionam sob influên- cias recíprocas. , Para um debate sobre o conceito de sociabilidade ver Simmel (2006). Em especial o capítulo 3, em que o autor apre- senta a coqueteria e o jogo erótico como exemplos de sociabilidade. 25 das interações sociais, independente do seu conteúdo, que o autor denomina sociabilidade. Ou seja, a sociabilidade é a cristalização e a valorização de padrões de interação independente do sucesso que eles possam proporcionar para a conquista de interesses individuais. Por outro lado, quando se fala sobre solidariedade', não está em jogo nenhum sentimento ou característica inata do ser humano. O conceito socio- lógico de solidariedade distancia-se de qualquer conceito religioso ou cristão que a associa a bondade humana, como características inerentes ao indivíduo. Não se trata de um atributo moral ou uma virtude dos seres humanos. Soli- dariedade tem o sentido de um complexo sistema de direitos e deveres que unem homens e mulheres de modo durável, independente de suas diferenças e individualidades específicas. Assim, se o conceito de sociabilidade remete a Simmel e a forma das interações sociais; solidariedade remete a Durkheim e a coesão de uma sociedade. Nesses termos, tanto a sociabilidade como a solidariedade são resultantes de processos sociais e históricos concretos, incorporando os conflitos, as contra- dições, as disputas e os consensos entre os sujeitos, sejam individuais ou cole- tivos. Quase desnecessário dizer que não há uma sociabilidade a-histórica que perpasse toda a humanidade. Da mesma maneira, os laços que mantém a soli- dariedade de um grupo social podem variar infinitamente, na dependência de estruturas sociais precisas. Em conformidade com os objetivos que esse texto se propõe, há que se perguntar, logicamente, em que termos se apresentam a sociabilidade e a solidariedade em um mundo moderno. Entre as diversas formas de se caracterizar a modernidade, Giddens (J.99J.) remete a uma questão de desencaixe das relações sociais. Em socie- dades modernas, as relações sociais se libertam dos contextos face to face; do aqui e do agora. Esse desencaixe possibilita uma sociabilidade em termos abs- tratos, posto que o conteúdo das interações não necessita remeter a nenhuma experiência prévia, compartilhada entre os atores. A forma, muitas vezes quase vazia de conteúdo, garante a viabilidade das relações. Concomitantemente, a solidariedade se liberta dos seus aspectos puramente locais e comunais, possi- bilitando uma solidariedade mais ampla, seja nacional, de classe ou universal. O desencaixe das relações sociais, de Giddens, contempla tanto a pas- sagem da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica durkhei- 3 Para o conceito de solidariedade ver Durkheim (1999). 26 ÂNGELO RICAROO DE SOUZA i ANDRÉA BARBOSA GOUVEIA I TAiS ~jOURA TAVARES (ORGANIZADORES) miana, fruto da intensa divisão do trabalho social; como a substituição do valor de uso pelo valor de troca e a transformação das relações sociais em mercadoria da tradição marxista, resultado da concretização do modo de produção capitalista-, O que está em jogo é a substituição de uma sociabi- lidade e uma solidariedade de base cornunal, em que os indivíduos dividem uma história e uma experiência compartilhada, por sociabilidades e solidarie- dades que se constituem sobre sistemas abstratos e, muitas vezes, mediados por estruturas altamente institucionalizadas, que possibilitam a convivência e a colaboração entre indivíduos estranhos entre si. Estas relações sociaisdesencaixadas - prossegue o autor britânico - precisam se reencaixar-, por meio de sistemas institucionais, que dê estabilidade para a ausência de con- teúdo comum. É nesse contexto que se faz necessário compreender duas instituições fundamentais da sociabilidade e da solidariedade moderna: o Mercado e o Estado. Para invertertítulo e subtítulo, pode-se dizer que, ao discutir as origens de nossa época, Polanyi (2000) não teve dúvidas em classificar o advento da economia de mercado como a Grande Transformação. E economia de mercado, para o autor, é um sistema autorregulável de mercados, em termos ligeiramente mais técnicos, é uma economia dirigida pelos preços do mercado e nada além dos preços do mercado (POLANYI, 2000, p. 62). O que ocorre no século XIX, para o autor, é que, com a hegemonia do mercado, pela primeira vez, na história da humanidade, a economia se torna autossu- ficiente. Livre, portanto, de outras amarras sociais. É evidente que qualquer sociedade, em qualquer período histórico, só conseguiu sobreviver tendo um amplo sistema econômico. No entanto, antes do liberalismo do século XIX, todos os sistemas econômicos" estavam submetidos a um conjunto de obri- gações sociais que ligavam os indivíduos em comunidades. Nesse sentido, a economia de mercado tornou-se uma força avassa- ladora que desmontou, significativamente, as relações sociais herdadas tanto 4 Ver Marx, ~998. 5 Para Giddens são dois os sistemas capazes de reencaixar as relações sociais modernas: As Fichas Simbólicas e os Sis- temas Peritos. Ver Giddens (~99~). Em trabalho anterior procurei explorar os meios de comunicação de massa como sistemas de desencaixe e reencaixe de relações sociais, em um contexto de disputas políticas na esfera pública. Ver Ferraz (2000). 6 Polanyi descreve quatro princípios básicos a ancorar diferentes sistemas econômicos: Princípio de Domesticidade, Prin- cípio de Reciprocidade, Princípio Redistributivo e Princípio de Mercado. Dentre esses, os três primeiros são fundamental- mente princípios não econômicos, visto que se sustentam sobre compromissos sociais entre os indivíduos e a sociedade. Por outro lado, o Princípio de Mercado é puramente econômico, visto que regulado apenas pela oferta e procura. POLfTICAS EDUCACIONAIS: CONCEITOS E DESATES 27 do feudalismo, como das sociedades de corte. É esse aspecto destrutivo do mercado que a obra de Marx tão bem desvenda do ponto de vista da economia política. E que Polanyi coloca acentos sociais singulares. Entretanto, o aspecto destrutivo se fez acompanhar por um processo de reordenação tanto da sociabilidade, como da solidariedade. Para Durkheim, por exemplo, o mesmo mecanismo social que impulsiona um individualismo exacerbado e egoísta, também ativa a valorização do indivíduo sobre o coletivo, possibilitando o apa- recimento dos direitos humanos. Em resumo, podem-se apontar, ao menos, duas características revolucionárias ligadas ao mercado: o rompimento com a sociabilidade tradicional e a circulação pública das identidades. Ao debater o assalariamento, ou seja, nos termos deste texto, o mercado de trabalho livre, Gorz registra o núcleo da questão que aqui se tenta salientar: Se os filhos de agricultores abandonaram os campos e se as mulheres reivindicam o direito de trabalhar, é porque o trabalho assalariado, por restritivo e desagradável que possa ser sob outros aspectos, liberta do encerramento numa comunidade restrita onde as relações interindivi- duais são relações privadas, fortemente personalizadas, regidas por uma relação de forças móvel, chantagens afetivas, obrigações impossíveis de formalizar. (GORZ, apud FITOUSSli ROSANVALLON, ~999, p. U7). Gorz consegue, em um mesmo movimento, perceber o rompimento com a sociabilidade tradicional e a circulação pública das identidades. O pri- meiro fica evidente na fala do autor francês, pois o trabalho assalariado sig- nifica a possibilidade de liberdade frente a todos os aspectos autoritários e limitadores da sociabilidade familiar. Enquanto a sociabilidade tradicional se caracteriza pela impossibilidade de formalização e se abre para as diversas formas de chantagens afetivas -visto que regulada fortemente pelas vontades -, o assalariamento pressupõe uma formalização que define deveres e direitos, diminuindo o conteúdo casuístico ou oportunista nas interações sociais. Mas esse é o sentido mais evidente e explícito da fala de Gorz. Igualmente, ela contém um significado que não se mostra tão aber- tamente. A liberdade, frente ao que Gorz chamou de comunidade restrita, . significa a circulação em um mundo amplo e público em que as diferenças se explicitam, causando tanto o conflito como o diálogo. As múltiplas iden- tidades, sejam individuais ou coletivas, se tornam públicas e a construção de qualquer parâmetro de solidariedade se transforma qualitativamente. Entre indivíduos culturalmente diferentes, a solidariedade se torna um desafio abs- 28 ÂNGELO RICARDO DE SOUZA! ANDRÉA BARBOSA GOUVEIA I TAis ~10URA TAVARES (ORGANIZADORES) trato de construção de objetivos e interesses comuns, apesar das assimetrias culturais prévias. Da proximidade, simplesmente afetiva, se passa a cons- trução social de projetos políticos que consolidem uma identidade que man- tenha uma coletividade coesa sem, necessariamente, um passado comum entre seus membros. Mas o limite dessas sociabilidade e solidariedade, forjadas pelo mercado, se apresenta em seu processo de mercantilização das relações sociais. A socia- bilidade e a solidariedade familiar ou comunal são capazes de construir uma rede social de apoio que previne cada um de seus indivíduos contra os azares da vida cotidiana. Assim, acidentes de trabalho, invalidez, orfandade, velhice, falta de acesso à educação são questões que o auxílio mútuo consegue, em pequenas comunidades, remediar sem colocar em colapso a reprodução social. A reciprocidade entre os indivíduos de um mesmo grupo familiar ou vicinal é suficiente para prover todos os vitimados pelos acidentes da vida social. A sociabilidade e a solidariedade geradas no interior do mercado, contudo, ainda que mais amplas e abstratas, não constituem o mesmo grau de reciprocidade entre os indivíduos. Assim, é incapaz de gerar uma rede de socorro mútuo suficiente para enfrentar os vários percalços das trajetórias individuais. É nesse preciso sentido, que a questão da pobreza, ou a questão social, como diz Castel (~998), é um fenômeno eminentemente moderno. O enfrentamento destas questões, no contexto de uma sociedade moderna, só se tornou possível, portanto, em um nível ainda mais abstrato de construção da solidariedade. É nesse ponto que o Estado Moderno se consolida como ins- tituição capaz de regular novos direitos e deveres. Direitos e deveres que vão além do simples contrato mercantil, transformando o Estado em mediador de solidariedades nacionais. Consequentemente, ainda que se possa tentar sustentar que, em sua origem, o Estado, tanto absolutista como burguês, tenha se comportado como instituição exclusivamente opressora, logo, portadora dos interesses de uma única classe social. A partir dos diversos conflitos sociais e da representação política que as classes subalternas, pouco a pouco, conquistaram, ao longo dos últimos três séculos, o Estado se transformou em elemento fundamental para desmercantilizar as relações sociais. Nesses termos, ainda que não se possa falar em um Estado anti-burguês, pode-se compreendê-Io como uma insti- tuição não essencialmente burquesa', e sim clivada de interesses. Interesses 7 Para esse debate entre Estado burguês e um Estado que não é mais essencialmente burguês seria necessário acom- POLíTICAS EDUCACIONAIS; CONCEITOS E DEBATES 29 que se organizaram ao redor das diversas possibilidades de constituir e dis- tribuir um fundo público. Nas palavras de Oliveira (2998), a constituição de um fundo público no interior do Estado, não apenas auxilia na desmercantilização das relações sociais, mas também produz um processo de reconhecimento da alteridade dos interesses em sociedade.É nesses termos que o autor, posteriormente, falará na dialética entre a privatização do público e da publicização do privado (OLIVEIRA, 2999). Mas, neste momento, basta compreender o caráter plural do Estado e o reconhecimento dos diferentes interesses de classe que o ins- titui, assim como esse impacto sobre a sociabilidade que unem os indivíduos. [...] as condições da regulação contemporânea, fundamentalmente perpassada e estruturada pelo fundo público, diluem uma única razão de Estado, substituindo-a pelas razões particulares que ligam o fundo público a cada movimento ou a cada capital, ou a cada condição especí- fica da reprodução social, incluindo-se aí a reprodução da força de traba- lho e a sociabilidade geral. (OLIVEIRA,~998, p. 43). Isso faz do Estado não apenas um lócus de poder, mas um espaço de disputa pela hegemonia política e pelos parâmetros da sociabilidade de uma sociedade. Entretanto, essa disputa não se trava como um simples embate de forças sociais que se enfrentam em um vazio institucional, mas de forças sociais que se enfrentam em um espaço institucional altamente organizado e racionalmente estruturado. Como ensinou Weber (2994), enquanto instituição, o Estado se consolida como detentor do monopólio legítimo da violência e como portador de um corpo burocrático de servidores especializados. Essas características não se limitam a descrever fotograficamente a estrutura do Estado, mas revelam a dimensão da sua legitimidade, enquanto poder social. Essa legitimidade de poder burocrático, racional-legal, garante seu caráter universal e público. Logo, ainda que perpassadas por diversas dis- putas e interesses privados, suas decisões atingem indistintamente as dife- rentes classes ou grupos sociais. É somente por intermédio do Estado que ações ou decisões políticas são universalizáveis. E, nessa exata medida, suas decisões universalizáveis requerem um jogo político estável e que projete confiança futura entre atores sociais tão diferentes. O processo político, no Estado moderno, adquire, assim, características bastante precisas. Segundo panhar as discussões habermasianas sobre esfera pública burguesa e esfera pública não-burguesa, o que fugiria dos objetivos deste texto. Ver Habermas (~984). 30 Âf,GELO RICARDO DE SOUZA! ANDRÉA BARBOSA GOUVEIA I TAis ~10URA TAVARES (ORGANIZADORES) Poggi (1981), cinco características são fundamentais para o funcionamento do Estado moderno: civilidade, plural idade de focos, metas irrestritas, contro- vérsia e centralidade das instituições representativas". Civilidade: O exercício de governo sempre implica em algum controle dos meios de coerção, e como já registrado acima, no Estado Moderno é fortalecido o monopólio legítimo desta coerção. No entanto, a fantástica ampliação do aparelho de Estado torna a preocupação com os mecanismos de coerção um elemento um tanto quanto localizado e pontual em meio a todas as suas atividades. Dentre todas as funções exercidas pelo Estado Moderno, apenas as funções militar e de polícia estão diretamente vinculadas ao aparato coercitivo. A maior parte das funções do executivo (administração, saúde, educação, assistência, infraestrutura), assim como todas as atividades desem- penhadas pelo legislativo, se desprendeu daquele aparato de coerção. Conse- quentemente, todas as decisões fundamentais que dizem respeito à delibe- ração sobre as atividades do Estado, assim como ao seu financiamento, estão conectadas a amplas redes de deliberação não coercitivas. Da mesma forma, pouco a pouco, ao longo da história, as diversas opo- sições às lideranças políticas estabelecidas foram sendo institucionalizadas, diminuindo, sensivelmente, tanto a repressão violenta às ideias divergentes, quanto as tentativas de tomada do poder político à força. Também questões impossíveis de serem negociadas, por se fundarem sobre ideias absolutas e totalizantes-como os conflitos religiosos, por exemplo-foram remetidas para a esfera privada, reduzindo a tensão do espaço público. Todo esse processo fez com que o exercício do poder se desmilitarizasse, tornando-se mais civil. Não é mera coincidência o fato dos parlamentos democráticos serem maciçamente ocupados por representantes civis, e não militares. Isso, contudo, não impede que o Estado ainda utilize da força e da violência, quando a elite política esta- belecida se sinta de alguma forma ameaçada pelas camadas subalternas, prin- cipalmente em momentos de intensa mobilização popular. Pluralidade de Focos: Como instituição mediadora da sociabilidade moderna, as atividades de Estado, ainda que organizadas em um aparelho unitário.xontemplarn uma infinidade de focos. Do financiamento explícito da reprodução do capital, ao combate dos impactos de uma catástrofe natural, são inumeráveis as ações empreendidas por intermédio do Estado. Também 8 Toda a argumentação que se segue nos próximos parágrafos é devedora explícita da obra de Poggi (1981). POLíTICAS EDUCACIONAIS: CONCEITOS E DEBATES 31 são incontáveis os seus órgãos, cargos e níveis hierárquicos. Isso possibilita diferentes pontos de acesso ao processo decisório. Assim, setores diferente- mente especializados da sociedade ocupam-se de decisões e políticas especí- ficas de cada setor do aparelho estatal. Ainda que pertencentes a uma mesma classe social ou grupo ideológico, atores de pontos diferentes da estrutura do Estado tendem a se colocar em constante conflito. Visto que seus objetivos imediatos não são concordantes. Por exemplo, as prioridades dos Ministérios do Planejamento ou da Fazenda raramente são coincidentes com aquelas que mobilizam os Minis- térios da Saúde, do Transporte ou da Educação. Da mesma maneira, os obje- tivos perseguidos e contemplados em nível nacional, muitas vezes se chocam com aqueles que se expressam nos níveis estaduais e municipais. Principal- mente quando se observa o modelo federativo brasileiro. E por fim, interesses representáveis no Executivo e no Legislativo podem ser inconciliáveis, mesmo quando se olha para dentro de um único partido. Essa pluralidade promove o envolvimento de grupos sociais cada vez mais vastos no processo político. Metas Irrestritas: Se hoje o Estado se apresenta como uma instituição plural e com alto grau de civilidade, o seu nascimento é fundamentalmente marcado pela sua característica coerciva. Assim, sua primeira forma de mediação da sociabilidade foi a repressão e a violência contra as camadas populares, em um esforço pela manutenção dos privilégios tradicionais das categorias dirigentes. A linguagem, portanto, pela qual indivíduos e grupos dirigiam-se ao Estado Absolutista e, mesmo antes dele, ao Sistema Feudal de Governo, era o apelo aos costumes e à tradição. No Estado Moderno, a linguagem do privilégio é, paulatinamente, substituída pela linguagem do direito positivo. A universalidade do poder racional-legal é variável, ao longo do tempo, e capaz de expansão infinita. Nesses termos, o poder não é mais exercido em nome da manutenção de privilégios de setores específicos, por mais amplos que estes venham a ser. Ao contrário, o exercício do poder se orienta para alvos cada vez mais.abstrato~, como o bem-estar geral de um povo ou a feli- cidade do indivíduo. Em nome desses alvos, metas e objetivos podem ser legi- timamente revisados, em função do equilíbrio político entre as classes sociais e dentro de regras previamente acordadas. Para traduzir na forma de uma expressão temporal: o poder não se legitima em nome de um passado, mas em nome do futuro. 32 ÂNGELO RICARDO DE SOUZA! ANDRÉA BARBOSA GOUVEIA ITAis ~jOURA TAVARES (ORGANIZADORES) Controvérsia: em um contexto de metas irrestritas, de plural idade de focos e de civilidade, uma arena pública de debate se torna incontornável, assim como mecanismos de controle sobre a ação do Estado. O desdobra- mento lógico é que, mesmo dentro de parâmetros institucionalizados, limi- tados ou regulamentados, a controvérsia não é simples concessão às vozes opositoras, mas elemento constitutivo, e não menos importante, para o regularfuncionamento do processo político do Estado Moderno. Sem o confronto de opiniões se tornaria impossível o funcionamento do aparelho de Estado, em sua complexidade atual. Centralidade das Instituições Representativas: Em um país como o Brasil, no qual o papel do Executivo, muitas vezes, parece sobrepor-se ao Parlamento, é quase ingênuo destacar as instituições representativas parlamentares. No entanto, enquanto a função do Executivo é fundamentalmente prática, no sentido de realização e condução de políticas públicas definidas: ao Parla- mento cabe o papel de constituir maiorias, consensos, opiniões. Ainda que se votem os projetos que o Executivo deseja, somente se vota após a construção de uma maioria política parlamentar em relação à proposta do Executivo. A centralidade do Parlamento é incontornável quando se olha sob a perspectiva do desenvolvimento do processo político. A função do Parlamento é tradicio- nalmente definida como legisladora e fiscalizadora das ações do Executivo. Não são menores estas funções, pois não há lei sem um consenso ou maioria parlamentar. E não há Executivo democraticamente instituído que não se movimente no interior desta legalidade, fruto do consenso parlamentar. Mas a função do Parlamento é ainda mais significativa, pois vai além de fixar os parâmetros legais em que o Executivo pode se movimentar. Ao se constituir como um espaço institucional da fala, da palavra, o Parlamento não apenas dá voz para a plural idade de demandas que ecoa da sociedade, como as processa, construindo consensos entre demandas díspares. Como membro de um partido, de uma maioria, de um bloco ou de uma oposição, espera-se de um parlamentar que este não apenas expresse suas opiniões e princípios - ou mesmo as ideias de sua base política -, mas que seja capaz de negociá-Ias no interior das ideias mais amplas e comuns do coletivo que ele integra. "O par- lamento é central no sistema porque não transmite simplesmente impulsos políticos originados alhures, ele produz impulsos políticos na medida em que processa as orientações do eleitorado que representa" (POGGI, :198:1, p. :12:1). POLÍTICAS EDUCACIONAIS: CONCEITOS E DESATES 33 Os resultados dessa ação não são simples negociatas ou conchavos, como adora salientar o jornalismo político brasileiro. Ao contrário, esta ação projeta consensos que transbordam do Parlamento para bases sociais organi- zadas ao redor dos parlamentares, diminuindo a violência dos conflitos sociais e dando estabilidade para uma sociabilidade ampla, assim como para as ativi- dades propriamente de governo, alojadas no Executivo. Por fim, o parlamento tanto realimenta a opinião pública, quando se coloca na posição de crítico do Executivo, como é fonte de formação de novas lideranças capazes tanto de formular soluções inovadoras para os problemas sociais, como de assumir res- ponsabilidades públicas. Diante destas características do processo político, torna-se evidente que o Estado não apenas representa um lócus de poder ou um agente de gover- nança de políticas públicas. Ao contrário, é central para a sociabilidade e a soli- dariedade moderna, na exata medida em que é a instituição capaz de mediar o processo, que Oliveira (1999) chamou, de privatização do público e publici- zação do privado. Ainda que toda demanda atendida pelo Estado possa atingir determinados grupos específicos - e nesse preciso sentido é sempre uma pri- vatização do público -, a formação de um consenso para atendê-Ia implica em uma publicização do privado. Esta publicização do privado significa que os interesses privados, em um regime democrático, não podem e não devem ser atendidos clandestinamente. E deve se compreender que eles se tornam clandestinos tanto quando não se mostram, como quando se plasmam em um suposto interesse geral ou nacional, que interdita a circulação das diferenças. Talvez, um exemplo possa tornar mais compreensível o raciocínio de Oliveira. Um problema que desafia a sociedade e o Estado brasileiro hoje é a universalização da educação infantil. Em princípio, não há brasileiro ou brasi- leira que se oponha à resolução do problema. No entanto, quanto do fundo público é necessário para enfrentar tal questão? Ouais são as outras políticas públicas que devem ser abandonadas ou negligenciadas para que o aporte financeiro necessário esteja disponível? Ouais são os grupos sociais que terão suas demandas adiadas ou não atendidas? O caráter universal de tal política, caso fosse plenamente executada, é literal, visto que todas as crianças abaixo de cinco anos teriam sua vaga em um centro de educação infantil. Portanto, todo brasileiro ou brasileira menor de cinco anos seria diretamente beneficiado por tal política, assim como todo 34 ÂNGELO RICARDO DE SOUZA! ANORÉA BARBOSA GOUVEIA I TAís ~10URA TAVARES (ORGANIZADORES) brasileiro ou brasileira adulto que tenha ou pretenda ter filhos. Resta o seguinte problema. Tal política atende interesses de brasileiros ou brasileiras adultos que não têm, nem pretendem ter filhos? Diretamente, não. Isso significa que parte do fundo público, composto com os impostos e taxas, também pagos por brasileiros e brasileiras sem filhos, não serão utilizados diretamente para políticas públicas que os beneficiem. Sob esta perspectiva, todas as políticas públicas, que não atendam indis- tinta e diretamente todos os brasileiros e brasileiras (desnecessário dizer que essas políticas são quase inexistentes), são formas de privatizar o público. Pri- vatização do público, portanto, não se resume a venda de empresas estatais ou a terceirização dos serviços públicos. Toda política pública, financiada com o fundo público - ou seja, fruto da contribuição da riqueza gerada por toda a população =, que atende um segmento específico da população, é uma forma de privatização do público. E isso independe da justiça, da legitimidade ou do alcance da política em questão. Entretanto, em um Estado democrático, em que o processo político seja pautado pela civilidade, pluralidade de focos, metas irrestritas, controvérsia e centralidade das instituições representativas, tal privatização do público não se realizará sem uma relação dialética com uma concomitante publicização do privado. Exposta, principalmente, à civilidade, à controvérsia e à centra- lidade das instituições representativas; a privatização do público só é passível de ser operada na proporção em que os interesses privados são explicitados, confrontados e debatidos. Assim, em regimes democráticos, para se privatizar o público - e isso é sempre parte do processo político - é necessário publi- cizar o privado e, por meio de amplos consensos sociais, deliberar sobre como, quando e sob qual hierarquia de importância, os diversos interesses privados serão atendidos. Se o vigor de um sistema democrático pode ser verificado pela sua capa- cidade de privatizar o público e publicizar o privado, resta compreender por meio de qual linguagem tal processo é conduzido. Não há outra linguagem no Estado Moderno que não seja a racional-legal. É por meio do direito que se processa a divisão legítima entre as partes em sociedade. Mas ao se tratar de uma divisão entre partes, propriamente de uma redistribuição, não é nos direitos civis e nos direitos políticos que se encontra a condução desse pro- cesso. A esses direitos cabem salvaguardar os direitos do indivíduo, enquanto uma mônada. É nos direitos sociais, ou seja, no que cabe a cada coletividade, POLlTICAS EDUCACIONAIS: CONCEITOS E DEBATES 35 que se encontra a linguagem pela qual se processa a privatização do público e a publicização do privado. Ao se falar em direito ao trabalho, à saúde, ao salário igual por trabalho igual, ao repouso, ao lazer, à previdência social em caso de velhice, doença ou desemprego, à educação e em tantos outros, está se processando politica- mente a distribuição pública do fundo público (o pleonasmo é intencional), e não instituindo formas de privilégios como propagandeiam alguns arautos da lei da selva. Os direitos sociais, como Ewald (1986) identificouao estudar a lei sobre acidentes de trabalho na França do século XIXI são a tradução pela qual uma sociedade reconhece o seu dever para com os azares individuais de cada um de seus membros. Assim se estabelece os parâmetros do justo e do injusto, para a distribuição das partes. É nessa mesma perspectiva que Telles (1999) compreende os direitos sociais. Para além das garantias formais inscritas na lei, os direitos estruturam uma linguagem pública que baliza os critérios pelos quais os dramas da existência são problematizados em suasexigências de equidade ejustiça. E isso significa um certo modo de tipificar a ordem de suas causalidades e definir as responsabilidades envolvidas, de figurar diferenças e desi- gualdades, e de conceber a ordem das equivalências que os princípios de igualdade e dejustiça supõem, porém como problema irredutível à equa- ção jurídica da lei, pois pertinente ao terreno conflituoso e problemático da vida social. (TELLES, ~999, p. ~78). Esta formulação exposta porTelles significa que as experiências individuais de azares cotidianos são traduzíveis, pelos direitos sociais, em uma linguagem pública que tem significado político para todos os demais grupos sociais. É a passagem do micro ao macro, da ausência de médico no posto de saúde do meu bairro ao orçamento municipal votado, todo final de ano, na Câmara de Vereadores. Faz esta tradução porque institui o consenso ao redor de quais demandas são justas ou injustas. Concomitantemente, possibilita àqueles que não fazem parte da divisão pré-estabelecida, reivindicar suas partes. Nas palavras de Ranciere (1996)1 os direitos sociais são a linguagem para a produção do dissenso, instaurando a política. Se ao Estado, por meio dos direitos sociais e do debate no parlamento, cabe a produção do consenso que confere equilíbrio à distribuição entre as partes: é pela produção do dissenso, que a linguagem dos mesmos direitos sociais confere aos novos atores, que a política se instaura, reabrindo sempre o jogo das metas irrestritas. É por isso 36 ANGELO RICARDO DE SOUZA i ANDRÉA BARBOSA GOUVEIA I TAIs MOURA TAVARES (ORGANIZADORES) que Lefort (~987) diferencia uma sociedade democrática e o totalitarismo, jus- tamente pela presença de um espaço público atravessado pela consciência do direito a ter direitos. Não é por estar inscrito na Lei que um direito se efetiva. Mas por estar na Lei, um direito abre o universo da reivindicação política. É sob esse prisma, de uma cultura do direito a ter direitos, que se faz necessário inquirir a realidade da sociedade brasileira. Sociedade complexa e polissêmica, em que a negação do dissenso parece ser a regra, em planos tão diferentes, como a sociabilidade, o mercado de trabalho ou a instituciona- lidade. Sociedade complexa e injusta, que, para Paoli e Telles, [ ... ] garante os direitos políticos democráticos, mas não consegue fazer vigorar a lei, os direitos civis e a justiça no conjunto heterogêneo da vida social, subtraídos que são por circuitos paralelos de poder que obliteram a dimensão pública da cidadania, repõem a violência e o arbítrio na esfera das relações privadas, de classe, gênero e etnia [ ... ]. (PAOLlj TELLES, 2000, p. ~o3-~04). Sociologicamente, é possível procurar por esses circuitos paralelos de poder, que interrompem o processo de efetivação dos direitos sociais no Brasil, no mínimo, nas três esferas anteriormente sugeridas: a esfera institucional, a esfera da sociabilidade e a esfera do mercado de trabalho. Francisco de Oliveira (~999) apresenta, em um rápido cálculo mate- mático, que, entre ~930 e ~990, além da ditadura de Vargas e da ditadura militar de ~964, o Brasil viveu uma sequência de golpes e tentativas fracassadas de golpes, que perfaz uma média de um atentado à democracia, a cada três anos. Esta rápida conta já demonstra, quase que automaticamente, o circuito de poder autoritário que interrompe, continuamente, a validade dos direitos no plano institucional brasileiro. Mas o cálculo de Oliveira, por questões inerentes ao seu próprio debate, contempla apenas o Brasil industrializado. Pode-se recuar ao início da história nacional e, ainda assim, a democracia instituciona- lizada será uma exceção. Os períodos colonial e imperial, nem com muita boa vontade, poderiam ser classificados como democráticos. Na Primeira República, nem a metade dos presidentes conseguiram concluir seus mandatos integralmente. Entre aqueles que o fizeram, muitos tiveram que apelar para o estado de sítio. À Pri- meira República se segue a Ditadura deVargas. Eno curto período democrático, que vai de ~946 a ~964, tem que se contabilizar a clandestinidade do Partido POLÍTICAS EDUCACIONAIS: CONCEITOS E DEBATES 37 Comunista Brasileiro em ~947 (o que demonstra o limite da democracia sob a Presidência de Eurico Gaspar Dutra); o suicídio de Vargas em ~954 (motivado pela contínua possibilidade de qolpe); a tentativa de impedir a posse de Jus- celino (que após assumir viria, ainda em seu primeiro ano de governo, decretar a prisão domiciliar do general JuarezTávora, adversário derrotado nas eleições de ~955)j a renúncia de Jânio Quadros em ~96~j a instauração do parlamenta- rismo para impedir que o poder chegasse às mãos de João Goulart, no mesmo ano: e, por fim, o golpe, propriamente dito, em ~964. Essa interrupção contínua da institucionalidade democrática é a oblite- ração do processo de publicização do privado, restando apenas a privatização do público, que, solitariamente, é sempre o fim do dissenso e o sepultamento da política. Um Estado, no qual o espaço para a controvérsia é reduzido, ou mesmo inexistente em alguns momentos, realimenta uma sociabilidade auto- ritária, e o circuito de poderes paralelos a interromper a constituição de uma cidadania pública é continuamente intensificado. Nesses termos, o papel do Estado, no processo de desmercantilização das relações sociais, não se efetiva. Mas essa contínua interrupção na institucionalidade brasileira não é um mal intrínseco a estrutura de Estado, como uma sociologia bipolar e vulgar, que separa completamente Estado e mercado, poderia sugerir. Não se trata de separar o Estado, como polo de todos os nossos vícios (o patrimonialismo, o compadrio e a corrupção) e o mercado como o centro das virtudes (a moder- nidade, a meritocracia, a concorrência). Definitivamente, não se trata de contrapor o mito da brasilidade malemolente e o mito paulista do motor da nação? . Esta persistente e contínua interrupção se encontra na incapacidade de articulação entre Estado e sociedade (principalmente, deve ser considerada a elite política desta sociedade) para aceitar e incorporar novos atores, falas e demandas sociais. Prado Jr.10 (2004) interpretou essa dificuldade pela coexistência entre uma realidade colonial contemporânea ao capitalismo mercantil, portanto, partícipe de uma economia de mercado, com um modo de produção que repousava sobre o trabalho escravo - a negação do mercado de trabalho. Flo- restan Fernandes (~987), por seu turno, sustentou a impossibilidade da revo- lução burguesa em terras brasileiras, visto que a precoce aliança entre bur- 9 Para uma leitura sobre os impasses brasileiros, hoje, sob uma perspectiva de confronto entre o mito brasileiro e o mito paulista, ver o excelente trabalho de Souza (2009). '0 Essamaneira de se tomar o pensamento de Caio Prado Jr. Florestan Fernandes, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, ainda que revisitando os escritos originais deles, é devedora direta da leitura que Francisco de Oliveira (1999) faz desses clássicos. 38 ÂNGELO RICARDO DE SOUZA I ANDREA BARBOSA GOUVEIA /"TAiS MOURA TAVARES (ORGANIZADORES) guesia ascendente e oligarquia decadente produziu uma revolução econômica, sem a contrapartida da revolução política que propunha o liberalismo clássico. Nessa chave interpretativa, Estado e mercado colaboram, igualmente, para a consolidação de uma individualidade, sem civilidade. Mas os clássicos da sociologia nacional delegaram outras chaves, igual- mente eficazes, para se compreender aatávica dificuldade em reconhecer a legitimidade do dissenso político. No plano da sociabilidade privada, Gilberto Freyre (2006) e Sérgio Buarque de Holanda (2006) evidenciam práticas sociais que teimam em não reconhecer a alteridade. Paralelamente a valorização da miscigenação como a grande virtude nacional, Freyre é contundente ao inter- pretar a prática de anulação do outro, contida nas relações escravocratas. Da proibição de cultos africanos à banalidade da violência sexual, passando por todos os métodos de punição do corpo que reprimiam qualquer forma de dis- cordância, a cultura do "Sabe com que está falando?" se estabeleceu como regra de toda autoridade. No mesmo ritmo, a expertise da proximidade do homem cordial (HOLANDA, 2006) é a negação de qualquer formalidade que possa revelar a universalidade dos direitos. Portanto, a informalidade, o compadrio, o patri- monialismo - ou mesmo, o tão famoso jeitinho brasileiro - operam, sob o registro da sempre valorizada cordialidade, obscurecendo os limites entre vontades pessoais e formas de dominação privada, sem qualquer mediação pública, sujeitas, assim, a todas as chantagens e coerções. Por fim, resta a herança de quatro séculos de escravidão que moldou um mercado de trabalho, no qual, o princípio de subordinação - essência do direito do trabalho (SUPIOT, J.994) - é sistematicamente travestido de servidão, e a burla do contrato de trabalho torna-se recorrente, tanto pela parte patronal, como pelo trabalhador (CARDOSO, 2003). Essa reunião - de uma democracia política tantas vezes interrompida, da quase impossibilidade de uma revolução burguesa, da cordialidade que nega, sistematicamente, a alteridade e de um mercado de trabalho, em que ainda sobrevivem algumas das piores práticas do passado escravocrata - explicita o tamanho do desafio político e social que o país enfrenta, desde o seu retorno ao regime democrático, há cerca de duas décadas e meia. Mas estas duas décadas e meia trouxeram algum alento a tão maltratada ideia de cidadania nos trópicos. A modernização do mercado capitalista sem a sua contra partida clássica da revolução burguesa encontrou seus limites de POLÍTICAS EDUCACIONAIS: CONCEITOS E DEBATES 39 mover a economia, sem produzir inclusão polítíca=, em fins do regime dita- torial. As grandes greves de ~978, ~979 e 1.980- as quais Sader (~988) descreveu como os novos personagens que entravam em cena - significaram a instalação do dissenso, na exata medida em que revelaram novos personagens e novas pautas, no tabuleiro político nacional. Trabalhadores urbanos, por meio de lideranças e instituições sindicais renovadas, juntamente com infinitos outros movimentos sociais que tensionaram toda a década de ~980 (Movimento Sanitarista, Movimento contra a Carestia, Fórum em Defesa da Escola Pública, Associações de Bairros etc.), estabeleceram bases para uma Constituição mais democrática, que passou a fornecer diversos espaços institucionais que não negam, a priori, o dissenso. Desta forma, os anos de ~970 e ~980 deixaram, ao menos, duas contri- buições como seu legado para a democracia do Brasil do século XXI: a) a inde- pendência de atores sociais novos, com demandas novas e capazes de forma- lizarem publicamente estas demandas, escapando da teia do homem cordial, sempre avessa a alteridade, e 2) um quadro institucional mais permeável ao reconhecimento e tratamento destas demandas, conferindo estabilidade ao conflito democrático de representação de interesses. A vitalidade do movi- mento social brasileiro, nas respectivas décadas, amplia a civilidade e a plu- ralidade de focos do processo político nacional. Par e passo, a nova institu- cionalidade, que emana da Constituição de ~988, possibilita equilíbrio ao jogo de metas irrestritas, assim como viabiliza o exercício da controvérsia nas insti- tuições representativas, sem grandes sobressaltos. Entretanto, se sob a ótica do poder de fala dos movimentos sociais e da estruturação de um espaço formal, em que esta fala possa reverberar, a abertura dos anos de ~990, no Brasil, foi promissora, pois era o fruto das conquistas das mobilizações das décadas anteriores: a desestruturação das relações de trabalho e a desmontagem do aparelho de Estado foram o lado perverso da última década do século XX. Os anos de 1.990 coincidiram com o ápice de dois fenômenos que permitem, a Oliveira (~999), caracterizar o neo- liberalismo, em terras brasileiras, como um totalitarismo político. Esses dois fenômenos, seguindo o autor supracitado, são a perda de centralidade do tra- balho e um processo de "intensa subjetivação da acumulação do capital, [... ] " Sob diferentes óticas, vários autores registram a relação entre a consolidação do parque industrial automotivo e o desenvolvimento das condições sociológicas necessárias para o amadurecimento de um movimento sindical vigoroso e massivo. Ver Almeida (~975); Humphrey (~982); Oliveira (2005); Rodrigues (~970). 40 ÃNGELO RICARDO DE SOUZA i ANDRÉA BARBOSA GOUVEIA I TAis MOURA TAVARES (ORGANIZADORES) que expressa a privatização do público, ou, ideologicamente, uma experiência subjetiva de desnecessidade, aparente, do público" (OLIVEIRA, ~999, p. 57). Não cabe aqui, em função dos interesses que norte iam o texto e, princi- palmente, do espaço reservado ao mesmo, adentrar ao debate sobre a perda de centralidade do trabalhe". Basta lembrar que a formalização das relações de trabalho é base, no ocidente, para o desenvolvimento dos direitos sociais e de tudo que eles significam no processo político democrático. Logo, o significado sociológico da perda desta centralidade é a fragilização dos espaços da polltica». Mas, se faz necessário dedicar maior atenção ao segundo fenômeno registrado por Oliveira: a experiência subjetiva de desnecessidade, aparente, do público. Como foi argumentado até aqui, o Estado Moderno, por meio do fundo público (OLIVEIRA, 1998), é mediador da sociabilidade, por atuar des- mercantilizando as relações sociais e promovendo o reconhecimento da alte- ridade. Nesse sentido, o Estado do Bem-Estar transformou-se no modelo melhor acabado desse processo, ainda que imperfeito e insuficiente. O pro- blema é que, apesar de ser fruto de um conflito político - porque não dizer, um conflito de classe - que se materializou em direitos sociais, a longevidade do Estado do Bem-Estar= produziu, nas últimas décadas, o processo de sua própria naturalização. Esta naturalização se efetiva na proporção inversa em que o conflito histórico, que deu origem a determinados direitos, se distancia no tempo. Ou seja, o fruto da conquista coletiva perde a historicidade de luta de uma classe ou grupo social e se apresenta como privilégio ou direito subjetivo, sendo, apenas, individualmente percebido. Assim, o caráter, muitas vezes, adminis- trativo do exercício dos direitos, os descolam da base material do conflito e passam a ser fontes de percepção de uma desnecessidade do público. Mas não é apenas a relação individualizada com os direitos que sugerem, ideologicamente, a aparente desnecessidade do público. Oliveira chama de experiência subjetiva de desnecessidade, aparente, do público, também, ao movimento que leva o indivíduo a se autorretratar como responsável pela az A referência fundamental para o início desse debate é Offe (~989), mas o escopo da discussão é bem mais amplo, tendo enfoques sociológicos, econômicos e políticos diversos. Sobre esse assunto, sob diferentes abordagens teó- ricas, pode-se, além de Offe, consultar Boyer (~990); Castel (~998); Ferraz (20n); Fitoussi; Rosanvallon (~999); Gorz (~987);Habermas (~987);Markert (2002); Silva (2004), Supiot (~994);Telles (2001). '3 Para um debate sobre o significado político da perda de centralidade do trabalho nos conflitos trabalhistas ao redor dos acordos coletivos, ver Ferraz (2006). '4 Sobre o Estado de Bem-Estar ver o já citado Oliveira (~998), além de Fiori (~997)e Esping-Andersen (~99~). POLíTICAS EDUCACIONAIS; CONCEITOS E DEBATES 41 A privatização do público é uma falsa consciência de desnecessidade
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