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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CAMPUS REITOR JOÃO DAVID FERREIRA LIMA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA MECÂNICA NÍVEL MESTRADO RÔMULO RENAN SERAFIN IMPLEMENTAÇÃO DE UM PACOTE AERODINÂMICO ATIVO EM UM VEÍCULO FÓRMULA SAE Florianópolis 2020 RÔMULO RENAN SERAFIN IMPLEMENTAÇÃO DE UM PACOTE AERODINÂMICO ATIVO EM UM VEÍCULO FÓRMULA SAE Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Mestre em Engenharia Mecânica. Orientador: Prof. Henrique Simas, Dr. Eng. Coorientador: Prof. Rodrigo de Souza Vieira, Dr. Eng. Florianópolis 2020 Ficha de identificação da obra RÔMULO RENAN SERAFIN IMPLEMENTAÇÃO DE UM PACOTE AERODINÂMICO ATIVO EM UM VEÍCULO FÓRMULA SAE O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros: Prof. Henrique Simas, Dr. Eng. Universidade Federal de Santa Catarina Prof. Lauro Cesar Nicolazzi, Dr. Eng. Universidade Federal de Santa Catarina Prof. Antônio Carlos Valdieiro, Dr. Eng. Universidade Federal de Santa Catarina Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de mestre em Engenharia Mecânica. ____________________________ Prof. Jonny Carlos da Silva, Dr. Eng. Coordenação do Programa de Pós-Graduação ____________________________ Prof. Henrique Simas, Dr. Eng. Orientador Florianópolis, 2020. AGRADECIMENTOS Primeiramente, gostaria de agradecer aos meus pais, Gilson Roberto Serafin e Odila Nadir Soares do Nascimento Serafin, pelo amor, incentivo e apoio em todas as etapas da minha vida. Sem vocês nada disso seria possível. Agradeço ao meu irmão, João Marcel Serafin, por estar sempre presente nos momentos em que precisei de ajuda, sendo essencial para a execução deste projeto. Agradeço a minha namorada, Camila Orso, pelo apoio e compreensão nos momentos onde tive que me ausentar. Agradeço aos professores Henrique Simas e Rodrigo de Souza Vieira, que me orientaram neste trabalho, pela oportunidade, disponibilidade e ajuda, sempre de forma solícita e atenciosa. Agradeço aos membros da Banca, professores Lauro Cesar Nicolazzi e Antônio Carlos Valdieiro, por terem aceitado o convite para fazer parte deste trabalho. Agradeço à Universidade Federal de Santa Catarina, aos professores e funcionários do POSMEC por contribuírem para meu desenvolvimento acadêmico. Agradeço à Equipe Fórmula UFSC e a todos amigos feitos durante os quase 3 anos de participação. A experiência de participar da equipe trouxe um grande aprendizado pessoal e profissional que levarei para a vida toda. RESUMO A aerodinâmica é uma das áreas mais importantes do projeto de um veículo, um dos seus principais objetivos é estudar como o fluxo de ar percorre a carroceria do veículo e a influência que essa interação causa no seu comportamento dinâmico. Tal interação se dá por meio de forças criadas a partir das diferenças de pressão ocasionadas pelo escoamento de ar na superfície da carroceria. Basicamente essas forças são derivadas em duas forças predominantes, conhecidas como força de arrasto e força de sustentação. Em veículos de competição os projetistas buscam ao máximo otimizar a sustentação negativa para melhorar a capacidade de tração dos pneus e aumentar a velocidade nas curvas. Porém altos valores de sustentação negativa são acompanhados de altos valores arrasto que prejudicam o desempenho do veículo nas retas. O objetivo deste trabalho é criar um pacote aerodinâmico para um veículo de Fórmula SAE que consiga alterar seu estado dinamicamente para atingir altos valores de sustentação negativa e baixos valores de arrasto. O pacote aerodinâmico pretende fazer isso através de um sistema de flaps móveis atuados por um sistema eletromecânico instalado na asa traseira do veículo, o qual será controlado automaticamente. O trabalho apresenta o dimensionamento das asas utilizando CFD, o desenvolvimento do projeto eletromecânico e o desenvolvimento do sistema de controle responsável por atuar o sistema eletromecânico. Ao final são apresentados os resultados obtidos através de testes de validação do sistema e as conclusões obtidas. Palavras-chave: CFD, Sistemas de controle, Aerodinâmica, FSAE, Asas multi-elementos. ABSTRACT Aerodynamics is one of the most important areas of vehicle design, one of its main goals is to study how air flow travels through the vehicle's body and the influence that this interaction has on its dynamic behavior. That interaction occurs through forces created from the pressure differences caused by the flow of air on the body surface. Basically, these forces are derived into two predominant forces, known as drag and lift force. In competition vehicles, designers try to improve the negative lift to the maximum to improve the traction capacity of the tires and increase the speed in curves. However, high negative lift values are accompanied by high drag values that reduce the vehicle's performance on the straights. The objective of this work is to create an aerodynamic package for a Formula SAE vehicle that can dynamically change its state to get high values of negative lift and low values of drag. The aerodynamic package plan to do this through a system of movable flaps actuated by an electromechanical system installed in the rear wing of the vehicle, which will be controlled automatically. The work presents the dimensioning of the wings using CFD, the development of the electromechanical project and the development of the control system responsible for control the electromechanical system. At the end, the results obtained through system validation tests and the conclusions obtained are presented. Keywords: CFD, Control systems, Aerodynamics, FSAE, Multi-element wings. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Forças aerodinâmicas atuantes em um veículo. ....................................................... 15 Figura 2 - Veículo de recorde de Camille Jenatzy 1899........................................................... 21 Figura 3 - As quatro fases principais da aerodinâmica do automotiva. .................................... 22 Figura 4 - 1921 Rumpler Tropfenwagen exposto Museu do Transporte Urbano Alemão. ...... 23 Figura 5 - (a) Coeficientes de arrasto encontrados em um perfil simétrico e perfis assimétricos (b) Formas compostas propostas por Jaray............................................................................... 24 Figura 6 - Variação da média horária da volta recorde no circuito de Indianápolis. ................ 26 Figura 7 - Efeito aerodinâmico no tempo de volta. .................................................................. 27 Figura 8 - Chaparral 2J. ............................................................................................................ 28 Figura 9 - Lotus 78. .................................................................................................................. 29 Figura 10 - Asa dianteira dos principais carros de Fórmula 1 da temporada de 2018. ............ 30 Figura 11 - Fórmula SAE da Universidade de Michigan em 1991. ......................................... 31 Figura 12 - Dimensões domínio computacional. ...................................................................... 36 Figura 13 - Células parciais com interface fluido/sólida. ......................................................... 37 Figura 14 - Posicionamento planos de controle para refinamentode malha: a) Vista frontal; b) Vista lateral. .............................................................................................................................. 39 Figura 15 - Malha refinada através da ferramenta de refino automático.................................. 40 Figura 16 - Malha inicial com o emprego do refinamento na superfície do modelo. .............. 40 Figura 17 - Células de malha computacional próximas a uma parede, seus centros de massa fluida e as distâncias entre elas e a parede................................................................................ 45 Figura 18 - Pista modelada no software Optimum Lap. ........................................................... 50 Figura 19 - Zonas de restrição para apêndices aerodinâmicos. ................................................ 52 Figura 20 - Esboço posicionamento asas. ................................................................................. 52 Figura 21 - Terminologia de um aerofólio assimétrico. ........................................................... 53 Figura 22 - Perfil Eppler E423. ................................................................................................ 54 Figura 23 - Distribuição percentual de forças aerodinâmicas em um veículo de FSAE. ......... 56 Figura 24 - Diagrama de corpo livre de um veículo de FSAE para estimar o balanço aerodinâmico. ........................................................................................................................... 56 Figura 25 - Esboço dimensionamento parte externa asa dianteira (em frente as rodas). ......... 58 Figura 26 - Terminologia perfil com dois elementos. .............................................................. 59 Figura 27 - Resultado simulações 2D perfil aerodinâmico extremidades rodas dianteiras. ..... 59 file:///D:/01%20-%20Faculdade%20e%20Mestrado/02%20-%20Mestrado/01%20-%20Dissertação/05%20-%20Dissertação/Dissertação_Rômulo_Renan_Serafin%20(Versão%20BU).docx%23_Toc48134122 Figura 28 - (a) Campos de pressão para perfil aerodinâmico com maior 𝐶𝑙. (b) Campos de pressão para perfil aerodinâmico com menor 𝐶𝑙. ..................................................................... 60 Figura 29 - Esboço dimensionamento parte interna asa dianteira (entre bico e as rodas). ....... 61 Figura 30 - Resultado simulações 2D perfil aerodinâmico localizado entre o bico e as rodas. 62 Figura 31 - Gurney flap. ........................................................................................................... 62 Figura 32 - Linhas de fluxo sobre a asa dianteira. .................................................................... 63 Figura 33 - Esboço do dimensionamento da asa traseira.......................................................... 65 Figura 34 - Resultado simulações 2D perfil aerodinâmico asa traseira. .................................. 66 Figura 35 - Corte frontal-inferior endplate. .............................................................................. 67 Figura 36 - A figura (a) mostra a incidência de vorticidade em um plano a 5mm da parte interna da endplate. A figura (b) mostra o campo de pressão no mesmo plano. .................................. 68 Figura 37 - Variação de downforce e drag em relação ao ângulo de ataque flaps. .................. 70 Figura 38 - Modelo utilizado para as simulações com a inclusão das asas no carro. ............... 70 Figura 39 - Linhas de fluxo incidentes sobre a asa traseira. ..................................................... 71 Figura 40 - Mecanismo de movimentação flaps asa traseira. ................................................... 74 Figura 41 - QR code para acesso ao vídeo do mecanismo de movimentação dos flaps. .......... 75 Figura 42 - Forma construtiva final da asa traseira. ................................................................. 76 Figura 43 - Case sistema elétrico. ............................................................................................ 77 Figura 44 - Dispositivo para medição do curso do amortecedor. ............................................. 78 Figura 45 - Suporte para aquisição de dados asa traseira. ........................................................ 79 Figura 46 - Estrutura do sistema de controle. ........................................................................... 82 Figura 47 - Estrutura do algoritmo de controle. ....................................................................... 83 Figura 48 - Suporte asa traseira. ............................................................................................... 87 Figura 49 - Asa traseira posicionada no teto do veículo........................................................... 87 Figura 50 - Pedaços de barbante colados parte inferior dos elementos da asa. ........................ 88 Figura 51 - Resultado teste asa fechada.................................................................................... 89 Figura 52 - QR code para acesso ao vídeo do teste com a asa fechada. ................................... 90 Figura 53 - Resultado teste asa aberta. ..................................................................................... 90 Figura 54 - QR code para acesso ao vídeo do teste com a asa aberta. ...................................... 91 Figura 55 - A figura (a) mostra o comportamento do escoamento na parte traseira da asa durante o teste com a configuração fechada. A figura (b) mostra campos de pressão na superfície dos elementos na parte traseira da asa............................................................................................. 92 Figura 56 - A figura (a) mostra o comportamento do escoamento na parte traseira da asa durante o teste com a configuração aberta. A figura (b) mostra campos de pressão na superfície dos elementos na parte traseira da asa............................................................................................. 93 Figura 57 - QR code para acesso ao vídeo dos testes com a asa aberta e fechada. .................. 94 Figura 58 - QR code para acesso ao vídeo do teste abertura dos flaps. .................................... 94 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Pontuação máxima de cada prova na competição de Fórmula SAE ....................... 18 Tabela 2 - Otimização de malha asa traseira. ........................................................................... 37 Tabela 3 - Configurações de malha. ......................................................................................... 41 Tabela 4 - Condições de contorno simulações. ........................................................................ 46 Tabela 5 - Parâmetros adotados nas simulações Optimum Lap. .............................................. 49 Tabela 6 - Resultados obtidos nas simulações do software Optimim Lap................................ 51 Tabela 7 - Principais dimensões dos elementos da asa dianteira (Seção em frente as rodas dianteiras). ................................................................................................................................ 64 Tabela 8 - Principais dimensões dos elementos da asa dianteira (Seção entre bico e as rodas dianteiras). ................................................................................................................................ 64 Tabela 9 - Principais dimensões elementos asa dianteira. ........................................................ 69 Tabela 10 - Torque gerado nos flaps da asa traseira. ................................................................ 73 Tabela 11 - Lista de componentes utilizados............................................................................ 76 Tabela 12 - Comparativo do downforce e drag entre simulações CFD e testes. ...................... 91 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CFD Computational Fluid Dynamics DRSDrag Reduction System ETM Enhanced Turbulence Modeling FDM Fused Deposition Modeling FSAE Fórmula SAE IDE Integrated Development Environment USB Universal Serial Bus 2SWF Two Scale Wall Functions LISTA DE SÍMBOLOS Alfabeto latino: 𝐴 m² Área frontal do veículo 𝐶𝑑 --- Coeficiente de arrasto 𝐶𝑙 --- Coeficiente de sustentação 𝐹𝑑 N Força de arrasto 𝐹𝑙 N Força de sustentação 𝑞𝑤 W·m−2 Fluxo de calor da parede para o fluido 𝑘 m2/s2 Energia turbulenta 𝑢𝑖 --- I-ésimo componente do vetor de velocidade do fluido 𝑣 m/s Velocidade 𝑥𝑖 --- I-ésima componente do sistema de coordenadas cartesianas 𝑦 m Distância normal da parede 𝑦+ --- Distância adimensional normal da parede Alfabeto grego: 𝜌 kg/m Densidade do fluido 𝜀 m2/s3 Taxa de dissipação de energia turbulenta 𝜇 m²/s Viscosidade do fluido 𝜇𝑡 m²/s Viscosidade turbulenta do fluido 𝜏𝑖𝑗 --- Ij-ésimo componente do tensor de tensão laminar 𝜏𝑖𝑗 𝑅 --- Ij-ésimo componente de tensão de Reynolds 𝑛𝑖 --- I-ésimo componente da normal para a parede na região de fluido 𝜏𝑤 Pa Tensão de cisalhamento de parede SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 15 1.1 Introdução a aerodinâmica automotiva .................................................................. 15 1.2 OBJETIVOS .......................................................................................................... 16 1.3 A competição Fórmula SAE .................................................................................. 17 1.4 Justificativa ............................................................................................................ 19 1.5 Escopo do trabalho ................................................................................................ 19 2 ESTADO DA ARTE ............................................................................................ 21 2.1 O início da aerodinâmica automotiva .................................................................... 21 2.2 A aerodinâmica nas competições........................................................................... 25 2.3 A aerodinâmica na Formula SAE .......................................................................... 30 2.4 Considerações finais .............................................................................................. 32 3 CONFIGURAÇÃO DAS SIMULAÇÕES EM CFD ........................................ 34 3.1 Configuração de malha .......................................................................................... 35 3.2 Definição do tamanho do domínio computacional e da malha global................... 35 3.3 Definição dos parâmetros das regiões de refino da malha .................................... 39 3.4 Modelo de turbulência ........................................................................................... 41 3.4.1 Modelo de turbulência k-ε modificado............................................................... 43 3.4.2 Funções de parede de duas escalas (2SWF) ...................................................... 44 3.4.3 Condições de contorno ........................................................................................ 46 3.4.4 Considerações finais ............................................................................................ 47 4 DESENVOLVIMENTO DOS APÊNDICES AERODINÂMICOS ................ 48 4.1 Regulamento da Competição Fórmula SAE .......................................................... 51 4.2 Seleção do aerofólio das asas ................................................................................ 53 4.3 Dimensionamento das asas .................................................................................... 54 4.3.1 Distribuição das forças aerodinâmicas e balanço ............................................. 55 4.3.2 Desenvolvimento da asa dianteira ...................................................................... 57 4.3.3 Desenvolvimento da asa traseira ........................................................................ 64 4.3.4 Integração das asas ao veículo ............................................................................ 70 4.4 Considerações finais .............................................................................................. 72 5 PROJETO ELETROMECÂNICO .................................................................... 73 5.1 Sistema de movimentação dos flaps da asa traseira .............................................. 73 5.2 Sistema elétrico de controle e aquisição de dados ................................................. 76 5.3 Considerações finais .............................................................................................. 79 6 PROJETO DE CONTROLE .............................................................................. 80 6.1 Estratégia de controle ............................................................................................ 80 6.2 Estrutura do sistema de controle ............................................................................ 81 6.3 Estrutura Algoritmo de controle ............................................................................ 83 7 RESULTADOS E EXPERIMENTAÇÕES ....................................................... 86 7.1 Instalação da asa traseira no veículo de passeio .................................................... 86 7.2 Testes de validação do sistema .............................................................................. 88 7.3 Análise dos resultados ........................................................................................... 91 7.4 Considerações finais .............................................................................................. 94 8 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 96 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 98 APÊNDICE A – ALGORITMO DE CONTROLE ........................................ 101 15 1 INTRODUÇÃO 1.1 INTRODUÇÃO A AERODINÂMICA AUTOMOTIVA A aerodinâmica veicular pode ser compreendida como a área responsável por estudar como um fluido, no caso o ar, percorre a carroceria do veículo e a influência que essa interação causa no comportamento dinâmico do mesmo. Tal interação se dá por meio de forças criadas a partir das diferenças de pressão ocasionadas pelo escoamento de ar na superfície da carroceria. Basicamente essas forças são derivadas em duas forças predominantes, conhecidas como força de arrasto e força de sustentação (MCBEATH, 2000). A força de arrasto consiste naquela contrária ao movimento do veículo e é também conhecida do inglês como drag. A força drag representa a resistência causada pelo ar no movimento do veículo. A força de sustentação ou do inglês lift consiste na força perpendicular, direcionada para cima em relação à força de arrasto. Quando a força lift é direcionada no sentido do chão é chamada de força de sustentação negativa, carga aerodinâmica ou o termo em inglês downforce (MCBEATH, 2000). Tais forças aerodinâmicas podem sem observadas na Figura 1. Figura 1 - Forças aerodinâmicas atuantes em um veículo. O projeto aerodinâmico de um veículo tem objetivos distintos dependendo de sua aplicação (KATZ, 2016). Um automóvel de rua, por exemplo tem como maior objetivo em seu formato aerodinâmico diminuir o arrasto, o que impacta no seu consumo de combustível. Já um veículo de competição busca uma maior geração de carga aerodinâmica, com o objetivo de incrementar a aderência dos pneus com a pista, melhorando o desempenho do veículo em traçados sinuosos (HUCHO, 1998). 16 SegundoHucho (1998), o interesse dos engenheiros projetistas com a aerodinâmica veicular começou em meados de 1900, tendo como o principal objetivo a redução do arrasto aerodinâmico. Porém, com o passar do tempo outros fatores começaram a ser abordados nos estudos, como o uso dessas forças no sentido de reduzir a sustentação aerodinâmica e assim beneficiar o comportamento dinâmico do veículo. Um dos principais problemas aerodinâmicos de veículos comercias populares é a geração de sustentação aerodinâmica em velocidades mais altas, que pode desestabilizá-los devido ao decréscimo de carga nos pneus. Veículos de competição contornam este problema com a utilização de vários tipos de apêndices aerodinâmicos, que além de eliminar a sustentação geram altos níveis de carga aerodinâmica. Analisando de forma cronológica as carrocerias dos carros das principais fabricantes de veículos esportivos, percebe-se que inspirados nos veículos de competição, elas começaram a implementar soluções aerodinâmicas em seus produtos. Uma das constatações é o uso cada vez maior de apêndices aerodinâmicos para geração de carga aerodinâmica. As principais técnicas para alcançar esse objetivo são o uso de spoilers, aerofólios, assoalhos planos, assoalhos com difusores e recentemente apêndices aerodinâmicos móveis ativos. O uso de apêndices aerodinâmicos móveis em veículos esporte comerciais teve inicialmente o propósito de servir como freio aerodinâmico, entretanto em modelos atuais, são empregados para alcançar valores diferentes de arrasto aerodinâmico/carga aerodinâmica, dependendo da situação dinâmica em que se encontra o veículo (MCBEATH, 2000). 1.2 OBJETIVOS Este trabalho tem como objetivo principal implementar um pacote aerodinâmico ativo em um veículo de Fórmula SAE, que permita um melhor desempenho nas provas dinâmicas da competição Fórmula SAE Brasil. O veículo em específico será o protótipo desenvolvido pela equipe Fórmula UFSC, que compete na categoria a combustão na competição nacional, representando a Universidade Federal de Santa Catarina. Analisando o cenário da competição Fórmula SAE Brasil é possível constatar que poucas equipes desenvolvem kits aerodinâmicos ativos e quando desenvolvidos usam acionamento feito pelo piloto através de um botão posicionado no volante ou no painel. Geralmente esses sistemas são constituídos por um flap móvel localizado na asa traseira do 17 veículo, que ao ser acionado pelo piloto diminui seu ângulo de ataque, fazendo com que o veículo tenha menos arrasto aerodinâmico. O trabalho tem o objetivo de desenvolver um sistema que possa se adaptar para gerar diferentes valores de carga e arrasto aerodinâmico, dependendo da situação dinâmica do veículo, utilizando somente como entrada informações fornecidas pelo sistema de aquisição de dados. Aliado ao objetivo principal o trabalho tem objetivos específicos, os quais são: • Levantamento do estado da arte e identificação de especificações de sistemas aerodinâmicos ativos; • Proposição de um sistema de controle aerodinâmico ativo; • Proposição de um sistema capaz de atenuar o ângulo de rolamento e arfagem do veículo; • Construção e operacionalização de um sistema ativo de controle aerodinâmico adaptado ao veículo Fórmula SAE; • Integração do sistema ao veículo e avaliação do desempenho. 1.3 A COMPETIÇÃO FÓRMULA SAE Criada em 1981 nos Estados Unidos, a competição de Fórmula SAE foi alavancada pela carência de engenheiros especializados em veículos de alta performance (VIEIRA, 2016). No Brasil a competição teve início em 2004 e consiste na atividade de projetar e fabricar um carro monoposto de fórmula, que envolva alunos de graduação e pós-graduação. Durante o evento os carros passam por provas estáticas e dinâmicas, avaliando a performance de cada projeto na pista, assim como as apresentações técnicas das equipes, que inclui projeto, custo, e uma apresentação de marketing (SAE BRASIL, 2019). A máxima pontuação possível em cada prova é descrita na Tabela 1. As provas estáticas incluem o evento de Projeto, Apresentação e Custos e Manufatura. O evento de Projeto consiste na apresentação do desenvolvimento do protótipo, abrangendo os conceitos usados para iniciar o projeto, até a etapa de manufatura e validação dos dados obtidos no veículo. Na prova de Apresentação a equipe tem que demostrar a capacidade e a metodologia para produzir o protótipo em série de forma a ser viável financeiramente como se fosse uma 18 empresa. Finalmente, em Custos e Manufatura, é avaliado o uso dos recursos financeiros e os processos da manufatura do protótipo. Tabela 1 - Pontuação máxima de cada prova na competição de Fórmula SAE Evento Pontuação Provas estáticas Apresentação 75 Projeto 150 Análise de Custos 100 Provas dinâmicas Aceleração 100 Skid-Pad 75 Autocross 125 Eficiência de combustível 100 Enduro 275 O conjunto de provas dinâmicas está constituída pelos eventos de Aceleração, Skid- Pad, Autocross, Enduro e Eficiência de combustível. Na prova de Aceleração, a capacidade do veículo para percorrer 75 m em uma trajetória reta no menor tempo possível é avaliada, largando do repouso. Na prova de Skid-Pad o carro deve percorrer um circuito composto por duas circunferências de aproximadamente 9,1 m de raio médio. Nessa prova é avaliada a estabilidade do carro e a aceleração lateral que ele é capaz de fornecer em curvas. O evento de Autocross tem como objetivo percorrer um circuito de aproximadamente 1,2 km, composto de curvas acentuadas, slalons e gates, algumas curvas rápidas e poucas retas curtas, no menor tempo possível. Considerada a prova mais importante da competição, o Enduro visa avaliar a resistência do protótipo. Esse evento é feito em um circuito com caraterísticas similares ao Autocross, porém o veículo deve percorrer 22 km no menor tempo possível. Os veículos são abastecidos pela organização antes dessa última prova. Depois de ser concluída, o consumo de combustível que o carro teve no Enduro é verificado, a fim de avaliar a eficiência do veículo. 19 1.4 JUSTIFICATIVA Observando a Tabela 1 apresentada anteriormente é possível concluir que 67,5% da pontuação total da competição é obtida a partir das provas dinâmicas, sendo estas portanto a de maior influência no desempenho das equipes dentro da competição. A prova de aceleração beneficia carros com menor drag, pois com uma menor resistência o mesmo consegue ganhar aceleração mais rapidamente. Já as provas de Skid-Pad e Autocross beneficia carros que geram mais downforce, pois são provas em que o veículo necessita da maior quantidade de aderência possível para percorrer as curvas na maior velocidade possível. Na prova de enduro o veículo tem que ter um equilíbrio entre downforce e drag, pelo fato de a prova eficiência de combustível estar inserida dentro desta prova. Portanto o pacote aerodinâmico ativo proposto pelo trabalho pretende fazer com que o veículo tenha características aerodinâmicas distintas, otimizando-o para cada prova, visando aumentar suas chances de obter bons resultados. Além de maximizar o desempenho do veículo, o pacote aerodinâmico ativo pode trazer outros benefícios, como a melhora na dirigibilidade do veículo. A aerodinâmica ativa proporciona características aerodinâmicas distintas que podem favorecer o comportamento do veículo em situações críticas, fazendo que ele seja mais fácil de ser conduzido e, portanto, mais seguro. 1.5 ESCOPO DO TRABALHO Este trabalho é dividido em 8 capítulos que seguirão a ordem de desenvolvimento do projeto do pacote aerodinâmico ativo. O capítulo 1 introduz o assunto, com uma breve explanação de alguns conceitos básicos, a definição do problema e objetivos do trabalho. O capítulo 2 apresenta o estado da arte sobre aerodinâmica veicular, resgatando um pouco da sua história e comoela evoluiu dentro da indústria e nas competições automobilísticas. Também são apresentados trabalhos que abordam este tema no desenvolvimento aerodinâmico de veículos de Fórmula SAE e os sistemas de aerodinâmica ativa usados nas principais categorias de automobilismo. Após uma introdução dos conceitos básicos e um levantamento do estágio de desenvolvimento da tecnologia empregada em sistemas aerodinâmicos ativos, a partir do capítulo 3 começa o desenvolvimento do kit aerodinâmico ativo apresentado pelo trabalho. Um 20 sistema aerodinâmico ativo pode abranger vários componentes, porém o trabalho desenvolvido foca nas asas do veículo, as quais são os principais componentes responsáveis pelo seu equilíbrio aerodinâmico. As asas dianteira e traseira são desenvolvidas no trabalho, sendo que a asa traseira será responsável por abrigar o sistema aerodinâmico ativo. O capítulo 3 aborda a utilização de CFD (Computcional Fluid Dynamics) na resolução do trabalho. São apresentados os métodos utilizados para obtenção da malha computacional, modelo de turbulência e condições de contorno utilizadas nas simulações. O capítulo 4 apresenta o desenvolvimento dos aerofólios dianteiro e traseiro com a utilização de CFD. É abordada a metodologia adotada para o dimensionamento dos modelos físicos dos mesmos. O capítulo 5 traz o desenvolvimento do mecanismo de asa móvel aplicado na asa traseira, apresentando o tipo de mecanismo adotado, seu dimensionamento. Também é apresentado o sistema elétrico responsável pelo controle do sistema, abordando a escolha e aplicação de seus componentes. E ao final do capítulo são apresentados os dispositivos criados para realizar a aquisição de dados do sistema. O capítulo 6 apresenta o desenvolvimento do projeto de controle da asa móvel, abordando a metodologia e a estratégia de controle aplicada. O capítulo 7 apresenta resultados obtidos através de testes onde o sistema é submetido a uma situação real de operação. É apresentado o procedimento adotado para os testes e o detalhamento da bancada utilizada. Posteriormente são apresentados os resultados encontrados e os mesmos são confrontados com os resultados das simulações CFD apresentadas no capítulo 5. Ao final, no capítulo 8, o leitor encontra as conclusões da pesquisa e sugere extensões e modificações futuras para a continuidade do estudo. 21 2 ESTADO DA ARTE Quando se trata de aerodinâmica automotiva pode se dizer que existem duas linhas de desenvolvimento que sempre andaram em paralelo, as quais são a aerodinâmica automotiva desenvolvida nas indústrias para veículos de passeio e a aerodinâmica automotiva desenvolvida no automobilismo para veículos de competição. Como dito anteriormente estas duas linhas tem propósitos diferentes, porém sempre compartilharam soluções durante seu processo evolutivo pois as competições sempre serviram de laboratório para as fabricantes de veículos. Neste capitulo é abordada a evolução da aerodinâmica nestes dois meios e qual o estado de desenvolvimento atual. Também é abordada quais as soluções aerodinâmicas adotadas por equipes de Formula SAE ao redor do mundo. 2.1 O INÍCIO DA AERODINÂMICA AUTOMOTIVA No começo da indústria automotiva por volta dos anos 1900 os carros tinham aspecto totalmente diferente dos atuais, não havia nenhuma preocupação com a aerodinâmica, o que tornava esses veículos ineficientes do ponto de vista energético. O primeiro veículo com base em princípios aerodinâmicos foi construído por um piloto de corridas chamado Camille Jenatzy (Figura 2). Este veículo tinha uma carroceria em formato de “torpedo” e foi o primeiro a quebrar a barreira dos 100 km/h em 29 de abril de 1899 (HUCHO, 1998). Figura 2 - Veículo de recorde de Camille Jenatzy 1899. Fonte: Hucho (1998) 22 Hucho (1998) afirma que a história da aerodinâmica automotiva é dividida em quatro fases distintas, como observado na Figura 3. Inicialmente a preocupação era exclusivamente com o arrasto aerodinâmico, porém com o aumento das velocidades alcançadas pelos veículos também foi dada atenção para a sensibilidade aos ventos laterais. A primeira fase foi caracterizada por veículos com formas inspiradas na indústria aeronáutica e naval, os veículos tinham suas carrocerias com formas semelhantes à de um dirigível e alguns tinham a parte traseira que lembra a cauda de cascos de barco. O principal objetivo destas formas era diminuir o arrasto aerodinâmico, e apesar desses veículos não apresentarem uma boa eficiência aerodinâmica, suas formas representaram um grande avanço na redução de arrasto quando comparados aos primeiros carros que tinham suas carrocerias baseadas em carruagens. Figura 3 - As quatro fases principais da aerodinâmica do automotiva. Fonte: Adaptado de Hucho (1998). 23 O conceito de carros com linhas suaves foi a principal característica da segunda fase da aerodinâmica automotiva. Após a Primeira Guerra Mundial, o design de corpos simplificados começou em vários locais simultaneamente. Um dos primeiros veículos a utilizar este conceito foi a limusine de Rumpler em 1921, mostrada pela Figura 4. Criada pelo projetista de aviões Edmund Rumpler, a limusine vista de cima possui uma forma de aerofólio (KATZ, 2016). Figura 4 - 1921 Rumpler Tropfenwagen exposto Museu do Transporte Urbano Alemão. Fonte: www.theoldmotor.com O engenheiro húngaro Paul Jaray foi o grande responsável por difundir o conceito de linhas suaves. Em seu trabalho pioneiro foi a primeira vez que o termo “carro aerodinâmico” foi citado, trabalho qual investigou os efeitos aerodinâmicos do solo em um corpo com formato de “gota” (HUCHO, 1998). Para quantificar a sustentação e o arrasto aerodinâmicos em veículos, nos estudos são utilizados os coeficientes de sustentação e arrasto (MCBEATH, 2000). Estes coeficientes adimensionais são representados respectivamente pelas seguintes equações. 𝐶𝑙 = 2𝐹𝑙 𝜌𝑣2𝐴 (1) 𝐶𝑑 = 2𝐹𝑑 𝜌𝑣2𝐴 (2) 24 sendo 𝐹𝑑 e 𝐹𝑙 as forças de arrasto sustentação respectivamente, 𝜌 é a densidade do ar, 𝑣 é a velocidade relativa do ar e 𝐴 é a área frontal do veículo. Jaray (1922) observou que o escoamento em perfis simétricos perde sua simetria à medida que este perfil se aproxima do solo, portanto concluíram que um perfil assimétrico seria mais adequado para um veículo rodoviário. Com ensaios em túnel de vento foi possível observar os coeficientes de arrasto para um perfil do tipo aerofólio com algumas modificações e adição de rodas, que levou Jaray a propor alguns perfis geométricos compostos que podem ser observados na Figura 5a. A partir disso Jaray propôs formas compostas exemplificadas na Figura 5b, que eram constituídas por um perfil assimétrico e um perfil disposto de forma sobreposta para formar a cabine (HUCHO, 1998). Figura 5 - (a) Coeficientes de arrasto encontrados em um perfil simétrico e perfis assimétricos (b) Formas compostas propostas por Jaray. Fonte: Hucho (1998). Apesar das formas básicas sugeridas por Jaray alcançarem valores de arrasto de 0,15, eram impraticáveis para um veículo e, portanto, não tiveram uma boa aceitação do mercado automotivo da época. Isso se deve pela região traseira demasiadamente alongada, que resultava em veículos muito grandes, porém com pouco espaço útil para os ocupantes (HUCHO, 1998). A partir dos estudos de Jaray surgiram outras formas que buscavam contornar este problema, como uma traseira não tão alongada proposto por Wunibald Kamm, em 1934. O conceito dessa geometria ditava que a partir da espessura máxima, o veículo deveria convergir suavemente de forma a manter um baixo gradiente de pressão, havendo um truncamento abrupto próximo à região de separação do escoamento (HUCHO, 1998). 25 O fato de que os consumidores estavam mais interessados na estética do veículodo que sua eficiência fez com que a aerodinâmica automotiva tivesse um período com poucos avanços até a década de 50. A partir disso os projetistas começaram a realizar uma abordagem conhecida como “Otimização de Detalhes” que tinha objetivo melhorar a produção de arrasto em pequenos componentes do veículo, não alterando o estilo do mesmo (CASTEJON, 2016). Este método consiste em modificar detalhes como raios, vincos spoilers e curvaturas em sequência ou em paralelo afim de controlar o fluxo através da carroceria para que não haja descolamento do fluxo e consequentemente a diminuição do arrasto. A fabricante Volkswagen obteve uma redução do coeficiente de arrasto de 0,50 para 0,41 em seu modelo Sicirocco I aplicando este método. Porém muitos veículos desenvolvidos pelo método de otimização de detalhes não conseguiram alcançar um coeficiente de arrasto menor que 0,40, o que evidenciou a limitação do método (HUCHO, 1998). Em 1973, com a primeira crise do petróleo a indústria automotiva voltou a considerar a necessidade de produzir veículos mais eficientes aerodinamicamente para um menor consumo de combustível. Este fato deu início a fase de “Otimização de formas”, em que os aerodinamicistas usavam protótipos chamados de “corpos básicos” de baixo arrasto onde eram feitas várias modificações e analisados seus efeitos até se chegar a uma “forma básica” a qual seria utilizada na forma que originaria o automóvel (CASTEJON, 2016). Um exemplo impressionante do potencial desse método é o Audi 100 III com um coeficiente de arrasto de 0,30. Essa abordagem também proporcionou uma maior integração entre as áreas de engenharia e design durante as fases de projeto, fazendo com que essa metodologia seja utilizada até os dias atuais (CASTEJON, 2016). 2.2 A AERODINÂMICA NAS COMPETIÇÕES Em paralelo com a indústria automotiva, a aerodinâmica no automobilismo também teve sua evolução. Assim como na indústria, no começo das competições os fabricantes buscavam carros com menor arrasto aerodinâmico possível, fato que fez com que os carros da época melhorassem seus desempenhos de aceleração e velocidade máxima (KATZ, 2016). Porém isto fez com que os carros começassem a gerar sustentação aerodinâmica, prejudicando o desempenho em frenagens e curvas. Portanto com o passar do tempo o objetivo principal foi migrando para a obtenção de maior geração de carga aerodinâmica. Conforme os engenheiros foram testando novos componentes aerodinâmicos para aumentar a carga 26 aerodinâmica, notaram uma melhora no desempenho dos veículos quando se tratava de tempo de volta (MCBEATH, 2000). Verificou-se que, embora as velocidades em retas estivessem diminuindo, devido ao aumento do arrasto, os tempos das voltas também estavam diminuindo. A conclusão inevitável foi que as velocidades nas curvas estavam aumentando na medida em que a velocidade geral das voltas estava aumentando, e isso só poderia estar acontecendo porque a aderência havia aumentado entre os pneus e a estrada (MCBEATH, 2000). Para demonstrar a evolução da aerodinâmica em carros de competição, a Figura 6 mostra a diferença na média horária das voltas dos carros no circuito de Indianápolis através dos anos (KATZ, 1995). Figura 6 - Variação da média horária da volta recorde no circuito de Indianápolis. Fonte: Adaptado de Katz (1995). Katz (1995), ainda apresenta um estudo comparativo mostrando a importância da carga aerodinâmica nos tempos de volta do circuito de Portland, em um carro protótipo. Pode-se observar na Figura 7 a evidente melhora dos tempos de volta com o aumento da carga aerodinâmica negativa, até que a relação entre sustentação e arrasto (L/D) comece a cair. 100 140 180 220 260 300 340 380 1900 1920 1940 1960 1980 2000 V el o ci d ad e m éd ia ( k m /h ) 27 Figura 7 - Efeito aerodinâmico no tempo de volta. Fonte: Adaptado de Katz (1995). Os primeiros dispositivos para geração de carga aerodinâmica adotados foram os spoilers, eles são utilizados para criar uma área de turbulência na parte superior do veículo e para desacelerar o fluxo de ar nessa região. Isto faz com que a pressão na parte de baixo do veículo seja menor, o que consequentemente gera uma força descendente que ajuda a diminuir sustentação aerodinâmica (MCBEATH, 2000). Na busca cada vez maior por carga aerodinâmica os projetistas começaram a adotar soluções de outras áreas. Assim surgiram os primeiros veículos com aerofólios ou asas. O primeiro veículo de competição equipado com este dispositivo apareceu em 1966 quando Micheal May instalou um em seu Chaparral 2E, mas por questões de segurança foi impedido de correr. Porém logo o uso de aerofólios se difundiu em várias categorias, sendo a mais famosa delas a Formula 1 (MCBEATH, 2000). Além do uso de aerofólios, os projetistas começaram a usar a parte inferior dos carros de competição para gerar pressão negativa. Esta técnica faz literalmente com que os carros sejam sugados em direção ao solo e foi explorada pela primeira vez na série de carros esportivos Can-Am na década de 1960. O Chaparral 2J ficou conhecido como carro ventilador (Figura 8), ele usava dois ventiladores acionados por um motor dois tempos para sugar o ar embaixo do carro. As laterais eram equipadas com placas de Lexam que ficavam rentes ao solo para obter 55 56 57 58 59 60 61 62 -1 0 1 2 3 4 5 -5-4-3-2-101 T em p o d e v o lt a (s eg ) -L/D Cl Tempo de volta -L/D 28 uma melhor vedação. O resultado era um carro que conseguia gerar aproximadamente 1000 kg de carga aerodinâmica mesmo estando parado (MCBEATH, 2000). Figura 8 - Chaparral 2J. Fonte: www.pinterest.com Na Formula 1 o mesmo princípio do Chaparral 2J foi utilizado pelo Brabham BT46B, porém como dispositivos aerodinâmicos móveis eram proibidos pelo regulamento, a equipe conseguiu usar a técnica somente em uma prova (FORMULA1, 2017). Porém com o grande investimento das equipes no desenvolvimento da aerodinâmica dos carros, no final da década de setenta se conseguiu um grande avanço com a exploração do conceito de efeito solo através dos “carros asa”. O primeiro carro a utilizar este conceito foi o Lotus 78 (Figura 9), porém sem muito sucesso. Já a versão seguinte com alguns aprimoramentos, o Lotus 79 venceu com facilidade o campeonato mundial. O segredo do Lotus 79 estava em seus sidepods em forma de aerofólios, os quais proporcionavam um efeito de venturi que acelerava o fluxo de ar e consequentemente proporcionava uma queda de pressão na parte inferior do carro. Isso proporcionava ao Lotus 79 cerca de 15% a mais de carga aerodinâmica do que seus concorrentes. 29 Figura 9 - Lotus 78. Fonte: www.formula1.com Porém, o nível de carga aerodinâmica alcançado por várias categorias do automobilismo mundial chegou a valores em que os carros começaram a ficar perigosos devido as altas velocidades em curvas e a distância de frenagem cada vez menor, fato que ocasionou a restrição por parte dos organizadores no uso de algumas técnicas para geração de carga aerodinâmica, que incluiu o uso de efeito solo nos carros da Formula 1. Mesmo restringidos pelos regulamentos os engenheiros aerodinamicistas encontraram formas de alcançar altos níveis de geração de carga aerodinâmica. A partir da proibição do uso do efeito solo surgiram os assoalhos planos que eram muito mais ineficientes. Mas com o passar do tempo os projetistas começaram a desenvolver formas de criar efeito solo mesmo assim, com o uso de difusores e assoalhos muito próximos do chão. Os projetistas também começaram a dar mais atenção para as asas dos carros e com ferramentas como túneis de vento e CFD (Computational Fluid Dynamics) aliadas com testes em pistas foi possível desenvolver apêndices aerodinâmicos com formas complexas como mostra a Figura 10. Apesar deste tipode apêndice aerodinâmico ser muito eficiente, ele gera muita turbulência na parte traseira do veículo. Isto faz com que o carro que o segue perca 30 desempenho em trechos sinuosos devido à perda de aproximadamente 50% de downforce (STUART, 2019). Figura 10 - Asa dianteira dos principais carros de Fórmula 1 da temporada de 2018. Fonte: www.racecar-engineering.com A primeira aparição de aerodinâmica ativa em veículos de competição foi também a primeira aparição de apêndices aerodinâmicos, como citado anteriormente no caso Chaparral 2E de 1966. O piloto podia alterar o ângulo de ataque da asa por meio de um pedal instalado no cockpit (MCBEATH, 2000). Em 1969 a equipe de fábrica da Porsche desenvolveu um sistema aerodinâmico ativo para o Porsche 917. O sistema era constituído por alavancas ligadas às rodas traseiras, que variava o ângulo de ataque da asa traseira independentemente de cada lado do carro, o que proporcionava uma vantagem nítida sobre os demais carros (PORSCHE, 2017). Na Fórmula 1, a partir da temporada de 2011 foi adotado o uso do DRS (drag reduction system), o qual consiste em um sistema de asa traseira móvel com o objetivo reduzir o arrasto e facilitar as ultrapassagens nas principais retas dos circuitos. 2.3 A AERODINÂMICA NA FORMULA SAE Após sua criação em 1981, a competição Fórmula SAE viu o nível de seus participantes aumentar a cada ano. O primeiro carro projetado com intuito de gerar carga 31 aerodinâmica foi apresentado em 1990 pela Universidade de Cornell. O carro usava o mesmo princípio dos já mencionados Chaparral 2J e Brabham BT46B, e bateu o recorde da prova de skidpad naquele ano alcançando uma aceleração lateral de 1,32g1. Porém como em outras categorias, o uso deste tipo de artifício foi proibido (CASE, 1996). Os primeiros carros com asas foram apresentados no ano seguinte, em 1991. A Universidade de Michigan e a Universidade de Missouri usavam asas muito grandes, montadas acima do motorista (Figura 11). O fato de os dois carros serem extremamente rápidos nos eventos dinâmicos levantou algumas discussões por partes dos juízes em relação à segurança, que nos anos seguintes aplicaram algumas restrições para tamanho e posicionamento das asas (CASE, 1996). Figura 11 - Fórmula SAE da Universidade de Michigan em 1991. Fonte: Case (1996). O desenvolvimento da aerodinâmica em carros de Formula SAE brasileiros é relativamente recente, muitas equipes ainda questionam os benefícios do uso de apêndices aerodinâmicos pelo fato de os carros não atingirem velocidades altas. Porém isto vem mudando nos últimos anos, o regulamento pouco restritivo da categoria e o acesso a ferramentas como CFD está fazendo as equipes explorem cada vez mais o potencial aerodinâmico dos carros. Algumas publicações já citadas anteriormente são consideradas referências e seguidas como guias de projeto aerodinâmico para equipes de Formula SAE. Katz (1995) e McBeath (2000) abordam conceitos de aerodinâmica automotiva e trazem uma coletânea de técnicas para 1 g é uma unidade de aceleração não-SI definida como exatamente 9,806 m/s², o que é aproximadamente igual à aceleração devida à gravidade na superfície da Terra. 32 o desenvolvimento do conceito em carros de competição. Já Benzing (2012) aborda a metodologia para criação de perfis aerodinâmicos voltados para aerodinâmica de veículos de competição. Com o crescimento do desenvolvimento da aerodinâmica em carros de Formula SAE, já é possível encontrar algumas publicações na área. Rodrigues (2011) faz uma análise de elementos geradores de sustentação aerodinâmica em um carro de Formula SAE, abordando o desenvolvimento do aerofólio dianteiro, traseiro e assoalho com o emprego de CFD. Ao final do trabalho foram verificados os ganhos em carga aerodinâmica através das comparações dos resultados das simulações do carro sem e com os apêndices aerodinâmicos. Os ganhos de desempenho em tempo de volta foram verificados através de um modelo numérico de uma pista genérica, que demonstrou que o carro equipado com os apêndices aerodinâmicos é em torno de um segundo mais rápido por volta que sua versão sem os apêndices aerodinâmicos. De forma semelhante Daza (2015) em seu trabalho apresenta a implementação de um pacote aerodinâmico em um veículo de Fórmula SAE, também foi empregado o uso de CFD para o desenvolvimento do projeto. Para validar os resultados encontrados nas simulações, o modelo real foi construído e testado em uma pista de testes. Porto (2016), apresenta o desenvolvimento de um sistema ativo de redução de arrasto aerodinâmico por atuador aplicado a um protótipo de Fórmula SAE. O sistema consiste de um mecanismo, que é responsável pela abertura e fechamento dos aerofólios da asa traseira do veículo, de um motor elétrico, responsável por gerar a força para atuação no mecanismo, de um circuito de ativação do motor, por um circuito que possui um microcontrolador que executa a lógica utilizada para realizar a abertura e fechamento dos aerofólios e um botão de ativação localizado no volante do carro. 2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente capítulo abordou como a aerodinâmica evoluiu nos veículos de passeio e veículos de competição. Fica claro que o projeto aerodinâmico tem diferentes direcionamentos dependendo da aplicação do veículo. Enquanto veículos de passeios tentam favorecer o baixo arrasto para terem uma eficiência energética melhor, veículos de competição buscam cada vez mais aumentar a downforce para melhorar seu desempenho quando se trata de tempo de volta. Outro fator importante observado no desenvolvimento deste capítulo está relacionado aos sistemas aerodinâmicos ativos presentes nos veículos de competição descritos 33 anteriormente, que são em sua totalidade dependentes da ação do piloto para a mudança de estado. O próximo capítulo aborda como foi configurada da principal ferramenta para o dimensionamento das asas utilizadas no kit aerodinâmico ativo. Esta etapa é fundamental para que as simulações CFD retratem de forma mais fiel possível os fenômenos encontrados no fluxo de ar sobre as asas e o projeto tome o direcionamento correto. 34 3 CONFIGURAÇÃO DAS SIMULAÇÕES EM CFD A principal ferramenta para desenvolvimento de projeto aerodinâmico em veículos de rua ou de competição é o túnel de vento. Através desta ferramenta é possível reproduzir o fluxo de ar que o veículo é submetido em uma situação real. Porém túneis de vento são instalações complexas com um alto custo de operação, fato que faz com que somente grandes fabricantes e equipes tenham acesso a esse tipo de ferramenta. Outro fator que aumenta os custos de ensaios em túneis de vento é a necessidade de se construir um modelo em escala real ou reduzida do veículo, e cada alteração nesse modelo exige horas de trabalho e novos ensaios. Devido ao alto custo dos ensaios em túneis de vento, a Fluidodinâmica computacional vem ganhando cada vez mais espaço como ferramenta de desenvolvimento em projetos aerodinâmicos automotivos. O grande benefício do emprego de CFD é que os modelos são virtuais, o que dispensa a construção de modelos físicos para a análise. Porém, o CFD é uma ferramenta complementar no desenvolvimento de projeto e não deve substituir a teoria e a experimentação. O trabalho desenvolvido utilizou o software FloEFDTM v17.3 para realizar as simulações CFD. O mesmo resolve as equações de Navier-Stokes, que são formulações de leis de massa, momento e conservação de energia para fluxos de fluidos. As equações são complementadas por equações de estado fluido definindo a natureza do fluido e por dependências empíricas de densidade do fluido, viscosidade e condutividade térmica na temperatura. Um determinado problema é especificado pela definição de sua geometria, limite e condições iniciais (MENTOR GRAPHICS, 2018).O software FloEFDTM foi escolhido por sua praticidade de uso, o mesmo disponibiliza uma interface simples e um ambiente que permite alterar os modelos, configurar as condições de contorno, configurar condições de cálculo e analisar os resultados obtidos. Essa integração de funções em um único software permite um desenvolvimento mais rápido do projeto. Para executar as simulações foi utilizado um computador com um processador Intel Core I7, de 3.6 Ghz e 16GB de memória RAM. 35 3.1 CONFIGURAÇÃO DE MALHA O processo de configuração de malha computacional consiste em uma das partes mais importantes do processo de simulação em CFD. A malha é responsável por representar a geometria do modelo a ser estudado. Uma malha grosseira apresentará pouca precisão nos resultados por não representar fielmente o modelo, porém uma malha refinada demanda mais tempo para solução além de ser limitada pela quantidade de memória RAM do computador utilizado. O grande desafio na geração de malha está em obter aquela que represente o modelo estudado de forma mais fiel possível sem comprometer a precisão dos resultados e com um tempo de resolução que seja tolerado pelos prazos de desenvolvimento de projeto. Para desenvolvimento e otimização da malha computacional foi adotado uma sequência de ações que consistiram em: 1. Definição do tamanho do domínio computacional; 2. Definição de parâmetros da malha global; 3. Definição parâmetros das regiões de refino da malha básica. 3.2 DEFINIÇÃO DO TAMANHO DO DOMÍNIO COMPUTACIONAL E DA MALHA GLOBAL O domínio computacional refere-se a uma forma simplificada do domínio físico, tanto em termos de representação geométrica quanto de imposição de condições de contorno. Essa forma simplificada deve manter todas as características fisicamente importantes do problema, mas pode ignorar detalhes menores. Por exemplo, ao simular o fluxo de fluido em torno de um carro, pode-se ignorar as lacunas entre as portas, enquanto o limite real do domínio de fluxo de fluido pode ser substituído por um limite simples semelhante a uma caixa (LI, 2008). Desta forma o domínio computacional foi dimensionado de forma retangular, semelhante a seção de um túnel de vento para as análises em 3D. Para as análises em 2D foi usada a secção do plano que corta transversamente o domínio computacional. As dimensões de largura, comprimento e altura são mostradas na Figura 12, que definem as proporções que o domínio computacional deve ter a partir do tamanho do modelo e do caso a ser estudado. Essas proporções buscam evitar que os limites do domínio computacional não influenciem no campo 36 de fluxo em torno do modelo e também não capte fluxos de recirculação que acarretariam em resultados equivocados. Para fazer o dimensionamento do domínio computacional foram realizadas várias simulações avaliando a influência de suas proporções nos resultados de coeficiente de arrasto e coeficiente de sustentação para um perfil de asa. O domínio computacional foi reduzido de forma progressiva até as dimensões apresentadas pela Figura 12, as quais apresentaram uma variação dos resultados de menos de 1% para o domínio computacional sugerido pelo desenvolvedor do software FloEFDTM. Figura 12 - Dimensões domínio computacional. Após a definição do tamanho do domínio computacional inicial foi realizada uma série de testes para a definição da precisão do mesmo, ou seja, qual o número ideal de células em que ele será dividido para atender os requisitos de tempo de solução versus precisão. Para criar a malha global, o domínio computacional é dividido primeiramente pelos planos do sistema de coordenadas em fatias, obtendo a malha global formada por células retangulares. Então as células desta malha global são subdivididas em células retangulares menores nas regiões selecionadas de acordo com as instruções especificadas formando a malha básica, a fim de melhor resolver a geometria sólida e obter uma solução mais precisa. Foram geradas várias malhas globais com quantidades diferentes de células. A Tabela 2 mostra as malhas geradas na análise realizada para a asa traseira, é importante salientar que o mesmo estudo foi realizado nas simulações da asa dianteira e de todo o veículo, tanto em 2D quanto nas análises em 3D. 37 Observando a Tabela 2 pode-se notar oito tipos de refinamento desde a malha global mais refinada (Malha 1) até a malha global menos refinada (Malha 8). Analisando os resultados obtidos nas simulações nota-se que a Malha 4 obteve um bom desempenho com um tempo de solução razoável e um erro abaixo de 1% para o 𝐶𝑙 em relação a Malha 1. As malhas 2 e 3 também apresentaram uma boa precisão, porém devido sua alta resolução o tempo de solução se tornou muito alto, sendo inviável para os prazos do projeto. Já as malhas 5, 6, 7 e 8 apresentaram erros acima de 2% para o 𝐶𝑙 em relação a Malha 1, o que impossibilitou seu uso. Tabela 2 - Otimização de malha asa traseira. N° de células Tempo simulação (h:min:s) Cd Cl Erro (Cl) Malha 1 9.689.853 22:33:55 0,16 -3,27 Malha 2 7.674.406 17:32:34 0,16 -3,22 1,68% Malha 3 5.765.835 12:32:48 0,17 -3,23 1,34% Malha 4 3.799.177 07:33:28 0,17 -3,25 0,67% Malha 5 2.836.784 05:09:55 0,19 -3,20 2,20% Malha 6 1.860.518 04:24:30 0,18 -3,06 6,47% Malha 7 1.591.437 05:17:11 0,19 -2,92 10,98% Malha 8 868.554 01:48:24 0,19 -2,94 10,28% Para demonstrar como a malha básica foi construída, primeiramente será abordado como funciona o mecanismo de geração de malha do software FloEFDTM. O qual utiliza malha com células em forma de paralelepípedos retangulares com uma tecnologia chamada de células parciais. Essa característica da malha permite que uma mesma célula tenha uma interface “sólida” que está dentro do modelo e uma interface “fluida” que está no escoamento, como pode ser observado na Figura 13. Figura 13 - Células parciais com interface fluido/sólida. Fonte: Adaptado de Mentor Graphics (2018). 38 No processo de geração de malha global, o domínio computacional é dividido em “fatias” por planos paralelos que são ortogonais aos eixos do Sistema de Coordenadas Globais, formando a malha composta por células retangulares paralelepipédicas uniformes. A malha global é uma malha de células de nível zero. Então, usando informações sobre a geometria do modelo e as condições de contorno especificadas, o software constrói a malha por meio de vários refinamentos, ou seja, divisão das células de malha global em células menores, representando assim melhor as regiões de modelo e fluido. A malha, a partir da qual o cálculo começa, chamada de malha básica, é totalmente definida pela malha global gerada e pelas configurações de refinamento. Cada refinamento tem seu critério e nível. O critério de refinamento indica quais células devem ser divididas e o nível de refinamento indica o menor tamanho, ao qual as células podem ser divididas. Independentemente do refinamento considerado, o menor tamanho de célula é sempre definido com relação ao tamanho da célula de malha global, de modo que a malha global construída é de grande importância para a malha computacional resultante. O nível de refinamento vai de 0 a 9, sendo que em cada nível a célula é dividida em 8 partes para simulações 3D e 4 partes para simulações 2D a partir do nível menor, ou seja, uma célula de nível 2 é uma das 8 partes de uma célula de nível 1 e assim sucessivamente para cada nível. Para refinar áreas de interesse no domínio computacional, como a região onde se encontra o carro ou o apêndice aerodinâmico e a região posterior do fluxo, foi utilizado a ferramenta de planos de controle. Os planos de controle permitem que a malha global seja localmente contraída para resolver uma determinada região de interesse por uma malha mais densa e estique a malha global para evitar malhas excessivamente densas emoutras regiões. O emprego dessa ferramenta é demonstrado na Figura 14a e Figura 14b, onde é possível observar que a manipulação dos planos de controle possibilitou um maior refinamento na região onde se encontra o veículo e na região posterior que é de grande interesse para o estudo. A Figura 14a mostra a vista frontal do plano computacional, as linhas azuis e verdes representam a localização dos planos de controle. Já a Figura 14b apresenta a vista lateral do plano computacional onde é possível visualizar os planos de controle representados pelas linhas na cor vermelha. 39 Figura 14 - Posicionamento planos de controle para refinamento de malha: a) Vista frontal; b) Vista lateral. 3.3 DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DAS REGIÕES DE REFINO DA MALHA A partir do refino inicial da malha global realizado com a manipulação dos planos de controle, é possível partir para a próxima etapa de refino de malha. Esta etapa consiste em realizar refinos em locais críticos na geometria que tem grande influência no escoamento. Para auxiliar este processo e identificar essas regiões foi utilizado o recurso de refino adaptativo, que possibilita o refino automático durante a solução. O recurso de refino adaptativo executa durante o cálculo o processo de divisão das células de malha computacional em áreas onde o erro de cálculo pode ser suficientemente grande e mescla as células de malha computacional em áreas onde o erro de cálculo é definitivamente pequeno. A Figura 15 demonstra uma malha em que este recurso foi utilizado, no caso a ferramenta de refino automático estava limitada a refinar a malha até o nível 5, o qual apresentou uma resolução adequada para simular os modelos do projeto. 40 Figura 15 - Malha refinada através da ferramenta de refino automático. Ao analisar a malha final obtida pelo recurso de refino adaptativo é possível identificar as regiões onde se necessitam maiores refinamentos, e assim aprimorar ainda mais a malha computacional para capturar melhor a geometria do modelo em estudo. Este refino é realizado através de parâmetros que alteram o seu nível nas células que estão em contato com as paredes do modelo como demonstrado na Figura 16. Este refinamento é importante para que a malha descreva com precisão o modelo simulado no início do cálculo e faz com que a ferramenta de refinamento automático seja mais eficiente. Figura 16 - Malha inicial com o emprego do refinamento na superfície do modelo. 41 A Tabela 3 demonstra as configurações finais de malha utilizadas nas simulações 2D e 3D para cada apêndice aerodinâmico e também para a simulação do veículo inteiro. Os parâmetros Nx, Ny e Nz são o número de células nas direções dos eixos x, y e z respectivamente. Também são demonstrados os parâmetros usados para limitar o nível de refinamento para as células que têm uma interface fluido-solido (F/S) e o nível máximo para refinamento automático. Finalmente é demonstrado a limitação do número máximo de células para cada caso que foi estipulada pela máxima alocação da memória RAM do computador utilizado para rodar as simulações. Tabela 3 - Configurações de malha. Parâmetros simulações 2D Asa Traseira e Asa Dianteira Nx Ny Nível ref. células (F/S) Nível de ref. automático Limitação máxima de células 101 201 5 6 4000000 Simulação 3D Asa Traseira, Asa Dianteira e Carro inteiro Nx Ny Nz Nível ref. células F/S Nível de ref. automático Limitação máxima de células 105 168 72 3 5 3000000 3.4 MODELO DE TURBULÊNCIA Segundo Schlichting (1959) dependendo do fluido a ser examinado e as condições de fluxo sendo consideradas quaisquer situações de fluxo de fluido pode ser visto como: • Laminar (um fluxo suave sem quaisquer perturbações); • Turbulento (regime de fluxo caracterizado por vorticidade tridimensional aleatória e mistura intensiva); • Transição entre laminar e turbulento (uma alternância entre regiões de fluxo laminar e turbulento). Simulações de escoamentos turbulentos levando em conta flutuações de volume de fluido são praticamente impossíveis para situações industriais devido aos pequenos tamanhos físicos envolvidos e os largos espectros de flutuações de velocidade que exigiriam malhas de computação extremamente finas para resolvê-los, longos tempos de CPU para simulá-los e grande memória de computador para armazenar os dados produzidos. Assim, os escoamentos turbulentos de fluidos são simulados hoje considerando seu efeito sobre as características de 42 fluxo de fluido no volume médio considerando o modelo semiempírico de turbulência que fecha as equações fundamentais de Navier-Stokes sendo resolvidas (WILCOX, 1994). O modelo empírico clássico de duas equações k-ε para simular os efeitos de turbulência na simulação de fluxo de fluido CFD ainda é amplamente usado e considerado confiável para a maioria das simulações industriais CFD e requer a quantidade mínima de informações para calcular o campo de fluxo (LAUNDER & SPALDING, 1972 e WILCOX, 1994). No FloEFDTM, o modelo k-ε é usado com uma série de aprimoramentos empíricos adicionais para abranger uma ampla gama de cenários de fluxo turbulento (MENTOR GRAPHICS, 2018). Além da modelagem de turbulência, ao simular fluxos também é necessário simular os efeitos da camada limite fluida perto de corpos sólidos ou paredes que podem ser difíceis de resolver devido à alta velocidade através dessas camadas próximas da parede. Resolver as equações de Navier-Stokes com um modelo de turbulência k-ε de duas equações sem resolver a camada limite do fluido próximo da parede exigiria uma malha computacional muito refinada, portanto uma abordagem de “função de parede” foi proposta por Launder e Spalding (1972 e 1974) para reduzir tamanhos de malha. De acordo com esta abordagem agora clássica, a resistência de atrito da parede de fluido e os fluxos de calor do fluido para a parede são usados para calcular as condições de contorno da parede para resolver as equações de Navier-Stokes. Segundo Van Driest (1956) perfis universais são empregados para descrever camadas limite turbulentas, o software FloEFDTM utiliza duas abordagens chamadas de “Funções de parede de duas escalas” (2SWF) para se ajustar ao perfil de camada de um fluido em relação às propriedades do fluxo principal. Essas duas abordagens são: 1. Quando os centros de massa de fluido das células de malha de parede próxima estão localizados dentro da camada limite, isto é, a camada limite de fluxo de fluido físico é espessa, 2. Quando os centros de massa de fluido das células de malha de parede próxima estão localizados fora da camada limite, isto é, a camada limite de fluxo de fluido físico é fina. Essas duas abordagens permitem que o software supere a restrição tradicional do código CFD de ter que empregar uma densidade de malha muito fina perto das paredes no domínio de cálculo e usar malhas cartesianas de limite imerso para todas as geometrias (KALITZIN E IACCARINO, 2002). As modificações mencionadas anteriormente quanto ao modelo clássico de turbulência k-ε e na abordagem de função de parede Launder-Spalding para especificar as condições de contorno de parede para as equações de Navier-Stokes são denominadas como “Enhanced Turbulence Modeling” (ETM). 43 3.4.1 Modelo de turbulência k-ε modificado O modelo de turbulência k-ε modificado com funções de amortecimento proposto por Lam e Bremhorst (1981) descreve fluxos laminares, turbulentos e transitórios de fluidos homogêneos consistindo nas seguintes leis de conservação de turbulência: 𝜕𝜌𝑘 𝜕𝑡 + 𝜕𝜌𝑘𝑢𝑖 𝜕𝑥𝑖 = 𝜕 𝜕𝑥𝑖 ((𝜇 + 𝜇𝑡 𝜎𝑘 ) 𝜕𝑘 𝜕𝑥𝑖 ) + 𝜏𝑖𝑗 𝑅 𝜕𝑢𝑖 𝜕𝑥𝑗 − 𝜌𝜀 + 𝜇𝑡𝑃𝐵 (3) 𝜕𝜌𝜀 𝜕𝑡 + 𝜕𝜌𝜀𝑢𝑖 𝜕𝑥𝑖 = 𝜕 𝜕𝑥𝑖 ((𝜇 + 𝜇𝑡 𝜎𝜀 ) 𝜕𝜀 𝜕𝑥𝑖 ) + 𝐶𝜀1 𝜀 𝑘 (𝑓1𝜏𝑖𝑗 𝑅 𝜕𝑢𝑖 𝜕𝑥𝑗 + 𝐶𝐵𝜇𝑡𝑃𝐵) − 𝑓2𝐶𝜀2 𝜌𝜀2𝑘 (4) 𝜏𝑖𝑗 = 𝜇𝑆𝑖𝑗 (5) 𝜏𝑖𝑗 𝑅 = 𝜇𝑡𝑆𝑖𝑗 − 2 3 𝜌𝑘𝛿𝑖𝑗 (6) 𝑆𝑖𝑗 = 𝜕𝑢𝑖 𝜕𝑥𝑗 + 𝜕𝑢𝑗 𝜕𝑥𝑖 − 2 3 𝛿𝑖𝑗 𝜕𝑢𝑘 𝜕𝑥𝑘 (7) 𝑃𝐵 = − 𝑔𝑖 𝜎𝐵 1 𝜌 𝜕𝑝 𝜕𝑥𝑖 (8) sendo 𝜌 a densidade do fluido, 𝑘 a energia turbulenta, 𝑥𝑖 a i-ésima componente do sistema de coordenadas cartesianas, 𝑢𝑖 o i-ésimo componente do vetor de velocidade do fluido, 𝜇 a viscosidade do fluido, 𝜇𝑡 a viscosidade turbulenta do fluido, 𝜏𝑖𝑗 𝑅 o ij-ésimo componente de tensão de Reynolds, 𝜀 a taxa de dissipação de energia turbulenta, 𝜏𝑖𝑗 o ij-ésimo componente do tensor de tensão laminar, 𝐶𝜇 = 0.09, 𝐶𝜀1 = 1.44, 𝐶𝜀2 = 1.92, 𝜎𝑘 = 1, 𝜎𝜀 = 1.3, 𝜎𝐵 = 0.9. Se 𝑃𝐵 > 0 então 𝐶𝐵 = 1, se 𝑃𝐵 < 0 então 𝐶𝐵 = 0. A viscosidade turbulenta do fluido é determinada por: 44 𝜇𝑡 = 𝑓𝜇 𝑐𝜇𝜌𝑘 2 𝜀 (9) sendo 𝑓𝜇 a função de amortecimento de Lam e Bremhorst, que é determinada a partir de: 𝑓𝜇 = (1 − 𝑒 −0,02𝑅𝑦)2. (1 + 20,5 𝑅𝑡 ) (10) onde, 𝑅𝑦 = 𝜌√𝑘𝑦 𝜇 (11) 𝑅𝑡 = 𝜌𝑘2 𝜇𝜀 (12) sendo 𝑦 é a distância do ponto à parede e as funções de amortecimento de Lam e Bremhorst 𝑓1e 𝑓2 que são determinadas por: 𝑓1 = 1 + ( 0,05 𝑓𝜇 ) 3 (13) 𝑓2 = 1 − 𝑒 𝑅𝑡 2 (14) As funções de amortecimento de Lam e Bremhorst 𝑓𝜇, 𝑓1, 𝑓2 diminuem a viscosidade turbulenta, a energia turbulenta e aumentam a taxa de dissipação de turbulência quando o número de Reynolds 𝑅𝑦 é baseado na velocidade média das flutuações e distância da parede. Quando 𝑓𝜇 = 1, 𝑓1 = 1, 𝑓2 = 2, a abordagem obtém o modelo k-ε original. 3.4.2 Funções de parede de duas escalas (2SWF) As funções de parede de duas escalas (2SWF) consistem em duas abordagens para acoplar o cálculo da camada limite com as principais propriedades de fluxo: 1. A abordagem da camada limite espessa quando 𝛿 > 𝐴. 𝑦. 45 2. A abordagem da camada limite fina quando 𝛿 ≤ 𝐴. 𝑦δ. Sendo 𝛿 a espessura da camada limite, 𝑦 é a distância do centro de massa de fluido da parede da célula de malha computacional próxima à parede e 𝐴 ≥ 1 é um coeficiente adimensional dependente das condições de fluxo. Figura 17 - Células de malha computacional próximas a uma parede, seus centros de massa fluida e as distâncias entre elas e a parede. Fonte: Mentor Graphics (2018). Quando a espessura de camada limite do fluído é 𝛿 > 𝐴. 𝑦, em vez de 𝑦, o software usa o valor adimensional 𝑦+ = √𝑝𝜏𝑤𝑦 𝜇 . Uma vez que a malha computacional usada é sempre cartesiana imersiva de limite não ajustada ao corpo, conforme é observado na Figura 17, 𝑦+ de algumas células próximas da parede pode ser muito pequeno. Assim, a distância adimensional correspondente do limite externo da região de equilíbrio turbulento para a parede decorre de uma análise dos dados experimentais apresentados por Wilcox (1994) e é igual a 𝑦𝑈𝑃 + = 300. Com esta abordagem, é obtida as condições de quantidade de movimento, fluxo de calor e limite de turbulência para as equações de Navier-Stokes. Na abordagem de camada limite fina, as equações da camada limite de Prandtl já integradas ao longo da normal à parede (ao longo da ordenada 𝑦) de 0 (na parede) à espessura da camada limite 𝛿 são resolvidas ao longo de uma linha fluida próxima da parede. Se a camada limite for laminar, essas equações serão resolvidas com um método de aproximações sucessivas baseadas na tecnologia de funções experimentais da Shvetz (GINZBURG, 1970). Se a camada limite é turbulenta ou transicional, é usada uma generalização deste método para tais camadas 46 limite empregando a hipótese de Van Driest (1956) sobre o comprimento de mistura em camadas limite turbulentas. Os efeitos tridimensionais do fluxo de fluido sobre as paredes superficiais côncavas e convexas são considerados através de correções correspondentes para a curvatura da parede. As separações de fluxo e de camada limite também são determinadas com um método considerando a tensão de cisalhamento da parede próxima de zero. A rugosidade equivalente da parede e a turbulência do fluxo externo na camada limite são levadas em consideração através de coeficientes semi-empíricos corrigindo a tensão de cisalhamento da parede e o fluxo de calor do fluido para a parede. A compressibilidade do fluido, a dissipação da energia cinética da turbulência e as várias forças de massa também são levadas em conta através de modelos empíricos e semi-empíricos correspondentes. A partir do cálculo da camada limite, é obtida a espessura da camada limite 𝛿, a tensão de cisalhamento da parede 𝜏𝑤 𝑒 , e o fluxo de calor do fluido para a parede 𝑞𝑤 𝑒 , que são usados como condições de contorno para as equações de Navier-Stokes. 3.4.3 Condições de contorno Para efeito de comparação entre as simulações foram estipulados parâmetros padrão para as mesmas apresentados pela Tabela 4. Tabela 4 - Condições de contorno simulações. Condição de contorno Característica Velocidade relativa do carro 75 km/h = 20,83 m/s Velocidade relativa do solo 75 km/h = 20,83 m/s Velocidade rodas (simulação carro inteiro) 88 rad/s Pressão ambiente 101325 Pa Condição temporal Permanente Modelo de turbulência k-ε modificado A velocidade relativa do veículo foi definida como 75 km/h, a qual foi obtida analisando as simulações demonstradas no começo do próximo capítulo e representa a máxima velocidade obtida para o veículo na pista de referência. Para configurar a velocidade nas simulações, foi atribuída uma velocidade de entrada no domínio computacional na direção X. Na saída foi atribuída uma condição de pressão atmosférica, por ser uma região afastada do corpo que está sendo analisado e não sofrer mais os efeitos do mesmo. 47 Em todas as simulações foi considerada a velocidade relativa do solo, que se negligenciada fará com que a velocidade relativa do escoamento do ar em relação ao solo crie uma camada limite, que irá interagir com os apêndices aerodinâmicos do carro e não representará as condições físicas corretas. Também foi considerado a rotação das rodas nas simulações do carro inteiro, pois elas têm grande influência no desempenho da asa dianteira. Diasinos et. al. (2004) apresenta resultados que demonstram perdas de downforce para o caso de um aerofólio invertido (bidimensional) posicionado em frente a um cilindro girando em contato com o solo. 3.4.4 Considerações finais O presente capítulo abordou o método de construção da malha que foi utilizado nas simulações em CFD e as condições de contorno utilizadas. Esta etapa do projeto é de grande importância para início do dimensionamento das asas pois a qualidade da malha computacional está diretamente ligada a precisão dos resultados das simulações em CFD. O computador utilizado nas simulações tem uma grande capacidade de processamento para um PC doméstico, porém ainda está muito abaixo da capacidade de processamento de um cluster utilizado por uma empresa para executar suas simulações. Portanto é essencial que a malha utilizada seja otimizada em certas regiões, aproveitando da melhor forma a capacidade computacional disponível. No próximo capítulo será abordado como os apêndices aerodinâmicos foram dimensionados com a utilização de simulações em CFD. 48 4 DESENVOLVIMENTO DOS APÊNDICES AERODINÂMICOS O dimensionamento de kit aerodinâmico depende de dois fatores determinantes que são o tipo de circuito e a potência do veículo. Através deles é possível direcionar o projeto para uma otimização da relação entre drag e downforce. Com o objetivo de avaliar esta relação foram realizadas simulações no software OptimumLap. Este software consiste em uma ferramenta para simulação de dinâmica veicular, o qual considera o veículo uma massa concentrada. Através dele é possível avaliar 10 parâmetros
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