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1 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 3 2 BODIVERSIDADES NATURAIS .................................................................. 4 3 SABERES TRADICIONAIS E ETNOFARMACOLOGIA ............................... 6 4 ETNOFARMACOLOGIA ............................................................................ 11 4.1 Etnoconhecimento à ciência ................................................................ 12 5 PLANTAS MEDICINAIS ............................................................................. 16 5.1 Conceito e princípios ativos ................................................................. 17 6 FISIOLOGIA DE PLANTAS MEDICINAIS COM VISTAS À ETNOFARMACOLOGIA ............................................................................................. 19 6.1 Etnofarmacologia: da planta ao medicamento ..................................... 20 6.2 Aplicações da etnofarmacologia e sistemas etnofarmacológicos ........ 21 6.3 Estado da arte e desdobramentos da etnofarmacologia ..................... 23 7 FITOTERÁPICOS ...................................................................................... 24 7.1 Fitoterapia ............................................................................................ 28 7.2 Estudo fitoquímico ............................................................................... 29 7.3 Controle de qualidade .......................................................................... 30 8 O ESTRESSE HÍDRICO NO CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO DE PLANTAS MEDICINAIS AROMÁTICAS ..................................................................... 31 8.1 O estresse hídrico na produção de metabólitos secundários em plantas medicinais aromáticas ............................................................................................. 33 9 ALGUMAS ESPECIES ENVOLVIDAS EM ESTUDOS ETNOFARMACOLÓGICOS ....................................................................................... 36 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................ 43 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 BODIVERSIDADES NATURAIS Fonte: cardimpaisagismo.com Biodiversidade, plantas medicinais e desenvolvimento de novos medicamentos são temas amplamente discutidos devido à sua importância, especialmente em países considerados emergentes, como o Brasil. A potencialidade das plantas nativas no desenvolvimento de fármacos está fundamentada no tripé biodiversidade, aceitabilidade e mercado econômico (NUNES, 2016). Segundo o autor, o Brasil é o país com a maior diversidade genética vegetal da Terra, com aproximadamente 55.000 espécies catalogadas do total estimado de 350.000 e 550.000. Porém, somente 8% das espécies vegetais da flora brasileira catalogadas foram estudadas em busca de compostos bioativos, e 1.100 espécies vegetais foram avaliadas em suas propriedades medicinais. As pesquisas com plantas visando à cura de distúrbios relacionados com a saúde são atividades milenares dos seres humanos, e o conhecimento sobre a utilização dessas plantas vem sendo transmitido, principalmente, de forma oral até meados do século XIX. A riqueza de saberes a respeito da biodiversidade vegetal serve como base não somente para a descoberta de outras espécies vegetais a serem pesquisadas com finalidades terapêuticas, mas também para o entendimento da própria humanidade. O percurso histórico empírico no tratamento de doenças com plantas e as diferenças na cultura e formas diversas de interpretar, explicar e tratar a doença relacionando com o ambiente natural contribuem para entender o próprio homem (SOUSA, 2010 apud NUNES, 2016). 5 O conhecimento tradicional é universal, porém expresso localmente, sendo as formas de utilização diferentes quando confrontadas com as diversas organizações culturais, localizadas em vários países, até mesmo no Brasil. Nesse contexto, segundo Nunes (2016), escravos, indígenas e imigrantes contribuíram para o surgimento da medicina tradicional e originalmente brasileira, no entanto com variações regionais. Os conhecimentos dos povos das florestas tropicais são fundamentais no entender, utilizar e proteger a diversidade das plantas. E a documentação do conhecimento tradicional sobre o uso dos recursos naturais é promissora. A valorização do conhecimento tradicional tem produzido alternativas viáveis em questões emergentes, beneficiando o saber científico na conservação da biodiversidade. Nesse sentido, estudiosos também complementaram ao relatarem que os conhecimentos e práticas locais de povos tradicionais, ainda que de qualidade sub ou superestimada, são hoje considerados chaves na conservação da biodiversidade. Essa valorização do conhecimento tradicional está relacionada ao etnoconhecimento. As etnociências estão entre as formas de produção de conhecimento científico que mais aproximam a academia de sua justificativa social (NUNES, 2016). O conhecimento tradicional tem sido reconhecido como relevante, tanto aos estudos da biodiversidade quanto à conservação do patrimônio biológico e genético do país. A diversidade cultural brasileira, representada por considerável número de comunidades locais, detém o conhecimento sobre as espécies da flora e da fauna e de sistemas tradicionais de manejo dos recursos naturais renováveis. Assim, no estudo das alternativas com o objetivo de diminuir a devastação dos recursos naturais e o desenvolvimento de sistemas sustentáveis de utilização desses recursos, diversas formas têm sido propostas ao longo do tempo (NUNES, 2016). Contudo, segundo esse autor, muitas dessas propostas possuem estratégias que desvinculam ou não levam em consideração as populações humanas que habitam e vivem do seu modo tradicional, nos diversos locais. O resgate dos conhecimentos tradicionais na população, pela pesquisa etnobotânica e etnofarmacológica, tem merecido atenção especial. Essa atenção é devida à crescente aceleração no processo de aculturação e perdas valiosas de informações populares, como o desaparecimento de espécies ainda não estudadas e a ampliação do mercado de plantas medicinais, devido à preferência de muitos consumidores por produtos de origem natural, ao difícil 6 acesso da grande maioria da população brasileira, ao medicamento convencional e à assistência médica e ao crescente interesse das indústrias na busca por novos fármacos. Assim, a área de conhecimento conhecida como etnofarmacologia pode ser conceituada como a ciência que procura entender o universo dos recursos naturais (plantas, animais e minerais) utilizados como drogas sob a ótica de grupos humanos. Levantamentos etnofarmacológicos realizados nas florestasbrasileiras são instrumentos em potencial na descoberta de novas drogas, uma vez que esse país possui altos índices de biodiversidade e endemismo associados ao processo de miscigenação intenso, que resultou em considerável riqueza de conhecimentos sobre a sua flora. No Brasil, esses levantamentos têm enfatizado os grupos indígenas e as populações tradicionais – como os e os, sendo o negro raramente incluído. Apesar do elevado número de comunidades quilombolas no Brasil, poucos estudos etnofarmacológicos e etnobotânicos têm sido realizados, podendo ser citadas as pesquisas de Rodrigues e Carlini (2006), Monteles e Pinheiro (2007), Rodrigues (2007), Massaroto (2009), Crepaldi e Peixoto (2010), Negri e Rodrigues (2010), Barroso et al. (2010), Oliveira et al. (2012), Bertanha (2011), Fonseca (2011) e Viana (2013) (NUNES, 2016). 3 SABERES TRADICIONAIS E ETNOFARMACOLOGIA Fonte: altoastral.com 7 A utilização das plantas medicinais como fonte terapêutica é uma prática tão antiga quanto a humanidade. A busca pela cura de doenças através dos recursos naturais ainda é um dos meios no qual as pessoas têm para o tratamento de enfermidades, a menos que esta seja grave e exija um tratamento clínico com mais rigor. A utilização de plantas e substâncias com fins medicinais nasceu com a humanidade e foi se transformando com o passar dos anos. Segundo relatos, há mais de 3000 anos a.C. o cultivo e uso de plantas como medicinais já existia e, ainda hoje são utilizadas com eficácia na medicina popular e por laboratórios farmacêuticos como fonte de substâncias para síntese de medicamentos (CARVALHO, 2018). A prática de utilização das plantas medicinais é baseada no conhecimento da flora medicinal, pois, muitos são os povos que tem convívio direto com a natureza e isso desencadeia com o passar dos tempos uma série de conhecimentos que vão se acumulando e a partir disso descobrem a ação farmacológica das plantas e até mesmo sua toxicidade. Também está prática está relacionada com as experiências passadas entre as gerações, que são transmitidas por meios predominantemente orais. Neste sentido, a etnobotânica aplicada ao estudo de plantas medicinais trabalha em estreita cumplicidade com a etnofarmacologia que consiste na exploração científica e interdisciplinar de agentes biologicamente ativos, que sejam tradicionalmente empregados ou observados por determinado agrupamento humano (CARVALHO, 2018). A etnofarmacologia é um ramo da etnobotânica à qual compreende o resgate, a identificação e o registro dos diferentes usos medicinais de plantas por diferentes grupos culturalmente definidos e busca correlacionar o conhecimento tradicional com conhecimento científico (NUNES, 2016). A Etnofarmacologia não trata de superstições, e sim do conhecimento popular relacionado a sistemas tradicionais de medicina. Para apreciar o conhecimento popular é preciso admiti-lo como tal – um corpo de conhecimento, um produto do intelecto humano – e não se pode ser preconceituoso. A Etnofarmacologia é uma divisão da Etnobiologia, uma disciplina devotada ao estudo do complexo conjunto de relações de plantas e animais com sociedades humanas, presentes ou passadas (ELISABETSKY, 2005). 8 Define-se Etnofarmacologia como “a exploração científica interdisciplinar dos agentes biologicamente ativos, tradicionalmente empregados ou observados pelo homem”. Como estratégia na investigação de plantas medicinais, a abordagem etnofarmacológica consiste em combinar informações adquiridas junto a usuários da flora medicinal (comunidades e especialistas tradicionais), com estudos químicos e farmacológicos. O método etnofarmacológico permite a formulação de hipóteses quanto à(s) atividade(s) farmacológica(s) e à(s) substância(s)ativa(s) responsáveis pelas ações terapêuticas relatadas. Assim, se Tia Pixica, Dona Lulu ou Seu Lauca dizem que as folhas de fulaninha (preparadas assim e usadas assado) curam aquele dado tipo de diarréia, o método etnofarmacológico permite a formulação de hipóteses como estas: H0= fulaninha não é útil na cura ou manejo daquele tipo de diarréia; H1= fulaninha interfere positivamente no curso natural daquele tipo de diarréia. Há na espécie algum composto com atividade antimicrobiana ou antiviral? Interfere no fluxo de água? Essas hipóteses podem ser testadas com todos os controles e rigores que qualquer ciência séria exige, levando em consideração toda a informação (incluindo modo de preparo e posologia) que traz o conhecimento tradicional. Argumenta-se que a cultura popular identifica sintomas, mas não caracteriza ou entende as doenças como nós; conclui-se, por isso, que tais informações não servem de base útil ao desenvolvimento de novos medicamentos (ELISABETSKY, 2005). A seleção etnofarmacológica de plantas para pesquisa e desenvolvimento (P&D), baseada na alegação feita por seres humanos de um dado efeito terapêutico nos mesmos, pode ser um valioso atalho para a descoberta de fármacos. Neste contexto, o uso tradicional pode ser encarado como uma pré-triagem quanto à propriedade terapêutica (isso não implica em admitir que plantas medicinais ou remédios caseiros sejam destituídos de toxicidade) (ELISABETSKY, 2005). O valor deste atalho deve ser apreciado no seguinte contexto: a indústria farmacêutica considera razoável a relação de 1:10.000 entre compostos comercializados/estudados; aquelas que contam com procedimentos de triagem associados a química combinatória, clonagem de receptores e automação/robotização (high trhough put screening) têm como razoável 1:250.000. Mesmo em casos em que se conhece o mecanismo de ação desejado e se tem o ensaio in vitro apropriado para 9 detectá-lo, a maior parte dos compostos que eventualmente interagem com a enzima ou o receptor em questão não é, infelizmente, biodisponível; ou, quando o é, acaba por demonstrar toxidade inesperada em humanos. De cada dez compostos descobertos, quatro seguem para a fase de desenvolvimento, enquanto existe uma taxa de 50% de desistência devido a toxicidade/efeitos adversos, antes mesmo que uma fase clínica I completa seja deslanchada (ELISABETSKY, 2005). De acordo com o autor, esses números indicam o valor de relatos de uso tradicional em relação a biodisponibilidade e segurança relativa. Cabe notar que a Etnofarmacologia, por se basear em alegações de utilidade terapêutica e não em determinado perfil químico das espécies (o que, em tese, indicaria a possibilidade de interação com um determinado alvo biológico), é particularmente útil no caso de categorias de doenças cuja patofisiologia não é bem conhecida. A mesma linha de raciocínio pode ser aplicada com relação à descoberta de produtos protótipo (com mecanismos de ação inovadores): a abordagem mecanicista baseia-se na interação dos compostos com alvos farmacodinâmicos predeterminados, enquanto que a etnofarmacologia por partir de relatos de efeitos, pode levar à identificação de produtos com mecanismos de ação sequer conhecidos. Por isso modelos in vivo tem papel importante em estudos etnofarmacológicos. O uso da expressão sistema tradicional não implica admitir que se trata de um sistema estático ou uma forma de retardo cultural, que não responde ou contrasta com a racionalidade e a modernidade. A coexistência de vários sistemas de saúde usados no mundo todo e sua utilização por diversas classes sociais, são evidências consideráveis de que a interação é dinâmica, levando a alterações em todos os sistemas que coexistem. É absolutamente fundamental para a estratégia etnofarmacológica que se compreendam os conceitos do sistema do qual se obtêm as informações; observações não contextualizadas são cientificamente inúteis. Já que sistemas médicos são produtos de culturas específicas com enorme variação em termos de crenças e práticas médicas, uma detalhadabase etnofarmacológica é necessária para selecionar espécies como fontes de drogas transculturalmente efetivas (ELISABETSKY, 2005). Segundo o autor, uma medida acurada do valor do conhecimento tradicional em P&D de novos fármacos só seria possível se pudéssemos comparar os resultados (em termos de custo/benefício) de uma amostra razoável de pesquisas feitas com base em 10 coletas de plantas ao acaso ou por etnofarmacologia. Infelizmente, a maioria das indústrias (e mesmo a academia) não publica resultados negativos (mesmo resultados positivos em termos estritamente farmacológicos que por quais quer outras razões não são aproveitados). A vantagem parece óbvia. Analisando compostos com potencial anti-cancerígeno, verificou-se que a porcentagem de gêneros/ espécies vegetais ativas citadas em compêndios de plantas medicinais, é consistentemente próxima ao dobro das de triagem ao acaso. Quanto a antivirais, a seleção de plantas com uso tradicional mostrou uma porcentagem 5 vezes maior de substâncias ativas. Os dados da Shaman Pharmaceuticals, que usa Etnofarmacologia como eixo central de seu programa de P&D, corroboram a tendência encontrada com dados acadêmicos no contexto industrial. Embora em P&D o interesse praticamente resuma- se a plantas como fonte de compostos químicos, o fato de que sistemas médicos tradicionais são organizados como sistemas culturais permite profundas diferenças nos significados de saúde, doença e etiologias. Tais diferenças resultam em uma variedade de práticas terapêuticas que não são facilmente acomodadas ou compreendidas no paradigma biomecânico da medicina ocidental contemporânea (ELISABETSKY, 2005). Conceitos como dieta, medidas preventivas, manutenção ativa do bem estar, posologias de longo prazo/baixa dosagem, misturas complexas e/ou mecanismos de ação multifacetados, freqüentemente centrais em sistemas médicos tradicionais, apenas recentemente começam a ser devidamente apreciados no ocidente. A compreensão de tais peculiaridades em termos farmacodinâmicos podem ser útil no desenvolvimento de novos paradigmas de uso de drogas. De fato, constantemente se identificam novos alvos de ação de drogas e remédios tradicionais, que podem atuar como modificadores do curso natural de patologias por mecanismos fisiológicos que ainda sequer conhecemos (ELISABETSKY, 2005). A maior parte da flora ainda desconhecida químico/farmacologicamente, e o saber tradicional associado existem predominantemente em países em desenvolvimento. A perda da biodiversidade e o acelerado processo de mudança cultural acrescentam um senso de urgência no registro desse saber. A criação de instrumentos legais de direitos de propriedade intelectual para conhecimentos tradicionais é de fundamental importância. O Brasil não é apenas rico em diversidade de recursos genéticos; é um país rico em culturas, emergentes diferentes que tiveram 11 e têm que tirar a vida com a mão. Ao fazer isso, manejam seu meio ambiente, conhecendo-o em detalhe se no todo de suas conexões e inter-relações. O respeito ao meio ambiente e ao modus vivendi de comunidades tradicionais, é essencial ao desenvolvimento sustentável e à manutenção da sociobiodiversidade (ELISABETSKY, 2005). 4 ETNOFARMACOLOGIA Fonte: ciclovivo.com No enfoque etnofarmacológico são selecionadas plantas conforme o uso terapêutico citado por um determinado grupo étnico. Fornecendo assim dados para uma pré-triagem e orientação bioguiada para os estudos fitoquímicos e farmacológicos na descoberta de novas substâncias farmacologicamente ativas para produção de remédios economicamente acessíveis à população, primordialmente em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento (NUNES, 2016). Adicionalmente, está ciência também tem sido encarada recentemente como alternativa para desenvolvimento e conservação da flora, principalmente em áreas transformadas, habitadas por comunidades tradicionais. Levantamentos etnobotânicos e etnofarmacológicos no Brasil têm focado mais os grupos indígenas, caiçaras e caboclos, sendo os quilombolas pouco abordados (NUNES, 2016). 12 4.1 Etnoconhecimento à ciência A etnociência, em seus vários ramos, pode ser entendida quando o conhecimento das populações tradicionais é considerado importante na conservação. A etnobiologia é o estudo do saber e dos conceitos estabelecidos por qualquer sociedade a respeito do mundo natural e de suas espécies. É também o estudo da função da natureza no sistema de crenças e de adaptação do homem a determinados ambientes, destacando categorias e conceitos cognitivos usados pelos povos em estudo (NUNES, 2016). Seus métodos e teorias a respeito da maneira pela qual os povos distinguem os seres vivos, seus ambientes físicos e culturais estão em construção, levando em consideração que cada povo deve possuir algum sistema único de perceber e organizar ev entos e comportamentos (DIEGUES, 2000 apud NUNES, 2016). Desvendar o universo do etnoconhecimento de alguma população humana é sem sombra de dúvidas tarefa gratificante; o olhar diferenciado desse saber repassado ao longo de gerações desperta a pluralidade cultural, biológica e social que, no caso específico dos estudos com as plantas, é voltado a suas potencialidades de uso, em especial das plantas com diferentes formas de utilização. A cultura envolve a determinação das relações entre o ser humano e a natureza, segundo o qual são construídas representações cognitivas, verdadeiros mapas mentais que orientam ações, advindas do conhecimento local instalado, decodificadas por meio da cientificidade (NUNES, 2016). Todo conhecimento sobre plantas medicinais acompanha a trajetória histórica e cultural da humanidade, sendo transmitido oralmente de geração a geração, por meio dos rituais e mitos. Esses conhecimentos e as práticas africanas, indígenas e europeias formaram a base do conhecimento terapêutico tradicional. No entanto, com a industrialização e urbanização do país, o conhecimento considerado tradicional sobre plantas medicinais passou a ser sinônimo de atraso e charlatanismo. A desvalorização desses conhecimentos contribui também para a não valorização cultural das comunidades tradicionais que os utilizam (SANTOS, 2014 apud NUNES, 2016). O ser humano, no decorrer de sua existência, acumulou informações sobre o ambiente, por meio de constantes observações, seja nos acontecimentos da natureza, seja na experimentação empírica no uso dos recursos naturais disponíveis. O etnoconhecimento tem estreita relação com a interdisciplinaridade com outras áreas da 13 ciência, a exemplo da antropologia, química, biologia, física e farmacologia. O ser humano é considerado agente extremamente importante no ambiente, fazendo parte como componente ativo, definido pelo mesmo autor como biodiversidade, ecodiversidade ou sociodiversidade (NUNES, 2016). O conhecimento local representa o saber adquirido das populações, entre outros, sobre os ciclos da natureza, a reprodução e migração da fauna, a influência do ciclo solar e da lua em suas atividades, sobre os sistemas de manejo dos recursos naturais, os efeitos negativos do exercício de atividades em certas áreas ou período do ano, tendo como principal objetivo a conservação das espécies. Segundo o autor é através do conhecimento que o saber local e as técnicas patrimoniais são expressas e sobretudo, a demonstração de uma relação simbiótica entre o ser humano e a natureza. As observações populares sobre a utilização e eficiência de plantas medicinais contribuem, de forma relevante, para a divulgação de suas potencialidades terapêuticas. Despertam também o interesse de pesquisadores de áreas como botânica, farmacologia, fitoquímica, entre outras, enriquecendo o conhecimento e intensificação da utilização de plantas. Vários grupos sociais têm agentes responsáveispelo estudo e aplicação medicinal das plantas, a exemplo dexamãs, curandeiros, pajés, benzedeiras, enfim, a diversidade sociocultural parece refleti-los nas formas de representação e emprego de plantas medicinais. Nessa riqueza cultural, geralmente representada pelo conceito de “diversidade cultural” ou “sociodiversidade”, há, no entanto, séria distinção entre a legitimidade universal dos distintos sistemas de conhecimento de cada grupo social. Assim, surge a ideia de autoexclusão entre os sistemas de conhecimento. Cada civilização tende a superestimar a orientação objetiva de seu conhecimento; é, por isso, então, que ela nunca está ausente. Quando cometemos o erro de crer que o selvagem é exclusivamente governado por suas necessidades orgânicas ou econômicas, não reparamos que ele nos dirige a mesma censura, e que, a seus olhos, seu próprio desejo de saber parece melhor equilibrado que o nosso (LÉVI-STRAUSS, 2002 apud NUNES, 2016). Assim, Almeida (2008) relatou que essa tensão social discutida por Lévi-Strauss é potencializada pela atual atividade de produção científica, que parte do conhecimento das comunidades tradicionais para a produção de uma ciência nos moldes modernos. Esses autores ainda destacaram que, apesar das diferenças e controvérsias, os 14 conhecimentos de comunidades locais e indígenas, denominados “populares”, “vulgares”, “empíricos”, “não científicos”, são de suma relevância para a pesquisa etnofarmacológica. O estudo desse conhecimento está ligado intimamente ao fortalecimento cultural e da identidade das comunidades. A prática de uso das plantas medicinais tanto na cura física quanto espiritual faz parte das relações que a comunidade desenvolveu ao longo de séculos com a natureza, consigo mesma e com tudo que a rodeia. Os conhecimentos e práticas de cuidado com a saúde, juntamente com o uso das plantas medicinais, destacam a estreita relação entre aspectos socioculturais e ambientais (NUNES, 2016). O autor afirma que esses conhecimentos e práticas estão relacionados com o saber tradicional, que é aquele transmitido ao longo de gerações de determinado povo, podendo fornecer dados importantes a novas pesquisas científicas sobre as propriedades terapêuticas das plantas. Toda sociedade humana armazena o acervo de informações que a possibilita interagir e prover suas necessidades de sobrevivência, sendo o ser humano, ainda, importante agente de mudanças vegetacionais, porque sempre foi dependente do meio botânico. Consultar a população e observar o cotidiano são fundamentais n a compreensão de certas doenças, em determinados locais. Essa preocupação é indissociável do arcabouço do conhecimento popular, desenvolvido nas comunidades tradicionais urbanas ou rurais. O conhecimento tradicional é a forma mais antiga da produção de teorias, experiências, regras, conceitos, isto é, de fazer ciência. Conforme o conhecimento popular ou tradicional foi construído ao longo dos anos, fruto de peculiares maneiras de ser e de viver das comunidades que são detentoras desse conhecimento. Complementa citando que é o conhecimento formado a partir da relação distinta entre essas comunidades e o meio em que vivem, intimamente ligado aos seus processos identitários e históricos. Em relação ao conhecimento tradicional, destaca que o cenário é de antagonismos, marcados pelo conflito entre os conhecimentos práticos das comunidades tradicionais e o conhecimento científico: Controlado pelos grandes laboratórios de biotecnologia, pelas empresas farmacêuticas e demais grupos econômicos que detêm o monopólio das patentes, das marcas e dos direitos intelectuais sobre os processos de transformação e processamento dos recursos naturais (NUNES, 2016). 15 Outros conhecimentos que explicam a realidade e hierarquia entre o científico e o não científico, evidenciando a relação de dominação. Destacou a necessidade de igualdade entre as formas diferentes de conhecimentos ao mesmo tempo que sugeriu o diálogo numa relação horizontal, na qual não há conhecimento superior ou inferior, mas diferentes entendimentos da realidade que devem ser comunicados e interdependentes. Há que ser alteridade para aceitar que são sociedades diferentes, constituídas por sujeitos que pousam outro olhar, sobre o significado e relacionamento com o mundo, dispare dos nossos por conta de uma lógica e interação diferenciada com o meio que o circunscreve, assim devem ser aceitos e respeitados, sem que se use este diferencial como diminuidor de sua qualidade ou argumento para expropriação dos seus direitos (SANTOS, 2014 apud NUNES, 2016). Assim, segundo Nunes (2016), é importante considerar que as comunidades tradicionais que, durante séculos, desenvolveram essas práticas e conhecimentos, hoje apropriados pela medicina convencional, não são consideradas titulares desse conhecimento. Nunes (2016) também discutiu que, enquanto for necessário, usar o método científico visando validar essas outras formas de conhecimento; e, enquanto o critério for ditado pela ciência hegemônica, não se tem possibilidade de diálogo na ecologia de saberes. Complementou afirmando não serem possíveis relatos de troca entre saber científico e não científico; não é possível discutir autonomia e direitos dos povos e comunidades tradicionais sobre o conhecimento que produzem ao longo de séculos. Conclui-se que romper com a estreiteza, porém, não é romper com o conhecimento científico, mas com a maneira com que é visto na atualidade, colocado a serviço de minorias imponderadas que exploram e dominam o conjunto da sociedade. Contrariamente, Silva et al. (2014) relataram que há aproximações entre o conhecimento científico e o empírico, transmitido oralmente entre gerações. Nesse sentido, muitas pesquisas levam em consideração os saberes tradicionais como base para a produção de novos fármacos. Dessa forma, segundo esses autores, ao estabelecer listas de plantas a serem estudadas, entidades governamentais e laboratórios de produção de novos fármacos têm ouvido comunidades indígenas e grupamentos rurais ou, mesmo, comunidades urbanas populares que obtiveram resultados satisfatórios no tratamento de suas doenças. 16 Nunes (2016) citou que o etnoconhecimento é usado como referência por melhorar a eficiência da pesquisa de moléculas bioativas, no entanto é desvalorizado por determinados campos do conhecimento e, também, em outros momentos, na exploração sem haver retorno social direto às comunidades que detêm esses conhecimentos. Os pesquisadores discutem que o acesso aos saberes tradicionais associados significa possibilidade de preservar a natureza. Além do avanço da ciência e geração de atividades que sejam economicamente rentáveis, detentores desses conhecimentos acreditam que são partes constitutivas da sua identidade, da razão de ser povo e a garantia da sobrevivência. 5 PLANTAS MEDICINAIS Fonte: agrospectrumindia.com Possuindo mais de 20% de todas as espécies do planeta, o Brasil é o país com a maior biodiversidade dentre os 17 (dezessete) países que recebem a denominação de mega diversos.Com a implantação da Política e Plano Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, por meio do Decreto Nº 5.813, de 22 de junho de 2006, veio junto a necessidade de se conhecer melhor as plantas usadas pela população para a fabricação de remédios caseiros (COSTA, 2019). O uso de plantas medicinais é bastante difundido nas comunidades tradicionais. É provável que todos, ao menos uma vez na vida, tenha experimentado um remédio 17 feito pela mãe, ou avó, ou receita por uma pessoa amiga da família, para curar uma febre, um resfriado, ou algo do tipo. Para investigar os efeitos benéficos e/ou deletérios causados pelo uso de plantas medicinais, a etnofarmacologia assume papel crucial na busca dos detentores do conhecimentoempírico das porções caseiras, preparadas com plantas. De acordo com Almeida (2011) a etnofarmacologia é definida como “O conhecimento multidisciplinar de agentes biologicamente ativos, tradicionalmente estudados ou observados pelo homem”. Para Santos e Silva (2015), as plantas medicinais, além de servirem para tratar enfermidades, têm impacto direto na renda das famílias, tanto para quem produz/coleta que vende a matéria prima, quanto para o comerciante que revende o produto in natura ou processado em garrafadas, pós ou triturado, e para o consumidor que economiza ao substituir o medicamento industrializado pelo artesanal, que custa mais barato. A OMS define planta medicinal como sendo “todo e qualquer vegetal que possui, em um ou mais órgãos, substâncias que podem ser utilizadas com fins terapêuticos ou que sejam precursores de fármacos semissintéticos. Diante dessa problemática, faz-se necessário o desenvolvimento de políticas mais eficazes direcionadas à conservação do bioma caatinga, que é exclusivamente brasileiro, detentor de um patrimônio natural de valor imensurável e ainda desconhecido em sua totalidade (COSTA, 2019). 5.1 Conceito e princípios ativos Provavelmente, boa parte das espécies empregadas com fins medicinais pode ainda não estar catalogada pela farmacologia, as quais estão vivas nas florestas, nos campos e jardins, conhecidas e experimentadas pela população em suas farmácias caseiras. Estudiosos destacaram que planta medicinal é qualquer vegetal produtor de substâncias biologicamente ativas utilizadas direta ou indiretamente como medicamento. Segundo esses autores, as plantas sintetizam e acumulam compostos e substâncias químicas que podem provocar reações nos organismos, sendo denominados “princípios ativos”. Amorozo (2002) considerou medicinal a planta administrada exercendo algum tipo de ação farmacológica. Rodrigues (2007) classificou como medicinal a planta que contém substâncias bioativas, com propriedades terapêuticas, profiláticas ou paliativas utilizadas na medicina, ou seja, são 18 plantas que melhoram a qualidade de vida e interferem e, ou, reforçam o sistema imunogênico (BARATA, 2007). O valor dos produtos bioativos das plantas medicinais à sociedade e à economia é incalculável, afinal, um em cada quatro produtos comercializados nas farmácias é preparado com matéria-prima extraída de plantas ou de estruturas químicas derivadas desses vegetais. Aproximadamente, 80% da população mundial depende de remédios tradicionais e caseiros, por meio do uso direto de plantas. A continuidade desse uso pode ser ameaçada pela interferência dos atores externos à dinâmica social do grupo, com a exposição das comunidades às pressões econômicas e culturais externas. Ao procurar substâncias ativas das plantas, devem ser consideradas as informações da medicina tradicional, pois dados da bibliografia estabelecem que é muito mais provável encontrar atividade biológica em plantas, por meio do uso na medicina tradicional do que em plantas escolhidas ao acaso (NUNES, 2016). Princípios ativos em plantas medicinais são substâncias que a planta produz e armazena durante o seu desenvolvimento. Normalmente, namesma planta medicinal há vários componentes ativos, dos quais algum, ou determinado grupo, revela a atividade principal. Esses princípios ativos não estão distribuídos uniformemente nas plantas; estão concentrados em flores, folhas, raízes, sementes, frutos ou casca. Outra característica importante é que a concentração não é uniforme durante o ciclo de vida da planta, podendo variar com o ambiente, colheita e forma de preparo (NUNES, 2016). 19 6 FISIOLOGIA DE PLANTAS MEDICINAIS COM VISTAS À ETNOFARMACOLOGIA Fonte: altoastral.com De maneira indireta, o conhecimento tradicional sobre o uso de plantas medicinais desperta o interesse da ciência em estudos multidisciplinares, como por exemplo, etnofarmacologia, botânica, fisiologia vegetal, fitoquímica e farmacologia que juntas enobrecem os conhecimentos sobre a medicina natural (SCHULTZ, 2015). A etnofarmacologia pode auxiliar na ampliação do conhecimento acerca das etnoespécies de qualidades terapêuticas para populações tradicionais da Amazônia como já verificada por diversos autores (Schultes e Raffaulf, 1990; Amorozo, 1996; Silva, 2002; Shanley e Luz, 2003; Coelho-Ferreira, 2009; Etkin e Elisabetsky, 2005; Costa e Mitja, 2010; Oliveira et al., 2011a; Shanley et al., 2012, Vásquez et al., 2014). Já o estudo da fisiologia vegetal permite conhecer os processos e respostas vitais das plantas à medida que iteragemcom seus ambientes bióticos e abióticos, além de permitir a análise das causas de seus diferentes mecanismos fisiológicos, tais como trocas gasosas, crescimento e desenvolvimento e produção de metabólitos secundários(TAIZ, 2013 apud SCHULTZ, 2015). Enquanto que a pesquisa fitoquímica permite conhecer os compostos químicos das plantas cultivadas, atuando como relevante ferramenta na elucidação do comportamento fisiológico, uma vez que a produção dos metabólitos secundários nas plantas é susceptível aos fatores genéticos, morfológicos, variação geográfica, estágio 20 do ciclo vegetativo da planta, técnicas de cultivo, método de extração, umidade relativa, duração de exposição ao sol, regime de ventos, grau de hidratação do terreno e variações sazonais (SCHULTZ, 2015). Além de contribuir para o conhecimento dos compostos das plantas medicinais utilizadas localmente e assegurar à população o uso adequado e seguro destas plantas, propiciam o desenvolvimento de novos fármacos. Cada espécie medicinal tem comportamentos fisiológicos diferenciados quanto ao tipo de solo, adubação, irrigação e radiação solar necessitando assim de condições adequadas para o seu ciclo de vida. Portanto, é fundamental que técnicas de manejo sejam desenvolvidas respeitando-se as condições edafoclimáticas regionais, uma vez que a produção de biomassa e princípios ativos pelas plantas pode ser intensamente afetada pelo ambiente de cultivo (NUNES, 2016). As plantas estão constantemente expostas a estresses abióticos ou bióticos, interações que causam modificações no crescimento, metabolismo e rendimento agrícola. Os principais fatores abióticos limitantes da produtividade das culturas são: luminosidade, temperatura, pluviosidade, nutrição, salinidade, época e horário de coleta, bem como técnicas de colheita e pós-colheita. Além destes, o estresse hídrico é o principal entrave da produtividade agrícola mundial (SCHULTZ, 2015). 6.1 Etnofarmacologia: da planta ao medicamento Conceitos e utilização da etnofarmacologia O conhecimento construído por comunidades tradicionais sobre as plantas medicinais não é restrito a “mero repertório” ou “listagem de espécies vegetais”. Moreira (2007) relatou que as comunidades compreendem as fórmulas sofisticadas, o receituário e os respectivos procedimentos para realizar a transformação. Também, destacaram que esses conhecimentos são fruto de longo processo de contato com a natureza, no qual os povos, ancestralmente, inventaram práticas e tecnologias de cuidado com o solo e, consequentemente, com o cultivo de plantas medicinais. Elisabetsky (1999) definiu a etnofarmacologia como o ramo da etnobiologia/etnobotânica que abrange as práticas médicas, especialmente de 21 remédios usados em sistemas tradicionais de medicina. A etnofarmacologia estuda as relações humanas passadas e presentes, inter-relações ecológicas, evolucionárias e simbólicas (NUNES, 2016). Nesse contexto, Nunes (2016) discutiu que possui a missão de resgatar esse conhecimento, a fim de melhor entender e aprimorar as relações do homem com os recursos naturais. A pesquisa etnofarmacológica é o misto de algumas disciplinas das áreas de química, biologia e medicina. Metodologicamente, parte daatividade inicial da pesquisa etnofarmacológica é confundida com a bioprospecção, ou seja, com a busca e levantamento de novas espécies com algum potencial terapêutico ou comercial. Sant’Ana (2002) definiu bioprospecção como o procedimento que busca o levantamento de espécies vegetais com possível valor econômico. O conhecimento etnofarmacológico está alicerçado na vivência dos indivíduos, nas suas relações pessoais, sociais e também com o ambiente. Esse conhecimento tradicional é resultado da integração da comunidade com o ambiente e suas descobertas, o que justifica sua riqueza e diversidade (NUNES, 2016). A abordagem etnofarmacológica é caracterizada pelo levantamento farmacológico das formas de classificar, reconhecer e estudar as plantas medicinais com base na observação e em diferentes tipos de conhecimento. A etnofarmacologia pode ser definida como procedimento de pesquisa que abrange, na sua etapa inicial de levantamento, mais de um sistema epistêmico. A etnofarmacologia é fundamental, a qual busca, no conhecimento empírico das comunidades, alguma solução de custo relativamente baixo, possível de ser usada de forma científica e racional no combate aos males que acometem as pessoas, sobretudo em países em desenvolvimento (NUNES, 2016). 6.2 Aplicações da etnofarmacologia e sistemas etnofarmacológicos Nunes (2016) resumiu as principais aplicações da etnofarmacologia na atualidade, sendo elas: • Possibilitar a descoberta de substâncias de origem vegetal com aplicações médicas e industriais, devido ao crescente interesse pelos compostos químicos naturais. • Acessar o conhecimento de novas aplicações das substâncias já identificadas. 22 • Estudar as drogas vegetais e seu efeito no comportamento individual e coletivo dos usuários, associado a determinados estímulos culturais ou ambientais. • Permitir o reconhecimento e preservação de plantas potencialmente importantes em seus ecossistemas. • Documentar o conhecimento tradicional e os complexos sistemas de manejo e conservação dos recursos naturais dos povos tradicionais. • Servir como base de informação que oriente a elaboração de programas de desenvolvimento e preservação dos recursos naturais dos ecossistemas tropicais. A fitoterapia praticada atualmente no Brasil é resultado da influência de tradições culturais, criando, assim, sistemas etnofarmacológicos bastante heterogêneos em relação às plantas utilizadas. De acordo com Ambiente Brasil, a etnofarmacologia brasileira pode ser dividida em seis sistemas, que são: Sistema etnofarmacológico europeu: trazido por colonizadores europeus, é mais forte no Sul do país, onde o clima mais semelhante ao da Europa propiciou a boa adaptação das plantas introduzidas. Esse sistema tem influência das plantas de uso mundial, principalmente das europeias, como no caso da erva- cidreira (Melissa officinalis) e da erva-doce (Pimpinella anisum), entre outras: • Sistema etnofarmacológico africano: trazido por escravos africanos, associa rituais religiosos ao uso de plantas medicinais. É mais encontrado no estado da Bahia. Como exemplos de plantas introduzidas por esse sistema, têm-se a arruda (Ruta graveolens) e o jambolão (Syzigium jambolanum). • Sistema etnofarmacológico indígena: constituído por plantas nativas utilizadas pelas várias comunidades indígenas do país, pode ser encontrado em quase todo o território nacional. Entre as plantas, é destaque a caapeba (Piper umbellatum), o abajeru (Chrisobalanus icaco) e o urucum (Bixa orellana). • Sistema etnofarmacológico oriental: trazido pelos imigrantes chineses e japoneses, entre o final do século XIX e o início do século XX, como pelos portugueses colonizadores, por ocasião de suas navegações até a Ásia, é encontrado, principalmente, no estado de São Paulo. Como exemplo de plantas trazidas por esses imigrantes, são destaque o gengibre (Zingiber officinale), a lichia (Litchi chinensis), a raiz forte (Wassabia japonica), a canela (Cinnamomum cassia) e o cravo (Syzygium aramaticum). 23 • Sistema etnofarmacológico amazônico: derivado das características peculiares da flora nativa da região Amazônica, associada à absorção de conhecimentos indígenas pelos caboclos. Decorre do isolamento cultural dessa região e possui linguagem própria. Usa ervas específicas da região, como o guaraná (Paulinia cupana), a copaíba (Copaifera officinalis) e a fava-de -tonca (Dipteryx odorata). • Sistema etnofarmacológico nordestino: decorre da influência indígena e africada associada a aspectos de más condições socioeconômicas, clima e vegetação peculiar da região. Como contribuições do sistema nordestino, destacam-se plantas como a aroeira (Schinus molle), a catinga-de -mulata (Tanacetum vulgare) e o bamburral (Hyptis suaveolens) (NUNES, 2016). 6.3 Estado da arte e desdobramentos da etnofarmacologia O estado da arte demonstra que as investigações etnofarmacológicas e etnobotânicas merecem destaque como a principal abordagem reconhecida por estudiosos da área em todo o mundo, como ferramenta de seleção de plantas medicinais. As qualidades e fortalezas dessas abordagens já tiveram discussões suficientes, restando poucos questionamentos do potencial e impactos biológicos, econômicos e sociais (NUNES, 2016). A pesquisa etnofarmacologia englobaria o estudo das formas de utilização das plantas, fungos, animais, micro-organismos e minerais, bem como os efeitos biológicos e farmacológicos, relacionados nos princípios estabelecidos em convenções internacionais; e na observação e investigação experimental da atividade biológica de substâncias vegetais e animais, a partir de abordagens derivadas da etnofarmacologia, da etnobotânica, da etnoquímica, da farmacologia e da toxicologia. No Brasil, as pesquisas envolvendo a temática etnofarmacológica são largamente realizadas. Segundo o estudo bibliográfico realizado por Diegues (1999), que compreendia os trabalhos desenvolvidos no período de 1959 a 1999, foram identificados aproximadamente 868 trabalhos acadêmicos, realizados com base no conhecimento de populações locais, tradicionais ou indígenas. Dos 868 trabalhos pesquisados por Diegues, 483 foram levantamentos do conhecimento tradicional de grupos locais não indígenas e 385, de levantamentos a partir do conhecimento tradicional de grupos 24 indígenas. A maior quantidade de trabalhos foi publicada na forma de artigos acadêmicos, seguidos de produção de teses de doutorado e de coletâneas. Na investigação etológica, a abordagem tem como orientação avaliar a utilização de metabólitos secundários por animais, ou outras substâncias não nutricionais dos vegetais, com a finalidade de combater doenças. Na abordagem quimiotaxonômica ou filogenética, é feita a seleção de espécies de alguma família ou gênero, diante de algum conhecimento fitoquímico de, ao menos, uma espécie do grupo, a exemplo de espécies de determinado gênero que possuam substâncias químicas em comum, visando, assim, facilitar seus estudos. A abordagem etnodirigida consiste na seleção de espécies de acordo com o conhecimento e indicação de grupos populacionais específicos em determinados contextos de uso, enfatizando, sobretudo, o conhecimento construído localmente a respeito dos recursos naturais e a aplicação que fazem em seus sistemas de cura, sendo esse um dos caminhos mais utilizados atualmente, por ser de baixo custo, e a obtenção de dados pode ser feita por período de tempo muito menor (NUNES, 2016). 7 FITOTERÁPICOS Fonte: pinterest.com As plantas fitoterápicas são ervas que possuem atividades capazes de auxiliar no tratamento e cura das doenças. Segundo Fonte (2004), “substâncias 25 farmacologicamente ativas fazem com que uma determinada planta seja considerada medicinal, sendo que tais substâncias passam a ser chamadas de princípios ativos(ARAÚJO, 2019). A prática terapêutica por meio de plantas medicinais sempre foi realizada pela humanidade, por meio de distintas formas de uso e medicação. Entretanto, durante o processo de evolução da indústria farmacêutica e o aumento da fabricação dos medicamentos sintéticos a eficácia da flora medicinal passou a ser colocada em segundo plano. Fernandes (2004) destaca a influência negativa após introdução da terapêutica sintética sobre a terapêutica natural e uso das plantas medicinais como forma de tratamento de enfermidades. as indústrias farmacêuticas brasileiras foram, em sua maioria, desativadas ou substituídas por empresas multinacionais, modificando então a prática médico-terapêutica que se afastou e, mesmo negligenciou a utilização de plantas medicinais (ARAÚJO, 2019). Nesse sentindo, o pensamento de Lorenzi corrobora com essa reflexão ao afirmar que, O acesso a medicamentos sintéticos e o pouco cuidado com a comprovação das propriedades farmacológicas das plantas tornou o conhecimento da flora medicinal sinônimo de atraso tecnológico, muitas vezes, charlatanismo. Após algumas adversidades na área, o conhecimento referente às plantas com propriedades medicinais passa a ser sistematizado. As novas tendências globais de uma preocupação com biodiversidade e as ideias de desenvolvimento sustentável trouxeram novas áreas ao estudo das plantas medicinais brasileiras, que acabaram despertando novamente um interesse geral na fitoterapia (ARAÚJO, 2019). Assim, a fitoterapia abrange a terapêutica que visa à cura de enfermidades por meio das plantas medicinais e trata-se de uma forma de tratamento utilizada há muito tempo. “Ao longo dos séculos, produtos de origem vegetal constituíram as bases para tratamento de diferentes doenças. Entretanto, sua importância passou a ser pleiteada recentemente. Em 2006 foi criada a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), essa que dentre os seus tratamentos alternativos visa à inclusão da terapêutica por meio de fitoterápicos. No mesmo ano, foi criado o “Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos” (PNPMF) por meio do 26 decreto Nº 5.813, que estabelece em seus princípios a importância da valorização do conhecimento tradicional, do uso sustentável da biodiversidade brasileira e da ampliação das opções terapêuticas para a melhoria da atenção à saúde da população. Ademais, o programa estabelece a relevância do acesso da população aos fitoterápicos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) e da realização de novas pesquisas científicas de desenvolvimento tecnológico no quesito de plantas medicinais. Consequentemente houve o aumento de estudos referente às potencialidades dos recursos naturais, do uso farmacológico das plantas, juntamente com a busca por novos fitoterápicos. A fitoterapia utiliza-se das diversas partes das plantas, como raízes, cascas, folhas, frutos e sementes, de acordo com a erva em questão. Há também diferentes formas de preparação destas plantas, sendo o chá a mais utilizada, preparado por meio da decocção ou infusão. No primeiro processo a planta a ser utilizada é fervida junto à água, já no segundo a água é fervida sozinha e depois colocada sobre a planta, quando são liberados os seus princípios terapêuticos (BRASIL, 2009). Reforça-se que os fitoterápicos são medicamentos produzidos por substâncias naturais, que quando não utilizados da forma correta, podem ser prejudiciais à saúde. Plantas medicinais somente por ser utilizadas como medicamento se de maneira adequada. Ademais afirma que, a recomendação do seu uso como verdadeiramente medicinal ou, em outras palavras, como planta medicinal validada e incluída na Farmacopeia requer, numa condição ideal, ter identificado seu princípio ativo ou tê-lo evidenciado farmacologicamente. Ou seja, para a utilização racional das espécies medicinais também se faz necessário o conhecimento da real ação farmacológica da espécie utilizada. Não se pode esquecer que as plantas medicinais têm uma importância econômica que atinge dois extremos: de um lado a rentabilidade representada pela indústria farmacêutica e que concentra os lucros em poucos indivíduos e poucos países. De outro, a economia representada pela utilização das plantas medicinais visando atender à grande população mundial que não tem acesso ao medicamento, ou mesmo que tem acesso, mas que prefere uma opção farmacêutica natural (ARAÚJO, 2019). Considerando que há esses dois extremos, surge ainda a preocupação com a biodiversidade e os recursos naturais. Em meio a tantos avanços e também muitas 27 preocupações e acompanhando as tendências globais de atenção e cuidado com a biodiversidade e o desenvolvimento sustentável – observa-se um gradativo retorno às fontes naturais de recursos e outras práticas, erroneamente chamadas de alternativas. Nesse aspecto, os estudos fitoquímicos têm avançado significativamente nas últimas décadas, esses que consistem em realizar um levantamento dos componentes químicos existentes nas plantas. Nesse sentido, as novas descobertas de potencialidades têm despertado interesse na indústria farmacêutica para fabricação de novos medicamentos de origem natural. A indústria farmacêutica, por ocupar o terceiro lugar no comércio internacional entre os diversos setores industriais, em termos de volume de recursos, é considerada um setor atraente para investimentos, constituindo- se como mercado em potencial (ARAÚJO, 2019). Nesse sentido, muitas instituições se apropriam dos recursos vegetais para a criação de novos medicamentos de base natural, esses que são “fortes aliados para tratamentos de pessoas que preferem não ingerir medicamentos sintéticos e/ou não tem acesso aos mesmos. Reforça-se que a Mata Atlântica é uma das formações florestais mais ameaçadas no Brasil. Em contraste com sua enorme Biodiversidade e exuberância Natural, mais de 70% da população brasileira vive no território deste bioma, o que reforça a pressão antrópica sofrida. Dessa forma, parece oportuno pensar não somente na cadeia produtiva de fitoterápicos, mas também no uso sustentável da biodiversidade dos ecossistemas. Segundo Heinzmann & Barros (2007) é importante adotar medidas de conservação da biodiversidade “uma vez que a exploração de plantas nativas de uso medicinal, através da extração direta nos ecossistemas (extrativismo), tem levado a reduções drásticas das populações naturais dessas espécies. Sheffer & Junior reforçam essa ideia ao afirmarem que, a resistência ao cultivo das espécies nativas é grande, por sua aparente abundância e pela inexpressiva fiscalização no cumprimento de legislação, fazendo com que a matéria-prima oriunda de cultivos, embora de melhor qualidade, concorra com a obtida por extrativismo, de preço menor. Entretanto, a contínua exploração predatória destes recursos naturais torna escassa essa matéria-prima, o que refletirá num futuro aumento de seus preços. As espécies nativas são extraídas sem muita precaução, devido a sua ampla disponibilidade no interior da Mata Atlântica. Porém, os sistemas de reprodução das 28 espécies são influenciados por diversos fatores ambientais e de consumo. É importante manter a integridade dos recursos naturais no Litoral do Paraná por meio de ações que visem o desenvolvimento sustentável da região e a preservação das espécies locais, uma vez que as plantas medicinais são utilizadas como matéria-prima para a fabricação de medicamentos, para o uso tradicional, ademais, são exportadas para outros países desprovidos da biodiversidade existente nesse território (ARAÚJO, 2019). 7.1 Fitoterapia A palavra Fitoterapia tem etimologia grega a partir da coesão dos termos, Phyton que quer dizer vegetal e Therapeia que se traduz em terapia, que em tradução livre significa “terapia utilizando plantas”. Aindasegundo os mesmos para OMS os Fitoterápicos são preparações feitas com plantas, cujas partes utilizadas podem ser: a planta toda, no caso de erva, onde todo o material da planta é bruto, raízes, caule, folhas, flores, frutos, sementes, lenho, casca, dentre outras partes, quer sejam inteiras, em pedaços ou pulverizadas e processadas de acordo com a maneira peculiar de cada povo ou comunidade. Assim, a fitoterapia racional é um método alopático de tratamento médico baseado em evidências científicas e fundamentalmente diferentes dos conhecimentos tradicionais, isto é, aqueles que passam de geração em geração sem que tenha havido um acompanhamento clínico da droga em questão (COSTA, 2019). Dentre as preparações dos fitoterápicos estão as decocções, extratos, infusões, e tinturas dentre outras. Conforme o Formulário de Fitoterápicos da Farmacopéia Brasileira a tintura, objeto de estudo deste trabalho, é uma preparação que resulta da extração de substâncias ou grupo de substâncias feita com álcool, ou álcool e água, de vegetais ou animais ou da diluição dos extratos correspondentes. Podem ser simples, quando consiste em uma só matéria-prima, ou composta, com mais de uma matéria- prima. De acordo com a RDC 13/2013 da ANVISA, a tintura é classificada como derivado vegetal. Jatobá (Hymenaea spp). A tintura aqui analisada é a do Jatobá, planta do gênero Hymenaea que possui 16 espécies, onde 13 delas são encontradas no Brasil. Pertencente a subfamília Caesalpinioideae constitui-se de 64 gêneros e 790 espécies, entre os mais diversos tipos de vegetação (arbóreo, arbustivo e lianas). Ela 29 constitui a grande família Leguminosa e Adans. com 730 gêneros e 19.325 espécies e mais duas subfamílias (Faboideae e Mimosoideae). As plantas do gênero Hymenaea são comumente utilizadas na medicina tradicional brasileira para o tratamento de processo inflamatório, infecções bacterianas, reumatismo e anemia. Seus extratos vegetais possuem substâncias produzidas pelo metabolismo secundário, com capacidade de inibir bactérias e outros micro-organismos. As moléculas presentes nos extratos vegetais, como os compostos fenólicos, alcaloides, flavonoides e terpenos são ativos contra vírus, bactérias e fungos. O jatobá, assim como são conhecidas as espécies do gênero Hymenaea, possui larga distribuição geográfica e pode ser encontrada em diversos ambientes. Sua madeira, por ser considerada resistente é bastante usada na construção civil, de cercas, fabrico de móveis, canoas, dentre outras utilidades. A resina de algumas espécies desse gênero é usada como verniz, polidores e impermeabilizantes para barcos. Extratos hidroalcólicos extraídos do suber apresentam atividade antibiótica contra o isolado clínico meticiclina-resistente de Staphylococcus aureus. A resina extraída do caule, bem como, a casca do fruto da Hymeneae spp, são utilizadas no tratamento de problemas respiratório. Os frutos variam quanto a sua forma, tamanho e coloração, e sua farinha também apresenta propriedades organolépticas diferentes, conforme a local onde o espécime é encontrado (COSTA, 2019). 7.2 Estudo fitoquímico Compostos fenólicos são um grupo de substâncias de definição complexa. É caracterizado por pelo menos um anel aromático com no mínimo uma hidroxila livre ou ligando-se aparte de outras funções, como os éteres e ésteres. A complexidade da definição de compostos fenólicos vegetais, dá-se por causa da participação dos metabólitos secundários que possuem os mesmos elementos estruturais, porém pertencentes a outras classes de fitoquímicos totalmente diferentes, como por exemplo, os alcaloides e terpenos. Os compostos fenólicos vegetais são formados de duas grandes vias aromáticas, a via shikimato e a via acetato, e com a possibilidade, porém menos frequente, da participação de uma terceira via, a mavelonato, que é pouco 30 comum, mas as vezes as três vias participam de uma mesma formação, tal como exemplo os retinoides (COSTA, 2019). Os vegetais, em sua grande maioria, apresentam em sua composição química polifenois, aos quais são atribuídos importantes papéis funcionais, como resistência das plantas a patógenos e insetos. Os polifenois desempenham papel importante como antioxidantes, inibindo a formação de radicais livres (COSTA, 2019). 7.3 Controle de qualidade O controle de qualidade químico dos produtos fitoterápicos é o conjunto de operações que permitem qualificar e quantificar os constituintes químicos ativos ou não (marcadores) e quantificar contaminantes da matéria-prima, derivado e produto acabado (BRASIL, 2013).Os critérios de eficácia e segurança de plantas medicinais estão relacionados a qualidade, isto é, as plantas necessitam ser corretamente identificadas, cultivadas e coletadas, devem estar livres de material estranho, partes de outras plantas e contaminações inorgânicas e/ ou microbianas (COSTA, 2019). As especificações para matérias-primas vegetais e medicamentos fitoterápicos têm o objetivo de definir a qualidade, e garantir a segurança e eficácia. As especificações devem incluir, quantificação dos marcadores, e métodos analíticos disponíveis; e análises qualitativas e quantitativas sobre os princípios ativos e/ou marcadores quando conhecidos, ou classes de compostos químicos característicos da espécie. Essas informações servem como base da avaliação da qualidade. Para o controle de qualidade de tinturas, devem ser aplicadas metodologias químicas e físico- químicas, com o objetivo de estabelecer as condições adequadas de estabilidade, bem como metodologias de controle de qualidade microbiológico, analisando a contaminação por microrganismos que podem ser patogênicos para o usuário ou que podem propiciar a degradação do produto diminuindo, assim, a sua eficácia e segurança. Após o processo de produção, as tinturas devem passar por vários ensaios dentre eles, determinação de compostos marcadores, como taninos, flavonoides, entre outros. Todos estes ensaios são importantes para assegurar o padrão de qualidade, atendendo a uma especificação pré-estabelecida. A determinação do teor de 31 marcadores fitoquímicos é uma das estratégias mais importantes para o controle da qualidade das matérias-primas e produtos derivados de insumos farmacêuticos ativos de origem natural, útil na padronização das condições de processamento das plantas medicinais (COSTA, 2019). A variação no teor de princípios ativos pode acarretar grande diferença nos efeitos terapêuticos esperados, quando do uso dos materiais para fins medicinais, podendo gerar variadas ações farmacológicas relacionadas a esse grupo de compostos ativos. De acordo com RDC 17/2010, marcador é um composto ou classe de compostos químicos (ex: alcaloides, flavonoides, ácidos graxos etc.) presentes na matéria-prima vegetal, preferencialmente tendo correlação com o efeito terapêutico, que é utilizado como referência no controle de qualidade da matéria-prima vegetal e dos medicamentos fitoterápicos (BRASIL, 2010). Neste contexto, faz-se necessária a determinação dos parâmetros de qualidade do produto para que seja assegurada a confiabilidade e a fim de promover a manutenção da qualidade do produto ao consumidor garantindo, assim, seu uso racional, uma vez que a má qualidade de um produto fitoterápico pode comprometer a eficácia podendo oferecer riscos à saúde do consumidor (COSTA, 2019). 8 O ESTRESSE HÍDRICO NO CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO DE PLANTAS MEDICINAIS AROMÁTICAS De todos os recursos de que as plantas necessitam para crescer e desenvolver- se, a água embora seja o mais abundante na natureza, frequentemente torna-se o mais limitante, visto que é essencial aos diversos processos metabólicos das plantas. O déficit hídrico é um dos fatores abióticos que mais afeta a produtividade da agricultura ocasionando consideráveis reduções nocrescimento, na biomassa e na área foliar de plantas medicinais e aromáticas. Um dos primeiros mecanismos de defesa das plantas à restrição hídrica é a regulação estomática, pois é através da redução da condutância estomática (gs) que as perdas d’água por transpiração (via estômatos) é reduzida evitando assim a desidratação dos tecidos e mantendo a turgescência foliar por um período mais longo quanto possível. Portanto, este mecanismo pode ser um indicador 32 de déficit hídrico em plantas. Através da condutância dos gases via estômatos, também é possível detectar mudanças ambientais, e deduzir se uma espécie é mais tolerante ou mais sensível ao estresse hídrico, uma vez que à medida que o potencial hídrico diminui aumenta a resistência estomática às trocas gasosas resultando no fechamento dos estômatos. No entanto, com o fechamento estomático restringe-se a entrada de CO2 para o mesófilo foliar, o que provoca a redução da fotossíntese e da respiração, afetando o acúmulo de foto assimilados, no que pode reduzir a produção da biomassa da parte aérea, afetando deste modo, a produtividade dessas culturas. De acordo com estudiosos em condições de déficit hídrico as plantas tendem a investir menos no crescimento da parte aérea e mais no crescimento das raízes, objetivando aumentar a capacidade de absorção de água e nutrientes (CARVALHO, 2015). Segundo Carvalho (2015) um dos fatores que promovem a expansão radicular em plantas sob restrição hídrica é o fito hormônio ácido abscísico (ABA), que é produzido nas raízes, o qual impede a síntese de etileno permitindo o crescimento das raízes no solo. Contudo, acréscimos de ABA nas folhas induz o fechamento estomático ocasionando assim diminuição do crescimento da parte aérea das plantas. As respostas fisiológicas das plantas aos diferentes estressores variam de espécie para espécie, assim como da duração do estressor, do genótipo da planta, da fase de desenvolvimento e dos fatores ambientais. Diante disto, as plantas podem apresentar tolerância, resistência ou suscetibilidade diante do fator estresse. Segundo autor estudos que enfatizem as diferenças fisiológicas entre as espécies presentes em um meio ambiente são de vital importância para o correto entendimento dos fatores ambientais e atributos da vegetação que determinam prognósticos sobre a distribuição da vegetação em resposta às mudanças climáticas e regimes de distúrbio. Nascimento (2003) investigou a influência do estresse hídrico sobre as trocas gasosas e características anatômicas de plantas jovens de guaco (Mikania glomerata Sprengel) e pode concluir que em plantas submetidas ao estresse severo houve uma queda significativa da condutância estomática, transpiração e fotossíntese e, consequentemente, uma redução da concentração de carbono intracelular. Santos et al. (2004) verificaram que o déficit hídrico além de induzir o abortamento das folhas, reduziu significativamente a AFE de Hyptispectinataem apenas quatro dias de estresse (CARVALHO, 2015). 33 Estudiosos também observaram uma diminuição significativa da AFE nas espécies estudadas que foram submetidas à deficiência hídrica. Verificou em plantas de capim-limão (Cymbopogon citratus) que a razão entre a parte aérea/raiz foi menor e a razãoraiz/parte aérea foi maior nas plantas sob déficit hídrico, mostrando um maior investimento da planta no desenvolvimento das raízes em detrimento da parte aérea. Impondo diferentes regimes hídricos em mudas de Dalbergia sissoo, também verificaram que houve um acréscimo na alocação de biomassa para a raiz com o aumento gradual do déficit hídrico, com conseqüente diminuição da matéria seca das folhas (CARVALHO, 2015). A deficiência hídrica diminuiu o crescimento, a produção de biomassa fresca e seca das plantas e o teor de óleo essencial de Melaleuca alternifolia Cheel. Entretanto, autores observaram que o déficit hídrico provocou em Calendula officinalis L. um aumento significativo na biomassa seca de suas flores, bem como maior rendimento de flavonóides. Outro mecanismo que as plantas utilizam em resposta ao déficit hídrico para manutenção da turgescência das células e da abertura estomática é o ajustamento osmótico, via produção e/ou acumulação de solutos orgânicos, tais como: prolina, glutamina, betaína, alcoóis de açúcares, como sorbitol e mantiol. Este mecanismo contribui para a diminuição do potencial hídrico celular beneficiando o influxo hídrico para as células-guarda mantendo assim sua turgescência. A manutenção da turgescência das células-guarda permite que os estômatos permaneçam abertos e outras atividades fisiológicas tal como a fotossíntese seja mantida, mesmo sob condições de baixo potencial hídrico no solo (CARVALHO, 2015). 8.1 O estresse hídrico na produção de metabólitos secundários em plantas medicinais aromáticas Todas as plantas, incluindo as medicinais, quando submetidas a estresses de qualquer natureza tendem a criar estratégias para poderem sobreviver através de um conjunto de rotas metabólicas alternativas (atividade enzimática, coenzimas e organelas) capaz de produzir e acumular inúmeras substâncias denominados metabólitos secundários (CARVALHO, 2015). Nas plantas medicinais, os metabólitos secundários são chamados de princípios ativos. Segundo autor os princípios ativos são substâncias capazes de produzir ação 34 farmacológica. Para Brasil (2011) são substâncias cuja ação farmacológica é conhecida e responsável, total ou parcialmente, por seus efeitos terapêuticos ou tóxicos. Santos (2000) afirma que em uma planta medicinal pode conter vários princípios ativos. No entanto, alguns deles apresentam-se em maior quantidade, sendo denominados de compostos majoritários. Dentre estes compostos, o de maior teor denomina-se marcador químico, composto que geralmente têm correlação positiva com os efeitos terapêuticos da planta, o qual é utilizado como referência no controle de qualidade da matéria-prima vegetal e dos fitoterápicos. Em plantas medicinais aromáticas os compostos de maior interesse para a farmacologia são os óleos essenciais, que são misturas complexas de substâncias voláteis, 30lipofílicas e geralmente odoríficas, derivados do metabolismo secundário das plantas e constituídos de compostos que podem pertencer às mais variadas classes. Entretanto, a grande maioria, constitui-se predominantemente de derivados terpenóides, os quais são biossintetizados a partir do ácido mevalônico ou do piruvato e 3-fosfoglicerato (CARVALHO, 2015). Os terpenos encontrados habitualmente nos óleos essenciais são os monos e sesquiterpenos, os quais conferem aroma peculiar às folhas e outras partes da planta. Os terpenóides ou isoprenóides são assim denominados devido à unidade precursora derivada de uma molécula de cinco carbonos o isopentenil-pirofosfato (IPP). Os óleos essenciais vêm sendo empregados devido à suas propriedades farmacológicas antisépticas, bactericidas, carminativas, antiespasmódicas, digestivas, cardiovasculares, antiviróticas, cicatrizantes, analgésicas, estimulantes, relaxantes, expectorantes e antiinflamatórias (CARVALHO, 2015). Segundo o autor, a produção de metabólitos secundários é uma vantagem adaptativa e não tem um custo metabólico excessivo para as plantas. Deste modo, o metabolismo secundário é responsável pelas relações entre planta e o ambiente onde a mesma se encontra e, por esse caráter adaptativo, pode ser manipulado. Os fatores abióticos relevantes na produção de metabólitos secundários sinalizam a grande importância na adoção de técnicas de cultivo e manejo de plantas medicinais, principalmente de plantas aromáticas, as quais podem ser impostas propositadamente para potencializar a produção dos princípios ativos de interesse farmacológico. Segundo autor a disponibilidade hídrica é um dos fatores ambientais e agronômicos35 que podem comprometer o crescimento e desenvolvimento, bem como a elevação da produção de metabólitos secundários pelas plantas. Em espécies medicinais aromáticas o déficit hídrico pode comprometer além do desenvolvimento da planta, o teor de óleo essencial e os compostos resultantes do metabolismo secundário. No entanto, estes modificam de acordo com a espécie, o tipo, a intensidade e a duração do estresse, induzindo no aumento ou na redução do teor de algumas substâncias derivadas desse metabolismo. Contudo, para espécies medicinais, aromáticas e condimentares o estresse hídrico em curto prazo pode ser benéfico no que diz respeito ao aumento da concentração do metabólito de interesse. Marchese et al., (2010) também afirma ue em plantas aromáticas herbáceas e arbustivas, os terpenos tendem a aumentar sob condições de estresse. Entretanto, na avaliação do efeito do estresse hídrico em Melaleuca alternifolia Cheel sobre o crescimento, o teor e a constituição química do óleo essencial, observaram que o déficit hídrico provocou diminuição no crescimento, na produção de biomassa fresca e seca das plantas e no teor de óleo essencial. Já em Ocimum basilicumo estresse hídrico propiciou um rendimento duas vezes maior de óleo essencial (CARVALHO, 2015). Os componentes do óleo essencial apresentaram alterações significativas, havendo redução no percentual de sesquiterpenos e aumento no percentual de linalol e metil chavico. Outras espécies vegetais medicinais aromáticas também apresentaram aumento significativo na produção de óleo essencial em condições de déficit hídrico. Este efeito pode ser observado na produção de óleo essencial de Polygonum punctatum; Ocimum basilicum. Ocimum americanum; Melissa officinalis e Cymbopogon citratus. Em um estudo realizado sobre a influência do estresse hídrico no teor dos compostos majoritários carvacrol e γ-terpinenode Satureja hortensis cultivadas no Irã, observaram que o estresse hídrico em curto prazo aumentou o teor de carvacrol, entretanto diminuiu o teor de γ-terpineno na espécie pesquisada. Jápara Ocimum americanum o efeito do déficit hídrico no teor de α-terpinenofoi negativo, pois ocasionou diminuição do mesmo (CARVALHO, 2015). Uma planta medicinal que é cultivada sob diferentes aplicações de estresse hídrico poderá apresentar modificações qualitativas e quantitativas no seu metabolismo secundário. E para que seja aferido se essa alteração foi vantajosa ou prejudicial, devem ser realizadas análises fitoquímicas baseada na relação quantidade de massa 36 e teor de princípios ativos, o que estabelecerá se a alteração no manejo de cultivo foi vantajosa ou não. Estudos que abordem a influência do estresse hídrico na produção de metabólitos secundários em plantas medicinais ainda são incipientes. Muitos aspectos em relação à fisiologia destas plantas precisam ser esclarecidos, visando uma relação custo-benefício (CARVALHO, 2015). 9 ALGUMAS ESPECIES ENVOLVIDAS EM ESTUDOS ETNOFARMACOLÓGICOS Plectranthus amboinicus (Lour.) Fonte: researchgate.net/figure Planta pertencente à família Lamiaceae, considerada espécie sinônima de Coleus amboinicus Lour., e de Coleus aromaticus Benth, conhecida popularmente como malvarisco, alfavaca-grossa, orégano e hortelã da folha grossa. Caracterizada como erva perene, ereta, muito aromática, tomentosa, semi carnosa, de 40 cm a 1 m de altura, com folhas deltoide-ovais, de base truncada, margem denteada e quebradiças. Suas flores são azulada-claras ou róseas, que só aparecem quando cultivada em locais de clima ameno. É originária da África e cultivada em todos os países tropicais e subtropicais, inclusive o Brasil. É multiplicada por estaquia. Entretanto, apesar de ser perene, exige replantio a cada 2 anos em novo local. Esta 37 espécie é uma das mais utilizadas pelos africanos e descendentes africanos devido às suas propriedades medicinais (CARVALHO, 2015). Segundo o autor estudos etnofarmacológicos revelaram que esta espécie é amplamente utilizada no preparo de chás e xaropes na medicina popular para o tratamento de doenças da pele, constipação, cefaléia, tosse, rouquidão, dor, na garganta, bronquite, febre, doenças do aparelho digestivo e leishmanioses. O sumo das folhas é usado no tratamento de problemas ovarianos e uterinos, inclusive nos casos de cervicite. Para esta espécie são relatados dois quimiotipos: quimiotipo A-óleo rico em carvacrol e quimiotipo B-óleo rico em timol, representando os marcadores químico da espécie. Os compostos químicos mais comumente encontrados em seu óleo essencial são: carvacrol, timol, p-cimeno, α-terpineno, γ-terpineno, terpineno-4-ol, eugenol, chavicol, salicilato de etil, terpinoleno, α-pineno, β-cariofileno, β-bergamoteno; 1,8-cineole, α-felandreno, limoneno, mirceno, α-seleneno, verbeneno, cânfora, farneseno, α-humuleno; α-bulneseno, óxido de cariofileno, muuroleno, patchouleno. O óleo essencial desta espécie apresentou as mais variadas atividades farmacológicas em diversos estudos: digestivas, hipossecretoras gástricas, antiulcerosa gástrica e antiinflamatórias, antiinflamatórias, antifúngicas, antissépticas e antibacterianas, antiviral, entre outras. Devido a essas atividades farmacológicas, justifica-se o uso tradicional desta espécie no tratamento das diversas patologias citadas (CARVALHO, 2015). 38 Chenopodium ambrosioides L. Fonte: https://www.prota4u.org Chenopodium ambrosioides L. é uma planta pertencente à família Chenopodiaceae, considerada espécie sinônima de Chenopodium anthelminticum L., Chenopodium fruticosum Willd. Conhecida popularmente como erva-de-santa-maria, quenopódio, lombrigueira, mastruz e mastruço. Caracterizada como erva perene ou anual muito ramificada e aromática, de aroma muito forte e característico, chegando até 1 m de altura, com folhas deltóide-ovais, de base truncada e margem denteada e quebradiças. Suas flores são pequenas de coloração verde-clara, dispostas em espigas densas. Os frutos são verde-acastanhados originando uma única semente preta, a qual é utilizada para a reprodução da planta. É originária da América Central e do Sul e espontânea no Sul e no Sudeste (CARVALHO, 2015). No Brasil segundo o autor, é cultivada para fins medicinais e restrito às hortas caseiras. É multiplicada por sementes, com alta produção, podendo chegar a dezenas de plantas. A planta tem preferência por solos de textura média, com boa fertilidade e disponibilidade hídrica moderada, tolerando solos salinos. Essa erva é considerada pela OMS uma das plantas medicinais mais utilizadas entre os remédios tradicionais em todo o mundo. Na terapêutica tradicional brasileira é comumente utilizada como estomáquica, antirreumática, para bronquites, tuberculose, contusões e fraturas, e principalmente nas parasitoses (ascaridíase, amebíase, helmintíase e tricomoníase). 39 Em seu óleo essencial são encontrados comumente os seguintes compostos químicos: isômeros E e Z do ascaridol, carvacrol, p-cimeno, α-terpineno, α-terpinil acetato, acetato de piperitol, p-cimen-8-ol, α-terpineol, p-menta-1,8-dieno, p-menta-1,3,8-trieno, E-farnesno, piperitona, álcool benzílico, p-cresol, acetato de cravil, Z-pinocarveol, limoneno, mirceno e β-pineno. O óleo essencial de C. ambrosioidesem vários estudos demonstrou ter propriedades e atividades como antiparasitário, analgésico e antiinflamatório e antifúngico. Portanto estes estudos justificam os usos populares desta planta para as parasitoses e outros problemas de saúde (CARVALHO, 2015). Ruta graveolens L. Fonte: stockphoto.com A espécie Ruta graveolens L. é uma planta pertencente à família Rutaceae, considerada espécie sinônima de Ruta hortensis Mill. É conhecida popularmente como arruda-fedorenta, arruda doméstica,
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