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EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONTEXTO HISTÓRICO E MARCOS LEGAIS Mundo Pós Segunda Guerra Mundial Neste tópico você se aprofundará sobre o contexto histórico no qual surgem os debates internacionais sobre o movimento de defesa dos direitos humanos, ocorrido logo após o término da Segunda Guerra Mundial� A Segunda Guerra Mundial foi um dos conflitos arma- dos mais sangrentos do mundo� Estima-se que cerca de 50 milhões de pessoas foram mortas durante a guerra. A guerra trouxe enorme prejuízo financeiro para os países europeus, já países como Canadá e Estados Unidos tiveram grande ganho econômico durante o período com a expansão de parque indus- trial e também da venda de aviões e navios� A partir de diversas alianças e diálogos acerca da situação política e econômica mundial durante a guerra, e após o enfraquecimento dos países mem- bros do Eixo (Alemanha, Japão e Itália) pela derrota em diferentes batalhas, a Segunda Guerra Mundial chega ao fim em 1945. 5 SAIBA MAIS Para saber mais sobre a Segunda Guerra Mundial e a situação política e econômica do mundo pós segunda guerra, leia o texto deste link� Acesso em: 07 out. 2019. No mesmo ano de término da Segunda Guerra, come- ça a existir oficialmente a Organização das Nações Unidas (ONU). Mas por que “oficialmente”? Anos antes, durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942, representantes de 26 países decidiram apoiar a Declaração das Nações Unidas, com o objetivo de acabar com o conflito mundial. A partir daí, em 1945, foi elaborada e assinada a Carta das Nações Unidas, a qual foi ratificada em 24 de junho de 1945 por pa- íses como a China, os Estados Unidos, a França, o Reino Unido e a ex-União Soviética e por todos os países signatários, incluindo o Brasil (ONU)� A partir da ratificação da carta, surge oficialmente a Organização das Nações Unidas, a qual tem como estrutura central os Estados Unidos, na cidade de Nova York� Mas também possui sedes em outros países, como na Suíça e Quênia, e escritórios espa- lhados por grande parte do mundo� A Carta das Nações Unidas foi elaborada e assi- nada por representantes de 50 países durante a Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional em São Francisco, Estados Unidos� No seu preâmbulo encontra-se as seguintes palavras: 6 Nós, os povos das nações unidas, resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla. E para tais fins, praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacio- nais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos. Resolvemos conjugar nos- sos esforços para a consecução desses ob- jetivos. Em vista disso, nossos respectivos Governos, por intermédio de representantes reunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, concordaram com a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização 7 internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas. (ONU, 1945a). A Carta teve como objetivo principal oficializar a cria- ção da ONU e reafirmar os compromissos dos países signatários com a paz e a tolerância� Foi inspirada nas Quatro Liberdades adotadas pelos países aliados durante a guerra: liberdade de livre expressão, de religião, liberdade por necessidades e de viver livre do medo. Além disso, reafirmou a importância dos direitos humanos e da garantia destes a qualquer pessoa, sem distinção de cor, sexo, língua ou religião� A ONU é uma organização que tem como objetivo manter a paz e a segurança mundial, desenvolver relações amistosas entre as nações, realizar coope- rações internacionais para buscar resoluções para problemas econômicos, sociais, culturais e huma- nitários, além de ser um centro organizador desses objetivos comuns� Segundo a Comissão de Direitos Humanos da USP (2019), a ONU segue os seguintes princípios: ● A Organização se baseia no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros� ● Todos os membros se obrigam a cumprir de boa-fé os compromissos da Carta� ● Todos deverão resolver suas controvérsias inter- nacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais� 8 ● Todos deverão abster-se em suas relações inter- nacionais de recorrer à ameaça ou ao emprego da força contra outros Estados� ● Todos deverão dar assistência às Nações Unidas em qualquer medida que a Organização tomar em conformidade com os preceitos da Carta, abstendo- -se de prestar auxílio a qualquer Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo� ● Cabe às Nações Unidas fazer com que os Estados que não são membros da Organização ajam de acordo com esses princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais� ● Nenhum preceito da Carta autoriza as Nações Unidas a intervir em assuntos que são essencial- mente da alçada nacional de cada país� Anualmente, a ONU realiza dezenas de reuniões, conferências e encontro sobre diversos assuntos de interesse dos países membros, como direitos huma- nos, desenvolvimento sustentável e meio ambiente� Nesses eventos, são lançados diferentes documen- tos e relatórios sobre os compromissos firmados pelos países, e são definidos também prazos para seu cumprimento� A Carta da ONU foi um documento que, ao longo da história, passou por diversas transformações, mas acabou não sendo suficiente na definição dos direitos 9 humanos� A notoriedade pública dos crimes bárbaros realizados pelos nazistas na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial fez com que a comunidade mundial entrasse em consenso sobre a necessidade de uma declaração que especificasse os direitos fundamentais e que tivesse um caráter universal� Foi assim que em uma Conferência específica surgiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos� Essa não seria a primeira declaração que elenca os principais direitos individuais� O documento reconheci- do como o primeiro registro de uma declaração de di- reitos humanos foi o Cilindro de Ciro, escrito na Pérsia por volta de 539 a.C. (MARTINS; ARAÚJO, 2019). Figura 1: O Cilindro de Ciro - British Museum em Londres. Fonte: www. economist.com. Além do Cilindro de Ciro, pode-se citar também a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, criada na França, e a Carta de Direitos dos Estados Unidos, ambas criadas em 1789. 10 Podcast 1 Estudante, observe que a questão dos direitos huma- nos aparece em diferentes momentos da história da humanidade. Pode-se afirmar que a declaração mais importante desse tipo, atualmente, é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual será aborda- da no próximo tópico� A Declaração Universal dos Direitos Humanos Como já citado anteriormente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos não foi a primeira do tipo� Mas, atualmente, é considerada a mais importante decla- ração sobre os direitos dos cidadãos� Segundo Lourenço (2010), a Declaração “visa um trabalho permanente pela manutenção da paz entre as nações e a criação de um novo tipo de sociedade, que seja informada por valores éticos e tenha como principais metas a proteção e a promoção da pessoa humana”.Nesse sentido, ela estabelece objetivos comuns entre os países e serve como base para a criação de leis e políticas públicas pautadas nos direitos humanos� A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em assembleia geral realizada no ano de 1948. Em 11 seu preâmbulo encontra-se o seu objetivo descrito da seguinte forma: A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses di- reitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacio- nal, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto en- tre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. (ONU, 1945b) Portanto, a Declaração estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos e teve como objetivo firmar um pacto entre as nações membros no desenvolvimento por meio da educa- ção, do respeito aos direitos e liberdade expressos no documento� O documento é composto por 30 artigos, os quais discorrem sobre os direitos básicos e fundamentais para que cada indivíduo tenha uma vida digna e com qualidade� Esses direitos fundamentais devem ser garantidos por meio de legislações e políticas públicas estatais 12 a todos os cidadãos dos países, independentemente de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política, orientação sexual ou qualquer distinção de outra natureza� Alguns direitos fundamentais destacados na Declaração são (ONU, 1945b): ● direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal; ● direito de ser, o qual está relacionado ao reconhe- cimento como pessoa perante a lei; ● direito à liberdade de locomoção e residência; ● direito à uma nacionalidade; ● direito à propriedade; ● direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; ● direito à liberdade de opinião e expressão; ● direito à liberdade de reunião e associação com seus pares; ● direito ao voto e a decidir quais serão seus repre- sentantes governamentais; ● direito à segurança social; ● direito ao trabalho, à remuneração justa e satisfa- tória e a organizar e fazer parte de sindicatos; ● direito a repouso e lazer; ● direito a um padrão de vida, de saúde e de bem-estar; ● direito à educação gratuita e elementar obrigatória� 13 ● Além dos direitos fundamentais, a Declaração des- taca em um artigo específico, o 29º, que “toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível”. Ou seja, toda a pessoa tem o compromis- so com a comunidade em que vive e na qual seus direitos básicos estão garantidos� SAIBA MAIS Para conhecer o texto completo da Declaração Universal dos Direitos Humanos acesse este link� A Declaração não tem obrigatoriedade legal, mas então como os Estados podem garantir o respeito aos direitos humanos? Para um documento ter valor legal internacionalmen- te, é necessário realizar um tratado entre os países� Segundo a ONU (2019), um tratado é: [...] um acordo entre os Estados, que se com- prometem com regras específicas. Tratados internacionais têm diferentes designações, como pactos, cartas, protocolos, convenções e acordos. Um tratado é legalmente vincula- tivo para os Estados que tenham consentido em se comprometer com as disposições do tratado – em outras palavras, que são parte do tratado. 14 Assim, a Declaração serviu de base para dois impor- tantes tratados, a nível de normas internacionais, que tem valor legal e são obrigatórios para os Estados que os assinaram: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais� Esses dois documentos visam garantir o direito à autodetermi- nação e os direitos à saúde, à educação, ao trabalho e a um padrão de vida adequado� Ambos foram criados e assinados mundialmente na Assembleia Geral das Nações Unidas de 1966. SAIBA MAIS Para conhecer os pactos realizados, os quais ti- veram como base a Declaração Universal dos Di- reitos Humanos, acesse os seguintes links: – Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; – Pacto Internacional sobre os Direitos Econômi- cos, Sociais e Culturais� Estudante, você já deve ter ouvido falar sobre direi- tos humanos e em como esse assunto é polêmico� Diferentes opiniões são travadas acerca, principal- mente, de quem “merece” ou não ter seus direitos garantidos� É comum ouvir a frase “direitos humanos para hu- manos direitos”. Ela costuma ser proferida por pes- soas que não concordam com a garantia de direitos 15 básicos às pessoas que, por alguma questão, fujam das normas de comportamento observadas na so- ciedade, as quais sejam consideradas “corretas”. Mas a questão dos direitos humanos e todo o mo- vimento social que é gerado a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos não pode ser levada por meio de julgamento de valor� É importante salientar que no artigo 29 da Declaração fica claro que os direitos e liberdades descritos na Declaração não podem ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas� Nesse sentido, não se pode justificar a violência e o preconceito a uma pessoa ou a um grupo de pessoas por ser a liberdade de pensamento e expressão um direito fundamental do cidadão� Como já destacado, os direitos humanos são ca- racterizados como históricos, ou seja, durante toda a história da humanidade eles foram considerados e registrados� Por conta dessa característica, esses direitos passaram por diversas transformações e ampliações ao longo da história da humanidade� Desde a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, as ideias expressas passam por transfor- mações e estão sendo ampliadas e completadas por meio de novos tratados, convenções, cartas e declarações regionais ou universais� Como o Pacto internacional de direitos econômicos, sociais e cul- turais (1966) citado anteriormente. 16 Todo esse conjunto de documentos, declarações e tratados é que tem fundamentado as políticas pú- blicas e movimentos sociais para a promoção e ga- rantia dos direitos humanos� Nesse sentido, observa-se uma via de mão dupla na garantia desses direitos: a sociedade civil organizada cobra os governantes para garantia desses direitos e, assim, são criadas políticas públicas, por exemplo, a lei de cotas para pessoas com deficiência, indígenas, negros, entre outros. Essas são ações afirmativas, as quais são: [...] políticas focais que alocam recursos em benefício de pessoas pertencentes a grupos discriminados e vitimados pela exclusão so- cioeconômica no passado ou no presente. Trata-se de medidas que têm como objetivo combater discriminações étnicas, raciais, reli- giosas, de gênero ou de casta, aumentando a participação de minorias no processo político, no acesso à educação, saúde, emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no reconhecimento cultural. (GEMAA) Destaca-se aqui a questão do direito ao acesso e a permanência à uma educação pública de quali- dade para todas as pessoas� É nesse sentido que a Educação Inclusiva se fundamenta, assim como garantia do direito básico à educação� 17 Entretanto, foi apenas no final do século 20 que a necessidade de universalização da educação bá- sica foi colocada como prioridade nas discussões internacionais� As conferências internacionais sobre Educação para todos No final do século 20, com o avanço das discus- sões relacionadas à direitos humanos e sua garantia, iniciou-se um movimento de preocupação com a questão da educação� A partir desse momento, ela torna-se prioridade nas discussões internacionais promovidas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciênciae a Cidadania (UNESCO)� A UNESCO foi criada em 1945, juntamente com o surgimento da ONU� Ela se caracteriza como uma agência da ONU e promove encontros e discussões em áreas específicas de conhecimento, as quais são Educação, Ciências Naturais, Ciências Humanas e Sociais, Cultura, Comunicação e Informação� O traba- lho de cada área é norteado por objetivos específicos, mas aqui o interesse maior é sobre o de Educação: No setor de Educação, a principal diretriz da UNESCO é auxiliar os países membros a atin- gir as metas de Educação para Todos, promo- vendo o acesso e a qualidade da educação em todos os níveis e modalidades, incluindo a educação de jovens e adultos. Para isso, a 18 Organização desenvolve ações direcionadas ao fortalecimento das capacidades nacionais, além de prover acompanhamento técnico e apoio à implementação de políticas nacionais de educação, tendo sempre como foco a re- levância da educação como valor estratégico para o desenvolvimento social e econômico dos países. (UNESCO) Estudante, observe que pelo objetivo da UNESCO essa área de conhecimento é importante para com- preender a fundamentação da Educação Inclusiva� SAIBA MAIS Para conhecer os objetivos das outras áreas de atuação da UNESCO, acesse este link� Acesso em: 07 out. 2019. Na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, acontecida em 1990, em Jomtien, Tailândia, foram estabelecidas as metas para o acesso e permanência de todos à uma educação pública de qualidade� Essa Conferência teve como objetivo “satisfazer às neces- sidades educativas fundamentais de todos (crianças, jovens e adultos) e eliminar a séria degradação do serviço de educação observada mundialmente. ” (BRASIL, 2000, p� 18)� 19 Nesse sentido, foram debatidos e aprovados os seguintes documentos: Declaração Mundial de Educação para todos e o Plano de Ação� Na Declaração Mundial de Educação para todos re- afirma-se o compromisso dos países membros da ONU com a garantia dos direitos humanos básicos estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos� Entretanto, destaca-se que, apesar da edu- cação ser um direito básico defendido na Declaração Universal, as realidades dos países nessa área, qua- renta anos depois, ainda são precarizadas� Dessa maneira, a Declaração Mundial de Educação para Todos estabelece os seguintes objetivos (UNESCO, 1990): ● Satisfazer as necessidades básicas de aprendiza- gem de cada pessoa; ● Universalizar o acesso à educação e promover a equidade, assegurando o acesso de crianças, jovens e adultos a ela; ● Reduzir o analfabetismo até 2015; ● Focar na aprendizagem de qualidade; ● Garantir igualdade de acesso à educação as pes- soas com deficiência; ● Garantir que não haja discriminação de qualquer tipo na educação� 20 A partir desses objetivos estabeleceu-se o Plano de Ação que enfoca nos princípios e nas ações a nível nacional, regional e mundial para satisfação das ne- cessidades básicas de aprendizagem� Estudante, mais uma vez percebe-se nos objetivos dessa declaração os princípios da inclusão na edu- cação� Nesse sentido, a Conferência Mundial sobre Educação para Todos é um dos marcos principais da Educação Inclusiva� A partir dessa Conferência e das discussões que foram suscitadas durante os encontros e reuniões, ao longo da década de 1990, outras Conferências e reuniões foram realizadas no sentido de discutir es- pecificamente os direitos de inclusão e aprendizagem dos grupos historicamente excluídos da educação básica de qualidade� Alguns exemplos dessas Conferências são: ● Cúpula Mundial para a Infância, realizada em 1990 em Nova York, Estados Unidos; ● Conferência Mundial de Direitos Humanos, reali- zada em 1993 em Viena, Áustria; ● Conferência Mundial de Educação Especial, reali- zada em 1994 em Salamanca, Espanha; ● 4ª Conferência Mundial da Mulher, realizada em 1995 em Pequim, China; ● 5ª Conferência Internacional de Educação de Adultos, realizada em 1997 em Hamburgo, Alemanha. 21 Dentre esses eventos, temos a Conferência Mundial de Educação Especial como marco de uma educação mais inclusiva e que representa um importante avan- ço na garantia do direito à educação básica de quali- dade, especificamente às pessoas com deficiência. Essa Conferência foi realizada pela ONU e também teve apoio da UNESCO, e nela foi elaborada e apro- vada a Declaração de Salamanca: sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educa- tivas especiais� Esse documento é considerado outro importante marco para as políticas internacionais de inclusão social e tem consolidado a educação inclusiva nos países� Além de reafirmar o compromisso dos países com a Educação para Todos, na Declaração de Salamanca encontramos a Estrutura de Ação em Educação Especial, que tem como objetivo: [...] informar sobre políticas e guias ações go- vernamentais, de organizações internacionais ou agências nacionais de auxílio, organiza- ções não governamentais e outras institui- ções na implementação da Declaração de Salamanca sobre princípios, Política e prática em Educação Especial. (UNESCO, 1994, p. 3) Nela se encontram orientações para repensar a Educação Especial a nível nacional, regional e inter- nacional� Além disso, encontra-se a discussão de questões políticas e de organização da Educação 22 Especial, e também questões relativas à escola, aos educadores, áreas prioritárias, entre outras� A Declaração de Salamanca reafirma que toda a criança possui características, interesses, habilida- des e necessidades de aprendizagem específicas, ou seja, leva em consideração a diversidade de indi- víduos que são encontrados nas salas de aula� Além disso, a Declaração proclama que escolas re- gulares que têm como orientação a inclusão cons- tituem-se como “[���] mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos [...]” (UNESCO, 1994, p. 1). Outra contribuição importante da Declaração foi no sentido de não limitar a questão da inclusão edu- cacional como sinônimo de Educação Especial� Ela afirma que a escola deve: [...] acomodar todas as crianças independente- mente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. [...] Tais condições geram uma variedade de dife- rentes desafios aos sistemas escolares. [...] o termo “necessidades educacionais especiais” refere-se a todas aquelas crianças ou jovens cujas necessidades educacionais especiais se originam em função de deficiências ou di- ficuldades de aprendizagem. Muitas crianças experimentam dificuldades de aprendizagem e 23 portanto possuem necessidades educacionais especiais em algum ponto durante a sua esco- larização. [...] Existe um consenso emergente de que crianças e jovens com necessidades educacionais especiais devam ser incluídas em arranjos educacionais feitos para a maioria das crianças. Isto levou ao conceito de escola inclusiva. Portanto, aí se encontram as bases conceituais da Educação Inclusiva� SAIBA MAIS Para conhecer o texto completo da Declaração de Salamanca, acesse este link� Acesso em: 07 out. 2019. Além desses eventos, já no ano de 2000, aconte- ceu o Fórum Mundial de Educação, em Dakar, o qual originou o documento “O marco de ação de Dakar: educação para todos – cumprindo nossos compro- missos coletivos”. Nesse documento foram firma- dos compromissos dos governantes com diversos objetivos, e estabelecido um prazo – até 2015 – para realização deles� Seis metas foram estabelecidas (UNESCO, 2001): ● expandir e melhorar o cuidado e a educação da criança pequena, especialmente para as crianças mais vulneráveis e em maior desvantagem; 24 ● assegurar que todas as crianças, com ênfase es- pecial nas meninas e crianças em circunstâncias difíceis, tenham acesso à educação primária, obri- gatória, gratuita e de boa qualidade até o ano 2015; ● assegurar que as necessidades de aprendizagemde todos os jovens e adultos sejam atendidas pelo acesso equitativo [sic] à aprendizagem apropriada, a habilidades para a vida e a programas de formação para a cidadania; ● alcançar uma melhoria de 50% nos níveis de alfa- betização de adultos até 2015, especialmente para as mulheres, e acesso equitativo [sic] à educação básica e continuada para todos os adultos; ● eliminar disparidades de gênero na educação pri- mária e secundária até 2005 e alcançar a igualdade de gênero na educação até 2015, com enfoque na garantia ao acesso e o desempenho pleno e equi- tativo [sic] de meninas na educação básica de boa qualidade; ● melhorar todos os aspectos da qualidade da edu- cação e assegurar excelência para todos, de forma a garantir a todos resultados reconhecidos e mensu- ráveis, especialmente na alfabetização, matemática e habilidades essenciais à vida� E também, no ano de 2001, aconteceu uma reunião específica dos ministros de educação dos países da América Latina e do Caribe, na qual foi elaborada a Declaração de Cochabamba, na qual: 25 [...] os Ministros da Educação reconhecem que as condições socioeconômicas dos pa- íses da América Latina e do Caribe afetam de maneira negativa a educação e declaram sua preocupação com a não obtenção das metas da Educação para Todos nesses países. (LOURENÇO, 2010) Sobre o alcance das metas, em 2015 foi divulgado o Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos, e nele se confirma que apenas um terço dos países alcançou todos os objetivos (UNESCO, 2015)� O Brasil alcançou no período estipulado apenas duas metas, relacionadas ao alcance da educação primá- ria universal e alcance da paridade e a igualdade de gênero (ESTADÃO CONTEÚDO, 2015). Na chamada “Agenda 2030”, definida pela ONU em 2015, dezessete objetivos foram estabelecidos, den- tre os quais está assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos (ONU, 2015)� Podcast 2 Todos esses eventos tiveram como base a defesa de direitos humanos das e a garantia, principalmente, de acesso à educação básica de qualidade e de forma equitativa. Novos desafios são estabelecidos, em um novo contexto social mundial� 26 Mas, e as políticas públicas em relação à educação no Brasil durante esses anos? Esse será o assunto do próximo tópico� Desdobramento de leis e políticas públicas acerca da Educação Inclusiva no Brasil O Brasil, como país signatário da ONU, fez parte das discussões acerca da importância da educação nos diferentes eventos sobre o tema citados no tópico anterior� Assim, assumiu o compromisso de criar e implementar políticas públicas que garantissem o acesso e a permanência à educação para todas as pessoas� Nesse sentido, a partir da década de 1980, intensi- ficou-se o debate sobre a necessidade de políticas públicas para a inclusão na educação realizado por diferentes grupos da sociedade civil� Além disso, a divulgação de dados alarmantes sobre a educação básica pública, nos quais percebia-se um alto nível de fracasso, evasão e repetência escolar, e a reivin- dicação da criação de classes e escolas especiais, contribuíram para o início da defesa da educação para todos nas legislações criadas nesse momento (LOURENÇO, 2010)� Na Constituição Federal (CF) de 1988 foram, então, incorporados os princípios da educação inclusiva� É defendido que a educação é um direito social e insti- 27 tui que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios proporcionar meios de acesso à educação (BRASIL, 1988). SAIBA MAIS Para ler o texto completo do artigo 205 da Cons- tituição Federal de 1988, acesse este link. Acesso em: 07 out. 2019. A partir da CF, são estabelecidas, então, leis impor- tantes para a mudança do ensino público no país� Em 1996, foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN (BRASIL, 1996), por meio da qual são estabelecidos os princípios para o ensino no Brasil� Destaca-se os seguintes princípios relacionados à perspectiva inclusiva: ○ igualdade de condições para o acesso e perma- nência na escola; ○ liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; ○ pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; ○ respeito à liberdade e apreço à tolerância; ○ garantia de padrão de qualidade; ○ valorização da experiência extra-escolar; ○ consideração com a diversidade étnico-racial; ○ garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida� 28 Lourenço (2010) destaca que a LDBEN, além de re- afirmar que a educação escolar é direito de todo o cidadão, afirma que os ideais de educação para todos são válidos a todos os níveis e modalidades de ensi- no� Ou seja, da educação infantil à educação supe- rior, passando pela educação especial, educação de jovens e adultos e a educação profissional e técnica. Na CF, também é previsto o estabelecimento do Plano Nacional de Educação (PNE) para o desenvolvimento, aplicação e monitoramento das políticas públicas em educação� Tem como objetivo apresentar o diagnós- tico, as diretrizes político-pedagógicas, os objetivos e as metas para o ensino fundamental e superior, a educação de jovens e adultos, a educação à dis- tância, tecnológica e a educação indígena, além da formação de professores, financiamento e gestão da educação (LOURENÇO, 2010)� SAIBA MAIS Para conhecer o histórico do Plano Nacional de Educação brasileira, acesse este link� Acesso em: 07 out. 2019. No PNE de 2014, foram estabelecidas 20 metas em relação à educação� Nele indica-se estratégias para a elevação do nível médio de escolaridade da popu- lação brasileira, além de objetivar a melhora na quali- dade do ensino público, a democratização da gestão 29 e a redução das desigualdades sociais em relação ao acesso e permanência na educação pública� Outros marcos legais da perspectiva inclusiva na edu- cação brasileira é a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, em 2008, e a Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência, mais conhecida como o Estatuto da Pessoa com Deficiência, em 2015. A Política Nacional tem como objetivo reafirmar o pa- radigma da Educação Inclusiva e repensa a Educação Especial como modalidade de ensino� Já o Estatuto tem como objetivo “assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.” (BRASIL, 2015). Essas legislações foram de grande importância para a inclusão da pessoa com deficiência nos sistemas de ensino regular e a garantia dos direitos fundamen- tais a esse público� Além do Planos Nacionais de Educação, diversas políticas públicas, programas educacionais e leis foram desenvolvidas nas últimas décadas no Brasil� Destacam-se as seguintes: ● Lei n. 10.639, de 2003, que tornou obrigatória a inclusão da história e da cultura afro-brasileira nos currículos escolares; ● Decreto n. 6.094, de 2007, que criou o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, o qual reuniu subsídios, metodologias e instrumentos para 30 o desenvolvimento de políticas públicas de médio e longo prazo para elevar a qualidade da educação básica; ● Lei n. 11.465, de 2008, que tornou obrigatório o ensino de história e da cultura indígena nos currícu- los escolares� Todo esse movimento da Educação Inclusiva, na so- ciedade civil e nas políticas públicas do país, provoca profundas transformações na maneira de pensar a educação e a sua função social. Essas reflexões permeiam o currículo educacional, a formação do professor e, consequentemente, as práticas pedagó- gicas� Também indicam uma necessidade latente de reestruturação física e organizacional dos espaços escolares para receber pessoas com deficiência. Como Carvalho afirma: A luta por uma escola para todos só ganha forma quando ela cumprir bem suafunção social, que é a de levar todas as crianças, com ou sem deficiência, a novas aprendizagens e a novos patamares de desenvolvimento, trans- formando seus modos de agir, pensar e sentir. (CARVALHO, 2016, p. 52) 31 O que se pretende com a inclusão educacional? Qual a função social da escola em relação à inclusão e à valorização da diversidade? Apenas instruir as pes- soas para o desenvolvimento econômico do país? Libâneo (2016) traz uma importante reflexão. Além de ser dever do Estado garantir o acesso e a per- manência à uma educação pública de qualidade, se faz necessário realizar uma reflexão acerca da função social da escola, principalmente aos grupos sociais em vulnerabilidade e excluídos do sistema educacional� A escola não deve ter como objetivo a erradicação da pobreza e a superação de desigualdades� Não deve, também, ser “[���] responsabilizada por uma multi- plicidade de funções, inclusive o de prover serviços sociais [...] convertendo-se num lugar desfigurado, in- diferenciado, sem identidade.” (LIBÂNEO, 2016, p. 56). O autor indica que escola com qualidade educativa tem que assegurar: [...] as condições para que todos os alunos se apropriem dos saberes produzidos historica- mente e, por meio deles, alcancem o desen- volvimento cognitivo, afetivo e moral. Essa escola requer relações pedagógicas visando à conquista do conhecimento, o desenvolvimen- to das capacidades intelectuais e a formação da personalidade pelos alunos, sendo nessa condição que pode contribuir para a redução da diferença de níveis de escolarização e edu- 32 cação entre os grupos sociais, já que a supera- ção das desigualdades sociais guarda estreita relação com o acesso ao conhecimento e à aprendizagem escolar. (LIBÂNEO, 2016, p. 58) Nesse sentido, é importante observar que a defesa da inclusão na educação deve estar relacionada à valorização da diversidade e do reconhecimento de que ela é importante para a construção de conheci- mento pelas pessoas� O acesso ao conhecimento e à educação se confi- gura como direito humano, ou seja, não deve estar atrelado apenas ao ensino de conteúdo mínimo, vi- sando o aumento de notas nos sistemas avaliati- vos nacionais� Assim, a educação tem como papel principal oferecer as condições necessárias para que as pessoas se desenvolvam enquanto sujeitos com pensamento crítico e cientes da importância da justiça social� 33 ASPECTOS FILOSÓFICOS E SOCIAS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA Direitos Humanos e Diversidade Estudante, neste tópico, você poderá se aprofundar sobre o conceito de Direitos Humanos e em como se deu o surgimento desse conceito� Além disso, conhecerá o conceito de diversidade e sua relação com os Direitos Humanos� Apesar dos Direitos Humanos serem mais conhe- cidos e discutidos após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, esse conceito já existia anteriormente� Para fins de melhor entendimento, a história do con- ceito de Direitos Humanos é dividida em duas partes: “direitos de 1ª geração” e “direitos de 2ª geração” (ZAPATER, 2016). É importante ressaltar que essa divisão é realizada apenas para fins didáticos, sendo necessário manter uma visão não maniqueísta sobre a temática� Os direitos de 1ª geração estão envolvidos com o surgimento dos direitos civis e políticos, durante as Revoluções Burguesas do final do século 17 e final do século 18, as quais são as Revoluções Inglesas e a Revolução Americana de declaração de indepen- 34 dência e a Revolução Francesa� Todas essas revolu- ções tinham como objetivo extinguir os privilégios da nobreza e do clero para promoção dos direitos do cidadão (ZAPATER, 2016). Nas declarações surgidas nesse momento, iniciaram- -se assim a delimitação dos direitos do cidadão e, consequentemente, os deveres do Estado� Zapater destaca essa questão demonstrando alguns exem- plos de direitos e deveres: [...] ao direito do cidadão à vida corresponde o dever do Estado de não matar (e ainda de impedir que outro cidadão o faça); ao direito do cidadão de ir e vir corresponde o dever do Estado de não prender arbitrariamente; ao direito à integridade física e psíquica corres- ponde o dever do Estado de não torturar; ao direito ao livre pensamento e sua expressão do cidadão corresponde o dever do Estado de não o impedir, e assim por diante (ZAPATER, 2016, s./p.). A autora destaca que, a partir dessas Revoluções e suas declarações de direitos do cidadão, surgem os direitos políticos de decidir qual cidadão deverá governar� Assim, surge a possibilidade de todos os cidadãos votarem e serem votados “[���] de modo a se garantir a soberania popular, essencial à democracia” (ZAPATER, 2016, s./p.). 35 A partir do século 19, começou-se a observar os efeitos da Revolução Industrial ocorrida a partir do século 18, com o aumento das desigualdades sociais entre os trabalhadores e os detentores dos meios de produção� Assim, percebeu-se que para garantir o acesso aos direitos mínimos era necessária a inter- venção estatal, ou seja, o Estado precisaria adotar medidas para que esses direitos fossem usufruídos por todos os cidadãos� Assim, inicia-se, no início do século 20, a organização de movimentos sociais que ocorreram em países como México, Rússia e na Alemanha e deram ori- gem a diferentes documentos que versavam sobre a garantia dos direitos civis decorrentes de deveres de abstenção do Estado, mas também de políticas afirmativas do mesmo para garantia desses direitos. Dessa forma, os direitos de 2ª geração estão envol- vidos com o surgimento dos direitos econômicos e sociais� Sobre isso, Zapater explica: Os direitos econômicos e sociais são aque- les associados ao direito à igualdade em sua dimensão material. O direito à igualdade funda-se no princípio da isonomia, segundo o qual se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, ou seja: o conteúdo enun- ciado no princípio esclarece que a garantia de igualdade perante a lei é insuficiente para assegurar que, na prática, todos os indivíduos tenham igual acesso a bens e direitos, sendo 36 necessário, desta forma, que o Estado tome medidas neste sentido (ZAPATER, 2016, s./p.). Para melhor entendimento dessa questão, pense no seguinte exemplo: uma pessoa que usa cadeira de rodas necessita ir até um prédio público para tirar sua carteira de identidade� Chegando lá, não conse- gue acessar o andar responsável por esse serviço, pois, por ser um prédio de três andares, não possui elevador nem rampa� Assim, o Estado é responsável por garantir que todos os prédios tenham acessibilidade para todas as pes- soas, independentemente de sua condição� Assim, cria-se a lei de acessibilidade que obriga a adaptação de todos os espaços para que seja garantido o direito de ir e vir da pessoa que utiliza a cadeira de rodas para locomoção� Figura 2: Tirinha com o primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Fonte: www.upa.unicamp.br. Estudante, perceba, é fato que todas as pessoas são iguais perante a lei, mas existem pessoas que possuem necessidades específicas para que seus direitos sejam garantidos� Assim, o Estado necessita 37 realizar e garantir ações específicas para alcançar essa demanda� Nesse sentido, você pode perceber que os direitos humanos de 2ª geração consideram as desigualda- des sociais geradas pelo discurso de igualdade� As pessoas são iguais perante a lei, mas cada um parte de uma realidade e de necessidades diferentes� Essa questão depende de aspectos históricos, cul- turais e sociais, ou seja, está em constante trans- formação. Por isso as políticas de ação afirmativas são importantes, no sentido de garantir que grupos em vulnerabilidade social tenham seus direitos fun- damentais garantidos� Nesse sentido, o respeito aos direitos humanos está envolvido diretamente com o respeito à diversidade, ou seja, às diferenças que existem entre as pessoas� Candau (2012) defende que é necessário a articula- ção entreos direitos da igualdade e o direito à dife- rença� Assim, a diversidade se torna, na contempo- raneidade, um conceito chave para a problemática dos direitos humanos� 38 Figura 3: O que é diversidade? Fonte: Imagem de Prawny por Pixabay. A diversidade humana é traduzida em diferenças de culturas, raça, classe, sexo, gênero, idade, religião, entre outros marcadores sociais� Não se pode ne- gar as diferenças existentes entre as pessoas, o que pode mudar é como a questão da diferença pode ser construída� 39 Exclusão x Inclusão A partir da Revolução Industrial e com a consolidação do capitalismo, e consequentemente o aumento das desigualdades sociais, a luta pelos direitos funda- mentais de movimentos sociais se intensificou. Nesse sentido, entende-se que apenas declarar os direitos fundamentais não garante, na realidade, que esses direitos sejam garantidos e oferecidos� Uma série de ações e políticas públicas precisam ser ela- boradas para que isso aconteça� A exclusão social se caracteriza pela negação, total ou parcial, de direitos a determinadas pessoas ou grupos sociais� Ela pode estar relacionada a diferen- tes dimensões, como afirma Popay et al: A exclusão consiste de processos dinâmicos, multidimensionais produzidos por relações desiguais de poder que atuam ao longo de quatro dimensões principais – econômica, política, social e cultural –, e em diferentes níveis incluindo individual, domiciliar, grupal, comunitário, nacional e global. Resulta em um continuum de inclusão/exclusão carac- terizado por acessos desiguais aos recursos, capacidades e direitos que produzem iniquida- des [sic] em saúde (POPAY et al., 2008, p. 36). 40 Dessa forma, você pode perceber que esse é um conceito complexo� Questões como a pobreza, que antes das discussões sobre desigualdade social esta- vam relacionadas com argumentos individualizantes, agora ampliam seu entendimento para a sociedade e seu funcionamento� Portanto, a exclusão social é, como afirma Zioni (2006), um produto histórico de mecanismos sociais� Podem existir diferentes tipos de exclusão social: ● Exclusão Cultural e Étnica: em relação a pessoas que têm uma cultura ou uma etnia diferente do grupo hegemônico na sociedade; ● Exclusão Econômica: relacionada às desigualdades socioeconômicas; ● Exclusão Etária: relacionada à questão da idade, como crianças e idosos; ● Exclusão de Gênero: em relação a mulheres ou pessoas transexuais; ● Exclusão Patológica: em relação às pessoas que têm alguma doença física, mental ou imunológica, como a AIDS, geralmente ocorre por preconceitos com a doença� A inclusão, então, se faz presente como política pú- blica para garantir que pessoas que têm, por diversos motivos, seus direitos negados, possam ter acesso a esses direitos, ter acesso a condições mínimas de vida digna� 41 Antunes afirma que a fase da exclusão: [...] foi marcada por um intenso movimento de marginalização de todos os indivíduos que, seja por questões éticas, estéticas ou de produtividade, se distanciava daquilo que a sociedade estipulou como o padrão ideal de indivíduo. A diversidade humana era encarada como algo negativo, primava-se pelo universal em detrimento do múltiplo. Todo e qualquer tipo de comportamento desviante era cruel- mente estigmatizado e, consequentemente [sic] inferiorizado (ANTUNES, 2008, p. 189). Nesse sentido, era comum a execução de pessoas que nasciam com algum tipo de deficiência ou a es- cravização das pessoas de diferentes etnias� A inclusão social, em relação à integração, é um pa- radigma de amplitude maior� Ele não está focado apenas na inclusão de pessoas com deficiência, mas sim na inclusão de todas as pessoas, independente- mente de sua condição de existência� Dessa forma, a inclusão social contempla: [...] a equiparação de oportunidades, inde- pendente de cor, raça, classe social, sexo, deficiência etc. e o respeito e aceitação da diferença, afinal, não podemos mais admitir a existência de uma sociedade homogênea. Hoje, só se fala em inclusão porque vivemos numa sociedade diversificada, heterogênea, 42 que sente a necessidade de romper com os conceitos de padrão e normalidade social- mente construídos e de lutar pelo reconheci- mento da diferença, pois a existência humana deve ser pensada e assumida a partir do que ela tem de mais valioso: a sua diversidade. (ANTUNES, 2008, p. 190) Inclusão Exclusão Segregação Integração Figura 4: Diferenciação entre exclusão, integração e inclusão. Fonte: www.amaedamaria.com. No Brasil, a inclusão social se caracterizou, principal- mente, por diversas políticas públicas, como políticas afirmativas como cotas e leis que garantem acessi- bilidade� No campo da educação, esse paradigma é bastante discutido, e caracteriza as principais ações nesse campo� 43 SAIBA MAIS Acesse a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, a qual expõe, no capítulo I do título III, que trata especificamente sobre acessibilidade, além de citar a questão do desenho universal� Segundo a lei n. 10.098, regulamentada no ano 2000, define como acessibilidade a: [...] possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comu- nicação, inclusive seus sistemas e tecnolo- gias, bem como de outros serviços e insta- lações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida (BRASIL, 2000, s./p.) Assim, a acessibilidade está relacionada à eliminação de barreiras que impeçam a plena participação da pessoa com deficiência na sociedade. Educação Inclusiva A partir de todas as discussões realizadas nos tópi- cos anteriores, neste tópico você poderá conhecer 44 como os conceitos discutidos se relacionam com a luta por uma Educação Inclusiva e seus princípios� As propostas de escolas inclusivas se fundamentam em princípios básicos, alguns dos quais são: ● acolher a todos, independente de suas condições pessoais, sociais ou culturais; ● valorizar as diferenças e as diversidades humanas, sendo consideradas no processo de planejamento das atividades pedagógicas e entendê-las como um recurso valioso no processo de ensino-aprendizagem dos estudantes e dos próprios educadores; ● ter compromisso com o direito de todos os estu- dantes à educação e a participação de cada um nos vários âmbitos da vida escolar; ● ter práticas pedagógicas reflexivas e instruções diferenciadas, no sentido do professor estar disposto a refletir sobre sua prática e repensar sua maneira de ensinar, avaliar e organizar sua sala de aula; ● promover, no cotidiano escolar, noções de comuni- dade e colaboração, pois para que a inclusão aconte- ça de forma eficaz é necessário o compromisso de todos os profissionais envolvidos nesse processo; ● lutar contra toda e qualquer forma de discriminação e preconceito, valorizando e refletindo sobre noções de colaboração e comunidade; ● buscar a eliminação de barreiras à aprendizagem, tanto físicas quanto atitudinais e culturais por meio de práticas reflexivas (DUK, 2006; SILVA, 2010). 45 As instituições escolares, por muito tempo, reprodu- ziram práticas sociais excludentes, negando o direito à educação a diferentes grupos sociais� Essa exclusão estava diretamente relacionada a preconceitos e a discriminações sociais a certos grupos por conta da diferença de raça, etnia, classe, gênero, condição física, entre outros� Além disso, apresentava uma prática pedagógica tradicional que evidenciava apenas a transmissão de conhecimen- tos, e partia de um currículo homogeneizador, com propostas rígidas e inflexíveis (SILVA, 2010). Assumir a diversidade e as diferenças dos estudan- tes no processo de ensino-aprendizagem implica em uma transformação profunda da cultura escolar e também das concepções coletivas e individuais� Apesar dos avanços relacionadosà legislação e po- líticas educacionais, as escolas ainda reproduzem as desigualdades sociais no cotidiano escolar, nas relações forjadas nesse cotidiano e nas suas práti- cas pedagógicas� Ainda existe certa resistência em transformar a educação e os processos de ensino- -aprendizagem para uma educação que inclua e não exclua� Um dos direitos fundamentais do ser humano, que deve ser garantido pelo Estado, é o direito à educa- ção. Entretanto, não é suficiente apenas declarar esse direito� 46 No Brasil, ele está previsto na Constituição de 1988, mas se fez necessário ao longo dos anos o planeja- mento e execução de políticas públicas que garan- tissem esse direito, ou seja, o acesso à educação pública de qualidade 47
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