Prévia do material em texto
Brasília-DF. Hematologia ClíniCa: Série VermelHa Elaboração Eliseu Frank de Araújo Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................. 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA .................................................................... 5 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7 UNIDADE I HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO ................................................................................................. 9 CAPÍTULO 1 ÍNDICES HEMATIMÉTRICOS ....................................................................................................... 9 CAPÍTULO 2 RECONHECIMENTO DAS CÉLULAS DA SÉRIE ERITROCITÁRIA E DA SÉRIE PLAQUETÁRIA .............. 23 UNIDADE II ANEMIAS ............................................................................................................................................. 60 CAPÍTULO 1 CLASSIFICAÇÃO DAS ANEMIAS .............................................................................................. 60 CAPÍTULO 2 ANEMIAS MICROCÍTICAS ........................................................................................................ 65 CAPÍTULO 3 ANEMIAS MACROCÍTICAS ...................................................................................................... 83 PARA (NÃO) FINALIZAR ..................................................................................................................... 92 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 93 4 Apresentação Caro aluno, A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 6 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 Introdução A ciência da hematologia está passando por um intenso avanço tecnológico, implicando uma necessidade constante de atualização, assim, o Caderno de Estudos e Pesquisa “Hematologia Clínica – Série Vermelha” foi elaborado com o objetivo de proporcionar ao aluno um melhor entendimento na área de hematologia clínica, possibilitando a identificação, a correlação clínica e a interpretação dos resultados das principais patologias hematológicas. O conhecimento e a utilização das ferramentas necessárias para a identificação das desordens hematológicas, por meio da realização dos cálculos hematimétricos, os valores de referência, leitura de lâminas, os quais permitirão identificar as alterações eritrocitárias e patologias associadas, como as alterações no tamanho (anisocitose), forma (poiquilocitose) e concentração de hemoglobina (anisocromia), irão preparar os futuros profissionais para o mercado de trabalho, além de despertar o poder crítico e criativo dos mesmos. A automação dentro dos laboratórios é outro fator de fundamental importância, requerendo uma dinâmica de atualização do profissional, mediante constante reciclagem. Sob esta visão, fica clara a necessidade de se desenvolver práticas laboratoriais modernas e atualizadas, para tanto, a necessidade de um profissional embasado nos conceitos básicos em hematologia, é primordial para o desempenho de técnicas mais sofisticadas. Ao longo da disciplina, o aluno será avaliado mediante as tarefas propostas na plataforma, levando em consideração fatores técnicos, poder de decisão e análise do contexto individual para cada evento aprendido no decorrer das aulas. Objetivos » Definir os índices hematimétricos, a saber: VCM (volume corpuscular médio), HCM (hemoglobina corpuscular média), CHCM (concentração da hemoglobina corpuscular média). » Apresentar os valores normais e anormais, cálculos, valores de referência e interpretação dos resultados do VCM, HCM e CHCM. » Reconhecer as células da série Eritrocitária e da série Plaquetária. 8 » Apresentar a Eritrogênese e divisão do processo de maturação e sua relação com as alterações encontradas (microcitose, hipocromia e macrocitose). » Discutir as alterações eritrocitárias e patologias associadas, como alterações de: tamanho (macrócito, micrócito), forma (eliptócito, esferócito, drepanócito, leptócito, esquisócito, acantócito, estomatócito, hemácias em alvo), concentração e distribuição de hemoglobina (hipo e hipercrômicas), propriedades tintoriais (policromasia), distribuição dos eritrócitos (rouleaux, policitemia), inclusões (núcleo, corpúsculos de Howell-Joly, anéis de cabot, granulações azurófilas, ponteado basófilo, corpúsculos de pappenheimer, parasitas [malária], corpúsculos de Heinz) e artefatos. » Ensinar sobre a Plaquetogênese e características de cada célula desse processo. » Discutir sobre a classificação hematimétrica das anemias: anemias macrocíticas, microcíticas hipocrômicas, normocíticas e normocrômicas. » Apresentar a classificação laboratorial das anemias: conforme valores de referência de VCM, HCM de cada laboratório. » Apresentar as causas das anemias, assim como sua classificação etiológica. » Discutir as patogenias das anemias relacionadas àdeficiência de ferro. 9 UNIDADE IHEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO Sintetizando e enriquecendo nossas informações Por definição, a hematologia é o estudo das células do sangue, incluindo as características morfológicas, fisiológicas e biológicas das células do sangue, além dos fatores de coagulação. Engloba também, o estudo dos seus precursores na medula óssea; constituintes químicos do plasma ou soro intimamente ligados à estrutura e função das células sanguíneas, e a função das plaquetas e proteínas envolvidas na coagulação sanguínea. CAPÍTULO 1 Índices hematimétricos Índices hematimétricos O hemograma constitui o meio mais direto e mais prático para estudar os elementos figurados do sangue periférico – os glóbulos vermelhos, os glóbulos brancos e as plaquetas. A contagem dos eritrócitos normalmente é feita pelo método eletrônico, o que diminui as fontes de erro nos resultados obtidos. A faixa normal para o homem adulto é de 4,5 a 6,1 milhões por mm3, e de 4,0 a 5,4 milhões por mm3 para a mulher adulta. Na criança, por ocasião do nascimento o número de eritrócitos é de 5,2 milhões, e de 1 a 15 anos é de 4,1 a 5,1 milhões por mm3. (Tabela 1). A hemoglobina (Hb) e o hematócrito (Ht), como os eritrócitos também variam conforme a idade, sexo, altitude do local etc. 10 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO A hemoglobina é a medida em gramas por decilitro (g/dl) e representa a quantidade da proteína por unidade de volume do sangue. O hematócrito representa a porção dos eritrócitos no total do sangue. É medido em porcentagem (%). Com o resultado obtido do número de eritrócitos, da hemoglobina e do hematócrito, pode-se calcular outras medidas ou índices, chamados hematimétricos, como o volume corpuscular médio (VCM), hemoglobina corpuscular média (HCM) e a concentração da hemoglobina corpuscular média (CHCM). Os índices hematimétricos apresentam grande importância no estudo hematológico das anemias: fornecem dados úteis para o seu diagnóstico e tratamento, além de servirem de base para a classificação morfológica das anemias. Os valores de referência do eritrograma para diferentes idades (faixas etárias) e por sexo, em adultos estão na seguinte tabela. Tabela 1. Valores de referência do eritrograma para diferentes idades (faixas etárias) e por sexo, em adultos. Eritrograma 15 dias 1 a 11 meses 1 a 2 anos 3 a 10 anos 10 a 15 anos adulto masculino adulto feminino Eritrócitos 5.2 4.1-4.9 4.1-5.1 4.1-5.1 4.1-5.1 4.5-6.1 4.0-5.4 Hemoglobina 17.0 10.3-12.7 10.6-13.0 11.1-13.5 11.5-14.5 12.8-17.8 11.3-16.3 Hematócrito 52.0 33-41 33-41 34-42 34-42 40-54 36-48 HCM 27-31 25-29 25-29 25-29 26-29 27-29 27-29 VCM 80-100 75-90 75-90 77-90 77-90 77-92 77-92 CHCM 30-35 30-35 30-35 30-35 30-35 30-35 30-35 Fonte: Naoum (2008). Determinações absolutas Conhecendo-se o número de eritrócitos por mililitro cúbico de sangue, a taxa de hemoglobina em gramas por dl e a porcentagem do valor do hematócrito, pode-se obter certos valores absolutos, em relação ao sangue do próprio paciente, sem referência aos padrões normais fixos exigidos para o cálculo dos índices. As determinações absolutas são as seguintes: » O Volume Corpuscular Médio é a relação que existe entre o volume globular obtido (hematócrito) e o número de eritrócitos. O resultado é expresso em micra cúbicos (µm3) ou fentolitros (fl): Htc x 10 Hem VCM = = valores em fl ou µm³ 11 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I Exemplo: Valor hematócrito - 31% Eritrócitos - 4.300.000 por mm3 31 x 10 4,3 VCM = = 72µm³ » A Hemoglobina Corpuscular Média é dada pela relação entre o valor da hemoglobina obtida em gramas por 100dl e a contagem dos eritrócitos. O resultado é em picogramas (pg) ou microgramas (µg): Hgb x 10 Hem HCM = = valores em pg Exemplo: Hb - 12 g/dl Eritrócitos - 4.500.000 por mm3 12 x 10 4,5 HCM = = 26,6 pg » A Concentração da Hemoglobina Corpuscular Média é calculada pela relação entre a hemoglobina obtida em g/100dl e o volume globular. O resultado obtido é dado em porcentagem (%): CHCM = Hgb x 100 = valores em % Hem Determinações relativas dos índices hematimétricos (segundo Haden) A fim de facilitar a interpretação clínica, os resultados devem ser fornecidos sempre na unidade de percentagem do normal, no laboratório que é feito o exame. Deste modo, a porcentagem de um sangue desconhecido é a mesma em todos os laboratórios, embora possam variar as cifras absolutas. Conforme recomenda Haden, deve-se determinar, em todo laboratório, a taxa de hemoglobina em g/dl e a porcentagem do valor do hematócrito a serem tomados como 100% do normal. Realizam-se, satisfatoriamente tais determinações, 12 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO executando-se com rigor, a contagem dos eritrócitos, a dosagem do conteúdo da hemoglobina e a avaliação do valor do hematócrito, em 10 ou mais adultos normais, tirando-se a média. É conveniente determinar a média separadamente, segundo o sexo e a idade, a fim de que sejam obtidos resultados comparáveis. Quanto maior o número das determinações, menor o erro. Calcula-se a média de acordo com os exemplos de Haden (Tabela 2). Tabela 2. Determinação dos valores baseados na média de 10 adultos normais. Adulto normal Eritrócitos por mm2 Valor Hematócrito % Hemoglobina em g/dl 1 5,02 45,0 15,5 2 4,00 37,0 12,6 3 4,65 42,0 14,9 4 5,50 50,0 16,8 5 4,78 44,0 15,0 6 4,57 43,5 14,2 7 4,25 38,5 13,5 8 5,31 47,5 16,5 9 5,80 53,0 16,9 10 4,92 44,5 15,1 Média 4,88 43,7 15,1 Fonte: Métodos de laboratório aplicados à clínica (OLIVEIRA LIMA, 2011). Os índices hematimétricos são determinações relativas que se obtêm estabelecendo-se as relações que guardam entre si o número de eritrócitos, a taxa da hemoglobina e o valor do hematócrito. Os índices mais importantes são os três seguintes: a) índice volumétrico; b) índice colorimétrico e, c) índice de saturação, os quais revelam, respectivamente, o tamanho dos eritrócitos, o conteúdo e a saturação hemoglobínica destes. Índice volumétrico (IV) O índice volumétrico (IV) expressa o volume médio de um eritrócito em relação ao volume médio normal. É obtido dividindo-se o valor do hematócrito pelo número dos eritrócitos, ambos referidos em porcentagem do normal, segundo a fórmula seguinte: Valor hematócrito encontrado x 10 Valor hematócrito normal Número de eritrócitos encontrados x 100 Número normal de eritrócitos IV = O IV normal é a unidade, com oscilações fisiológicas entre 0,9 e 1,1 13 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I Exemplos: 1. IV normal (encontrado normalmente e nas anemias normocíticas): Eritrócitos - 5.000.000 por mm3 de sangue Valor hematócrito - 45% 45 x 100 45 5.000.000 x 100 5.000.000 IV = = 1 2. IV baixo (encontrado nas anemias microcíticas) Eritrócitos - 4.350.000 por mm3 de sangue Valor hematócrito - 28% 28 x 100 45 4.350.000 x 100 5.000.000 IV = = 0,71 3. IV alto (encontrado nas anemias macrocíticas) Eritrócitos - 1.300.000 por mm3 de sangue Valor hematócrito - 16% 16 x 100 45 1.300.000 x 100 5.000.000 IV = = 1,45 Índice colorimétrico (IC) O índice colorimétrico (IC), ou valor globular, expressa o conteúdo médio da hemoglobina de um eritrócito em relação ao conteúdo médio normal. É obtido dividindo-se a taxa da hemoglobina (em g/dl ou em percentagem) pelo número de eritrócitos, ambos referidos em percentagem do normal, de acordo com a fórmula seguinte: Número de g/dl ou percentagem de Hb encontrada x 100 IC = Número de g/dl ou percentagem de Hb normal Número de eritrócitos encontrados x 100 Número normal de eritrócitos 14 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO O IC normal é a unidade, variando fisiologicamente entre 0,9 e 1,1. Exemplos: 1. IC normal (encontrado normalmente e nas anemias normocíticas): Eritrócitos - 5.000.000 por mm3 de sangue Hemoglobina - 15,4 g/dl 15,4 x 100 15,4 5.000.000 x 100 5.000.000 IC = = 1 2. IC baixo (observadoem anemias hipocrômicas): Eritrócitos - 3.880.000 por mm3 de sangue Hemoglobina - 7 g/dl 7 x 100 15,4 3.880.000 x 100 5.000.000 IC = = 0,58 3. IC alto (encontrado nas anemias hipercrômicas): Eritrócitos - 2.570.000 por mm3 de sangue Hemoglobina - 10,5 g/dl 10,5 x 100 15,4 2.570.000 x 100 5.000.000 IC = = 1,32 Índice de Saturação (IS) O (IS) expressa a concentração média da hemoglobina dos eritrócitos por unidade de volume, em relação à concentração média normal; estabelece, portanto, a relação entre o conteúdo hemoglobínico e o tamanho dos eritrócitos. É obtido dividindo-se o conteúdo hemoglobínico (em g/dl ou em percentagem) pelo valor hematócrito, referidos em percentagem do normal, segundo a fórmula que se segue: 15 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I Número de g/dl ou percentagem de Hb encontrada x 100 IS = Número de g/dl ou percentagem de Hb normal Valor hematócrito encontrado x 100 Valor hematócrito normal O índice de saturação pode também ser obtido dividindo-se o índice colorimétrico pelo índice volumétrico: IC IV IS = IS = 0,8 1 = 0,8 Normalmente o IS é a unidade, variando entre 0,8 e 1,2. Exemplos: 1. IS normal (encontrado normalmente e nas anemias normossaturadas): Hemoglobina (Hb) - 15,4 g/dl Valor hematócrito - 45% 15,4 x 100 15,4 45 x 100 45 IS = = 1 2. IS baixo (encontrado nas anemias hipossaturadas): Hemoglobina (Hb) - 6,5 g/dl Valor hematócrito - 28% 6,5 x 100 15,4 28 x 100 45 IS = = 0,67 3. IS alto (não ocorre na prática, porque, normalmente os eritrócitos estão saturados de hemoglobina, ao máximo) Interpretação 1. O índice volumétrico (IV) revela o tamanho dos eritrócitos, superior aos métodos de mensuração direta e diafratométricos. 16 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO O IV pode apresentar-se: a. Normal – 0,9 a 1,1: normocitose. Ocorre normalmente ou nas anemias secundárias (anemias normocíticas). b. Baixo – menor que 0,9: microcitose. Encontrado nas anemias secundárias (anemias microcíticas). Indicação de ferroterapia. c. Alto – maior que 1,1: macrocitose. Observa-se principalmente na anemia de Addison-Biermer (anemias macrocíticas). Indicação terapêutica: vitamina B12 e ácido fólico. Na anemia ou icterícia hemolítica constitucional (microsferocitose hereditária), o IV é igual ou superior ao normal, enquanto a medida do diâmetro médio dos eritrócitos acusa microcitose. Isso porque os eritrócitos desta anemia ou icterícia hemolítica são biconvexos, em vez de bicôncavos; daí o nome microsferócitos. 2. O Índice Colorimétrico (IC) ou valor globular indica a riqueza dos eritrócitos em hemoglobina. O índice colorimétrico pode apresentar-se: a. Normal – 0,9 a 1,1: normocromia. Ocorre normalmente ou nas anemias secundárias (anemias normocrômicas). b. Baixo – menor que 0,9: hipocromia. Nas anemias secundárias (anemias hipocrômicas). Indicação de ferroterapia. c. Alto – maior que 1,1: hipercormia. Encontrado principalmente na anemia de Addison-Biermer (anemias hipercrômicas). Indicação de vitamina B12 e ácido fólico. As anemias hipercrômicas são sempre macrocíticas, ao passo que as hipocrômicas podem ser normo-, micro-, ou macrocíticas. 3. O Índice de Saturação (IS) revela a concentração da hemoglobina nos eritrócitos por unidade de volume. O IS pode apresentar-se: a. Normal – 0,8 a 1,2: normossaturação; normalmente ou nas anemias secundárias (anemias saturadas). 17 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I b. Baixo – menor do que 0,8: hipossaturação. Ocorre principalmente na anemia hipocrômica idiopática e nas anemias pós-hemorrágicas crônicas (anemias não-saturadas). Indicação de ferroterapia. c. Alto – maior do que 1,2: hipersaturação: raro. Nas anemias macrocíticas, o IS é, em geral, normal; quando se apresenta baixo, demonstra a existência de fator anemizante, exigindo, portanto, a ferroterapia, ao lado da vitamina B12 e ácido fólico. FOSSAT, C.; DAVID, M.; HARLE, JR et al. New parameters in erythrocyte counting: value of histograms. Arch. Pathol. Lab. Med. v. 111, no 1.pp. 150- 54, 1987. MOHANDAS, N.; CHASIS, J.A. Red blood cell deformability, membrane material properties and shape: regulation by trans membrane, skeletal and cytosolic proteins and lipids. Sem. Hematol. v. 30, pp. 171-92, 1993. WILLIANS, W.; BEUTLER, E.; ERLEV, A.J.; LICHTMAN, M.A. Hematology. New York: McGraw-Hill, 257-405, 1983. http://www.youtube.com/user/academiadeciencia. http://www.slideshare.net/. http://hemo-blog.blogspot.com.br. Avaliação qualitativa – esfregaço sanguíneo A avaliação hematológica do esfregaço sanguíneo auxilia na credibilidade da informação, e é dependente do exame sistemático de esfregaços bem confeccionados e corados. Se possível, os esfregaços sanguíneos devem ser preparados imediatamente. Pode-se afirmar que 90% das conclusões que se tiram do exame citológico são fornecidas pelo estudo dos esfregaços corados. Técnica (figura 1) O exame do sangue distendido ou esfregaço sanguíneo deve ser feito do material logo após a coleta e, se possível, sem ação de qualquer anticoagulante. Os materiais de vidro lâmina e lamínulas devem ser quimicamente limpos e desengordurados. 18 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO O esfregaço deve ser fino e regular para se ter boa distribuição das células. Pode-se usar lamínulas, que permitem melhor distribuição celular, porém o seu uso requer mais habilidade. Metodologia: 1. Com o auxílio de um capilar, coloque uma pequena gota de sangue na extremidade da lâmina. 2. Coloca-se a lâmina a qual será feito o esfregaço em um ângulo de 45º sobre a lâmina a ser estendido o sangue. 3. Assim que a lâmina encostar a gota de sangue, fazer um ligeiro movimento para traz, permitindo que a gota se distribua uniformemente por capilaridade. 4. Deslizar a lâmina para frente, estendendo-se desta forma a gota de sangue sobre a lâmina, formando uma camada delgada e uniforme. 5. Secar o esfregaço naturalmente ao ar, ou com auxílio de um ventilador. Figura 1. Confecção do esfregaço sanguíneo. Fonte: https://analisesclínicascom.blogspot.com/2018/09/como-preparar-um-bom-esfregaco.html. Acesso em: 10 jan. 2020. Coloração A coloração citoquímica pode ser vista como o estudo dos constituintes químicos presentes nas células por meio de produtos corados, que podem ser observados à luz da microscopia. São de grande importância para a 19 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I identificação de tipos celulares e estabelecimento de critérios diagnósticos de algumas doenças hematológicas. Sob o aspecto prático para a hematologia, as provas citoquímicas são especialmente importantes para a caracterização e identificação de granulócitos e monócitos, bem como para as características morfológicas e o conteúdo de hemoglobina dos eritrócitos. Os corantes químicos apresentam determinados radicais ácidos ou básicos que apresentam afinidade para certas estruturas ácidas ou básicas dos tecidos. Estes radicais possuem cor que permite a identificação de determinadas estruturas celulares. Os corantes usados em hematologia são compostos principalmente de: hematoxilina, corante básico que tem afinidade aos radicais ácidos presentes nos tecidos, são também chamados de acidófilos; eosina, corante ácido que tem afinidade por radicais básicos dos tecidos, são também chamados basófilos. O núcleo das células, os quais contêm DNA (substâncias ácidas), são basofílicos, e, portanto, coram-se pela hematoxilina (de cor roxa); e o citoplasma, onde as substâncias são básicas, é acidófilo, e cora-se pela eosina (de cor rosa). As colorações mais usadas em hematologia são as colorações panóticas, ou colorações segundo Romanowsky: Giemsa, Wright, May Grunwald, May Grunwald-Giensa, Wright-Giemsa, Leishman. As colorações de Romanowsky basicamente contêm azul de metileno (ou produtos de oxidação, como Azure B) e eosina B ou eosina Y. Eles são considerados corantes policromáticos, ou seja, apresentam múltiplascores quando aplicados aos elementos celulares. Contagem global dos eritrócitos As células sanguíneas podem ser contadas manualmente, em hemocitômetro, ou por instrumentos automáticos. A contagem manual, consiste na determinação do número de eritrócitos por mm3 (ou µL) de sangue, após diluição da amostra de sangue total com solução isotônica, que evite processo de lise dos eritrócitos. A contagem é feita nos cinco quadrados do quadrante central da câmara de Neubauer, e o resultado em mm3 é dado após ajuste dos cálculos para o grau de diluição e local de contagem no hemocitômetro. Procedimento: 1. Pipetar 4 mL de solução diluidora para um frasco tipo penicilina. 2. Homogeneizar a amostra e aspirar 20 µL (0,02 mL) com auxílio de uma pipeta. 3. 0Limpar cuidadosamente a parte externa da ponteira com papel absorvente, evitando, porém, que esse procedimento retire qualquer quantidade de amostra aspirada. 20 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO 4. Transferir a amostra para o frasco com o líquido diluidor, tendo o cuidado de fazer a lavagem do interior da ponteira (por sucessivas aspiração e expulsão da amostra) até que não fique nenhum resquício de amostra no seu interior. 5. Agitar levemente. 6. Desse modo, a diluição será de 1:200. 7. Encher a câmara de Neubauer e proceder à contagem, em aumento de 400x (ocular de 10x e objetiva 40x), com condensador baixo. 8. Somar o número total de eritrócitos encontrados em cada um dos cinco quadrados do quadrante central da câmara, ou seja, H1 + H2, + H3 + H4 + H5. 9. Cada um dos nove quadrantes da câmara tem capacidade de conter o volume de 0,1 mm3 (1mm x 1mm x 0,1 mm); como todo quadrado central, contém um volume de 0,1 mm3 = 1/10 mm3; um quinto desse quadrado central = 1/10 x 1/5 = 1/50 mm3. 10. Diluição = 1/200; como 1/50 x 1/200 = 1/ 10.000, o fator de correção para transformar 1/ 10.000 do mm3 em 1 mm3 será o próprio 10.000. Desse modo, número de eritrócitos/mm3 = somatório dos cinco quadrados do quadrante central x 10.000. 11. Sistematizar a contagem segundo a Figura 2. Figura 2. Contagem global dos eritrócitos em câmara de Neubauer. Áreas onde se contam os leucócitos Áreas onde se contam os eritrócitos Fonte: https://zunigamartinez.blogspot.com/2011/05/camara-de-neubauer_09.html; https://zunigamartinez.blogspot. com/2011/05/camara-de-neubauer_09.html. Acesso em: 10 jan. 2020. 21 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I Para conhecer melhor as técnicas de colorações, consultar: » Técnicas médicas de hematologia e imuno-hematologia. 7. ed. Belo Horizonte: COOPMED, 1999. » Clínica e laboratório – intervenção clínica das provas laboratoriais. 4. ed. São Paulo: Sarvier, 1990. » Um atlas colorido de citologia hematológica. Hayhoe e Flemans. São Paulo: Artes Médicas. » OLIVEIRA, R.A.G. Hemograma: como fazer e interpretar. 1. ed. São Paulo - LMP, 2007. Dosagem de hemoglobina (método manual) É a determinação mais importante do eritrograma, constituindo um verdadeiro parâmetro para o diagnóstico de uma anemia. A concentração de Hb é diretamente proporcional ao conteúdo e coloração do eritrócito. Método da cianometahemoglobina Princípio Tem por princípio básico a oxidação do íon ferroso (divalente), da hemoglobina, oxiemoglobina e carboxiemoglobina a ferro férrico (trivalente), pelo ferricianeto, com formação de metemoglobina. Esta combina-se com o cianeto de potássio para produzir cianometemoglobina (cor vermelho-alaranjada), que é medida fotocolorimetricamente em 540 nm ou em filtro verde. A solução diluidora padrão usada é o líquido de Drabkin: Preparo do líquido de Drabkin: Bicarbonato de Sódio ............................................ 1,0g Cianeto de Potássio ................................................52,0mg Ferrocianeto de Potássio .......................................198,0mg 22 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO Água destilada ...................................................... 1000,0ml Pipetar 5,0 ml do reagente de cor para tubo de ensaio médio; pipetar colocar 20µl de sangue total (homogeinizado). Aguardar pelo menos 5 minutos e determinar a absorbância em espectofotômetro em 540 nm, acertando o branco com a própria solução de Drabkin. Cálculo Para cálculo da amostra: [Hb amostra] = DO amostra x Fator de correção. A DO (densidade ótica) encontrada do padrão irá ser o controle para comparação com as amostras testes, com mesmo reagente. Portanto: F = [P]/[DO] P = 5,10 ou 15 mg/dL Valores de referência: Homens: de 14 a 18 g/dl Mulheres: de 12 a 16 g/dl Crianças até um ano:11 a 12 g/dl Recém-Nascido: de 14 a 19 g/dl 23 CAPÍTULO 2 Reconhecimento das células da série eritrocitária e da série plaquetária Eritrogênese ou eritropoiese O termo eritropoiese (eritro = RBC, e poiese = fazer) é usado para descrever o processo de formação e produção dos eritrócitos. No humano adulto, os eritrócitos, grande número de leucócitos e as plaquetas são formados na medula óssea. No feto, as células sanguíneas também são formadas no fígado e no baço, e, nos adultos, pode ocorrer em doenças nas quais a medula óssea é destruída ou sofre fibrose. Nas crianças, as células sanguíneas são ativamente produzidas das cavidades medulares de todos os ossos. Eritropoiese: fisiologia A cada segundo, o corpo humano gera 2 milhões de glóbulos vermelhos, por meio do processo de eritropoiese. A eritropoiese humana é um processo complexo, com várias etapas, da célula-tronco hematopoiética multipotente (HSC) ao eritrócito maduro (ORKIN, 2000). Os primeiros passos da diferenciação eritroide envolvem uma fase de envolvimento, na qual os HSCs se diferenciam em progenitores eritroides mais comprometidos, de um progenitor mieloide comum, o progenitor megacariocítico-eritroide e, finalmente, a unidade eritroide formadora de massiva disseminação (burst-forming unit – erythroid – BFU-E). BFU-Es são as primeiras células progenitoras comprometidas apenas com a linhagem eritroide (GREGORY; EAVES, 1977). Esses BFU-Es se diferenciam ainda mais na unidade eritroide formadora de colônia (CFU-E), após a qual ocorre diferenciação terminal (ZIVOT et al., 2018). A segunda fase da maturação eritroide envolve a diferenciação dos precursores nucleados de pró-eritroblastos para eritroblastos basofílicos, policromatofílicos e ortocromáticos. Essa fase é caracterizada pelo acúmulo gradual de hemoglobina, diminuição progressiva do tamanho das células e condensação nuclear, resultando finalmente em enucleação (GRANICK; LEVERE, 1964). A fase final do desenvolvimento eritroide envolve a maturação do reticulócito em eritrócitos. É nesta fase que o eritrócito adquire a sua forma bicôncava 24 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO através de uma extensa remodelação da membrana e circula na corrente sanguínea até ser removido pelos macrófagos no sistema retículo-endotelial (GIFFORD et al., 2006). A diferenciação eritroide terminal ocorre em nichos anatômicos conhecidos como ilhas eritroblásticas. As ilhas eritroblásticas são únicas na eritropoiese de mamíferos e consistem em um macrófago central cercado por até 30 células eritroides em graus variados de maturação dos eritrócitos (LEE et al. 1988). Os macrófagos nas ilhas eritroblásticas também ajudam a regular a taxa de eritropoiese por meio de mecanismos de feedback positivo e negativo. Os macrófagos secretam citocinas, como o fator de crescimento semelhante à insulina-1, que promove a proliferação e maturação eritroide (KURTZ et al., 1985). Em torno dos 20 anos de idade, a medula óssea das cavidades e dos ossos longos, à exceção da porção superior do úmero e do fêmur, torna-se inativa. A medula celular ativa é denominada medula vermelha, enquanto a medula inativa infiltrada por gordura é denominada medula amarela. A medula óssea é na realidade, um dos maiores órgãos do corpo, e seus tamanho e peso aproximam-se dos do fígado. Trata-se também de um dos órgãosmais ativos. Em condições normais, 75% das células presentes na medula óssea pertencem à série mieloide de células produtoras de leucócitos, e apenas 25% consistem em eritrócitos em processo de maturação, apesar de existirem 500 vezes mais eritrócitos do que leucócitos na circulação. Essa diferença na medula reflete o fato de que o tempo médio de vida dos leucócitos é curto, quando comparado ao dos eritrócitos, considerado longo. O órgão responsável pela sobrevida dos eritrócitos é o rim. Os rins podem detectar baixas quantidades de oxigênio no sangue. Quando isto ocorre, os rins respondem pela liberação de um hormônio chamado eritropoietina, que atua na medula óssea vermelha para estimular a produção de mais eritrócitos. Os fatores estimulantes para a formação de colônias eritroides (a eritropoietina – EPO), é um dos fatores nutrientes para a proliferação, diferenciação e amadurecimento dos precursores em eritrócitos e formação de todos os seus constituintes, principalmente a hemoglobina. Portanto, a síntese da EPO está condicionada a um mecanismo autorregulatório cuja causa principal é a hipóxia. Dessa forma, juntamente com o estímulo da interleucina 3 (IL-3) e do GM-CSF, principalmente, haverá formação das BFU-E (unidades formadoras de explosão eritroide), com capacidade 25 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I mitótica (proliferação) muito grande. Estas BFU-E, sob o estímulo da EPO, diferenciam-se em CFU-E (unidades formadoras de colônias eritroides), também denominadas células comprometidas da linhagem eritroide, que se diferenciarão em proeritroblastos (PE, primeiras células da linhagem eritroide). Uma vez que a eritropoietina estimula a medula óssea para a produção dos eritrócitos, uma série de eventos ocorre. Na medula óssea há muitas células-tronco (stem cells) capazes de produzir todos os tipos de células sanguíneas. Diferenciam em células progenitoras, que por sua vez darão origem aos vários tipos diferenciados de células sanguíneas, incluindo os eritrócitos. Quando as células que darão origem aos eritrócitos estão maduras, elas perdem seus núcleos e ficam cheias de hemoglobina, se tornando em reticulócitos prontos para sair da medula óssea, atravessar os capilares sanguíneos e caírem na circulação corpórea. Nas amostras de sangue, os reticulócitos podem ser diferenciados dos eritrócitos porque eles ainda contêm resíduos de seus núcleos. Dentro de poucos dias, os reticulócitos perdem completamente todo o seu material nuclear e se torna um eritrócito, o qual está pronto para transportar o oxigênio que o corpo necessita. Após três ou quatro meses, os eritrócitos começam a enfraquecer, as membranas começam a se fragilizar e podem sofrer rupturas durante a passagem pelos pequenos canais na circulação. Estas “células velhas” são sequestradas pelo baço e, em geral, perdem muitos de seus componentes, em especial o ferro, que é o principal componente da hemoglobina, eles serão reciclados e formarão novos eritrócitos. Todos os dias são produzidos novos eritrócitos para substituir os velhos, ou aqueles que tiverem sofrido danos ou morrerem. O corpo também aumenta a produção de eritrócitos conforme a demanda de oxigênio, por exemplo, quando uma pessoa está em altas altitudes, onde a quantidade de oxigênio no ar está drasticamente diminuída, insuficiente quantidade de oxigênio é transportada para os tecidos, e as células vermelhas são produzidas tão rapidamente que o número de eritrócitos no sangue encontra-se aumentado. Da mesma forma, se o suprimento de oxigênio é maior do que o corpo demanda, poucos eritrócitos serão produzidos, funcionando, portanto, como um mecanismo de feedback. 26 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO Para que a eritropoiese ocorra, é essencial a aquisição de proteínas, carboidratos, sais minerais e vitaminas. O ferro, ácido fólico e vitamina B12 são os elementos essenciais, além da piridoxina e ácido ascórbico, considerados também essenciais. Para eficiente absorção do ferro, é necessário também ácido hipoclorídrico e ácido ascórbico, e é dependente de uma proteína denominada transferrina, que irá transportar o ferro da medula óssea para o fígado e outros órgãos responsáveis pelo estoque do ferro. Dessa forma se faz necessário uma breve explicação de alguns destes elementos catalizadores da eritropoiese descritos acima. As vitaminas do complexo B, em destaque as vitaminas B6 (Piridoxina), B9 (Ácido Fólico) e B12 (Cobalamina) assumem papéis relevantes no processo eritrocitário. Vitaminas do complexo B são vitaminas extremamente solúveis em meio aquoso tornando-as envolvidas em várias funções celulares consideradas normais como por exemplo o fornecimento de resíduos de carbono para a purina e síntese de pirimidina, a síntese de nucleoproteínas e especificamente para nosso tema em questão, a manutenção contínua da eritropoiese (CAPELLI et al., 2019). A piridoxina (vitamina B6) é uma nomenclatura que inclui piridoxina, piridoxal e piridoxamina, todos subprodutos da piridina. A diferença entre estes grupos se concentra na natureza do grupo funcional ligado ao anel. Na verdade, os três compostos são considerados como precursores do piridoxal fosfato, a coenzima biologicamente ativa. Este composto, por sua vez, atua uma coenzima para um número expressivo de enzimas, especificamente aquelas que catalisam reações com aminoácidos (CHAMPE et al, 2006). Um ponto muito importante para relatarmos aqui é que todas as formas da vitamina B6 conseguem atravessar as barreiras da mucosa do intestino e serem absorvidas (BAYNES; DOMINICZAK, 2010). Outra função conhecida da vitamina B6, a piridoxina envolve sua participação direta na síntese dos neurotransmissores serotonina e noradrenalina, além de, para nosso caso aqui ser estritamente necessária na formação do grupo heme, ou seja, no processo de eritropoiese como um todo (BAYNES; DOMINICZAK, 2010). Já a vitamina B9, mais conhecida como ácido fólico ou folato, tem sua origem em grupos poliglutamatos que por sua vez no intestino são convertidos em porções menores, chamadas de monoglutamatos, facilitando seu transporte pela mucosa intestinal por algum carreador específico (CAPELLI et al., 2019). O ácido fólico é necessário no apoio ao processo e síntese de proliferação e maturação das células de perfil eritroblástico. A vitamina B9 necessariamente 27 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I deve estar em quantidades consideradas adequadas para realizar as sínteses padrões de metionina e timidalatos, presentes na replicação de DNA e também na divisão das progênies celulares (NAOUM, 2008). Assim, células em rápido processo de divisão têm maior demanda por folato, para cumprir sua função na síntese de timina das purinas e pirimidinas, e consequente síntese de DNA (BAYNES; DOMINICZAK, 2010). Como ponto interessante da importância dessa vitamina B9 tomamos por base a toxicidade seletiva que acontece em células de crescimento acelerado, como as células bacterianas e células tumorais levando à criação de análogos estruturais de folato (chamados de antagonistas do ácido fólico), muito aplicados funcionalmente como antibióticos e agentes antitumorais (BAYNES; DOMINICZAK, 2010). A vitamina B12 (cobalamina) também tem participação efetiva em processos proliferativos e de maturação das células eritroblásticas. Ela é necessária ainda para duas reações enzimáticas essenciais e consideradas importantes como a síntese de metionina e a isomerização da metilmalonil-CoA, nos processos de degradação de alguns aminoácidos e de ácidos graxos com número ímpar de átomos de carbono (CHAMPE et al., 2006). Outro ponto de destaque para a vitamina B12 está no fato de apresentar uma estrutura em forma de anel muito parecido ao anel de porfirina do grupamento heme, porém, com mais átomos de hidrogênio. No centro da estrutura temos o íon cobalto (CO3+) no lugar do ferro, sendo esta a única participação funcionalconhecida do cobalto em nosso organismo (BAYNES; DOMINICZAK, 2010). A vitamina B12 é sintetizada somente por microrganismos, destacadamente naqueles presentes no sistema digestivo de herbívoros além de ser a vitamina requerida em menor quantidade diária, devido ao acúmulo no fígado e músculos (VIEIRA, 2003). Para a absorção da vitamina B12, é necessária a participação do fator intrínseco, uma substância secretada pelas células parietais da mucosa gástrica. Para tanto, é necessário funcionamento normal da mucosa gástrica para estes elementos serem absorvidos. Em situações de deficiência desses elementos no organismo, o ferro, o ácido fólico e a vitamina B12, estocados no fígado, são requisitados para suprirem esta carência. A seguinte figura mostra o desenvolvimento dos precursores celulares a partir da célula progenitora indiferenciada “stem cell”. 28 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO Figura 3. Eritropoiese. M ed ul a Ó ss ea M ed ul a Pe rif ér ic o Precursor Eritrocítico/Megacariocítico Precursor Eritrocítico Hemácias Eritropoiese Fonte: https://www.slideshare.net/areadasaude/03-sangue-e-hematopoese. Acesso em: 10 jan. 2020. Fases de desenvolvimento das células eritrocitárias As células sanguíneas são produzidas a partir de uma célula-tronco mieloide (Stem cell), a qual é transformada em proeritroblasto, que dará origem aos eritroblastos basofílicos os quais produzem grandes quantidades de ribossomos. Durante estas primeiras duas fases, as células se dividem muitas vezes. Desde a fase do eritroblasto precoce até a fase do eritroblasto tardio, já ocorre a síntese de hemoglobina e o estoque de ferro. A cor do citoplasma celular muda de azul característico dos ribossomos e se torna cor-de-rosa devido à hemoglobina. Neste estágio, e posteriormente quando a célula se torna normoblasto, a concentração de hemoglobina na célula chega a cerca de 34%, muitas de suas organelas são ejetadas bem como o núcleo. Isto fará com que a célula tome um formato bicôncavo, tornando-se então um reticulócito, estes reticulócitos são considerados eritrócitos jovens porque contém ainda ribossomas. Então, os reticulócitos completos pela hemoglobina, irão entrar na corrente sanguínea para o transporte de oxigênio. Normalmente os reticulócitos se tornam em eritrócitos maduros dentro de dois dias, período em que os ribossomas serão degradados pelas enzimas intracelulares. 29 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I Figura 4. Fases de desenvolvimento das células eritrocitárias. Maturação de Precursores Eritrocíticos Proeritroblasto Eritroblasto basófilo Eritroblasto policromatófilo Eritroblasto ortocromático reticulócito eritrócito Medula óssea Sangue periférico Fonte: https://pt.slideshare.net/Natalianeto/tec-sanguineo-1458306. Acesso em: 10 jan. 2020. Precursores dos eritrócitos Os precursores dos eritrócitos, assim como suas características principais, são: a. Proeritroblasto: é o maior dos precursores eritroides, o núcleo apresenta um padrão de cromatina fina e uniforme. A membrana nuclear é evidente, estão presentes um ou mais nucléolos proeminentes. O citoplasma possui uma qualidade heterogênea, ocorrendo em quantidade moderada e sendo normalmente basofílico; não há grânulos presentes. O proeritroblasto sofre mitose e forma dois eritroblastos basofílicos. b. Eritroblasto basofílico: possui uma cromatina ligeiramente mais grosseira, que se cora com intensidade, a cromatina pode estar parcialmente aglutinada e o padrão pode sugerir uma roda de carroça, de grossos aros. A paracromatina (a parte não cromatínica do núcleo) está diferenciada, e se cora em rosa. Há nucléolos presentes, mas nem sempre podem ser visualizados. A relação nuclear/citoplasmática (N/C) é moderada; cerca de um quarto da área celular total parece ser constituído de citoplasma. O citoplasma é intensamente basofílico, graças à abundância de RNA; nos estudos de microscopia eletrônica, boa parte dessa molécula fica evidenciada na forma de polirribossomos. As bordas celulares dos eritroblastos primitivos frequentemente são irregulares graças à ocorrência de 30 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO pseudopodos. Depois da mitose o eritrobasto basofílico passa a dar origem aos eritroblastos policromatofílicos (Figura 5b). c. Eritroblasto policromatofílico: é ligeiramente menor que o eritroblasto basofílico. O núcleo ocupa cerca da metade da área da célula, cora-se intensamente, e apresenta uma cromatina moderadamente condensada, nitidamente distinta da paracromatina cor-de-rosa. O eritroblasto policromatofílico passa por uma ou duas divisões mitóticas. Depois da última mitose, o núcleo torna-se pequeno e denso (picnótico), sendo então atingindo o estágio de eritroblasto ortocromático (Figura 5c). d. Eritroblasto ortocromático: a célula é menor que o eritroblasto policromatofílico e apresenta-se com menor relação N/C. O citoplasma contém hemoglobina mais abundante e menor número de polirribossomos, permanecendo ligeiramente policromatofílica. Não é mais possível a ocorrência da mitose. Acompanhado por contrações e ondulações citoplasmáticas, o núcleo e uma pequena parte da porção citoplasmática são ejetados do eritroblasto ortocromático, formando o reticulócito (Figura 5d). e. Reticulócito: o reticulócito é policromatofílico em decorrência da retenção do RNA. Como o núcleo não está mais presente no reticulócito cessa a síntese do RNA, ainda assim, o RNA presente permanece durante alguns dias, e a síntese de proteínas e do grupo heme continuam no reticulócito até que a célula perca seu RNA e mitocôndrias (Figura 5e). f. Eritrócito: tem o tamanho de 6 a 8 µm, o citoplasma é rosa, os eritrócitos maduros são anucleados, com formato bicôncavo. Este formato ocorre devido as interações entre os elementos proteicos situados na membrana eritrocitária. As proteínas denominadas banda 3 e glicoforina compõem a camada dupla lipoproteica da membrana do eritrócito, e as proteínas espectrina, anquirina e proteína compõem a região mais interna, junto ao citoplasma. A morfologia e a função dos eritrócitos podem ficar comprometidas em casos de defeitos destas proteínas. 31 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I Figura 5. Precursores dos eritrócitos. a b c d e f Fontes: https://docplayer.com.br/58278280-Prof-dr-adilson-donizeti-damasceno-professor-adjunto-i-dmv-ev-ufg.html; http:// atlas.gechem.org/es/component/k2/itemlist/category/10-1-1-1-serie-eritroblastica; http://www.hemoglobinopatias.com.br/d- falciforme/diagnostico.htm. Acesso em: 10 jan. 2020. Sintetizando e enriquecendo nossas informações Os elementos citológicos do sangue derivam de uma célula primitiva ou célula-mãe (célula mesenquimal indiferenciada), na qual, por diferenciação, se originam as células progenitoras das células adultas que se encontram no sangue. As células progenitoras ou células “blastos” são o: eritroblasto, que origina os eritrócitos; o mieloblasto, que dá origem aos granulócitos; o linfoblasto, aos linfócitos; o normoblasto, aos monócitos; e o megacariocito, às plaquetas ou trombócitos. A célula mesenquimal primitiva, segundo o setor hematopoiético em que se encontra, dá origem sempre às mesmas células blastos. Assim, a célula mesenquimal do sistema mieloide dá origem aos eritroblastos, aos mieloblastos e aos megacarioblastos; a do sistema linfoide, aos linfoblastos; e a do sistema reticuloendotelial, aos monoblastos. Teorias da Hematogênese: há divergências quando se trata de estabelecer quais as células que se interpõem entre a célula mesenquimal primitiva e as células diferenciadas, ou células blastos. Há, portanto duas teorias: a teoria monofilética, admitindo que todos os elementos morfológicos do sangue provêm de uma célula ancestral comum a todos; e a outra teoria polifilética, partidária de que cada célula sanguíneatem seu precursor individual. Muitos autores tendem a adotar a teoria polifilética, em que 32 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO cada célula sanguínea tem seu precursor individual. De acordo com vários trabalhos, os fatores hormonais participam nos mecanismos de formação das células precursoras, assim, formação dos eritrócitos acha-se subordinada a eritropoietina, um hormônio produzido pelo rim, que tem a propriedade de estimular a maturação do hemocitoblasto mieloide, diferenciando-o e transformando-o em proeritroblasto e, assim sucessivamente, até o eritrócito maduro. A produção das plaquetas por sua vez, é regulada pela trombopoetina, e a leucopoetina está envolvida na regulação da formação dos leucócitos. Alterações morfológicas dos eritrócitos Os eritrócitos podem sofrer alterações morfológicas, as quais podem ser classificadas conforme as variações no tamanho (anisocitose), na cor (anisocromia) e na forma (poiquilocitose). Anisocitose O diâmetro normal dos eritrócitos varia entre 6,5 – 8,5 µm (média 7,5 µm). Os eritrócitos de tamanho normal são também chamados de normócitos. Quando alterados em relação ao tamanho são denominados: » Macrócito: possui diâmetro maior, cerca de 8,5–10 µm, é originado de macroeritroblastos. A macrocitose é decorrente da deficiência de vitamina B12 e de ácido fólico (Figura 6a). » Micrócito: possui diâmetro menor do que o normal, inferior a 6 µm, é originado de microeritroblastos. A microcitose ocorre nos casos de deficiências de ferro e nas talassemias (Figura 6b). » Megalócito: possui diâmetro bem maior do que o normal, acima de 10 µm, é originado de megaloblastos. A megalocitose ocorre nos casos de anemias megaloblásticas (Figura 6c). Anisocromia O termo anisocromia é designado para denominar a variação do conteúdo de hemoglobina dos eritrócitos. A anisocromia ocorre quando na presença de ambos, eritrócitos normocrômicos e hipocrômicos no sangue. Na anemia sideroblástica, 33 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I em que os eritrócitos normocrômicos e hipocrômicos são encontrados, indicam a produção destas células pela medula óssea. Em outros casos, como nas transfusões sanguíneas de pacientes que possuem anemia hipocrômica e recebem sangue com eritrócitos normais; ou ainda, as hemácias normais quando coradas com corante panóptico, podem apresentar um halo central mais claro após a coloração, indicando uma análise falso-positiva. Quanto às alterações de cor, as hemácias podem ser: » Hemácia hipocrômica: possui um halo central maior, cerca de 1/3 do diâmetro celular, contém maior concentração de hemoglobina devido à morfologia achatada da célula. A hemácia hipocrômica, normalmente é também microcítica, e ocorre nos casos de anemias ferroprivas, nas talassemias e outras causas (Figura 6d). » Hemácia Hipercrômica: quando a hemácia normal está saturada com hemoglobina, a coloração apresenta-se mais intensa, como exemplo os esferócitos que apresentam uma aparência densa ou “hipercrômica”. No entanto, os valores de HCM não se alteram, exceto em condições em que a síntese de hemoglobina está gravemente afetada. Assim, a contagem eletrônica do HCM serve apenas para confirmar o VCM medido diretamente. Nos macrócitos e megalócitos, ocorre a hipercromia, no entanto, o valor da HCM não ultrapassa ao normal, indicando que a hemácia não transporta hemoglobina excedente, ou seja, além da sua capacidade de saturação (Figura 6e). » Hemácia Policromática: apresenta basofilia em algumas colorações, como os panópticos, em função da presença de RNA ribossômico, apresenta também acidofilia em função da presença de hemoglobina, e mistas – uma coloração ligeiramente azulada ou acinzentada. Pode ocorrer naquelas células que perderam seus núcleos, antes de completar a hemoglobinização no citoplasma celular, mas que ainda não perderam os ribossomas. As hemácias policromáticas podem aparecer nos casos de anemias hemolíticas (Figura 6f). Hemácias com inclusões: » Hemácia com Pontilhado Basófilo: apresenta granulações basofílicas nas colorações vitais, os grânulos variam de tamanho e são geralmente puntiformes, compostos de RNA ribossômico e 34 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO mitocondrial. Podem ocorrer nas intoxicações por chumbo, nas talassemias, secundariamente às leucemias, nas anemias ferroprivas e outras (Figura 6g). » Hemácia com Corpúsculos de Howell-Jolly: fragmento cromossômico pequeno, denso, basofílico, em formato arredondado, geralmente único, que se desprendeu do restante da cromatina nuclear. Em geral, aparecem 1 a 2 corpúsculos esféricos na hemácia, com diâmetro de cerca de 0,5 µm, compostos por DNA. Os corpúsculos de Howell-Jolly podem ser ainda provenientes da cariorrexis, na fase terminal da maturação, antes da expulsão completa do núcleo. Podem aparecer em hemácias, reticulócitos e eritroblastos; após uma esplenectomia, nas anemias hemolíticas, nas anemias megaloblásticas, secundariamente às leucemias, e outras (Figura 6h). » Hemácia com Anel de Cabot: a célula apresenta uma cor lilás-azulada em forma de anel ou “em oito”, como remanescentes nucleares do final do fuso mitótico. Ocorre nas anemias megaloblásticas, leucemias, mielodisplasias, talassemias, intoxicação por chumbo etc. (Figura 6i). » Hemácia com Corpúsculos de Heinz: é caracterizada pela presença de inclusões citoplasmáticas nas hemácias, apresentam formato ovalado, arredondado ou angular (0,3 a 2µ de diâmetro); em geral, são únicas e pouco evidenciadas na Coloração Panótica, mas sim na Vital. São formadas por hemoglobina desnaturada dos tipos: Alfa 2, Beta 4, Gama 4 e Delta 4. São decorrentes da deficiência da Glicose-6-fosfato-desifrogenase, e ainda aparecem também nas intoxicações pelo chumbo, Fenil-hidrazina e outros (Figura 6j). » Hemácia com Corpúsculos de Pappenheimer: também denominado siderócito, que significa depósito de ferro nos eritrócitos. Podem aparecer como um único grânulo, ou múltiplos grânulos azuis, quando corados pelo corante Azul da Prússia. Na medula óssea, os siderócitos podem aparecer como uma forma em anel em volta do núcleo dos sideroblastos. Quando em casos patológicos, é possível ver os grânulos pela coloração usual Panóptica. Ocorrem nos casos de esplenectomia, talassemias etc. (Figura 6k). 35 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I » Hemoglobina H – Hb H: a precipitação intraeritrocitária de corpúsculos de Hb H ocorre devido à disfunção da síntese da globina alfa (que estão diminuídas) e de globinas beta (que estão normais). As globinas beta se tetramerizam em complexos de globina b4, formando moléculas instáveis de hemoglobinas conhecidas por Hb H. Portanto, a ocorrência de Hb H pode ser indicativa de talassemia alfa. A precipitação de Hb H, se caracteriza por múltiplos corpúsculos homogeneamente distribuídos nos eritrócitos. (Figura 6l). Figura 6. Alterações morfológicas dos eritrócitos: a-c) Anisocitose; d-f) Anisocromia; g-l) Hemácias com inclusões citoplasmáticas. Fonte: http://www.ciencianews.com.br/arquivos/ACET/IMAGENS/livros/acesso_gratuito/Livro_completo%20-%20Hematologia%20 Eritrocitos.pdf. Acesso em: 10 jan. 2020. Poiquilocitose A morfologia do eritrócito é bicôncava. Uma região central mais clara (halo) do que a da zona periférica pode ser vista, quando de frente, ao microscópio. Isto é decorrente da distribuição da hemoglobina da parte bicôncava da hemácia. 36 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO Quanto às alterações de forma, as hemácias podem ser: » Hemácia em Alvo: (“target cell”), codócito ou leptócito: são eritrócitos que na circulação se apresentam em forma de sino (codócitos). Possuem excesso de lipídios na membrana, região intermediária mais delgada (passagem de luz), e região central densa, de onde se tem o aspecto de alvo. Exemplos: hemoglobinopatias C, S e E (em homo ou heterozigose); talassemias; interações MbS — talassemias; hepatopatias,pós-esplenectomia; deficiência de LCAT; anemia ferropriva etc. (Figura 7a). » Hemácia Esferocítica: são eritrócitos pequenos e de formato esférico, ocorre uma alteração na proteína da membrana, de forma que a célula perde a biconcavidade. Pode haver diminuição de espectrinas, de anquirina, entre outras, na membrana destas hemácias. A célula apresenta-se hipercorada (de hemoglobina). Exemplos: anemias hemolíticas autoimunes, esferocíticas, hereditárias e adquiridas (Figura 7b). » Hemácia Ovalocítica e Eliptocítica: são eritrócitos alongados em forma oval ou elíptica. São decorrentes de defeitos nas proteínas de membrana eritrocitária (eliptocitose) ou como forma alongada, consequente à falta de conteúdo por defeito maturativo de hemoglobinização. Exemplos: eliptocitose hereditária; anemia ferropriva (eliptócitos hipocrômicos – células alongadas em forma de lápis ou charuto); anemias megaloblásticas; mielofribose com metaplasia mieloide. As formas aparentemente elípticas da anemia falciforme, fase anterior à formação da célula em foice desoxigenada, não são nem devem ser referenciadas como eliptócitos. Pode ocorrer por diminuição de espectrina, glicoforina C etc. (Figura 7c). » Hemácia Falciforme: são eritrócitos em que 50% ou mais do total de hemoglobina são MbS. Quando desoxigenadas na circulação, adquirindo forma de foice e são denominados drepanócitos. Não esquecer que as formas não totalmente desoxigenadas assemelham- se (apenas morfologicamente) aos eliptícitos. Entretanto, não devem ser referidos como tais células, pois de forma alguma trata-se de eritrócitos com defeitos nas proteínas de membrana (cauda da eliptocitose), mas na verdade, defeito na molécula de hemoglobina. Exemplos: doenças falciformes, como a anemia falciforme (SS); 37 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I doença SC; interações MbS-talassemias; MbS-persistência de Hb fetal; SD; SE; etc. (Figura 7d). » Hemácia Estomatocítica: são eritrócitos com halo central em forma de fenda, semelhante a uma “boca”; há grande permeabilidade da membrana a cátions monovalentes. Muitas vezes, esta forma de hemácia pode ser encontrada como decorrência de artefato de técnica. Exemplos: doenças hepáticas; recém-nascidos; tratamento com asparaginase; estomacitose hereditária. (Figura 7e). » Esquizócitos ou hemácias fantasmas: são pedaços distorcidos, restos ou fragmentos de eritrócitos sem forma definida. São decorrentes de várias etiologias, geralmente por trauma mecânico, na vasculatura por filamentos de fibrina ou por próteses cardíacas. Exemplos: anemias microangiopáticas (coagulação intravascular disseminada – CIVD); púrpura trombocitopênica trombótica (PTT); síndrome-hemolítico-urêmica SHU; lúpus eritematoso, glomerulonefrites agudas; hipertensão maligna; eclâmpsia; hemangiomas; amiloidose, pacientes com válvulas cardíacas; talassemia maior, anemia hemolítica por drogas; anemia hemolítica por queimaduras; anemia por traumas mecânicos; na poiquilocitose hereditária etc. (Figura 7f). » Hemácias em Roleaux: empilhamento dos eritrócitos por neutralização da repulsão natural entre eles. É causado pela presença de macroglobulinas plasmáticas. São frequentes nos casos de mieloma múltiplo e macroglobulinemia. (Figura 7g) » Hemácia Acantocítica (akantha= espinho): apresenta forma geralmente arredondada, com proeminências pontiagudas, em pequeno número e que se dispõem de modo não simétrico na superfície celular. É caracterizada pela alteração no metabolismo dos fosfolípides, resultante de beta-lipoproteínas. Exemplos: hepatopatias graves; insuficiência renal; acantocitose hereditária; prematuros; esplenectomizados; uremia; alcoolismo; etc. (Figura 7h). » Dacriócitos: são eritrócitos em forma de lágrima ou gota. De tamanho variável, os dacriócitos podem ser normocrômico ou hipocrômico. São observados nas mieloproliferações, principalmente na mielofibrose com metaplasia mieloide; talasemias; anemias megaloblásticas; etc. (Figura 7i). 38 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO Figura 7. Alterações de forma as hemácias. Fonte: http://www.ciencianews.com.br/arquivos/ACET/IMAGENS/livros/acesso_gratuito/Livro_completo%20-%20Hematologia%20 Eritrocitos.pdf. Acesso em: 10 jan. 2020. Enquanto se examina a morfologia das hemácias, devem-se levantar as seguintes questões: 1. Como a aparência das hemácias no esfregaço amplia a informação sobre o seu tamanho obtido pelo VCM? 2. O que significa o achado de macrócitos policromatofílicos em um esfregaço? Caso haja pequenos números de macrófagos policromatófilos acompanhados por números proporcionalmente altos de hemácias nucleadas, qual seria a hipótese diagnóstica? 3. As alterações morfológicas são sugestivas de distúrbio na produção de hemácias ou de uma hemoglobinopatia? Por exemplo: » Células ovais ou em forma de lágrima, que são vistas na anemia megaloblástica e na mielofibrose com metaplasia mieloide extramedular. » Siderócitos, que são células contendo ferro não ligado à hemoglobina na forma de grânulos agrupados de ferritina e que podem indicar síntese de hemoglobina prejudicada, não devido à deficiência de ferro. 39 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I » Células em alvo, que são células cujas membranas são muitos grandes para as células e que são encontradas em pacientes com doença hepática, com hemoglobina C, E, ou S e nas síndromes talassêmicas. » Pontilhado basófilo, que resulta na precipitação de DNA dos ribossomos. As quantidades de RNA aumentadas em macrócitos policromatófilos ocasionalmente precipitam quando se cora o esfregaço com corante de Wright. Isto leva à formação de um pontilhado basófilo fino, um achado que não tem significado além daquele do macrócito policromatófilo em si. No entanto, em certos distúrbios da eritropoiese, como o envenenamento por chumbo e talassemia, as hemácias podem conter agregados residuais anormais de material ribossômico que precipitam quando se coram na forma de um pontilhado basófilo grosseiro. Série plaquetária As plaquetas se originam de megacariócitos poliploides, as maiores dentre todas as células hematopoiéticas, e que representam menos de 1% do total das células nucleadas da medula óssea. Os megacariócitos originam-se da célula-tronco hematopoiética multipotencial, e em seguida de uma célula progenitora comprometida. Com base em estudos in vitro e in vivo, é provável que a proliferação dos megacariócitos seja regulada por pelo menos dois fatores humorais: um fator (Meg-CSF) que induz a proliferação dos CFU-Megs, e um fator similar à trombopoietina, que promove diferenciação e maturação dos megacariócitos. O desenvolvimento dos megacariócitos está caracterizado por endomitose, a divisão nuclear sem divisão citoplasmática, que resulta em ploidias que variam de 2N a 64N. A maioria é dos tipos 8N e 16N, com números menores a cada lado. Os lobos nucleares não se correlacionam precisamente com a ploidia. O tempo de maturação para os megacariócitos na medula é de cerca de 5 dias nos seres humanos. As plaquetas são liberadas nos seios medulares ao longo de um período de várias horas, e os núcleos dos megacariócitos sofrem fagocitose pelos macrófagos. As plaquetas recém-liberadas parecem maiores, de metabolismo mais ativo e mais efetivas na homeostasia. 40 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO As plaquetas circulam numa concentração estável, na média de 275x109/L. Em qualquer momento, cerca de dois terços das plaquetas totais estão circulando, por outro lado, em pacientes com doenças caracterizadas por esplenomegalia, 80 a 90% das plaquetas podem estar sequestradas no baço, resultando numa diminuição da concentração das plaquetas circulantes (trombocitopenia), em função dessa alteração da distribuição. As plaquetas sobrevivem por 8 a 11 dias na circulação. Algumas plaquetas são provavelmente utilizadas na manutenção da integridade vasculare no tamponamento de pequenas lesões vasculares (perda aleatória), e outras provavelmente são removidas pelo sistema fagocitário mononuclear, ao entrarem na senescência. Normalmente as plaquetas mantém a integridade (estado de vedação) dos vasos sanguíneos, e formam rolhas hemostáticas para a interrupção da perda do sangue por vasos lesionados e, no processo, promovem a coagulação dos fatores plasmáticos. Fases da maturação das plaquetas: » Megacarioblasto: mais primitivo identificável, apresenta lobos nucleares superpostos e pequena quantidade de um citoplasma basofílico e sem granulações. Este elemento pode ser encontrado no sangue circulante somente em pequenos fragmentos nucleares, porque as porções maiores ficam retidas nos capilares. » Promegacariócito: os lobos nucleares aumentam e expandem-se, e grânulos vermelhos-róseos passam a ser visualizados, primeiramente no centro da célula. » Megacariócito granular: é caracterizado por um alastramento difuso dos grânulos vermelho-róseos através da maior parte do citoplasma e por mais crescimento e expansão dos lobos nucleares. » Megacariócito maduro: o núcleo é mais compacto, a basofilia desapareceu, e os grânulos estão reunidos em pequenos agregados. Estruturalmente, este aspecto é produzido por membranas superficiais invaginadas que separam o citoplasma em plaquetas individualizadas. Finalmente, as plaquetas são expelidas como fragmentos citoplasmáticos pela fusão das membranas de demarcação. Na medula óssea os megacariócitos situam-se adjacentes às paredes dos seios e as plaquetas são liberadas no lúmen sinusal. 41 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I » Plaquetas: de tamanho variando de 2 a 5µm, são porções de citoplasma, contendo granulações no seu interior. Não apresentam núcleo ou nucléolos. Nos esfregaços corados pelo método panóptico, distinguem-se duas partes das plaquetas: 1. Uma é periférica, hialina, acromófila ou levemente basófila (coloração ligeiramente azulada) – zona hialômera. 2. Outra é central, com finas granulações azurófilas, corando-se de violeta-púrpura – zona cromômera. Nos esfregaços sem coloração, aparecem como corpúsculos de cor cinza, com tendência a formar agregação amorfa, a que se aderem os primeiros filamentos de fibrina, quando se inicia a coagulação. Nas preparações a fresco, distinguem-se, também uma zona periférica, hialina transparente, e outra central, granulosa. A zona central, granulosa, cromófila tem sido considerada de origem nuclear, o que é inteiramente errôneo, pois não dá as reações específicas da cromatina nuclear. São apenas substâncias cromatófilas. Em condições patológicas as plaquetas sofrem as seguintes alterações: 1. Alterações do tamanho ou anisocitose plaquetária: observam-se plaquetas pequenas, médias ou grandes (plaquetas gigantes). 2. Alterações da forma ou pecilocitose trombocítica: as plaquetas podem assumir diferentes aspectos. 3. Alterações da coloração ou anisocromia trombocítica: apresentam-se patologicamente, com zona periférica basófila, anormalmente intensa, com agrupamento das granulações em blocos, ou com repartição anormal das granulações, com tamanho anormal das granulações, vacuolização patológica e falta de agregação (trombastenia). Estas alterações são encontradas, principalmente, nos casos de hiperatividade das células gigantes da medula óssea, como ocorre na mielose e em certas anemias, ou na disfunção e destruição progressiva dos megacariócitos na anemia perniciosa, na anemia aplástica, nas leucemias nos estados hemorrágicos. 42 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO Figura 8. Ilustração das fases de maturação das plaquetas. Megacarioblasto Promegacariócito Megacariócito granular Megacariócit o liberador de plaquetas PLAQUETAS Fonte: http://trombopoyesistm25.blogspot.com/2013/06/maduracion-plaquetaria.html. Acesso em: 10 jan. 2020. Figura 9. Detalhes das fases de maturação das plaquetas: a) Megacarioblasto; b) Promegacariócito; c) Megacariócito granular; d) Megacariócito maduro; e) Plaquetas; f) Anisocitose plaquetária. a b c d e f Fonte: http://jpffhematologiafichero.blogspot.com/2014/10/megacarioblasto.html; http://jpffhematologiafichero.blogspot. com/2014/10/promegacariocito.html; https://educalingo.com/pt/dic-pt/megacariocito; http://mcvcorpohumano.blogspot. com/p/sistema-circulatorio_08.html; https://pt.medic-life.com/what-is-anisocytosis-16319. Acesso em: 10 jan. 2020. 43 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I Contagem manual de plaquetas Determinação direta das plaquetas em hemocitômetro de Neubauer, após diluição do sangue total em uma solução hipotônica lisante dos eritrócitos, de modo a obter o número de plaquetas por mm3 de sangue. Um método direto bastante usado e aconselhado é o método de Rees-Ecker. Método de Rees-Ecker: Material 1. material para punção digital ou venosa; 2. micropipeta de 0,02 ml; 3. câmara de Neubauer; 4. papel de filtro ou algodão; 5. placa de Petri. Solução diluidora: Citrato de Sódio.................................................................3,8 g Formol a 40%.....................................................................2,0 ml Azul de cresil brilhante......................................................0,05 g Água destilada..................................................................100,0 ml Procedimento: 1. em um tubo de ensaio médio, pipete 4,0 ml da solução diluidora; 2. adicionar 0,02 ml (20 µL) de sangue em EDTA ao líquido diluidor; limpar a ponteira com gaze ou papel, lavando a ponteira dentro do líquido; 3. agitar por inversão 2 minutos no mínimo; 4. encher os retículos da câmara de Neubauer; 5. deixar a preparação em repouso por 15 minutos; 44 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO 6. realizar a contagem em microscópio óptico em aumento de 400 x em 1/5 de mm2, conforme indicado para as hemácias. É necessária experiência e atenção para distinguir as plaquetas de sujidades. As plaquetas aparecem como corpos ovais ou alongados, altamente refringentes, com 1 a 5 mícron de diâmetro. Cálculos: Valores normais: 140.000 - 440.000/ mm3 Contar as plaquetas contidas nos 25 quadrados do retículo central da câmara de Neubauer, o fator de diluição será de 2.000, e aplicar a fórmula geral para obter o número de plaquetas (Pc) por mm3: Número de plaquetas contadas (Pc) x 10 x 200, ou seja, o valor obtido das Pc contadas em 1/5 de mm2 x 10.000 será igual ao valor das Pc. Metabolismo do eritrócito A atividade enzimática deficiente no eritrócito pode resultar em anormalidades que levam a uma destruição prematura e anemia hemolítica; estas desordens usualmente são herdadas. No entanto, mesmo em indivíduos que tenham eritrócitos normais, a interferência com estresse oxidativo no metabolismo do eritrócito, algumas vezes pode resultar em hemólise. Como a hemácia madura não possui mitocôndria, as vias de fosforilação oxidativa e do ciclo de Krebs não ocorrem. A via glicolítica é responsável por 90% da produção de energia, e, é decorrente da via Embden-Meyerhof; com glicólise sendo metabolizada a ácido lático com produção final de dois moles de adenosina trifosfato (ATP). Este último, o ATP, é utilizado nas reações que em que ocorre gasto energético da célula, alterações na polarização de membrana (transporte ativo de cátions), para manutenção da deformidade da membrana e para preservação do formato bicôncavo da célula. A maior parte da hemoglobina (metemoglobina) produzida na célula normal (cerca de 3% do total por dia) é reduzida pelo dinucleotídeo nicotinamida adenina (NAD) ligado à redutase Met-Hb. A via da pentose fosfato (shunt hexose monofosfato) gera dinucleotídeo nicotinamida adenina fosfato 45 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I (NADPH) nos primeiros dois passos, por meio das enzimas glicose-6- fosfato-desidrogenase (G6PD) e 6-fosfogluconato. A produção de NADPH é ligada à reduçãode glutationa e, por meio deste mecanismo, à preservação das enzimas vitais e da hemoglobina contra a oxidação. Pequenas quantidades de hemoglobina oxidada (metemoglobina) são reduzidas pela glutationa (GSH). A atividade da via da pentose fosfato aumenta quando a célula é exposta a uma droga antioxidante, provavelmente como resultado da produção aumentada de NADP. Se uma enzima nesta via não possuir atividade, a GSH não pode ser produzida e a hemoglobina será oxidada pelo estresse oxidante. O processo oxidativo nas hemácias requer o emprego de compostos de alta energia derivada do oxigênio, designados coletivamente como oxigênio ativado. A Hb oxidada desnatura e se precipita como corpúsculos de Heinz, os quais aderem à membrana, induzindo rigidez e tendência à lise. Deficiências enzimáticas moderadas nesta via (por ex.: na G6PD) podem não estar associadas à anemia em condições normais; no entanto, um episódio hemolítico agudo pode ocorrer se as células forem submetidas a um estresse oxidativo (droga, infecção). Deficiências na via Embden-Meyrhof resultam em uma produção prejudicada de ATP e em anemia hemolítica crônica. Ainda não está bem esclarecido o processo de destruição das hemácias neste caso. Os corpúsculos de Heinz não são formados. Parece que a falta da deformidade e deficiência na bomba de cátions pode ser importante no processo hemolítico. O shunt de Rapoport-Luebering é responsável pela conversão de 1,3-difisfoglicerato (1,3-DPG) para 2,3-difosfoglicerato (2,3DPG) ao invés de diretamente a 3-fosfoglicerato (3-PG). Se este shunt estiver ativo, a geração de 2 moles de ATP (por mol de glicose) é ignorada; como resultado, não há produção energética na glicólise. No entanto, a 2,3 DPG se combina com a cadeia da hemoglobina e diminui a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio. A uma dada pressão parcial de oxigênio, portanto, uma 2,3 DPG aumentada permite que mais oxigênio deixe a hemoglobina e vá para os tecidos; a curva de dissociação do oxigênio é desviada para a direita. Atividade aumentada deste shunt é aparentemente estimulada por hipóxia. 46 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO Figura 10. Vias metabólicas do eritrócito. NAD: nicotinamida adenina dinucleotídeo; NADH: forma reduzida do NAD; NADP: nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato; NADPH: forma reduzida do NADP; 2,3 DPG: 2,3-difosfoglicerato; GSH: glutationa reduzida; GSSG: glutationa oxidada. Via glicolítica de Embden-Meyerhoff I II III glicose-6-fosfato frutose-6P gliceraldeído 1,3-difosfoglicerato 3P-glicerato fosfoenol piruvato NAD NADH ADP ATP ADP ATP 6-P-gluconato ribulose 5-P GSH NADP GSSG NADPH glicose-6-fosfato desidrogenase Via de desvio pentose-fosfato estresse oxidante frutose 1,6 diP 2-P-glicerato II I piruvato cinase III lactato Fonte: http://www.ciencianews.com.br/arquivos/ACET/IMAGENS/doenca_dos_eritrocitos/doenca_dos_eritrocitos_o_eritrocito.pdf. Acesso em: 10 jan. 2020. A membrana eritrocitária A membrana do eritrócito contém aproximadamente quantidades iguais de lipídios e proteínas. Os lipídeos são fosfolipídios ou lipídeos neutros, e grande parte de colesterol não esterificado, os quais desempenham função importante na manutenção da flexibilidade e da deformabilidade celular. A bicamada lipídica atua como uma barreira para a retenção de cátions e ânions nas células vermelhas, enquanto permite que as moléculas de água passem livremente. Os eritrócitos humanos têm alto conteúdo de K + intracelular e 47 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I baixo teor de Na + intracelular quando comparados com as concentrações de íons correspondentes no plasma. A manutenção desse gradiente de cátion entre a célula e seu ambiente envolve um movimento passivo para fora do K +, que é bombeado de volta pela ação de uma bomba Na +/K + dependente de ATP em troca de íons Na +. Esta proteína pertence a uma classe de proteínas transmembranares com uma função de transporte (ANDOLFO et al, 2016). As proteínas que compõem a membrana eritrocitária podem ser divididas em duas porções: aquelas que atravessam a bicamada lipídica, chamadas de proteínas transmembrana, e as proteínas situadas na base da bicamada lipídica. As principais proteínas transmembranosas são a glicoforina A e a proteína banda 3. A primeira (glicoforina A) é composta por carboidratos situados na região externa da molécula, estas proteínas irão gerar carga negativa aos eritrócitos, impedindo sua aglutinação. As glicoforinas (GP) estão relacionadas com os antígenos eritrocitários. A proteína que exerce papel como canal transportador de ânions e água para a célula é a proteína banda 3, localizada no interior da bicamada lipídica. A banda 3 se liga com as outras proteínas ankirina e espectrina, localizadas na região periférica, que serve para fixar a membrana ao citoesqueleto. As proteínas associadas ao citoesqueleto são denominadas de periféricas. Dentre elas estão a espectrina, a actina, a ankirina, banda 3, glicofolinas. Alterações nos componentes da membrana, lipídeos ou proteínas, podem resultar em mudanças na forma com consequente diminuição da resistência aos insultos metabólicos e mecânicos que estas células sofrem constantemente na circulação e aumento da destruição destas células (anemia hemolítica). Figura 11. Diagrama de uma membrana eritrocitária com uma bicamada lipídica transfixada por proteínas integrais e sustentada por uma malha de espectrinas. Banda 3 Resíduos de carboidratos Banda 4.2 Glicoforina C Bicamada lipídica Ankirina Banda 4.1 Banda 4.9 Cadeia alfa Cadeia beta Tropomodulina Tropomiosina Actina Aducina Fonte: http://scielo.sld.cu/img/revistas/hih/v21n3/f0101305.jpg. Acesso em: 10 jan. 2020. 48 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO Transporte de moléculas Uma vez que a bicamada lipídica da membrana eritrocitária é impermeável a uma grande parte de moléculas, consequentemente, vários sistemas de proteínas transportadoras de membrana são utilizados nos processos transporte de moléculas para dentro ou fora da célula. A proteína Banda-3 parece funcionar como um poro transportador, permitindo o transporte de ânions como água, cloreto e bicarbonato, e também alguns cátions. CAPPELLINI, M. D.; FIORELLI, G. Glucose-6-phosphate dehydrogenase deficiency. Lancet. 371(9606):64-74, 2008. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/. TURBENDIAN, H. K.; PERLMAN, J.M. Glucose-6-phosphate dehydrogenase deficiency in triplets of African-American descent. J. Perinatol. 2006; 26(3):201-3. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/. BASKURT, O.K.; MEISELMAN, H.J. Erythrocyte aggregation: basic aspects and clínical importance. Clin Hemorheol Microcirc. 2012 http://www.ncbi.nlm.nih. gov/. Hemoglobina A hemoglobina é uma proteína conjugada, e o componente de maior importância aos eritrócitos. Serve de veículo para o transporte de oxigênio, e dióxido de carbono (CO2). Quando completamente saturado, cada grama de hemoglobina contém cerca de 1,34 ml de oxigênio. A massa sanguínea total do adulto normalmente contém 600 g de hemoglobina capazes de transportar 800 ml de oxigênio. Seu peso molecular é de 64,458 kD, e contém ferro o qual reage com uma molécula de oxigênio por equivalente. Cada molécula de hemoglobina compõe-se de quatro grupos heme, de estrutura porfirínica. Cada um contém um átomo de íon ferroso, ligado à parte proteica da molécula, a globina, constituída de quatro cadeias polipeptídicas. As cadeias polipeptídicas são dispostas aos pares, consistindo em ácidos aminados, ligados uns aos outros em sequência característica, formando longa cadeia. A molécula tem a forma de elipse helicoide, localizando-se cada grupo heme em sua superfície, em uma bolsa ou dobra de uma das cadeias polipeptídicas, onde funciona combinando reversivelmente com o oxigênio e o dióxido de carbono. A fração heme é a parte corada da molécula responsávelpela cor vermelha do sangue; a fração globínica é incolor. 49 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I A hemoglobina é a molécula primordial para transporte de oxigênio dos pulmões, onde sua tensão é alta, e para os tecidos, onde a tensão é baixa. A tensão do oxigênio de 100 mmHg nos capilares pulmonares, 95 a 98% da hemoglobina combinam-se com o oxigênio. Nos tecidos onde a tensão de oxigênio pode reduzir-se a 20 mmHg, o oxigênio dissocia-se logo da hemoglobina, a qual se transforma em hemoglobina reduzida, contendo menos de 30% de oxigênio. A hemoglobina está no sangue circulante sob duas formas: a. A oxiemoglobina, existente, sobretudo no sangue arterial, resulta da oxigenação da hemoglobina; representa a combinação reversível do oxigênio com o íon ferroso, bivalente, dos componentes heme. A oxiemoglobina é a base da função respiratória da hemoglobina. É vermelho-brilhante e facilmente solúvel em água. b. A hemoglobina reduzida, ou simplesmente não oxigenada, presente, sobretudo, no sangue venoso, contém também íon ferroso bivalente. É vermelho-escura e um pouco menos solúvel em água do que a oxiemoglobina. Cumpre assinalar que a oxigenação da hemoglobina produz a oxiemoglobina. Deve ser diferenciada da oxidação da hemoglobina, a qual transforma o ferro na forma bivalente ou íon ferroso, para a forma trivalente (íon férrico), transformando a oxiemoglobina, vermelho-brilhante, na metemoglobina, castanha. Conforme já mencionado, a globina, que é parte proteica da molécula hemoglobínica, compõe-se de quatro cadeias polipeptídicas, constituídas de ácidos aminados. Dependendo do número e sequência de ácidos aminados, as cadeias polipeptídicas são denominadas alfa (α), beta (β), gama (ɣ) e delta (δ). As combinações de um par de cadeias alfa (α) com um par de outras cadeias diferentes formam os três tipos de hemoglobinas normais. No cromossomo 11, estão localizados os genes beta, gama e delta, e o gene da cadeia alfa situa-se no cromossomo 16. O primeiro tipo de hemoglobina normal do sangue do adulto denomina-se HbA: constitui 95% ou mais de hemoglobina total do adulto. A fração globínica de cada molécula compõe-se de duas cadeias alfa (α), contendo 141 ácidos aminados cada uma, e duas cadeias beta (β), constituídas de 146 ácidos aminados. Sua fórmula é α2A β2A, indicando que a molécula é constituída de duas hemoglobinas normais A, de cadeias alfa (α), e duas hemoglobinas A, de cadeias beta (β). 50 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO O segundo tipo de hemoglobina normal é HbA2, corresponde a 1,5 – 3,0% da concentração de hemoglobina total presente no sangue de um adulto normal. Consiste em duas cadeias alfa (α), e duas cadeias delta (δ), compostas por 146 aminoácidos, diferindo das outras duas cadeias beta (β), as quais estão substituídas por 10 aminoácidos. Sua fórmula é a seguinte: α2Aδ2A2. O terceiro tipo de hemoglobina normal é a hemoglobina fetal – HbF – existente, em alta concentração, durante a vida fetal. No recém-nascido sua concentração é de 50 a 75% da hemoglobina total reduzindo-se progressiva e rapidamente a cerca de 5%, aos seis meses de idade, e atingindo a concentração de apenas 2% ou menos aos dois anos de idade. Compõe-se de duas cadeias alfa (α), e em lugar das cadeias beta (β), duas cadeias gama (ɣ) com 146 ácidos aminados. Sua fórmula é α2A ɣ2A. No início da vida fetal, encontram-se dois outros tipos de hemoglobina: as hemoglobinas primitivas ou embrionárias, que persistem somente durante cerca de três meses no embrião. Compõem-se de cadeias épsilon (ɛ), diferentes das demais cadeias. São a Hb Gower 1, cuja fórmula é ɛ4Gower 1, e a HH Gower 2, de fórmula α2Aɛ Gower 2. A sequência dos ácidos aminados de cada cadeia polipeptídica acha-se sob controle genético. Um gene controla a composição de duas cadeias idênticas: por exemplo, um gene controlando as duas cadeias alfa e outro gene controlando as duas cadeias beta. Cada molécula hemoglobínica é, pois, controlada por dois genes. Cada cadeia tem o peso molecular de 16.460 kD. A sequência dos ácidos aminados das cadeias polipeptídicas é que determina o comportamento eletroforético e/ou outras propriedades físico-químicas de cada hemoglobina, permitindo sua identificação. Baseando-se nestes métodos de identificação, as hemoglobinas classificam-se em normais e anormais. As normais são as hemoglobinas que podem ser identificadas no hemolisado do sangue de uma pessoa normal, em diferentes idades. As hemoglobinas anormais são resultantes de alterações congênitas na composição das cadeias polipeptídicas. A presença de hemoglobinas normais pode alterar sensivelmente as propriedades fisiológicas dos eritrócitos que as contém. 51 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I Figura 12. Estrutura do tetrâmero da Hb A com identificação de suas subunidades a1, a2, b1 e b2. Superfície externa: corresponde aos aminoácidos das regiões A, B e F nas globinas alfa e beta. Superfície interna: D e C. Grupo heme: G e H. N-terminal C-terminal Hemoglobina Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-siri7RiZtn8/Ti91LsjY26I/AAAAAAAACZw/btaOn1O_h1g/s1600/mioXhemoglobina.png. Acesso em: 10 jan. 2020. Metaemoglobina Em condições normais, uma pequena quantidade de hemoglobina é constantemente oxidada, formando-se a metaemoglobina. A metaemoglobina então é decorrente das mudanças nos processos fisiológicos da molécula de hemoglobina, ou seja, a mudança de seu estado oxigenado para o oxidado e vice-versa. Isso leva à mudança do Fe++ (ferroso) em Fe+++ (férrico). A célula tem sistemas redutores que permitem a volta do Fe+++ ao Fe++, havendo o equilíbrio entre a oxidação e a redução da hemoglobina. A enzima meta-hemoglobina-redutase (NADH-diaforase ou NADH- desidrogenase) permite tal redução, constituindo-se na principal via redutora da célula (Figura 12). Por volta de 1 a 3% da oxiemoglobina total circulante convertem-se espontaneamente em metaemoglobina. Em pessoas normais, os níveis quantitativos de meteamoglobina variam entre 0,3 a 4% do total de hemoglobina. Assim, a metaemoglobinemia é a situação clínica em cerca de 4% ou mais de hemoglobina foram oxidadas a Fe+++. A metaemoglobina não tem valor como pigmento respiratório, pois é incapaz de transportar o oxigênio. Há uma mudança de cor da hemoglobina em função da impossibilidade de fixar e transportar o oxigênio, mudando a cor vermelha do sangue para a cor 52 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO marrom ou chocolate. Quando a concentração da metaemoglobina excede a quantidade de 5% no sangue, a cor da hemoglobina desoxigenada escura, passa à cianótica. Na carboxiemoglobinemia, por sua vez, o monóxido de carbono (CO) se liga ao ferro heme da hemoglobina com uma afinidade 210 maior que a do oxigênio. Os eritrócitos normais contêm uma quantidade muito pequena de carboxiemoglobina devido à liberação de CO dos macrófagos após a captação de eritrócitos senescentes e a degradação do heme pela heme oxigenase. Níveis mais altos, embora não tóxicos, de HbCO estão presentes em pacientes com anemias hemolíticas. A inalação de CO da combustão incompleta de hidrocarbonetos pode resultar em carboxiemoglobinemia tóxica. Assim como na metemoglobinemia, o envenenamento por CO causa morbimortalidade por isquemia, devido a um desvio à esquerda na curva de ligação da oxiemoglobina, prejudicando assim a descarga de oxigênio para as células e tecidos. Pacientes com intoxicação aguda por CO geralmente desenvolvem SNC e sintomas cardiovasculares quando os níveis excedem 20%. Níveis de 40% a 60% de HbCO resultam em estupor, coma e morte. Todos os pacientes sintomáticos devem ser imediatamente removidos de outras exposições ao CO e tratados com oxigênio. Se possível, aqueles com toxicidade severa devem ser tratados com administração hiperbárica de oxigênio ou trocar transfusão (FORGET et al., 2013). Também podemos observar alterações na afinidade do oxigênioem que prótons (H +) e 2,3-BPG são potentes moduladores alostéricos de afinidade por oxigênio nas hemácias normais. Devido a sua ligação preferencial à estrutura quaternária T ou “desoxi” da hemoglobina, eles diminuem a afinidade pelo oxigênio e, portanto, deslocam a curva de ligação da oxiemoglobina “para a direita”. Exceto em circunstâncias clínicas, resultando em acidose ou alcalose, pH plasmático e o pH das células vermelhas é fortemente regulado em 7,4 e 7,2, respectivamente. Por outro lado, os níveis de 2,3-BPG de glóbulos vermelhos podem variar consideravelmente em uma ampla gama de configurações clínicas. Pacientes com níveis baixos, como aqueles que receberam grandes quantidades de glóbulos vermelhos armazenados, terão maior afinidade com o oxigênio, o que pode comprometer a oxigenação do tecido. Níveis elevados de RBC 2,3- BPG são muito mais comumente observados, principalmente em pacientes com alguma forma de hipóxia. Como resultado, o “deslocamento certo” na curva de dissociação da oxiemoglobina aumenta significativamente a descarga de oxigênio para os tecidos e, portanto, é um importante modo de compensação, principalmente em pacientes com anemia grave (FORGET; BUNN, 2013). 53 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I Figura 13. Três situações específicas de geração de metaemoglobina. O equilíbrio entre a hemoglobina oxidada (oxi-Hb) e a metaemoglobina (meta-Hb) ocorre em situações normais. Em situações anormais, quando ocorre o desequilíbrio entre oxi-Hb e meta-Hb, por exemplo, nos casos de deficiência enzimática. E nos casos de reações tóxicas, ocorre a degradação da metaemoglobina em hemicromos e corpúsculos de Heinz. Situação normal Situação de deficiência antoxidante Hemicromos Situação tóxica Hemicromos Hemicromos Corpúsculos de Heinz Corpúsculos de Heinz Corpúsculos de Heinz Oxi-Hb Oxi-Hb Oxi-Hb Meta Meta Meta Meta Hb Meta Hb Fonte: https://www.hemoglobinopatias.com.br/metahb/img01.jpg. Acesso em: 13 jan. 2020. O grupo heme O heme é formado por quatro anéis pirrólicos ligados entre si por um átomo de ferro. Para fazerem a síntese do heme, os eritroblastos utilizam os aminoácidos glicina e ácido succínico. Uma molécula de glicina e uma de succinato se condensam para formar o ácido delta levulínico ou delta-ALA. Depois disso, duas moléculas de ALA se condensam para formar um anel pirrólico, sob a ação da enzima denominada ALA-deidratase. A seguir, quatro anéis pirrólicos reagem e formam um anel tetrapirrólico. Esse anel tetrapirrólico permanece unido por pontes de meteno (=CH-), formando o que se denomina protoporfirina. Nesse ponto, o ferro é incorporado à molécula formando o heme (Figura 13). A síntese do heme necessita da presença de oito enzimas : (1) ALA-sintetase; (2) ALA-deidratase; (3) porfobilinogênio-deaminase; (4) urobilinogênio-sintetase; (5) uroporfirinogênio-decarboxilase; (6) coproporfirinogênio-oxidase; (7) protoporfirinogênio-oxidase; (8) ferroquelase. A primeira e as três últimas enzimas se situam na mitocôndria dos eritroblastos, enquanto as demais se localizam no citoplasma. A formação do porfobilinogênio a partir do delta-ALA se processa no citoplasma, assim como as fases seguintes de urobilinogênio e do coproporfirinogênio. Este último produto é oxidado, pela protoporfirinogênio-oxidase ao nível da 54 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO mitocôndria, resultando na formação da protoporfirina. Está se une ao ferro, por ação da ferroquelase, para formar o heme (Figura 14). Até a fase de reticulócito, pode haver incorporação do ferro para a formação do heme. Mais de 300 mg de heme são produzidos a cada 24 horas, primariamente para formar a hemoglobina e também a formação da mioglobina, do citocromo e da catalase. Quando há insuficiência de ferro, a protoporfirina do interior do eritroblasto aumenta. Isto é observado na anemia por carência de ferro e quando há eritropoese ineficiente. A síntese do grupo produção do heme obedece a um mecanismo retrorregulável, isto é, a produção das enzimas, em especial da ALA-sintetase, pode aumentar toda vez que há maior necessidade de formação dos eritrócitos. Algumas doenças como as porfirias, algumas hemoglobinopatias e talassemias são decorrentes da síntese anormal do heme. Figura 14. Ilustração do grupo heme, composto pela molécula anelada de porfirina e o ferro em sua região central. Fonte: http://www.uniararas.br/revistacientifica/_documentos/art.8-025-2014.pdf. Acesso em: 13 jan. 2020. 55 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I Figura 15. Síntese da molécula de porfirina e do grupo heme e as deficiências enzimáticas que induzem às porfirias. SUCCINIL - CoA PORFIRIA INTERMITENTE AGUDA PORFIRIA ERITROPOIÉTICA PORFIRIA CUTÂNEA PBG desaminase URO III cossintetase URO descabolixase DEFICIÊNCIAS ENZIMÁTICAS COPRO oxidase PROTO gene oxidase Ferroquelatase FERRO HEME PROTOPORFÍRIA ERITROPOIÉTICA PORFÍRIA VARIEGATTA COPROPORFÍRIA DOENÇAS PROTOPORFIRINA PROTO gene COPRO URO III URO I PBG ALA ALA sintetase GLICINA Fonte: http://www.acm.org.br/acm/acamt/documentos/curso_clínica_medica_2018/porfirias.pdf. Acesso em: 13 jan. 2020. Metabolismo do ferro O ferro é fornecido ao organismo pela dieta habitual na quantidade média de 14 mg/dia, porém apenas 1-2 mg, isto é, 5 a 10% dessa quantidade são absorvidos. O ferro da dieta se apresenta só a forma inorgânica (Fe+++ ou Fe++) ou sob a forma do grupo heme, ligada geralmente à mioglobina da carne. Chegando ao estômago, o ferro se liga a várias substâncias (proteínas e polissacarídeos), mas o suco gástrico ácido permite que certa porção fique sob a forma solúvel. O tipo da dieta ingerida modifica a capacidade de absorção do ferro pela mucosa intestinal. A absorção do ferro é processada na parte superior do intestino delgado, pelas células da mucosa. O ferro inorgânico e o ferro ligado ao grupo heme têm 56 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO mecanismos diferentes de absorção. A absorção do ferro inorgânico se faz pelas células da mucosa intestinal, as quais utilizam parte desse elemento para si. Essa porção de ferro é incorporada pelas mitocôndrias das células, e o restante pode atravessar o citoplasma, entrando na circulação sanguínea. O ferro hêmico é absorvido como tal pelas células intestinais. Aí ele se separa do heme por ação da enzima hemoxigenase e depois segue a mesma via do ferro inorgânico. Quando o indivíduo tem necessidade de absorver maiores quantidades de ferro, as moléculas de ferritina que estão presentes no citoplasma das células intestinais diminuem muito. Desse modo, todo o ferro que atravessa a célula passa para a circulação. A regulação deste mecanismo de absorção é complexa, incluindo algumas etapas importantes: o ferro que deve ser absorvido da luz intestinal sofre a ação de uma enzima redutora, a ferrorredutase presente na mucosa, que transforma o Fe+++ em Fe++; o Fe++ se liga a uma proteína que o transporta para o interior das células intestinais (enterócitos), denominada DMT1 (divalent metal transporter 1); uma vez no interior dos enterócitos, o ferro pode passar para o plasma ou ficar retido sob a forma de ferritina; a passagem do ferro para o plasma também necessita da ação de proteínas, denominadas IRP (iron regulatory proteins), localizadas na membrana basal dos enterócitos; o ferro que fica nos enterócitos, ligado à ferritina, é eliminado nas fezes com a descamação da mucosa. Estocagem de ferro O ferro não tem via de excreção. Ele é absorvido no intestino, mas não é eliminado. Ao contrário, existe um mecanismo específico para sua conservação e depósito no organismo. Mediante maior ou menor quantidade de ferritina contida nas células intestinais, pode-se avaliar o grau de absorção do ferro. Por sua vez, a variação de ferritina na célula intestinal é reflexo de maior ou menor demanda de ferro pela medula óssea. Numhomem normal, cerca de um quarto do ferro absorvido permanece nos locais de depósito. Na mulher normal, os depósitos são menores devido às perdas menstruais periódicas. O ferro se deposita ligado a duas proteínas: a ferritina e hemossiderina. A ferritina é uma apoferritina contendo um núcleo férrico, sendo esta a forma solúvel de armazenamento. A hemossiderina, é a forma insolúvel de armazenamento, é a forma degradada da ferritina. A maior parte está ligada à ferritina, que é mais 57 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I facilmente liberada quando aumenta a necessidade de fornecimento de ferro aos eritroblastos. A hemossiderina corresponde aos agregados grosseiros de ferritina, uma forma mais estável e menos acessível desse ferro de depósito. O nível de ferritina plasmática varia em função da quantidade de ferro dos depósitos, sendo sempre inferior nas mulheres que menstruam em comparação com aquelas que estão na menopausa e com o sexo masculino. A quantidade total do ferro no corpo é da ordem de 40 a 50 mg/kg de peso. Deste total, 30 mg estão contidos na hemoglobina, enquanto 10 a 12 mg/kg constituem ferro de depósito, sob a forma de ferritina e hemossiderina. Ferro mitocondrial O ferro livre é encontrado ainda nas mitocôndrias. As mitocôndrias exercem papel importante no metabolismo do ferro, pois é o local onde ocorre a síntese do grupo heme e do cluster Fe-S. Ainda não estão bem esclarecidos os mecanismos de entrada do ferro para o interior das mitocôndrias, no entanto, sabe-se que, através de uma proteína intramitocondrial denominada frataxina, ocorre o controle da utilização do ferro nas mitocôndrias destinado à síntese do grupo heme ou a gênese dos clusters Fe-S. Além disso, a frataxina forma um complexo com o ferro evitando a formação de radicais livres na mitocôndria. Além do transporte de elétrons que ocorre nas mitocôndrias durante a cadeia respiratória, há também o envolvimento da cadeia respiratória na conversão do ferro férrico em ferroso. Esta é a única forma química possível para que haja a incorporação da ferroquelatase ao anel pirrólico durante a síntese do grupo heme. Ainda são pouco descritos os transportadores responsáveis pela saída do grupo heme. No entanto, há uma molécula transportadora denominada ABCB7 localizada na porção interna da membrana mitocondrial que exportam os clusters FeS para o citosol. O organismo utiliza dois mecanismos para a manutenção da homeostasia do ferro: um intracelular e outro sistêmico. O mecanismo intracelular é dependente do ferro disponível pela célula, ou seja, proteínas reguladoras controlam o excesso de ferro livre ou a falta dele no interior das células, por meio do controle genético pós-transcricional, responsável pela modulação da captação e estoque do ferro. 58 UNIDADE I │ HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO O mecanismo sistêmico é regulado pela absorção, consumo e estoque do ferro, sabendo-se, que não há uma via de eliminação própria do ferro. Está descrito um hormônio denominado hepcidina, responsável pela regulação da homeostase do ferro. A sobrecarga de ferro no organismo aumenta a expressão deste hormônio, enquanto na anemia e na hipóxia a expressão de hepcidina encontra-se reduzida. Foi também identificado um receptor para a hepcidina denominado ferroportina, formando um complexo que controla a concentração de ferro nas células entéricas, nos hepatócitos do fígado e em macrófagos. Este complexo pode ser internalizado pelos macrófagos onde ocorre a degradação da ferroportina, nesta situação, há o bloqueamento da liberação do ferro pela célula, resultando num acúmulo de ferro nestas células. A redução da passagem de ferro oriunda deste processo de internalização, acarreta baixa saturação da transferrina e, consequentemente menos ferro é liberado para o desenvolvimento do eritroblasto. Figura 16. Esquema ilustrativo sobre o metabolismo do ferro. Fígado Outras células e tecidos ~400mg (Fe3+)2 – Tf ~ 3mg 1-2 mg/dia Perdas de ferro 1-2 mg/dia Medula óssea ~ 300mg 20-25 mg/dia Duodeno Macrófagos do sistema reticuloendotelial ~600mg Eritrócitos ~ 1800mg Homeostase sistêmica de ferro. Tf, transferrina. Adaptado de Hentze et al., (2004). ~1000mg Fonte: http://blogbionut.blogspot.com/search?updated-max=2012-09-05T07:33:00-07:00&max-results=7. Acesso em: 13 jan. 2020. 59 HEMATOLOGIA CLÍNICA: INTRODUÇÃO │ UNIDADE I ANDREWS, N. Molecular control of iron metabolism. Best Practice & Res. Clin. Haematol. v. 18, pp. 159-69, 2005. FINCH, C. Regulateors of iron balance in humans. Blood. v. 84, no 1, pp. 697- 702. 1994. SRAI, S. D. K. S.; BOMFORD, A. Iron transport across cell membranes: molecular understanding of duodenal placental iron uptake. Best Practice & Res. Clin. Haematol. v. 15, pp. 243-59, 2002. 60 UNIDADE IIANEMIAS CAPÍTULO 1 Classificação das anemias Morfológica A classificação morfológica das anemias está embasada nos valores obtidos pelos índices hematimétricos, no entanto, não é possível caracterizar a causa da anemia, mas somente é possível avaliar o aspecto morfológico das hemácias e correlacionar com os diversos tipos de anemias. A partir disso, temos: I. Anemia microcítica hipocrômica – VCM, HCM e CHCM diminuídos. › Anemia por deficiência de ferro ou anemia por alterações no metabolismo do ferro (anemia sideroblástica). › Alterações na síntese de hemoglobina: talassemias. › Anemia de doença crônica. II. Anemia normocítica normocrômica – VCM, HCM e CHCM normais. › Anemia por diminuição de produção: anemia aplástica. › Anemia de doença crônica. › Anemia secundária à insuficiência renal crônica. › Anemias hemolíticas. 61 ANEMIAS │ UNIDADE II III. Anemia macrocítica normocrômica – VCM aumentado, HCM e CHCM normais. › Anemias megaloblásticas (deficiência de folato e/ou vitamina B12). › Anemia secundária à doença hepática. › Anemia secundária ao hipotiroidismo. › Anemias hemolíticas. A Tabela 3 indica os valores laboratoriais das anemias. Tabela 3. Classificação laboratorial de anemias. Microcítica Hipocrômica Macrocítica Normocrômica Normocítica Normocrômica VCM* <77 fL >92 fL 77-92 fL HCM** <27 pg 27-32 pg 27-32 pg * Os valores de VCM variam entre os laboratórios. Há quem os consideram 80 fL como valor mínimo e 95 fL como valor máximo. ** Os valores de HCM também variam entre os laboratórios. Há quem os consideram 28 pg como valor mínimo. Fonte: http://www.laboratorioblauth.com.br/artigos/classificacao_laboratorial_anemias.pdf. Acesso em: 13 jan. 2020. A tabela a seguir relaciona as principais doenças e suas correlações com os aspectos morfológicos das hemácias. Tabela 4. Relação das principais doenças que causam as anemias microcíticas e hipocrômicas, macrocíticas e normocrômicas e normocíticas e normocrômicas. (a) Situações comuns; (b) Situações ocasionais. Tipo de anemia Causas Microcítica/Hipocrômica a. deficiência de ferro a. talassemias a. anemia sideroblástica hereditária b. anemia de doença crônica b. hemoglobinopatias (Hb SS, /tal.a etc.) Macrocítica/Normocrômica a. deficiência de ácido fólico a. deficiência de vitamina B12 b. anemia hipoproliferativa b. anemia refratária b. doenças hepáticas b. anemia hemolítica b. hemorragias Normocítica/Normocrômica a. anemia hipoproliferativa a. anemia mielotísica a. anemia hemolítica a. hemoglobinopatias (Hb SS, Hb SC, Hb instáveis etc.) a. hemorragias a. anemia de doenças crônicas a. anemia sideroblástica adquirida b. início da deficiência de ferro b. anemia refratária Fonte: http://www.ciencianews.com.br/arquivos/ACET/IMAGENS/livros/acesso_gratuito/Livro_completo%20-%20Hematologia%20 Eritrocitos.pdf. Acesso em: 13 jan. 2020. 62 UNIDADE II │ ANEMIAS As tabelas 5, 6, 7 e 8 mostram a Classificação Morfológica e Etiológica das Anemias. Tabela 5. Classificação morfológica e etiológica das anemias. Tipo de anemia Microcítica/Hipocrômica Deficiência de ferro1. Por ingestão insuficiente de ferro a. deficiência nutricional 2. Por falta de absorção de ferro a. Acloridria b. Ressecção gástrica c. Diarreias crônicas (doença celíaca, espru, ressecção do intestino delgado) d. Ausência ou supressão dos fatores necessários à absorção de ferro 3. Por aumento do consumo de ferro a. Gravidez b. Períodos de crescimento (infância e adolescência) c. Regeneração sanguínea 4. Por perda excessiva de ferro a. hemorragias agudas b. hemorragias crônicas Por alterações na utilização do ferro 1. Anemias sideroclásticas primárias e secundárias a. Infecções b. Síndromes talassêmicas c. Deficiência de piridoxina (vitamina B) d. intoxicações pelo chumbo 2. Deficiência de trasferrina Fonte: www.ciencianews.com.br/doencaeritro/Anemias. Acesso em: 13 jan. 2020. e Métodos de Laboratório aplicados a Clínica (OLIVEIRA LIMA, 2001). Tabela 6. Classificação morfológica e etiológica das anemias. Tipo de anemia Microcítica e normocrômicas Doenças crônicas a. Infecções b. Doenças renais c. Doenças hepáticas d. Doenças malignas e. Artritereumatoide Agentes tóxicos a. Chumbo b. Irradiações c. Substâncias químicas e medicamentosas Fonte: Métodos de Laboratório aplicados a Clínica (OLIVEIRA LIMA, 2001). Tabela 7. Classificação morfológica e etiológica das anemias. Tipo de anemia Microcítica e normocrômicas Com maturação eritroide megaloblástica 1. Por deficiência de vitamina B12: a. de origem genética » Anemia perniciosa (anemia de Addison-Biermer) b. Por ingestão insuficiente de vitamina B12 c. deficiência nutricional 2. Por falta de absorção de vitamina B12: a. Ressecção gástrica 63 ANEMIAS │ UNIDADE II Tipo de anemia Microcítica e normocrômicas Com maturação eritroide megaloblástica b. Carcinoma e outras neoplasias malignas do estômago c. Doença celíaca d. Espru 3. Por utilização excessiva de vitamina B12: a. Infecção pelo Diphyllobothrium lotum b. Flora intestinal patológica c. Estreitamento do intestino delgado d. Doença diverticular e. Gravidez 4. Por deficiência de ácido fólico: a. por falta de absorção do ácido fólico b. doença celíaca c. Espru 5. Por utilização excessiva do ácido fólico: a. Gravidez b. Algumas leucemias agudas c. Tratamento com antagonistas do ácido fólico Com maturação eritroide normoblástica 1. Doenças hepáticas graves 2. Hipotireoidismo 3. Anemias aplásticas 4. Anemias hemolíticas 5. Anemias com reticulocitose intensa 6. Administração de antimetabólicos e anticonvulsivantes 7. Anemias acrésticas macrocíticas Fonte: Métodos de Laboratório aplicados a Clínica (OLIVEIRA LIMA, 2001). Tabela 8. Classificação morfológica e etiológica das anemias. Tipo de anemia Normocíticas e normocrômicas Anemias hemolíticas 1. Por alterações eritrocíticas intrínsecas: a. alterações morfológicas dos eritrócitos: » esferocitose hereditária » eliptopitose hereditária » estomatocitose hereditária » pinocitose infantil 2. Deficiências enzimáticas dos eritrócitos: a. Enzimas glicolíticas: » deficiência da desidrogenase glicose-6-fosfato » deficiência da piruvato-quinase » deficiência da isomerase triosefosfato » deficiência da transferese galactose-1-fosfato uridil (galactosemia) » deficiência da mutase-2, 3-difosfoglicerato » deficiências da desidrogenase-6-fosfatoglucônica b. Enzimas não-glicolíticas » ausência hereditária de glitationa 64 UNIDADE II │ ANEMIAS Tipo de anemia Normocíticas e normocrômicas Anemias hemolíticas » deficiência da redutase glutationa » deficiência da trifosfatase de adenosina c. hemoglobinopatias 3. Por ação de fatores extrínsecos a. Anticorpos: » anemias hemolíticas adquiridas isoimunes » anemais hemolíticas adquiridas autoimunes b. Infecções: » bacterianas » viróticas » parasitárias c. Hiperesplenismo d. Medicamentos e toxinas » anemias por corpúsculos de Heinz e. Agentes físicos: » queimaduras » hemoglobinúria paroxística noturna Anemias aplásticas (não-regenerativas) a. Anemias puras: » tumores tímicos » miastenia grave » anemia hipoplástica de DiamondeBlackfan b. anemias com pancitopenia: » congênitas: anemia de Fanconi » Adquiridas: por agentes químicos e medicamentosos, por irradiações anemias mielotísicas Fonte: Métodos de Laboratório aplicados a Clínica (OLIVEIRA LIMA, 2001). 65 CAPÍTULO 2 Anemias microcíticas Anemia ferropriva A anemia afeta um quarto da população mundial, representando 8,8% da carga global total de doenças. A deficiência de ferro é a causa predominante de anemia nos países e em ambos os sexos, sendo as mulheres mais comumente atingidas (de BENOIST et al., 2008; KASSEBAUM, 2014). A Hb corpuscular média e o volume corpuscular médio diferenciam a anemia macrocítica da anemia por deficiência de ferro, que é hipocrômica e tipicamente microcítica. A deficiência de múltiplos nutrientes (por exemplo, má absorção) ou o uso de medicações tiopurinas (por exemplo, azatioprina na DII) pode levar a uma combinação de anemia por deficiência de ferro e macrocitose, com consequente anemia normocítica. Nesta situação, uma ampla largura de distribuição de glóbulos vermelhos ajuda na identificação do componente de deficiência de ferro. A contagem de plaquetas e leucócitos ajuda a descartar a pancitopenia. As características da talassemia também se apresentam com anemia microcítica e hipocrômica e devem ser consideradas em populações nas quais essas características são altamente prevalentes. Outros parâmetros para diagnosticar a deficiência de ferro são a saturação da transferrina (TfS), que reflete o ferro disponível para a eritropoiese e o nível sérico de ferritina, uma proteína de armazenamento de ferro (OUSTAMANOLAKIS et al., 2011; GASCHE et al., 2007; DIGNASSET et al., 2015). Ferro por via oral A absorção intestinal de ferro é limitada. A taxa máxima de absorção de 100 mg de ferro por via oral é de 20% a 25% e é atingida apenas na fase tardia da deficiência de ferro. A deficiência latente de ferro e a anemia ferropriva correspondem a taxas médias de absorção de 10% e 13%, respectivamente, enquanto os machos saudáveis absorvem 5% e as fêmeas saudáveis 5,6%. O ferro que permanece no lúmen intestinal pode causar lesão nas mucosas, e estudos em modelos animais sugerem uma exacerbação da atividade da doença e a indução de carcinogênese na DII. Além disso, efeitos colaterais gastrointestinais dependentes da dose dificultam a adesão e resultam em não adesão em até 50% dos pacientes. Assim, 66 UNIDADE II │ ANEMIAS é razoável ajustar a dosagem para melhorar a tolerabilidade. Embora as doses variem tipicamente de 100 a 200 mg de ferro elementar por dia, a reposição bem-sucedida pode ser alcançada com doses tão baixas quanto 15 a 30 mg de ferro elementar diariamente. Várias formulações estão disponíveis no balcão e são tipicamente compostas de ferrosos sais de ferro (por exemplo, sulfato ferroso, gluconato ferroso e fumarato ferroso) (WERNER et al., 1976; de SILVA et al., 2005). A suplementação oral de ferro é eficaz quando a captação intestinal está intacta. No entanto, seu uso deve ser limitado a pacientes com anemia leve (Hb, 11,0-11,9 g/dL em mulheres não grávidas e 11,0-12,9 g/dL em homens), porque a reposição ocorre lentamente. Quando se deseja uma reposição mais rápida, a administração intravenosa é a via preferida. No entanto, o ferro oral está prontamente disponível, barato e conveniente, tornando-o uma opção de tratamento viável (ABRAHAM et al., 1999; SERIL et al., 2002). A resposta à terapia deve ser cuidadosamente monitorada. O nível de Hb deve aumentar em 2 g/dL dentro de 4 a 8 semanas, embora alguns pacientes possam relatar uma melhor sensação de bem-estar após alguns dias. Se o nível de Hb não responder adequadamente dentro desse prazo, o tratamento deve ser modificado (alterado para ferro intravenoso) e a causa da falta de resposta avaliada. Dependendo da gravidade da deficiência e da causa subjacente, a normalização do nível de Hb pode levaraté 3 meses e pode levar mais tempo para substituir as reservas de ferro (ferritina> 100 µg/L) (TOLKIEN et al., 2015). Ferro por via intravenosa O ferro intravenoso é muito eficaz no tratamento da anemia por deficiência de ferro e deve ser considerado quando o ferro oral é ineficaz. A eficácia do ferro oral é diminuída quando a captação pelo intestino é prejudicada (por exemplo, na doença celíaca, gastrite autoimune, DAC ou ressecção pós-gástrica ou duodenal) ou quando as perdas de ferro são grandes e/ou contínuas (por exemplo, com menorragia, sangramento gastrointestinal ou pós-cirurgia). A adesão diminuída do paciente devido a efeitos colaterais também limita a eficácia do ferro oral. Nessas situações, a terapia com ferro intravenoso é preferida porque o intestino é desviado, permitindo uma reposição mais rápida. A expressão da ferritina aumenta logo após a administração e atinge níveis mais altos do que o ferro por via oral, o que pode diminuir a recorrência da anemia por deficiência de ferro a longo prazo (KOUTROUBAKIS et al., 2010; ONKEN et al., 2014). 67 ANEMIAS │ UNIDADE II Na anemia ferropriva há um balanço negativo de ferro, isto é, a ingestão deste elemento é menor que a necessidade do organismo. Como foi discutido anteriormente, o ferro é armazenado na forma de ferritina e de hemossiderina. Nos homens, existem 600-1.200 mg de ferro estocado, enquanto nas mulheres, está reserva é inferior, de 100-400 mg. Daí a maior incidência de anemia ferropriva no sexo feminino. A deficiência de ferro se instala por mecanismos diversos: aumento da necessidade, excesso de perda (hemorragias), má-absorção do ferro na alimentação, dieta deficiente de ferro. Nas situações em que a perda de ferro é maior que a ingesta por longos períodos, ocorre a insuficiente produção de hemoglobina. Em estágios avançados, a deficiência de ferro pode ser caracterizada por uma anemia hipocrômica e microcítica. Entre as causas citadas mais frequentes relacionadas com o excesso de perda de ferro estão incluídos: perdas menstruais, menometrorragias (mioma, fibroma uterino); perdas digestivas: úlceras, câncer gastrointestinal, varizes esofágicas, parasitas (ancilostomíase), hemorroidas, divertículos; perdas cutâneas: doenças descamativas de evolução crônica levam a perda de ferro pela pele; outras perdas: epistaxes, hematúrias, hemossiderinúria; má-absorção do ferro da dieta: gastrectomia, trânsito intestinal rápido. Características laboratoriais: em estágio inicial da anemia ferropriva, observa-se no esfregaço sanguíneo eritrócitos normocíticos e normocrômicos. Em estágios mais tardios, o quadro é de microcitose, anisocitose poquilocitose (incluindo células elípticas e alongadas) e graus variados de hipocromia. Os reticulócitos estão usualmente diminuídos em números absolutos após a terapia com ferro. O VCM é baixo, e a Hb e Hc estão relativamente mais baixos do que a contagem eritrocitária. Pode também ocorrer diminuição da fragilidade osmótica, uma vez que os eritrócitos estão mais delgados do que o normal. Anemia sideroblástica A anemia sideroblástica é caracterizada por anemia com o surgimento de sideroblastos em anel na medula óssea. Os sideroblastos de anel são formados pelo acúmulo irregular de ferro nas mitocôndrias. Existem duas formas de anemia sideroblástica, isto é, anemia sideroblástica congênita (CSA) e anemia sideroblástica adquirida. A maioria dos casos de anemia sideroblástica adquirida foi incluída na síndrome mielodisplásica (SMD). (OHBA et al., 2013). 68 UNIDADE II │ ANEMIAS São anemias raras, classificadas em formas: congênita e adquirida ou secundária. Caracterizam-se por apresentarem; (1) eritrócitos hipocrômicos no sangue periférico; (2) medula óssea rica em serie vermelha e (3) ferro elevado no soro. O quadro típico de eritroblastos medulares contendo grossos grânulos de ferro que se coram pelo azul-da-Prússia faz o diagnóstico morfológico. Outro achado frequente é a presença de ferro acumulado ao redor dos núcleos, em especial dos eritroblastos ortocromáticos, daí o nome de sideroblastos em anel. A anemia sideroblástica congênita é mais rara do que a forma adquirida, e está relacionada com alterações genéticas. As formas adquiridas são mais comuns, aparece na idade adulta, e é encontrada em ambos os sexos. A anemia é dimórfica, apresenta tanto eritrócitos hipocrômicos e microcíticos como macrocíticos, e o VCM é normalmente alto. Pelo menos 40% dos eritroblastos na medula óssea são sideroblastos em anel. Além dos achados em medula óssea descritos previamente, podem ocorrer alterações megaloblásticas em cerca de 50% dos casos. A anemia sideroblástica adquirida também pode resultar de intoxicação medular por drogas ou agentes químicos, como cloranfenicol, os agentes quimioterápicos e a intoxicação pelo chumbo (saturnismo). Anemia das doenças crônicas O termo anemia das doenças crônicas utiliza-se para definir a anemia que é acompanhada de lesão tecidual crônica, como a que ocorre na infecção crônica, nas doenças inflamatórias, traumatismos ou neoplasias. A anemia é usualmente leve e encoberta pela doença de base. Habitualmente, a anemia não progride em severidade e apresenta distúrbios morfológicos, bioquímicos e cinéticos característicos. Usualmente os eritrócitos apresentam-se normocíticos e normocrômicos, e ocasionalmente microcíticos e hipocrômicos. Anisocitose e poiquilocitose são discretas. A contagem de reticulócitos não é usualmente elevada. Não se observa alterações nos leucócitos e plaquetas, exceto pela doença de base. É observada diminuição da concentração sérica do ferro e diminuição da capacidade de ligação ao ferro, além do percentual de saturação apresentar-se diminuído. A protoporfirina eritrocitária e a ferritina sérica estão elevadas. 69 ANEMIAS │ UNIDADE II O mecanismo patogênico mais importante inclui a inibição da eritropoese por citocinas e um metabolismo alterado de ferro. O fator de necrose tumoral (TNF) tem um papel significante na resposta inflamatória e imune. Os níveis de eritropoetina (EPO) estão diminuídos na anemia de doença crônica. Uma produção aumentada de apoferritina tem um papel no metabolismo alterado do ferro. Hemoglobinopatias e síndromes talassêmicas As hemoglobinopatias são os distúrbios monogênicos mais comuns em todo o mundo, com aproximadamente 7% da população identificada como portadora genética (KOHNE, 2011). As hemoglobinopatias constituem um grupo de doenças de natureza genética, em que existe a alteração da parte globínica da hemoglobina. Podem ser divididas em dois grupos, a saber: » Aquelas que resultam de mutações dos genes que regulam a síntese dos aminoácidos (sequência) da cadeia polipeptídica da globina, alterando sua estrutura. São denominadas hemoglobinopatias estruturais. » Aquelas em que há redução da taxa de síntese de uma ou de várias cadeias de globina. Denominam-se talassemias. A gravidade da doença depende da herança. São moléstias transmitidas, como caráter dominante, por um ou pelos dois progenitores do indivíduo. Portanto, existem formas hererozigóticas e homozigóticas. Clinicamente, as hemoglobinopatias mais importantes são aquelas que envolvem anomalias nos genes das cadeias alfa (α) e beta (β) da hemoglobina. Alterações envolvendo as cadeias gama (ɣ), épsilon (ɛ) e zeta (ʑ) são letais já nas fases iniciais da vida. Hemoglobinopatia S – anemia falciforme ou drepanocítica – HbSS (homozigótica) A hemoglobinopatia homozigota HbSS é a mais frequente dessas doenças, causada pela substituição do ácido glutâmico por uma valina na posição 6 do segmento A da cadeia polipeptídica β. A hemoglobina S (HbS) é formada por duas cadeias alfa e duas cadeias beta - α2 β2 - cujos genes α são normais (αα), 70 UNIDADE II │ ANEMIAS mas os genes β são do tipo βS (βS βS). A modificação que dá origem à HbS faz com que, as baixas tensões de O2, presentes nos pequenos vasos capilares, essa hemoglobina sepolimerize, formando estruturas filamentosas, os polímeros de desoxi-hemoglobina. As baixas temperaturas, e a queda do pH aumentam a formação de desoxi-hemoglobina. O enrolamento dos filamentos resultantes da polimerização da HbS (polímeros de desoxi-hemoglobina), vão modificar a morfologia dos eritrócitos. Formam-se hemácias em foice ou falciformes. Isso ocorre porque a HbS libera o O2 mais rapidamente do que a HbA, que também existe nas células. A falcização é um fenômeno irreversível depois de algum tempo. As hemácias em foice são rígidas e tendem a ficar estagnadas em órgãos que a circulação é lenta. Com isso há anóxia relativa, que, por sua vez, facilita a falcização de novas hemácias. Em consequência, formam-se verdadeiros trombos, que levam a enfarte de tecido adjacente. Este enfarte é seguido de fibrose e até calcificação. Tipicamente, isso ocorre no baço, onde a rede sinusoidal tem fluxo lento. Em razão de oclusões vasculares, há fenômenos dolorosos muito intensos. Além das alterações presentes na hemoglobina das células, ocorrem modificações na membrana: (1) fosforilaçao anormal; (2) anomaila da bomba Na/K; (3) auto-oxidação aumentada, o que estimula a fagocitose por parte dos macrófagos tissulares. Em ambiente pobre em oxigênio, os eritrócitos falcizados apresentam lesões de membrana que são responsáveis pela perda de potássio e de água para o meio extracelular, resultando em desidratação deles. O quadro clínico resultante se manifesta com tromboses, crises musculares dolorosas, dores abdominais, dores no peito, edema nos dedos das mãos e dos pés (dactilite); além de úlceras nas pernas; crises de hemólise aguda (anemia e icterícia); crises de aplasia medular; crise de sequestração – em crianças pequenas o baço armazena grande quantidade de hemácias, causando anemia profunda; crises de insuficiência renal; insuficiência gonodal e hipodesenvolvimento dos caracteres sexuais secundários; sintomatologia ligada à presença de calculose vesicular (cálculos de bilirrubina). Os indivíduos portadores do gene da hemoglobina S, homozigóticos ou heterozigóticos (SS, AS) parecem ser protegidos da infecção pelo P. falciparum. Outras patologias também estão correlacionadas com esta proteção, tais como: deficiência da glicose-6-fosfato-desidrogenase; alfa e beta talassemia; persistência da hemoglobina fetal (HbF). 71 ANEMIAS │ UNIDADE II Aspecto interessante da doença falciforme é a inter-relação entre as células falciforme com as células endoteliais e os componentes do plasma sanguíneo. A vasoclusão é decorrente da presença física de grande número de eritrócitos falcizados no interior dos pequenos vasos e também de outros fatores como: aderência anormal dos eritrócitos ao endotélio; aderência a este de segmentados neutrófilos anormalmente estimulados; alteração da superfície endotelial; presença de moléculas de adesão (VCAM-1, ICAM-1, E e P-selectinas, que permitem a aderência dos eritrócitos e neutrófilos ao endotélio; citocinas (IL-6) do plasma que também estimula a aderência. As proteínas plasmáticas, como o fator Von Willebrand, trombospondina – liberada pelas plaquetas, fibrinogênio e fibronectina também participam na aderência dos eritrócitos ao endotélio, atuando como intermediários com as moléculas endoteliais como as integrinas, VCAM, receptor Fc (FC-R), laminina. Características laboratoriais: sangue periférico, em geral, encontra-se uma anemia severa cuja hemoglobina varia em torno de 9 a 10 g/ml. Hemácias falcizadas podem frequentemente ser encontradas em esfregaços de rotina, aparecendo algumas vezes em grandes quantidades. Eritroblastos policromáticos e ortocromáticos também são encontrados; a contagem de reticulócitos é alta. Corpos de Howell-Jolly e siderócitos são encontrados e refletem a incapacidade do baço atrófico, de remover estes corpos de inclusão das hemácias circulantes. A contagem de plaquetas é elevada. A taxa de hemossedimentação é geralmente muito baixa. Hemoglobinas detectadas: a eletroforese revela um único aglomerado de HB S, que varia de 85 a 100%. O restante é Hb F, que não é distribuída uniformemente no glóbulo vermelho. As células com maior quantidade de Hb F sobrevivem por mais tempo. Forma heterozigótica da anemia falciforme – HbAS ou Trait ou estigma falciforme Nesses casos, o sangue pode ser normal ou pouco alterado. Quando a HbA está presente em pelo menos 50%, o risco de falcização diminui muito e só existe quando o indivíduo fica submetido a um ambiente com tensão de oxigênio muito baixa, como na despressurização no interior de aviões. Os pacientes com HbAS (βA βS) que têm microcitose (VCM baixo) e que não tem deficiência de ferro muito provavelmente têm também estigma talassêmico. 72 UNIDADE II │ ANEMIAS Formas associadas de Hemoglobinopatia S - HbS + Talassemia (HbS/Thal) Essas formas pode ser homozigóticas, isto é, de tipo βS βS, ou heterozigóticas para a hemoglobina S βA βS. quanto aos genes talassêmicos, podem ser do tipo α ou β-talassemia. A seguir são enumeradas algumas variantes dessa associação: » Hb βS βS/β thal β normal (homozigótico S). » Hb βA βS/α thal α normal (heterozigótico S e thal α). » Hb βS β thal °/α α. » Hb βS β thal +/α α. O quadro clínico da forma homozigótica HbS (Hb βS βS) é severo, mas as crises hemolíticas não são muito frequentes. As formas heterozigóticas Hb βA βS/α normal/α normal, assim como a Hb βA βS/α thal/α normal, têm evolução praticamente assintomática, caracterizando-se pela presença de hemácias falcizadas, hemácias em alvo, hipocromia e microcitose. A associação com α-talassemia tende a reduzir a severidade das crises falcêmicas, pela redução da concentração da hemoglobina nas células. Nos casos de heterozigotia, a herança pode revelar que um dos progenitores tem estigma falciforme e o outro tem estigma talassêmico. Figura 17. Possíveis interações entre uma célula endotelial e a célula falciforme. GPIb (glicoforina IB); Vwf (fator de von Willebrabd); VCAM (molécula de adesão célula vascular); FcR (receptor Fc); LM (laminina); Ig (imunoglobulina); TSAP (trombospondina). Os fatores plasmáticos de interação com a célula endotelial e a falciforme estão representados em amarelo. GPIb CD36 αγβ vWF TSP FIBRONECTINA FIBRINOGÊNIO Glicolipídio sulfatado ? CD36 Ig α2β1 ? CD44 CÉLULA ENDOTELIAL CÉLULA FALCIFORME Fonte: http://www.hemoglobinopatias.com.br/d-falciforme/fisio-falci.htm. Acesso em: 13 jan. 2020. 73 ANEMIAS │ UNIDADE II Algumas hipóteses foram propostas por alguns autores, de que as hemácias falciformes possam atuar como irritantes que levam à inflamação à medida que obstruem o fluxo. Os eventos repetitivos de isquemia localizada e reperfusão podem gerar um estado crônico de lesão tecidual inflamatória. Essa hipótese se baseia no fato que todos os indivíduos com AF possuem uma mutação idêntica no gene da globina. Tendo em vista a contagem basal elevada de leucócitos e à quantidade baixa de HbF, agravando a resposta inflamatória. Figura 18. Visão esquemática da fisiopatologia da anemia falciforme. Vasoclusão Plaqueta Célula falciforme Reticulócito Eritrócito Neutrófilo Linfócito Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-40422012000400025. Acesso em: 13 jan. 2020. http://www.ciencianews.com.br/filmes-cien/filmes-cien-index.htm. http://www.us.elsevierhealth.com. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/. » CHERNECKY, Cynthia C.; BARBARA, J. Berger. Laboratory tests and diagnostic procedures. 3. ed. Philadelphia, PA: W. B. Saunders Company, 2001. » KEE, Joyce LeFever. Handbook of laboratory and diagnostic tests. 4. ed. Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall, 2001. » KJELDSBERG, Carl et al. Practical diagnosis of hematologic disorders. 3. ed. Chicago: ASCP Press, 2000. Hemoglobinas variantes S e C (Hb S + Hb C) A hemoglobina falciforme, ou HbS, possui uma valina para substituiçãodo ácido glutâmico na posição 6 da cadeia β. HbC é uma mutação variante diferente (lisina 74 UNIDADE II │ ANEMIAS substituída pelo ácido glutâmico) no mesmo local da mutação falciforme na cadeia β. A HbE contém uma substituição da lisina pelo ácido glutâmico na posição 26 da cadeia β, e a HbD Punjab (também chamada HbD Los Angeles), doravante denominada HbD, contém uma substituição da glutamina pelo ácido glutâmico na posição 121 da β-globina cadeia. Como as variantes S e C estão próximas do terminal N na cadeia β, alguns (mas não todos) imunoensaios são afetados pela presença dessas variantes. A presença de HbE ou HbD, no entanto, com mutações muito mais distantes na cadeia β, geralmente não afeta os métodos de imunoensaio. A presença de qualquer uma dessas quatro variantes afeta a carga iônica da molécula de Hb, que pode causar interferência nos métodos de troca iônica, dependendo de quão bem a variante Hb é separada da HbA. Como a cromatografia de afinidade com boronato separa a hemoglobina glicada total da hemoglobina não glicada, independentemente das espécies de hemoglobina, geralmente não há interferência da maioria das variantes de Hb, incluindo HbS, C, E e D. (LITTLE; ROBERTS, 2009). As mutações mais frequentes e clínicamente significantes são as hemoglobinas variantes S e C (Hb S e Hb C). A doença HbS + HbC é herdada de um progenitor que tem o gene βS e do outro βC, a hemoglobina C (HbC) corresponde à substituição, na posição 6 da cadeia β, do ácido glutâmico pela lisina. A HbC tem tendência a se cristalizar, induzindo a perda de potássio e de água pela célula, aumentando desta forma, a concentração intracelular de hemoglobina e a probabilidade de a HbS polimerizar. O quadro clínico é a doença falciforme de intensidade não muito acentuada. As crises hemolíticas são mais amenas, e há esplenomegalia em muitos casos. Como a função esplênica não está totalmente comprometida não há risco de infecções tão severas. As oclusões vasculares também estão presentes, e podem ocorrer episódios dolorosos e necroses ósseas, como a necrose asséptica da cabeça do fêmur. O diagnóstico da hemoglobinopatia SC também se baseia na prova de falcização e na eletroforese de hemoglobina em acetato de celulose. A HbC tem mobilidade lenta, semelhante à da HbA2; a HbS migra na posição intermediária entre A2 e A com redução da quantidade desta última. Hemoglobina F A hemoglobina F é a principal hemoglobina durante a vida intrauterina. HbF contém duas cadeias α e duas cadeias γ. No nascimento, o nível de HbF está entre 60 e 95%. Durante o primeiro ano de vida, a porcentagem de HbF 75 ANEMIAS │ UNIDADE II cai para valores próximos aos níveis adultos. O limite superior do normal é geralmente considerado de 1% em adultos. Níveis elevados de HbF podem ocorrer em pacientes como resultado de condições patológicas (por exemplo, leucemia, anemia, talassemia) ou persistência hereditária da hemoglobina fetal. Indivíduos com a forma mais comum de persistência hereditária da hemoglobina fetal podem ter níveis de HbF de até 30% e, como geralmente são assintomáticos, os pacientes e seus médicos podem desconhecer a existência da condição. Alguns estudos examinaram os efeitos da HbF elevada nos métodos de HbA1c com resultados variáveis, mas esses estudos não utilizaram uma comparação conhecida como livre de interferências do HbF. No entanto, o Método de Referência da Federação Internacional de Química Clínica (IFCC) (IFCC RM) para HbA1c mede hexapeptídeos glicados e não glicados das cadeias HbAβ. Como o HbF não possui cadeias β, o HbF não causa interferência no IFCC RM porque apenas os hexapéptidos terminais do HbA são medidos. Portanto, alguns métodos comerciais de ensaio de HbA1c foram avaliados usando o método IFCC para comparação (ROHLFING et al., 2008). As variantes menos comuns de Hb também foram avaliadas em termos de seus efeitos nas medições de HbA1c.4 Existem várias maneiras pelas quais uma variante de Hb pode causar algum tipo de interferência em alguns métodos. Se a substituição da Hb causar uma alteração na carga líquida da Hb (como nas variantes S, C, D e E da Hb), poderá causar interferência em métodos como HPLC de troca iônica ou eletroforese. Em alguns casos, a variante Hb (glicada e não glicada) pode coelutar ou comigrar com HbA1c. Se houver uma substituição em um local de glicação, isso pode alterar a taxa de glicação e afetar certos métodos. Um exemplo é Hb Raleigh, onde há uma substituição Val → Ala no terminal da cadeia β, que produz acetilação substancial, evitando assim a glicação nessa posição e diminuindo falsamente os resultados dos métodos de imunoensaio e provável afinidade por boronato. Se a variante causar uma vida útil reduzida dos eritrócitos, o HbA1c (ou GHB total) seria falsamente reduzido, independentemente do método usado. Cada variante Hb deve ser avaliada para determinar a extensão da interferência em cada método. (LITTLE; ROBERTS, 2009). Outras hemoglobinopatias Hemoglobinopatia C Como foi mencionado, a HbC corresponde à substituição, na posição 6 da cadeia β, do ácido glutâmico pela lisina. Essa alteração pode ter caráter homozigótico (HbCC) ou heterozigótico (HbAC). Em ambos os casos as manifestações hemolíticas são discretas. Os exames hematológicos nesses casos mostram anemia moderada, com reticulocitose discreta, microcitose, esferocitose e hemácias em alvo. 76 UNIDADE II │ ANEMIAS Os pacientes costumam apresentar esplenomegalia e colelitíase. Hemoglobinopatia D A hemoglobina D tem a mobilidade eletroforética semelhante à da hemoglobina S, mas não sofre o fenômeno da falcização. Esta ocorre quando se associa à HbS (forma heterozigótica HbSD). Há numerosas variantes que recebem o nome do local onde foram descritas, como por exemplo, a HbD-Punjab, da Índia. A forma HbDD causa anemia e esplenomegalia discretas Hemoglobinopatia E A hemoglobina E tem mobilidade eletroforética semelhante às HbA2 e C. Na hemoglobinopatia E (HbEE) pode haver anemia discreta, porém quando há associação com HbS ou com o gene talassêmico (HbSE e HbSE β thal), o quadro clínico é mais severo. A HbE foi descrita originalmente no Sudeste Asiático e pode ser encontrada em países que receberam imigrantes daquelas regiões. Síndromes talassêmicas A produção alterada de glóbulos vermelhos pode ser causada por comprometimento direto da eritropoiese medular, como observado nas síndromes da talassemia, anemia de doença crônica e policitemia vera, um distúrbio mieloproliferativo da medula óssea com eritropoiese desordenada. Por outro lado, outros distúrbios, como as síndromes das células falciformes (SCD), são apresentados como um exemplo de anemia caracterizada por eritropoiese medular essencialmente normal (ZIVOT et al., 2018). Basicamente, nas síndromes talassêmicas ocorre diminuição da síntese das cadeias globínicas alfa e beta que compõem a hemoglobina. Certas hemoglobinas anormais, que apresentam a substituição de aminoácidos nas cadeias formadas, também se enquadram nesse grupo de hemoglobinopatias. O termo talassemia é reservado àquelas situações em que há redução ou ausência de síntese de cadeias peptídicas da molécula de hemoglobina, enquanto as alterações estruturais dessas cadeias são denominadas hemoglobinopatias. A hemoglobina normal do adulto, é controlada pelos genes alfa (α), beta (β), gama (ɣ) e delta (δ), que comandam a formação independente de cadeias α, β, ɣ e δ, as quais se reúnem, formando inicialmente dímeros (αβ, αɣ e αδ) e depois tetrâmeros, que correspondem às três hemoglobinas - α2β2 ou HbA, α2ɣ2 ou HbF, e α2δ2 ou HbA2. 77 ANEMIAS │ UNIDADE II As síndromes talassêmicas incluem vários tipos de alterações das cadeias globínicas, a saber: » α-talassemias (α Thal) – há redução (α+) ou ausência (α°) das cadeias alfa. » Β-talassemias (β Thal) – há redução (β+) ou ausência (β°) das cadeias beta. » δβ-talassemias – são formas mais raras com gravidade clínica variável,em que existe redução ou pu ausência de síntese das cadeias β ou δ. Existem outros tipos de talassemias: Thal δ, Thal ɣδβ e a chamada persistência hereditária da hemoglobina fetal, incluídas nesse grupo vasto e complexo de doenças. α-Talassemias (α Thal) A síntese das cadeias α é controlada por um conjunto de genes (cluster α genes ou genes α, situados no cromossomo 16). Há dois genes α no genoma haploide (α2 α1), portanto, quatro genes α nas células diploides (α2 α1/α2 α1). Nas talassemias α, um ou mais genes α podem estar ausentes (deleção) resultando então em formas diferentes da doença: » Todos os quatro genes α estão ausentes (- -/- -). Há ausência da síntese das cadeias α (α°), não se formando a HbA normal. Quando isso ocorre, o excesso de cadeias ɣ do feto leva à produção de tetrâmeros do tipo ɣ4, denominado Hb Bart’s. Essa condição não é compatível com a vida; há morte intraútero com hidropisia fetal. Pode ser encontradas também pequenas quantidades de tetrâmeros tipo β4, ou HbH no sangue. » Quando há ausência dos genes (- -/- α), a doença é reconhecida após o nascimento por diminuição da formação de HbA, mas com excesso de cadeias β que dá origem à HbH (β4). Pequena quantidade de Hb Bart’s (ɣ4) é encontrada. » Formas heterozigóticas – nesses casos, as cadeias α se formam, mas em quantidades reduzidas. Denomina-se α+ Thal. A presença de Hb Bart’s ou HbH define de modo preciso a presença de α Thal. Nos casos em que essas hemoglobinas não são detectadas, o diagnóstico de α Thal pode não ser fácil. 78 UNIDADE II │ ANEMIAS A identificação de portadores de genes talassêmicos α heterozigóticos se baseia na pesquisa de deleções ou mutações, pela análise do DNA celular. A partir do emprego das técnicas de genética molecular, evidenciou-se grande incidência de α-talassemia em indivíduos praticamente normais, especialmente em residentes em zonas tropicais e subtropicais do globo. Essas formas de doença são denominadas “silenciosas”, devido à ausência de sintomatologia de anemia, porém com um quadro hematológico de microcitose e hipocromia perfeitamente confundível com aquele de uma anemia ferropênica. A biologia molecular nesses casos, tem demonstrado a presença de várias alterações nos genes α da cadeia de globina. São alterações de tipo deleções (exemplos: -α3,7; -α4,2) ou mutações, com substituição de bases nitrogenadas. Há formas de α Thal em que a cadeia α apresenta também variação estrutural, formando uma hemoglobina estruturalmente anômala. Entre estas está a HbCs ou Hb Constant Springer. Nesses casos, a herança varia, podendo haver homo ou heterozigotia, como por exemplo, α°/αCS ou αCS/αCS. Outras formas de α Thal apresentam associação com genes β Thal. A interação de genes α e β (β° ou β+) talassêmicos resulta numa doença de curso clínico diferente, menos severo de que aquele presente em β-talassêmicos puros. As denominações α-talassemia 1 e α-talassemia 2, usadas, foram substituídas por α° talassemia e α+ talassemia, respectivamente. Verificou-se, pela análise de genética molecular, que na α-talassemia 1 há completa ausência de produção de cadeias α, enquanto na α-talassemia 2 a síntese dessas cadeias está presente, embora reduzida. β-Talassemias (β Thal) Na β-talassemia, uma mutação no gene da β-globina resulta em um desequilíbrio entre as cadeias de α e β-globina. Isso resulta em um acúmulo de a-tetrâmeros instáveis nas células eritroides, levando à morte prematura das células na célula vermelha diferenciadora. Isso leva a eritropoiese ineficaz com diferenciação prejudicada de eritroblastos em maturação na fase policromática e ortocromática) (CENTIS et al. 2000) e deformidades da membrana estrutural (YUAN et al. 1994; ALJURF et al. 1996). A anemia resultante estimula um aumento compensatório na eritropoiese, com aumento da proliferação de precursores eritroides na medula óssea, levando a expansão medular, deformidades ósseas, hematopoiese extramedular e hepatoesplenomegalia. Além disso, a eritropoiese ineficaz causa supressão da hepcidina, resultando em maior absorção de ferro e sobrecarga primária de ferro (RIVELLA, 2009). 79 ANEMIAS │ UNIDADE II Nesses casos, há falha na síntese de cadeias β, resultando em um excesso de cadeias α. Denomina-se de β° talassemia quando há ausência total e β+ talassemia quando há diminuição da síntese de cadeias beta. Os indivíduos homozigóticos podem ser de tipo β° β° ou β+ β+, uma vez que apenas um gene β está presente no genoma das células haploides, ao contrário do que ocorre com genes que comandam a síntese de cadeias α. Uma vez que, aparentemente, a herança dos genes β Thal parece ser mais simples, poder-se-ia esperar que a genética nesses casos fosse também menos complicada, fato que não é verdadeiro. Nos indivíduos homozigóticos β° β°, há ausência de cadeias β, mas a doença não se manifesta já no período fetal como na α-Thal. Nessa fase, a hemoglobina presente é a HbF (α2 ɣ2). Apenas após o nascimento, quando as cadeias ɣ devem desaparecer, dando lugar a síntese de cadeias β, é que o defeito aparece. Não há formação de HbA (α2β2), mas continua a produção da cadeia ɣ e de HbF. As crianças são acometidas após o nascimento. São muito pálidas, anêmicas e podem morrer logo no primeiro ano de vida se não receberem transfusões de sangue. Essa situação é denominada talassemia major ou doença de Cooley, descrita por Thomas Cooley em 1925. As formas heterozigóticas (β/β+ ou β/β°) são denominadas talassemias minor. Há produção de quantidade reduzida de HbA e aumento de HbF e de HbA2. Na β Thal há um excesso relativo de cadeias α, que são insolúveis e se precipitam nos eritroblastos, provocando destruição excessiva desses precursores. Como consequência há hiper-hemólise, espelnomegalia, e eritropoese ineficiente. A forma homozigótica (β+/ β+, ou Thal major), que incide na região do Mediterrâneo, apresenta quadro clínico severo, enquanto a mesma forma homozigótica que incide na raça negra tem características de gravidade menor, recebendo a denominação Thal intermédia. A deleção de um gene α melhora a evolução clínica de β-talassêmicos β+, enquanto a deleção de dois genes α pode melhorar o curso clínico de β-talassêmicos homozigóticos. Há formas de β+ talassemias em que a quantidade de HbA2 (α2δ2) é normal. Essas formas recebem a denominação HbA2 β talassemias e podem ser dos tipos 1 e tipo 2. A primeira pode ter características de homozigoto ou de heterozigoto. A forma homozigótica apresenta anemia discreta, semelhante à Thal intermédia. A forma heterozigótica é chamada β talassemia silenciosa, pois evolui com quadro hematológico praticamente normal (hemoglobina em níveis normais e discreta microcitose). 80 UNIDADE II │ ANEMIAS A HbA2 β Thal tipo 2 também pode ser homozigótica ou heterozigótica. As dúvidas diagnósticas nesses casos são grandes, uma vez que as manifestações clínicas variam de discretas e severas. As formas heterozigóticas de β° e β+ Thal são praticamente impossíveis de serem distintas das condições anteriores por meio de exames laboratoriais rotineiros. Convém ainda lembrar que há casos Fe persistência hereditária da hemoglobina fetal, condição detectada na idade adulta. A distinção entre todos esses quadros com evolução clínica e achados hematológicos muito próximos só pode ser feita, com segurança, pela análise molecular das cadeias globínicas. Hemoglobinas Lepore Trata-se de uma talassemia de tipo δβ em que as Hb Lepore se formam por fusão ou crossing-over entre os genes δ e β, localizados nos dois cromossomos 11 (durante a meiose). A evolução clínica dos casos de Hb Lepore, homozigóticas, assemelha-se à da β Thal homozigótica. Nos casos de heterozigotia o curso clínico se aproxima ao da β-Thal minor. A porcentagem de hemoglobina Lepore encontrada nos pacientes homozigóticos é bem superior à dos heterozigóticos. Tabela 9. Algumas hemoglobinas variantes estruturais e seus efeitos fisiopatológicos.(1) Há vários tipos de hemoglobinas instáveis; (2) Há vários tipos de hemoglobina com afinidade aumentada por O2; (3) Há poucos tipos de hemoglobina com diminuição da afinidade por O2 (4) ocorrência de vários tipos de variantes de Hb A2 por mutação na globina delta; (5) diversos tipos de variantes de Hb fetal, somente detectáveis em sangue de recém-nascidos. Hb variante Defeito estrutural Genótipo Efeito nos eritrócitos S b 6 Glu ® Val AS, SS SF, SD, SC, S Falcização C b 6 Glu ® Lis AC, CC, CF, SC Cristais de Hb E b 26 Gli ® Lis AE, EE Hemólise Koln (1) b 96 Val ® Met A + Koln Heinz e hemólise Niterói (1) b 44 a 46 deletados A + Niterói Heinz e hemólise Malmo (2) b 97 His ® Glu A + Malmo Eritrocitose Kansas (3) b 102 Asn ® Tre A + Kansas Metaemoglobina Lepore fusão d-b A + Lepore Microcitose Kenya fusão g-b A + Kenya Nenhuma B2 (4) d 16 Gli ® Arg A + B2 Nenhuma F Texas (5) G 5 Glu® Lis A + F Texas Nenhuma Fonte: https://www.hemoglobinopatias.com.br/hemoglobinopatias/hb-variantes.htm. Acesso em: 13 jan. 2020. 81 ANEMIAS │ UNIDADE II Segundo Kohne (2011), existem situações de tratamento sintomático de hemoglobinopatias, tais como: o uso de analgésicos em que o tratamento de primeira linha para crises de dor consiste na administração suficiente de líquidos e analgésicos apropriados ao nível de dor (paracetamol, metamizol, possivelmente também codeína ou trama ou mesmo morfina); com proteinúria acima de 0,5 g/24 horas, os inibidores da ECA podem inibir a progressão da glomerulonefrite ou glomerulosclerose; com antibióticos também são administrados, particularmente para infecção pneumocócica com suspeita de sepse e para infecção por salmonela com suspeita de osteomielite; a hidroxiureia é a única substância até o momento que pode reduzir o número e a gravidade das crises de dor (em 70% a 75% dos pacientes) e diminuir o número de episódios de síndrome torácica aguda e mortalidade. A dose inicial de 15 mg/kg/dia pode ser aumentada para 35 mg/kg/dia. Devido aos efeitos colaterais graves, os pacientes com células falciformes só podem ser tratados com hidroxiureia quando estritamente indicado, após a instrução do paciente, se o controle da natalidade for usado (para mulheres em idade reprodutiva), com contagem sanguínea regular (inicialmente a cada duas semanas e depois mensalmente) e com documentação cuidadosa dos efeitos colaterais. Os efeitos colaterais incluem citopenia revelada em hemograma, hiperpigmentação, ganho de peso, infecções oportunistas, azoospermia em aproximadamente 80% dos homens (mesmo anos após o final do tratamento) e hipomagnesemia acentuada. Acredita-se também que exista um efeito teratogênico; a terapia transfusional está sujeita a indicações estritas (KOHNE). Infelizmente, essas regras geralmente são violadas. As transfusões únicas são indicadas para grandes sequestros esplênicos, crises aplásticas e síndrome torácica aguda, bem como antes de grandes cirurgias (a Hb deve ser aumentada para 10 g/dL). As transfusões parciais de troca para reduzir a proporção de HbS são indicadas para insuficiência orgânica aguda ou oclusão vascular, mas raramente para crises de dor refratárias; a principal indicação para programas de transfusão a longo prazo (para manter baixas proporções de HbS no sangue a longo prazo) é um infarto do SNC. Pacientes com células falciformes que recebem transfusões frequentes devem receber terapia de quelação; a esplenectomia: as doenças falciformes homozigotas levam à esclerose do baço e à asplenia funcional, mesmo na infância. Pacientes com HbS β-talassemia são submetidos à esplenectomia após sequestros esplênicos ou no caso de hiperesplenis (KOHNE, 2011). Edição de genes Dadas as preocupações contínuas de segurança com relação à oncogênese e expansão clonal após a inserção do vetor no genoma humano, as tecnologias de edição de genes continuam sendo uma modalidade terapêutica atraente. 82 UNIDADE II │ ANEMIAS As terapias de edição de genoma exploram a capacidade do genoma humano de se reparar após rupturas de fita dupla (DSBs). Os DSBs são reparados por meio de vias de reparo direto com homologia (HDR) ou união final não homóloga (NHEJ). A via HDR é utilizada para inserir sequências personalizadas no genoma por meio de uma endonuclease manipulada em parceria com um modelo de reparo extracromossômico. Essas abordagens empregam uma intervenção transitória ex vivo e não resultam em inserção permanente de DNA estranho no genoma. Atualmente, nucleases de dedo de zinco (ZFN), nucleases efetoras do tipo ativador de transcrição (TALENs) e endouncleases palindrômicas curtas intercaladas reguladoras agrupadas (CRISPR/Cas) são os sistemas disponíveis para fazer DSBs específicos do local. Estudos anteriores de prova de conceito foram relatados para correção da α-talassemia mediada por ZFN e TALEN (CHANG; BOUHASSIRA, 2012), β-talassemia (MA et al., 2013) e SCD (SEBASTIANO et al., 2011). Da mesma forma, a edição gênica de β-globina de alta fidelidade foi descrita utilizando o direcionamento baseado em CRISPR/Cas9 no SCD (HOBAN et al., 2016; DEVER et al., 2016). Com a otimização contínua da técnica, foram alcançadas eficiências aprimoradas de edição e viabilidade celular para merecer expansão nos ensaios clínicos. A edição baseada em CRISPR/Cas9 de células-tronco hematopoiéticas primárias humanas e células progenitoras (HSPCs). Esta tecnologia foi empregada para recriar variações genéticas específicas associadas à persistência hereditária da hemoglobina fetal para induzir a expressão de HbF. HSPCs de doadores saudáveis e pacientes com SCD e β-talassemia demonstraram aumentos clinicamente relevantes no mRNA da γ-globina que persistiram em 16 semanas. Muitos estudos pré-clínicos adicionais utilizando principalmente estratégias de edição de genes baseados em CRISPR/Cas9 surgiram, que são promissores para tradução em ensaios clínicos (LIN et al, 2017; de DREUZY et al. 2017). WEATHERALL, D.L.; CLEGG, J.B. Inherited disorders of haemoglobin. The hemoglobinopathies. In: WEATHERALL, D. J.; CLEGG, J.B. The thalassaemia syndromes. London: Blackwell Scientific Publications; 1981. pp. 85-132. RAMALHO, A. S. As hemoglobinopatias hereditárias: um problema de saúde pública no Brasil. São Paulo: FCA, 1986. 83 CAPÍTULO 3 Anemias macrocíticas Anemia aplástica, mielose aplástica ou aplasia medular A Anemia Aplástica (AA) é um distúrbio hematopoiético raro, mediado por imunidade, associado à significativa morbimortalidade. Em pacientes com suspeita de AA, o diagnóstico rápido e preciso e os cuidados de suporte concomitantes são críticos. Historicamente, a Terapia Imunossupressora (IST) e o Transplante de Medula Óssea (TMO) em pacientes elegíveis têm sido a base do tratamento com AA. (SCHEINBERG; YOUNG, 2011). Anemia plástica e anemias refratárias são condições em que, habitualmente, o número de precursores medulares dos eritrócitos (eritroblastos) está reduzido. Outras vezes há quantidade normal de eritroblastos na medula óssea, mas não diferenciação celular. Na anemia aplástica há deficiente formação de precursores eritroblásticos medulares a partir da célula pluripotente (stem cell). A perturbação da diferenciação eritroblástica decorre de alterações do elemento primordial, das células que dele se originam ou alterações do microambiente em que tais células se desenvolvem. Portanto, quando há alterações das células pluripotentes ou mesmo do microambiente medular, aparecem os sinais que caracterizam a falência medular. Nesses casos, ocorre a diminuição das linhagens celulares que aí se formam: eritrócitos, granulócitos e plaquetas, dando origem à oligocitemia, granulocitopenia, e plaquetopenia, de modo global (pancitopenia) ou seletivo (citopenia seletiva). Deve-se suspeitar de AA em pacientes com pancitopenia e medula óssea hipocelular. Os sintomas típicos incluem fadiga e contusões ou sangramentos fáceis; infecções podem estar presentes, mas geralmente não hádoença de longa data (PESLAK et al., 2017). Essas citopenias são responsáveis pela sintomatologia presente nesses casos: síndrome de anemia, síndrome hemorrágica e síndrome infecciosa. São vários os agentes etiológicos dessas síndromes de insuficiência funcional da medula óssea: medicamentos (anti-inflamatórios, antibióticos, anticonvulsivantes); tóxicos 84 UNIDADE II │ ANEMIAS (benzeno, inseticidas, solventes químicos); radiações (ionizantes); infecções (bactérias, vírus (hepatite); metabólitos e imunológicos; tumores (timoma). Ao lado das aplasias medulares, em que se pode reconhecer um agente causal, há outras em que este não é determinado. Essas aplasias são ditas idiopáticas, enquanto as primeiras se denominam secundárias ou adquiridas. Há ainda formas de aplasia medular de natureza constitucional. Nesses casos, os indivíduos têm uma predisposição genética ou familiar para manifestarem a aplasia medular. O surgimento desta condição é, às vezes, facilitado pelo contato com drogas ou toxinas. Alguns desses casos podem manifestar-se tardiamente na vida, recebendo então o rótulo de aplasia medular adquirida, quando, na verdade pertencem ao grupo de doenças constitucionais. A aplasia medular pode manifestar-se em relação a uma única linhagem hematopoiética, sem haver grandes alterações das demais células. Identifica-se, então, a aplasia simples ou pura de uma linhagem, seja ela a linhagem eritrocítica, granulocítica, neutrofílica ou plaquetária. Essas formas de aplasia pura de uma só linhagem podem ter características de doença constitucional ou serem adquiridas. Elas são menos frequentes do que as anemias aplásticas em que há comprometimento de todas as linhagens e podem constituir ou não o prelúdio de uma aplasia medular global. Anemia aplástica imune Quase toda anemia aplástica esporádica, especialmente quando grave e aguda, parece ser imunomediada. A evidência mais forte e mais relevante de um mecanismo imunológico é a resposta das contagens sanguíneas a uma variedade de terapias imunossupressoras e a dependência das contagens após a recuperação dos inibidores da calcineurina de manutenção. A anemia aplástica imune está em um espectro de doenças da medula óssea e das células sanguíneas. As células T citotóxicas têm sido o foco em estudos de amostras de pacientes e in vitro. Essas células aparecem ativadas funcional e fenotipicamente, distorcidas para produzir citocinas do tipo 1, induzem apoptose via Fas/FasL e circulam como oligoclones. Mutações somáticas adquiridas na via de sinalização STAT3 podem ser patogênicas em alguma anemia aplástica, como estão em grande linfocitose granular, produzindo células T constitutivamente ativadas. As células Treg diminuem em pacientes com anemia aplástica e aumentam com a resposta hematológica (SCHEINBERG; YOUNG, 2012; SMITH et al., 2016; YOUNG, 2018). 85 ANEMIAS │ UNIDADE II Anemias refratárias Essa denominação engloba anemias adquiridas ou congênitas, com causa conhecida ou ignorada, decorrentes de dificuldade de amadurecimento normal das células medulares. O defeito reside quase sempre na célula primordial ou totipotente, resultando em dificuldade maturativa dos precursores eritroblásticos, granulocíticos e plaquetários. Nessas anemias não ocorre aplasia medular verdadeira, visto que a celularidade se mantém normal ou há somente discreta hipoplasia medular. Entretanto, não existe maturação normal, encontrando-se pancitopenia no sangue periférico. Denominavam-se tais casos pancitopenia periférica com medula óssea rica em células. Atualmente recebem o nome genérico de displasia mieloide ou síndrome de mielodisplasia ou síndrome mielodisplásica (SMD), mas a denominação anemia refratária é clássica, porque os sintomas de anemia predominam no quadro clínico. O termo anemia refrataria indica que se trata de anemia que não responde aos tratamentos habituais usados nas formas mais frequentes. Os defeitos de maturação que ocorrem nas três linhagens medulares recebem as denominações diseritropoese, disgranulocitopoese e dismegacariocitopoese. As anemias refratárias congênitas têm curso clínico semelhante e se caracterizam por apresentar: (1) eritropoese ineficiente na medula óssea e (2) teste de soro acidificado positivo. São doenças raras e afetam exclusivamente as células eritroblásticas medulares. O exame da medula óssea revela hiperplasia eritroblástica e modificação do aspecto morfológico dessa linhagem, em grau maior ou menor. As anemias refratárias congênitas se classificam em três tipos (I,II e III). A forma mais comum é o tipo II, denominada comumente HEMPAS (hereditary erytroblastic multiclearity with positive acidified-serum-lysis-test). O quadro clínico da anemia refratária do tipo I é caracterizado por palidez discreta, esplenomegalia rara, gene autossômico recessivo. O esfregaço sanguíneo mostra anemia macrocítica discreta poiquilocitose, pontuação basofílica, anisocitose, ferro sérico elevado. A medula óssea apresenta hiperplasia eritroblástica, aumento de eritroblastos orto e policromáticos binucleados; pontes internucelares; eritropoese ineficiente aumentada; eritrofagocitose; megaloblastose. 86 UNIDADE II │ ANEMIAS Na anemia refratária do tipo II, os pacientes apresentam um quadro clínico com palidez, icterícia, esplenomegalia, colicistite calculosa, herança: gene autossômico recessivo. O esfregaço sanguíneo mostra: anemia macrocítica, alterações morfológicas das hemácias muito acentuadas, lise de eritrócitos pelo soro normal acidificado, ferro sérico elevado. A medula óssea apresenta: hiperplasia eritroblástica; aumento de eritroblastos orto e policromáticos bi e multinucleados; eritrofagocitose; macrófagos aumentados, (aspecto Gaucher-símile). Na anemia refratária do tipo III, os pacientes apresentam um quadro clínico com palidez, esplenomegalia, icterícia, herança: gene autossômico dominante (forma rara). O esfregaço sanguíneo mostra: anemia macrocítica, alterações morfológicas das hemácias, ferro sérico elevado. A medula óssea apresenta-se com hiperplasia eritroblástica; aumento de células gigantes (gigantoblastos); os eritroblastos podem conter até 12 núcleos. Anemia megaloblástica A anemia megaloblástica aparece por defeito na síntese de DNA em células precursoras da medula óssea. Quantidades normais de vitamina B12 e de folatos são necessárias para que esta está síntese seja normal. Vitamina B12 e folatos interferem na utilização da deoxiuridina (dUMP = deoxiuridina monofosfato). A deficiência de vitamina B12 é a causa mais comum de anemia megaloblástica. A deficiência de vitamina B12 é causada por ingestão insuficiente de dieta, como nos casos de vegetarianos ou desnutridos, má absorção devido à ausência de fator intrínseco causado por anemia perniciosa ou após cirurgia gástrica, distúrbios congênitos, como deficiência de transcobalamina II ou exposição a óxido nitroso (NAGAO; HIROKAWA, 2017). Partindo desta substância, forma-se uma timidina monofosfato (TMP), que, por sua vez, entra da composição da timidina, uma das quatro bases nitrogenadas presentes no DNA. Há inter-relação entre o metabolismo da vitamina B12 e o dos folatos. Na ausência de cobalamina, o tetraidrofolato não pode ser liberado, havendo assim acúmulo da forma metilada. Na verdade, os níveis desse folato (metiltetraidrofolato) no soro são elevados em pacientes com deficiência de vitamina B12. A vitamina B12 se liga ao fator intrínseco secretado pelas células parietais gástricas e é absorvida no íleo terminal. Uma vez absorvida, a vitamina B12 atua como uma coenzima na reação enzimática que produz metionina a partir da 87 ANEMIAS │ UNIDADE II homocisteína. Como resultado, o ácido fólico é convertido em sua forma ativa. Quando a vitamina B12 é deficiente, o ácido fólico ativo também é deficiente. Como resultado, a reação intracelular envolvendo a forma coenzima do ácido fólico é afetada. Assim, não apenas a vitamina B12, mastambém as deficiências de folato prejudicam a síntese de DNA. Como uma grande quantidade de vitamina B12 é armazenada no fígado, são necessários 5 a 10 anos para que os problemas clínicos se manifestem após a ingestão ou absorção diminuídas de vitamina B12 (SHIPTON; THACHIL, 2015). Há evidências de que a vitamina B12 seja importante na passagem normal de compostos folatos através das membranas celulares. Desse modo, a medula óssea, de um lado, e as células hepáticas, de outro, têm um aporte deficiente de folatos na vigência da deficiência em B12. Não se sabe ao certo a causa exata da aparência megaloblástica das células precursoras da medula óssea (eritroblastos e granulócitos) nas deficiências de B12 e folatos, apenas se correlacionando à aparência gigante e a cromatina reticulada e delicada dos núcleos ao defeito de síntese do DNA. Anemias megaloblásticas por absorção inadequada de folatos e vitamina B12 O ácido fólico é encontrado na alimentação normal em quantidade suficiente para manter a eritropoese normal durante alguns meses, mesmo que a ingestão seja deficiente nesse período. Isso resulta do fato de que existe um depósito de ácido fólico no fígado. Os folatos são absorvidos na parte proximal do intestino delgado, que contém células de mucosa rica em enzimas que transformam poliglutamatos em monoglutamatos. Estes são reduzidos e a seguir metilados, de forma que no plasma, aparece o metiltetraidrofolato-monoglutamato (CH3 H4 PteGlu1). Esse composto é armazenado no fígado, mas a maior parte vai para os tecidos, servindo de doador de radical - CH3. O folato armazenado pelo fígado pode ser cedido ao intestino pela via biliar, o que mantém o nível de folato nesse ponto (ácido entero-hepático). Quando ocorrem lesões da mucosa intestinal (como no espru), ou quando o folato armazenado pelas células hepáticas fica bloqueado (como no alcoolismo), o ciclo entero-hepático se altera. Tanto num caso como no outro, há diminuição do folato absorvido pelo intestino. De um modo geral, a deficiência de folatos é mais frequente e grave em indivíduos de baixo nível socioeconômico, em especial nas idades avançadas 88 UNIDADE II │ ANEMIAS e em alcoólatras. A deficiência de folatos é frequente também naquelas condições em que o indivíduo consome em excesso, entrando num balanço negativo destes. Isso ocorre na gestação e em doenças como anemia hemolítica, nas quais há aumento de proliferação (reacional) da série eritrocitária. O ácido fólico está contido em vegetais verdes e produtos de origem animal, como o fígado. A dose diária recomendada de ácido fólico para adultos é de 240 μg por dia e é necessária uma ingestão de pelo menos 400 μg por dia em grávidas ou em fase de lactação. A deficiência de folato aumenta consideravelmente as chances de estenose do tubo neural congênito na gravidez. O ácido fólico é absorvido no jejuno superior por um processo clássico de difusão passiva e absorção ativa. Assim, a falta de ácido fólico é causada por fatores como deficiência nutricional provocada por dieta pobre e episódios de alcoolismo; pela má absorção do folato por doença celíaca ou doença inflamatória intestinal; pelo aumento específico do organismo por situações pontuais como a gravidez, lactação, e hemólise crônica; ou ainda pela intervenção de medicamentos como metotrexato, trimetoprim, e fenitoína. Como os níveis séricos de folato flutuam com a ingestão alimentar, a medição dos níveis de folato nas hemácias, que refletem as reservas de folato no tecido, foi considerada mais confiável (KAFERLE; STRZODA, 2009). Outros casos, como vimos, são de alcoólatras que ingerem poucos poliglutamatos e têm lesão hepática. A deficiência de ácido fólico é vista mais comumente do que a deficiência de vitamina B12 em doenças levando à má absorção. A síndrome de Irmerslund-Gräsbeck é uma alteração de herança autossômica recessiva, que provoca uma absorção deficiente de vitamina B12. Em certos países, a infestação pela tênia do peixe (Diphyllobothrium latum) é tão comum que a deficiência de vitamina B12 pode ocorrer na presença da verminose. O verme compete com o hospedeiro pela cobalamina ingerida. A doença celíaca é uma causa importante de má absorção em adultos ou crianças relacionada ao glúten da dieta. Entre os sinais de má absorção, pode estar a anemia megaloblástica devido à deficiência de ácido fólico. O espru tropical, uma doença absortiva comum no Caribe, Índia e sudeste da Ásia, pode ser tratado com ácido fólico, associada à terapia antimicrobiana. A ressecção do intestino delgado ou doença inflamatória do mesmo podem estar associadas a múltiplos defeitos de absorção, incluindo outras vitaminas. 89 ANEMIAS │ UNIDADE II Anemia secundária à doença hepática Várias são as anemias secundárias à da doença hepática: anemia pós-hemorrágica crônica; anemia hipoplásica secundária a supressão medular induzida por vírus; anemia megaloblástica por deficiência de folato devido à má nutrição na cirrose alcoólica; anemias hemolíticas adquiridas, esplenomegalia congestiva ou distúrbios lipídicos podem ocorrer na doença hepática. Existe ainda uma anemia associada com a doença hepática caracterizada pela diminuição da sobrevida eritrocitária e produção de eritrócitos inadequada. Pode ser evidenciada por volume sanguíneo aumentado que parece estar relacionado ao grau de hipertensão portal. Os eritrócitos são normo ou macrocíticos, frequentemente estão presentes células em alvo, especialmente na icterícia obstrutiva; estas células apresentam membrana de superfície aumentada com conteúdo de colesterol e lecitina aumentado. No entanto, a proporção de fosfolipidescolesterol é normal. Os reticulócitos podem estar aumentados e as plaquetas diminuídas. A medula óssea pode estar hipercelular e a eritropoiese é macronormoblástica, mais do que a megaloblástica. Este tipo de anemia não responde à cobalamina (vitamina B12) ou ácido fólico. Anemia secundária ao hipotiroidismo A anemia não complicada ao hipotireoidismo é discreta a moderada; é normocrômica e normocítica sem reticulocitose e com sobrevida normal dos eritrócitos. Ocorre a produção diminuída de eritropoetina (EPO) pela medula óssea. Há também um requerimento tecidual de oxigênio diminuído. Como o volume plasmático está diminuído no hipotireioidismo, o grau aparente da anemia pode não ser proporcional à diminuição da massa de hemácias. O hipotireioidismo pode evidentemente ser complicado por deficiência de ferro ou de ácido fólico e vitamina B12. Na deficiência do hormônio adrenal cortical aparece uma anemia discreta, normocrômica e normocítica. A secreção deficiente de testosterona em homens resulta em uma produção diminuída de hemácias de 1 a 2 g Hb/dl (um valor comparável ao das mulheres; isto parece ser devido ao efeito dos androgênios na secreção de EPO). 90 UNIDADE II │ ANEMIAS Pode ocorrer uma depressão da concentração de hemoglobina decorrente da deficiência da pituitária que ocorre no hipotiroidismo e também de outras glândulas endócrinas, além de possivelmente levar à perda do hormônio do crescimento. Anemia secundária a insuficiência renal Existe uma correlação positiva entre a severidade de anemia e o aumento da concentração de ureia no sangue, contudo não é estritamente linear. Quando a ureia sanguínea (BUN) excede 100 mg/dlL o hematócrito está usualmente abaixo de 0,30. A produção diminuída de EPO pelo rim danificado é provavelmente o fator importante na maioria dos casos nos quais o nitrogênio ureico excede 100 mg/dl. Em alguns casos de insuficiência renal a hemólise é uma característica significante. Parece haver um fator extra corpuscular no plasma urêmico que prejudica o metabolismo dos eritrócitos, o que resulta em células morfologicamente deformadas (equinócios espiculados). Pode ser observado elevado número de eritrócitos irregulares, contraídos e fragmentados na síndrome hemolítica-urêmica e na hipertensão maligna como resultadodo dano traumático sofrido pelos eritrócitos ao atravessarem os pequenos vasos sanguíneos lesados. Alterações na ATP ase de membrana dos eritrócitos e na transquetolase podem tornar os eritrócitos mais sensíveis às drogas ou produtos químicos oxidantes. Em decorrência à trombocitopenia ou defeitos funcionais das plaquetas, podem ocorrer sangramentos na doença renal crônica. Eritrocitoses Caracterizadas pelo aumento de eritrócitos no eritrograma, aumento da massa eritrocítica, diminuição do volume plasmático (pseudoeritrose). Dados clínicos: desidratação pelo uso de diuréticos. Este distúrbio pode ocorrer em determinadas condições patológicas, fisiológicas ou até mesmo regionais. A saber: 1. Moradores de grandes altitudes. 2. Fumantes > 20 cigarros/ dia. 3. Obesidade e estresse (pseudoeritrose): síndrome de PICKWICK. 91 ANEMIAS │ UNIDADE II 4. Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC): apesar da eritrocitose ser benéfica por permitir maior transporte de oxigênio, porém com Ht de 55% a viscosidade sanguínea aumenta e é prejudicial. 5. Síndrome da apneia noturna. 6. Tumores secretantes de eritropoietina: o mais comum é hipernefroma (rim) – início com eritricitose + emagrecimento, depois aparece tumor no abdômen. 7. Cardiopatias congênitas: ocorre na infância, com sinais de pletora, cianose, hipocratismo digital. 8. Hemoglobinopatias de alta afinidade pelo O2, herança familiar tipo dominante: a eletroforese da hemoglobina poderá levar ao diagnóstico. A presença de eritrocitose + cianose sugere presença de metaemoglobina (Hb M), a molécula defeituosa causando oxidação do ferro; herança dominante; diagnóstico pela eletroforese de Hb. 9. Déficit de Metaemoglobina redutase: recessivo, melhora com uso de ácido ascórbico. Nestes casos, a cor do sangue é marrom-achocolatado. 10. Policitemia Vera: doença mieloproliferativa crônica, clonal, acometendo também a grânulo-plaquetopoiese. Ocorre especialmente em idosos com idade entre 60-65 anos. As características patológicas são: esplenomegalia, tromboses cerebrais e de veias supra-hepáticas, úlcera péptica hemorrágica. Hemograma com eritrocitose, leucocitose e plaquetose; microcitose e hipocromia na evolução, devido ao tratamento com sangrias; eritroblastos, mielócitos, basofilia, plaquetas anormais. 92 Para (não) Finalizar O estudo da disciplina Hematologia Clínica apresentado neste caderno é de grande importância não só para o aluno, mas também para os professores que estiveram empenhados neste trabalho. Todo o educador tem a curiosidade pela busca do novo, quer aprimorar e enriquecer seus conhecimentos, e desta forma, ambos, professor e aluno são beneficiados. Neste momento de formação, a capacidade autônoma é de grande relevância, considerando as habilidades crítica e criativa, desenvolvidas durante este período de aprendizado. O exame hematológico mais solicitado é o hemograma, pois por meio da morfologia dos elementos figurados do sangue é possível diagnosticar muitas doenças infecciosas e crônicas, e, desta forma, auxiliar no seu controle evolutivo. O exame hematológico também é essencial nas emergências médicas, cirúrgicas e traumatológicas. O hemograma baseia-se na observação morfológica e quantificação das células sanguíneas. Portanto, o estudo da morfologia das células sanguíneas, mediante leitura do esfregaço sanguíneo, retrata todos os aspectos laboratoriais e clínicos na hematologia clínica. As doenças hematológicas constituem um grande problema de saúde pública. As hemoglobinopatias, mais conhecidas como anemias hereditárias, como a anemia falciforme e as síndromes talassêmicas, oriundas de movimentos migratórios que ocorreram durante a ocupação dos europeus em diversos estados do Brasil no início do século XX. As anemias carenciais, decorrentes da falta de nutrientes pela alimentação inadequada, presente principalmente nas classes menos favorecidas. Todos estes fatores enfatizam a importância de profissionais qualificados que possam atuar efetivamente na identificação laboratorial das desordens hematológicas. Portanto, fica claro o objetivo deste caderno de estudos no sentido de aprimorar e consolidar os conhecimentos em hematologia e auxiliar também nas boas práticas de rotina laboratorial hematológica. 93 Referências ALJURF, M. et al. Abnormal assembly of membrane proteins in erythroid progenitors of patients with beta-thalassemia major. Blood. v. 87, pp. 2049–2056, 1996. ANDOLFO, I. et al. New insights on hereditary erythrocyte membrane defects. Haematológica. V. 101, no 11, pp. 1284–1294. doi:10.3324/haematol.2016.142463. BAIN, J. B. Células sanguíneas. 4. ed. São Paulo: Artes Médicas, 1997. BAYNES, J. W.; DOMINICZAK; M. H. Bioquímica médica. 3. ed. Rio de Janeiro (Brasil): Elsevier, 2010. 431 p. BERNE, R. M.; LEVY, M. N. Fisiologia, 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. BERNARD, J. J. Manual de hematologia. 3. ed. São Paulo: Masson do Brasil, 1986. BORGES-OSÓRIO, M. R; ROBINSON, W. M. Genética humana. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2001. BROW, BA. Hematology. 5. ed. Philadelphia: Lea & Febiger, 1993. CAPELLI, I. et al. Folic acid and vitamin B12 administration in CKD, why not? Nutrients, v. 11, p. 383, 2019. CARVALHO, W. F. C. Técnicas médicas de hematologia e imunoematologia. 8. ed. Belo Horizonte: Cooperativa Editora e de Cultura Médica, 1994. CENTIS, F. et al. The importance of erythroid expansion in determining the extent of apoptosis in erythroid precursors in patients with beta-thalassemia major. Blood. v. 96, pp. 3624-3629, 2000. CHAMPE, P. C.; HARVEY, R. A.; FERRIER, D. R. Bioquímica ilustrada. 3. ed. Porto Alegre (Brasil): Artmed, 2006. 371 p. CHANG, C.J.; BOUHASSIRA, E. E. Zinc-finger nuclease-mediated correction of alpha-thalassemia in iPS cells. Blood. v. 120, pp. 3906-3914, 2012. doi: 10.1182/ blood-2012-03-420703. 94 REFERÊNCIAS CHARLES, A.; JANEWAY, J. R.; TRAVERS, P. Imunobiologia. 7. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. COSTANZO, L. S. Fisiologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. COTRAN, R. S.; KUMAR, V.; COLLINS, T., Pathologic basis of disease. W. B. Saunders Co., Philadelphia, 1999. DACIE, J. V.; LEWIS, S. M. Practical haematology. 8. ed. Edinburgh: Churchill Levingstone, 1995. DEDREUZY, E. et al. Expanding CRISPR genome editing strategies in hematopoietic stem and progenitor cells for the treatment of hematologic diseases. Blood. v. 130, p. 4619, 2017. DENNIS, C.; GALLAGHER, R.; WATSON, J. D. The human genome. Nature Publishing Group, 2001. DEVER, D.P. et al. CRISPR/Cas9 beta-globin gene targeting in human haematopoietic stem cells. Nature. v. 539, pp. 384–389, 2016. doi: 10.1038/ nature20134. DICKERHOFF, R. Sichelzellkrankheit: leitlinien kinderheilkunde und jugendmedizin. v. 1, pp. 1–7, 2006. FAILACE, R. Hemograma: manual de interpretação. 5. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. FORGET, B.G.; BUNN, H.F. Classification of the disorders of hemoglobin. Cold Spring Harb Perspect Med. v. 3, no 2. a011684, 2013. GIFFORD, S.C. et al. A detailed study of time-dependent changes in human red blood cells: from reticulocyte maturation to erythrocyte senescence. Br J Haematol. v. pp. 135, pp. 395–404. doi: 10.1111/j.1365-2141.2006.06279.x. GIGLIO, A. D.; KALIKS, R. Princípios de hematologia clínica. 1. ed. São Paulo: Manole, 2006. GRANICK, S, LEVERE, R.D. Heme synthesis in erythroid cells. Prog Hematol. v. 4, pp. 1–47. GREGORY, C. J.; EAVES, A. C. Human marrow cells capable of erythropoietic differentiation in vitro: definition of three erythroid colony responses. Blood. v. 49, pp. 855–864, 1977. 95 REFERÊNCIAS HAMERSCHLAK, N. Manual de hematologia. 1. ed. São Paulo: Manole, 2009. HAYHOE, F. G. J.; FLEMANS, R. J. Atlas colorido de citologia hematológica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. HENRY, J. Diagnósticos clínicos e tratamento por métodos laboratoriais. 19. ed. São Paulo: Guanabara Koogan, 1999. HILMAN, R. S.; FINCH, C. A. Redcell manual. 7. ed. F. A. Davis Co., Philadelphia, 1996. HOBAN, M.D. et al. CRISPR/Cas9-mediated correction of the sickle mutation in human CD34+ cells. Mol Ther. v. 24, pp. 1561–1569, 2016. doi: 10.1038/ mt.2016.148. HOFFBRAND, A. V.; LEWIS, S. M.; TUDDENHAM, E.G.D. Hematology. 5. ed. Oxford, 1999. HOFFBRAND, A. V.; MOSS, P. A. H.; PETTIT, J. E. Fundamentos em hematologia. 5. ed. São Paulo: Artmed, 2007. 400 p. HUGHES-JONES, N. C.; WICKRAMASINGHE, S.N. Lecture notes on haematology, 5. ed. Blackwell Scientific Publication, Oxford, 1993. KAFERLE, J.; STRZODA, C. E. Evaluation of macrocytosis. Am Fam Physician. v. 79, pp. 203–8, 2009. KOHNE, E. Hemoglobinopathies: clínical manifestations, diagnosis, and treatment. Dtsch Arztebl Int. v. 108, no 31-32, pp. 532–540. KURTZ, A. et al. Activity in fetal bovine serum that stimulates erythroid colony formation in fetal mouse livers is insulinlike growth factor I. J Clin Invest. v. 76, pp. 1643–1648, 1985. doi: 10.1172/JCI112149. LEE, G.R. Wintrobe hematologia clínica. 2. ed. São Paulo: Manole, 2004. ______. et al. Isolation and immunocytochemical characterization of human bone marrow stromal macrophages in hemopoietic clusters. J Exp Med. v. 168, pp. 1193– 1198, 1988. doi: 10.1084/jem.168.3.1193. LIN, M.I. et al. CRISPR/Cas9 genome editing to treat sickle cell disease and B-thalassemia: re-creating genetic variants to upregulate fetal hemoglobin appear well-tolerated, effective and durable. Blood. v. 130, p. 284, 2017. 96 REFERÊNCIAS LIMA, O. et al. Métodos de laboratórios aplicados à clínica. 7. ed. São Paulo: Guanabara Koogan, 1992. LITTLE, R.R.; ROBERTS, W.L. A review of variant hemoglobins interfering with hemoglobin A1c measurement. J Diabetes Sci Technol. v. 3, no 3, pp. 446–451. Published 2009 May 1. doi:10.1177/193229680900300307. LOEFFLER, H.; RASTELTER, J. Atlas of Clínical Haematology. 5. ed. Berlin: Springer, 1999. LORENZI, T. Manual de hematologia: propedêutica e clínica. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. LORENZI, T. F. Atlas de hematologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. MA, N, et al. Transcription activator-like effector nuclease (TALEN)-mediated gene correction in integration-free β-thalassemia induced pluripotent stem cells. J Biol Chem. v. 288, pp. 34671–34679, 2013. doi: 10.1074/jbc.M113.496174. MEHTA, A.; HOFFBRAND, V. Haematology at a glance. Blackwell Science Publ., Oxford, 2000. MOURA, R. A. Técnicas de laboratório. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 1994. _______. Colheita de material para exames de laboratório. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 1998. NAGAO, T, HIROKAWA, M. Diagnosis and treatment of macrocytic anemias in adults. J Gen Fam Med. v. 18, no 5, pp. 200–204, 2017. NAOUM, P. C. et al. Hemoglobinas anormais no Brasil. Prevalência e distribuição geográfica. Revista Brasileira de Patologia Clínica. v. 23, pp. 68-79, 1987. _______. Hemoglobinopatias e talassemias. São Paulo: Sarvier, 1997. _______. Interferentes eritrocitários e ambientais na anemia falciforme. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. v. 22, pp. 05-22, 2000. NAOUM, P. C.; NAOUM, F. A. Doença das células falciformes. São Paulo: Sarvier, 2004. _______. Hematologia laboratorial: eritrócitos. São José do Rio Preto: 2 edição da Academia de Ciência e Tecnologia, 2008. 97 REFERÊNCIAS OLIVEIRA, R. A. G. Is automated platelet counting still a problem in thrombocytopenic blood? Hematology Laboratory. Sao Paulo Med J/Rev Paul Med. v. 121, no 1, pp. 19-23, 2003. OHBA, R.; FURUYAMA, K.; YOSHIDA, K, et al. Clínical and genetic characteristics of congenital sideroblastic anemia: comparison with myelodysplastic syndrome with ring sideroblast (MDS-RS). Ann Hematol. v. 92, no 1, pp. 1–9. 2013. doi:10.1007/s00277-012-1564-5). OLIVEIRA, R. A. G. Anemias e leucemias. 3. ed. São Paulo: Roca, 2004. ORKIN, S.H. Diversification of haematopoietic stem cells to specific lineages. Nat Rev Genet. v. 1, pp. 57–64. 2000. doi: 10.1038/35049577. PESLAK, S.A.; OLSON, T.; BABUSHOK, D. V. Diagnosis and treatment of aplastic anemia. Curr Treat Options Oncol. v. 18, no 12, p. 70. Published 2017 Nov 16. doi:10.1007/s11864-017-0511-z. PROVAN, D.; HENSON, A. ABC of clínical hematology. BMJ Publ. Group., London, 1998. PROVAN, D.; GRIBBEN, J. Molecular haematology. Blackell Science, Oxford, 2000. RAPAPORT, S. I. Hematologia: introdução. 2. ed. São Paulo: Roca, 1990. RIVELLA, S. Ineffective erythropoiesis and thalassemias. Curr Opin Hematol. v. 16, pp. 187–194, 2009. doi: 10.1097/MOH.0b013e32832990a4. ROHLFING C. et al. The effect of elevated fetal hemoglobin on HbA1c results: five common HbA1c methods compared to the IFCC reference method. Am J Clin Pathol. v. 129, no 5, pp. 811–814, 2008. ROWAN, R. M.; ASSENDELFT, O.; PRESTON, E. F. Advanced laboratory methods in haematology. Arnold Group Publ., London, 2002. SEBASTIANO, V. et al. In situ genetic correction of the sickle cell anemia mutation in human induced pluripotent stem cells using engineered zinc finger nucleases. Stem cells (Dayton, Ohio) v. 29, pp.1717–1726, 2011. doi: 10.1002/ stem.718. SCHEINBERG, P.; YOUNG, N.S. How I treat acquired aplastic anemia. Blood. v. 120, no 6, pp. 1185–96, 2012. doi: 10.1182/blood-2011-12-274019. 98 REFERÊNCIAS SHIPTON, M. J. THACHIL, J. Vitamin B12 deficiency-A21st century perspective. Clin Med (Lond). v. 15, pp. 145–50, 2015. SILVA, P. H. Hematologia laboratorial. 1. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2008. SMITH, J.N.; KANWAR, V.S.; MACNAMARA, K.C. Hematopoietic stem cell Regulation by type I and II interferons in the pathogenesis of acquired aplastic anemia. Front Immunol. v. 7, p. 330, 2016. STIENE-MARTIN, E. A.; STEININGER C. A. L.; KOEPKE, J. A. Clínical Hematology, 2. ed. Philadelphia, 1998. STRYER, L.; TYMOCZKO, J. L.; BERG, J. M. Bioquímica. 5. ed. Rio de Janeiro (Brasil): Guanabara Koogan S.A., 2004. 228 p. TEIXEIRA, J. E. C. Diagnóstico laboratorial em hematologia. 1. ed. São Paulo: Roca, 2006. VIEIRA, R. Fundamentos de bioquímica. 1. ed. Pará (Brasil): Laboratório de genética humana e médica, 2003. 8 p. VERRASTRO, T; LORENZI, T.F. Hematologia e hemoterapia. 1. ed. São Paulo: Atheneu, 1996. WILLIAMS, W. J. MARSHALL A. L. Hematologia. 6. ed. São Paulo: Guanabara Koogan, 1976. WILLIAMS; WILKINS. Wintrobe’s Clínical Hematology. Philadelphia Lea&Febiger, 2009. WOOD, M. E.; BUNN, P. A. Segredos em hematologia e oncologia. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. YOUNG, N.S. Aplastic anemia. N Engl J Med. v. 379, no 17, pp. 1643–1656, 2018. doi:10.1056/NEJMra1413485. YUAN, J. et al. Defective assembly of membrane proteins in erythroid precursors of beta-thalassemic mice. Blood. v. 84, 632–637, 1994. ZAGO, M. A. et al. Hematologia: fundamentos e prática. Ed. rev. e atual. São Paulo: Atheneu, 2004. 99 REFERÊNCIAS ZIVOT, A. et al. Erythropoiesis: insights into pathophysiology and treatments in 2017. Mol Med. v. 24, no 1, p. 11. Published 2018 Mar 23. doi:10.1186/s10020-018-0011-z. Sites http://www.us.elsevierhealth.com. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/. http://www.elsevier.com/journals/. http://4.bp.blogspot.com/-siri7RiZtn8/Ti91LsjY26I/AAAAAAAACZw/btaOn1O_h1g/ s1600/mioXhemoglobina.png. h t t p : / / w w w . s c i e l o . b r / s c i e l o . p h p ? s c r i p t = s c i _ a r t t e x t & p i d =S0100-40422012000400025. http://www.hemoglobinopatias.com.br/d-falciforme/fisio-falci.htm. http://www.laboratorioblauth.com.br/artigos/classificacao_laboratorial_anemias. pdf. https://4.bp.blogspot.com/-5Lu8jq_7J3k/UF85WJh5CbI/AAAAAAAAAQ0/ GlX3I5kVwFM/s1600/Homeostase+Ferro.jpg. http://www.uniararas.br/revistacientifica/_documentos/art.8-025-2014.pdf. http://www.acm.org.br/acm/acamt/documentos/curso_clínica_medica_2018/ porfirias.pdf https://www.hemoglobinopatias.com.br/metahb/img01.jpg. http://www.ciencianews.com.br/arquivos/ACET/IMAGENS/doenca_dos_ eritrocitos/doenca_dos_eritrocitos_o_eritrocito.pdf. https://educalingo.com/pt/dic-pt/megacariocito. http://jpffhematologiafichero.blogspot.com/2014/10/megacarioblasto.html.http://jpffhematologiafichero.blogspot.com/2014/10/promegacariocito.html. http://mcvcorpohumano.blogspot.com/p/sistema-circulatorio_08.html. 100 REFERÊNCIAS https://pt.medic-life.com/what-is-anisocytosis-16319. http://trombopoyesistm25.blogspot.com/2013/06/maduracion-plaquetaria.html. http://www.ciencianews.com.br/arquivos/ACET/IMAGENS/livros/acesso_gratuito/ Livro_completo%20-%20Hematologia%20Eritrocitos.pdf. https://docplayer.com.br/58278280-Prof-dr-adilson-donizeti-damasceno-professor- adjunto-i-dmv-ev-ufg.html. http://atlas.gechem.org/es/component/k2/itemlist/category/10-1-1-1-serie- eritroblastica. http://www.hemoglobinopatias.com.br/d-falciforme/diagnostico.htm. https://pt.slideshare.net/Natalianeto/tec-sanguineo-1458306. https://www.slideshare.net/areadasaude/03-sangue-e-hematopoese. https://zunigamartinez.blogspot.com/2011/05/camara-de-neubauer_09.html. https://zunigamartinez.blogspot.com/2011/05/camara-de-neubauer_09.html. https://analisesclínicascom.blogspot.com/2018/09/como-preparar-um-bom- esfregaco.html. _GoBack