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A Psicologia Existencial
DESCRIÇÃO: Psicologia Existencial como perspectiva e aproximação no contexto da Psicologia e seu diálogo com diversos autores do Existencialismo; a influência em outras áreas da Ciência Psicológica, como a Psicologia da Personalidade, a Psicologia da Motivação e a Psicopatologia.
PROPÓSITO: Contribuir para o aprendizado e o aprofundamento do conhecimento sobre a Psicologia Existencial como perspectiva da Psicologia, e suas influências em diferentes áreas, como a Psicologia Clínica, da Personalidade, da Motivação e a Psicopatologia.
PREPARAÇÃO: Use um dicionário de Filosofia para ampliar seu conhecimento na área. O Dicionário de Filosofia Nicola Abbagnano é uma boa sugestão e está disponível virtualmente.
OBJETIVOS
- Definir o que é Psicologia Existencial a partir de suas relações com o Existencialismo
- Reconhecer o pensamento de Karl Jaspers e sua influência na Psicopatologia Fenomenológica
- Reconhecer o pensamento de dois dos principais representantes da Psicologia Existencial: Viktor Emil Frankl e Rollo May
INTRODUÇÃO: Qual é o sentido da sua vida? Você é totalmente livre ou é fruto de determinantes sociais, psicológicos e biológicos? Como você lida com o fato da sua finitude? Provavelmente, em algum momento da vida, toda pessoa se depara com questões semelhantes a essas e, embora possamos dizer que esses questionamentos estejam presentes na prática de muitos psicólogos e abordados por diferentes correntes da Psicologia, é na Psicologia Existencial que eles ganharam especial interesse e aprofundamento.
Apresentaremos a você o que é a Psicologia Existencial, quais são as influências recebidas do Existencialismo, seus principais representantes e como ela ainda se mostra evidente na Psicologia do século XXI.
Vamos incentivá-lo, ao longo do conteúdo, a tomar uma atitude existencial: não somente entender os conceitos apresentados, mas vivenciá-los para que você tenha uma experiência existencial.
MÓDULO 1
Definir o que é Psicologia Existencial a partir de suas relações com o Existencialismo
O QUE É A PSICOLOGIA EXISTENCIAL? “SER OU NÃO SER, EIS A QUESTÃO”
Certamente você já escutou, ou escutará a frase acima em algum momento de sua vida. Esse famoso dito, atribuído ao personagem Hamlet, de Shakespeare, está carregado da preocupação sobre o existir.
A Psicologia Existencial e seus diversos autores se debruçarão sobre questões referentes ao existir da pessoa, em como essa pessoa configura a sua vida e como ela lida com aqueles aspectos centrais da existência: sofrimento, angústia, finitude, amor, esperança, sentido.
Pode-se perceber que as questões próprias da Psicologia Existencial, que também podemos chamar de questões existencialistas, não se resumem a elucubradas perguntas filosóficas, mas se encarnam no cotidiano do existir pessoal, ou seja, podem ser percebidas no dia a dia, na vida comum de todos.
A Psicologia Existencial pode ser compreendida como uma aproximação a aspectos da vida do homem desde uma perspectiva existencialista. Isso significa que a angústia, a culpa, a esperança, a vontade, o amor serão compreendidos desde um ponto de vista existencial.
Sendo assim, temos o primeiro ponto da construção de uma definição de Psicologia Existencial: É uma aproximação às categorias psicológicas, aos aspectos psicológicos da pessoa, desde uma perspectiva existencialista.
Você sabe o que é uma perspectiva existencialista? Para ajudar na compreensão, exploraremos o Existencialismo, visto que a Psicologia Existencial recebe inúmeras contribuições de pensadores que se enquadram nessa perspectiva filosófica.
EXISTENCIALISMO OU EXISTENCIALISMOS? EIS A NOVA QUESTÃO: Em linhas gerais, o Existencialismo tem como marca a preocupação e a busca por compreender a existência concreta da pessoa; ou seja, em como o homem conduz e vive sua vida no cotidiano: suas angústias, esperanças, seus sonhos, sofrimentos. Seu realce não é teorizar sobre a existência, mas como se aproximar ao máximo da experiência do viver particular da pessoa.
Jolivet (1953) afirma que o Existencialismo surge sobretudo como uma resposta ao Idealismo e Realismo que imperavam no pensamento filosófico da época e que, na tentativa de explicar a pessoa, acabavam por ignorar seu mistério; ou seja, acreditavam que era possível explicar totalmente a pessoa.
Você acredita que exista alguma perspectiva que consiga explicar a pessoa em sua totalidade?
Abbagnano (1998), em seu dicionário de Filosofia, define o Existencialismo como “um conjunto de filosofias ou correntes filosóficas cuja marca comum não são os pressupostos e as conclusões (que são diferentes), mas o instrumento de que se valem: a análise da existência”.
A leitura dos diversos representantes do Existencialismo permite verificar que suas conclusões e aproximações nem sempre coincidem. Veja o exemplo a seguir:
Jean-Paul Sartre (1905-1980): Um dos pontos fundamentais do pensamento existencialista é a afirmativa do filósofo Jean-Paul Sartre: “a existência precede a essência.” Com isso, Sartre quer dizer que a nossa forma de viver, o nosso comportamento, o que fazemos com aquilo que fizeram conosco, molda nossa essência, ou seja, não possuímos uma natureza prévia.
Gabriel Marcel (1889-1973): Ainda que a premissa de Sartre seja compartilhada por muitos existencialistas, existem alguns, como Gabriel Marcel, que a questionam, acreditando que haveria sim uma essência, mesmo que fosse uma que permitisse ser formada pela existência; ou seja, seria parte da essência da pessoa que a existência fosse o seu fundamento.
Mesmo que o Existencialismo, como conjunto de filosofias da existência, tenha diferenças entre seus teóricos, um ponto relativamente comum é que todos buscam compreender a existência do homem a partir da análise das situações cotidianas que a permeiam e que podem ser consideradas fundamentais na existência da pessoa. A análise da existência é, portanto, a ferramenta utilizada para se aproximar do mistério da pessoa.
Mondin (1981) cita cinco características fundamentais do Existencialismo:
Podemos afirmar que o Existencialismo engloba diferentes filosofias da existência que têm, em comum, a análise da existência concreta como forma de aproximação ao mistério da pessoa. Por isso, alguns autores preferirão falar de existencialismos (diferentes filosofias), enquanto outros falarão de Existencialismo (referindo-se ao conjunto de todas elas).
Após essa breve definição do que seja o Existencialismo, podemos apresentar alguns expoentes desse movimento. Abordaremos um pouco do pensamento de Soren Aabye Kierkegaard (1813-1855) e Martin Heidegger (1889-1976), nomes importantes para a Psicologia Existencial.
SOREN AABYE KIERKEGAARD (1813-1855): De acordo com Penna (1985), Kierkegaard pode ser considerado o fundador do movimento existencialista contemporâneo. Conforme afirma Jolivet (1953), o fracasso dos sistemas, a angústia, o valor exclusivo da subjetividade e o drama da existência pessoal são alguns dos temas principais do pensamento do filósofo dinamarquês.
Compreender o Existencialismo de Kierkegaard envolve perceber três aspectos: a realidade existencial desse pensador, o contexto intelectual de sua formação e a influência religiosa em sua vida. Confira abaixo os detalhes de cada aspecto:
REALIDADE EXISTENCIAL: Pode-se dizer que sua doutrina surge de uma incansável busca pelo autoconhecimento, uma constante reflexão sobre si e sobre sua existência. Os temas que perpassam o pensamento de Kierkegaard são aqueles que permearam sua existência: a verdade, a angústia, a experiência religiosa, a finitude. O filósofo buscou uma coerência em seu existir, não somente pensando, mas vivendo de acordo com seus pensamentos.
O homem, para Kierkegaard, é o principal problema para si, e a Filosofia deve contribuir para que esse homem tome, pouco a pouco, consciência profunda de sua própria existência, buscando que ela seja autêntica e pesando as exigências advindas dessa autenticidade.
A tomada de consciência traz ao homem maior liberdade, mas não o isenta de maior responsabilidade.Nisso tem-se a vivência da angústia, que para Kierkegaard “é a realidade da liberdade enquanto possibilidade para a possibilidade”.
Até aqui, do pensamento de Kierkegaard, nota-se:
A defesa de uma vida coerente, ou seja, de acordo com a verdade concebida como sentido de vida.
A realidade da angústia que naturalmente nasce da tensão pela busca dessa vida coerente e do exercício da liberdade.
O autoconhecimento como caminho a ser desenvolvido e explorado pela pessoa para a sua compreensão, que ocorre quando ela existe e, mais do que isso, quando analisa seu existir.
CONTEXTO INTELECTUAL DA ÉPOCA
Kierkegaard se apresenta como um combatente da lógica hegeliana, que tentava explicar por meio da dialética toda a complexidade da realidade da pessoa. Nas palavras de Jolivet (1953), “a dialética suprime o mistério”.
Kierkegaard se insurge com a tentativa de explicar a pessoa desde a rígida lógica, defendendo que a existência sempre se sobrepõe a explicações universais. Dessa premissa, surgiram pontos que influenciariam a concepção de homem partilhada por psicólogos existencialistas, como a de que cada pessoa é única e que sua vida é singular, não existindo outra configuração igual em toda a história
INFLUÊNCIA RELIGIOSA: A influência religiosa em Kierkegaard vem, especificamente, do luteranismo. Jolivet (1953), ao falar da influência do cristianismo no pensamento de Kierkegaard chega a afirmar que não é possível saber se “é Kierkegaard que é cristão ou se é o cristianismo que é kierkegaardiano”, referindo-se a essa adaptação íntima entre o pensamento do filósofo dinamarquês e o cristianismo.
O aspecto do sofrimento foi apreendido por Kierkegaard, notadamente, o tema da angústia. Para Kierkegaard, a angústia é o mais próprio da existência humana; ela nasce do fato de que a pessoa é livre e, portanto, passível de falha. Deparar-se com essa realidade, tomar consciência dela leva, naturalmente, à angústia e pode conduzir ao sofrimento; este leva o homem a ser provado e o desafia a mostrar quem é.
Sendo assim, Kierkegaard prepara o solo para o que será o Existencialismo e influenciará psicólogos existencialistas, como Rollo May, e outros filósofos que aderirão a premissas existenciais, como Karl Jaspers e Martin Heidegger.
MARTIN HEIDEGGER (1889-1976)
Uma boa forma de começar a falar sobre Heidegger é que para ele a vida autêntica reside no desespero. Parece contraditório dizer que essa é uma boa forma de começar a falar sobre Heidegger, mas o desespero é um tema marcante do Existencialismo e aparecerá na obra de outro filósofos.
É importante contextualizar a vida de Heidegger, sobretudo considerar que o filósofo alemão vivenciou os ápices do desespero do século XX: Primeira e Segunda Guerras Mundiais. O historiador Max Hastings (2012) afirma que, ao tentar se aproximar da experiência de dezenas de pessoas que vivenciaram a Segunda Guerra Mundial, recebia a mesma explicação: “um verdadeiro inferno”.
A principal preocupação de Heidegger é com o ser, tema de sua principal obra Ser e Tempo, sendo que seu pensamento desenvolve uma Ontologia. Entretanto, Heidegger defende que a melhor forma de estudar e se aproximar do ser não é por meio da análise geral do ser, mas da análise específica do próprio ser, do ser-aí, do Dasein. De acordo com Jolivet (1953): “pelo exame reflexivo deste existente, poder-se-á chegar a uma noção do sentido do ser em geral”.
Pode-se concluir que o método principal defendido por Heidegger é a análise da existência.
Da análise do Dasein, Heidegger retira duas conclusões:
A essência do ser, o que ele é, está determinada pela sua existência e, com isso, retoma uma das premissas fundamentais do Existencialismo, ou seja, “a existência precede a essência”.
Quando se fala do ser do Dasein, está se falando do ser particular do sujeito, ou seja, é sempre o meu ser, não o ser em geral.
Dessas duas conclusões e dando continuidade à análise da existência, Heidegger (1997) vai traçar as três características fundamentais do homem:
Ser-no-mundo
Todo homem está no mundo: ao olhar para o Dasein (ser-aí), para a existência concreta e cotidiana do sujeito, percebo que ele se encontra em um mundo, ou seja, ele é um ser-no-mundo, mas não está sozinho.
Ser-com-os-outros
Como o homem não está só, uma segunda característica que nasce é o ser-com-os-outros. O homem se relaciona, tem cuidado com os outros e quando esse cuidar contribui para o desenvolvimento do outro, significa coexistir.
Ser-para-a-morte
Esse homem que tem como características ser-no-mundo e ser-com-os-outros se depara com um dado do qual não pode fugir sem renunciar ao seu ser homem: a morte. Por isso, Heidegger afirmará que o terceiro existencial do homem, o traço típico da pessoa, é o ser-para-a-morte, a possibilidade permanente da existência.
Diante da realidade de que o ser-para-a-morte é uma possibilidade permanente da existência, o homem se angustia. Entretanto, encarar e vivenciar essa angústia é necessário para a vida autêntica.
Para a existência autêntica, o futuro é um viver-para-a-morte, que não permite que o homem seja arrastado nas possibilidades mundanas.
(ANTISERI; REALE, 2006)
Da análise da existência de Heidegger, Ludwig Binswanger, psiquiatra suíço, desenvolverá a análise existencial ou Daseinsanálise, sendo uma das abordagens da Psicologia Existencial.
Após iniciar a tentativa de clarificar e conceituar a Psicologia Existencial, demos um passeio, ainda que breve, pelo Existencialismo.
Você se lembra da definição de Psicologia Existencial que nos levou a esse passeio?
A Psicologia Existencial é uma aproximação às categorias psicológicas, aos aspectos psicológicos da pessoa, desde uma perspectiva existencialista.
Em síntese, podemos dizer que essa perspectiva existencialista se baseia em uma aproximação da realidade da pessoa desde a análise da existência, buscando esclarecer quem é o homem desde a concretude do seu cotidiano. Podemos, agora, definir outras características que contribuirão para entender o que é a Psicologia Existencial.
PRIMEIRA CARACTERÍSTICA
Ao mesmo tempo que é aclamada pelos psicólogos existenciais como uma virtude, é também fonte de críticas. A Psicologia Existencial dá ênfase à subjetividade de cada pessoa como caminho para seu autoconhecimento; entretanto, com isso, distancia-se, em parte, de um modelo científico baseado em generalizações.
Como afirma Rollo May (1986), a Psicologia Existencial se esforça para compreender o homem como experimentador, como aquele a quem acontecem as experiências. Essa ênfase, em certo ponto, lançará mais luz sobre a experiência particular do que a busca por generalizações, próprio do modelo científico moderno, o que gera críticas em relação à falta de cientificidade da Psicologia Existencial.
Essas críticas, por exemplo, pontuam que a Psicologia Existencial não apresenta técnicas de intervenção psicoterapêutica. Entretanto, conforme pontua Rollo May (1986), “não é um conjunto de técnicas por si mesmas, mas é um interesse pela compreensão da estrutura do ser humano e sua experiência que deve sustentar todas as técnicas.”
SEGUNDA CARACTERÍSTICA
Surge da premissa de que a existência precede a essência, o que na Psicologia Existencial ocasiona a aproximação de que a pessoa é um ser em desenvolvimento e evolução, um ser que pouco a pouco vai se autoconfigurando.
Em termos psicoterapêuticos, essa premissa se manifestará por uma resistência em acreditar que fatos de nossa vida, por exemplo, relações infantis negativas, determinarão nosso comportamento futuro. Para a Psicologia Existencial, sempre haverá espaço para a mudança.
TERCEIRA CARACTERÍSTICA
É o diálogo com a Filosofia. Nesse sentido, Frankl (2011) afirma que toda psicoterapia tem implicações metaclínicas e tais implicações são a visão de mundo (filosofia de vida/cosmovisão) e visão de pessoa (visão de homem) que estão, na maioria das vezes, implícitas nas teorias psicológicas.
A Psicologia Existencial, com base no Existencialismo, apresenta um fundamento filosófico para suas premissas psicológicas sobre o comportamentoe funcionamento humano, bem como utiliza não somente o método científico, marcado pela experimentação e relação causal, para compreender a realidade da pessoa, mas também o método fenomenológico.
QUARTA CARACTERÍSTICA
É a abertura para abordar temas como vontade e decisão, angústia, culpa, finitude, transcendência, bem como as potencialidades da pessoa, a vivência do amor e a criatividade que, não necessariamente, eram abordados de forma profunda por outras linhas da Psicologia da época.
QUINTA CARACTERÍSTICA
Uma quinta característica se manifestará em um afastamento das categorias diagnósticas como as do DSM-V (2014) e CID-10 (1994). Muitos psicólogos existencialistas acreditam que as categorias diagnósticas acabam por engessar e dificultar a compreensão da pessoa. Além disso, atrapalham a atitude fenomenológica, em que preconceitos e ideias anteriores devem ser suspensos para se aproximar ao máximo do fenômeno estudado
Após todas essas características, conseguimos chegar a uma conclusão do que seja a Psicologia Existencial?
À nossa definição inicial, somamos mais algumas características que permitem compreender que a Psicologia Existencial, mais do que um sistematizado corpo de técnicas e princípios, é, na realidade, a proclamação de uma nova atitude e aproximação da pessoa no contexto da Psicologia, influenciando diversas áreas como Psicologia Clínica, Psicologia da Personalidade, Psicologia da Motivação.
Em síntese, a Psicologia Existencial é uma forma de ver o mundo, de ver o outro e de viver:
A Psicologia Existencial, contudo, não é uma escola especial – isso é importante. O Existencialismo é uma atitude, uma abordagem dos seres humanos, não uma escola ou um grupo especial.
(MAY, 1986)
ABORDAGEM EM PSICOPATOLOGIA
Imagine que você vá a um psiquiatra. Após entrar no consultório, o médico pergunta o motivo de tê-lo procurado. Você relata que no último mês vêm experimentando dificuldade para dormir, falta de apetite, tristeza, irritabilidade, pouca motivação para realização de atividades para as quais anteriormente você tinha disposição, o que o leva ao isolamento.
O psiquiatra pega um livro escrito DSM-V (2014) e, após folheá-lo, aponta para uma página em que está escrito Episódio Depressivo Maior; entrega-lhe uma receita de medicamentos e pede para você voltar em um mês.
Esse pequeno exercício imaginativo representa uma abordagem em Psicopatologia. Essa abordagem está ancorada no modelo médico, em que a preocupação está no conjunto de sintomas da pessoa e sua consequente medicalização.
Antes de continuar, gostaríamos de saber:
O que você acha dessa abordagem?
Neste módulo, apresentaremos um importante nome da Psicopatologia e outra forma de aproximação desenvolvida por Karl Jaspers, que sofreu grande influência de precursores do Existencialismo, como Nietzsche e Kierkegaard.
KARL JASPERS E A PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA
Inicialmente, acreditamos ser importante pontuar que não existe uma única abordagem em Psicopatologia. Desde uma explicação etimológica, Psicopatologia significa o estudo das doenças da alma, sendo geralmente compreendida como o estudo das doenças mentais, suas causas, sintomas e tratamentos.
Dalgalarrondo (2018) define a Psicopatologia como “um conjunto de conhecimentos referentes ao adoecimento mental do ser humano. É um conhecimento que se esforça por ser sistemático, elucidativo e desmistificante”.
Saiba mais
Existem diferentes abordagens dentro da Psicopatologia: descritiva, dinâmica, médico-naturalista, psicanalítica, cognitivo-comportamental, entre outras.
Podemos dizer que a proposta de Psicopatologia defendida por Karl Jaspers é de uma Psicopatologia existencialista, em que a pessoa é vista de forma única e singular.
Jaspers (1987), que junto com Heidegger pode ser considerado um dos principais nomes do Existencialismo alemão, em sua importante obra Psicopatologia Geral, demarca a diferenciação da Psicopatologia em relação à Psiquiatria, colocando-a como campo específico do conhecimento, defendendo que a preocupação da Psicopatologia deve ser a pessoa como um todo, completando que jamais se pode reduzir a pessoa a conceitos psicopatológicos.
Quanto mais conceitualiza, quanto mais reconhece e caracteriza o típico, e que se acha de acordo com os princípios, tanto mais reconhece que, em todo indivíduo, oculta-se algo que ele não pode conhecer. Como psicopatologista, basta saber da riqueza infinita de todo indivíduo, que nunca poderá esgotar; independentemente disso, poderá, como homem, ver mais, ou quando outros veem esse “mais”, que é algo incomparável, não deve imiscuir-se com Psicopatologia. Sobretudo avaliações éticas, estéticas, metafísicas são de todo independentes de avaliações e classificações psicopatológicas.
(JASPERS, 1987)
Essa importante passagem no início da obra já citada de Karl Jaspers abre espaço para discussão de dois pontos muito atuais
O cuidado com a rotulação e patologização da pessoa, ou seja, a pessoa é o seu transtorno.
A consideração da necessidade do conhecimento de outras áreas para melhor se aproximar da realidade da pessoa.
Vejamos os detalhes de cada um a seguir.
Certamente você já deve ter escutado alguém dizer: sou depressivo, sou ansioso, sou bipolar, ou ser descrito dessa forma. Essa tendência atual dialoga com um modelo psicopatológico que deixou de levar em consideração a realidade pessoal que está para além do transtorno.
Essa atitude, além de ser uma evidência do esquecimento da realidade pessoal, favorece a estigmatização, o preconceito e a consequente marginalização de todos aqueles que, porventura, venham a sofrer com um transtorno mental crônico ou pontual.
Jaspers também vivenciava essa realidade em seu tempo, em que o preconceito com os doentes mentais levava a contínuas intervenções discriminatórias, contribuindo para que muitos vivessem à margem da sociedade. O modelo de Psicopatologia defendido por Jaspers recoloca a pessoa e seu mistério em primeiro lugar, sendo necessário perceber essa realidade para melhor compreender a doença e o transtorno que afeta aquela realidade pessoal.
Essa aproximação despatologizante também permite considerar toda a gama de elementos positivos que cada pessoa encerra e que concretamente podem ser vistos em intervenções como a de Nise da Silveira, ou seja, olhar para além da doença é olhar para todas aquelas capacidades de transcendência (criatividade, amor, servir) que a pessoa possui.
O segundo ponto diz respeito à compreensão de que o homem sempre transcende as disciplinas e ciências e, por isso mesmo, compreendê-lo envolve levar em consideração outras disciplinas. Ética, Filosofia, Antropologia, Neurociências, Sociologia, História são todo um conjunto de áreas que se juntam para ajudar a se aproximar do mistério humano.
Para melhor apreender a realidade da pessoa, Jaspers, que era médico de formação, defende a utilização de um método filosófico: a Fenomenologia. Jaspers reconhece que embora a Psicopatologia esteja muito ligada à medicina somática, não deve prescindir dos “métodos que se adquirem no ensino filosófico” (JASPERS, 1987).
Jaspers apresenta-se como um filósofo integrador, ou seja, busca unir o conhecimento das ciências naturais e o da Filosofia na aventura por compreender o homem.
Muitos são os que tentaram dar uma definição de Fenomenologia; aqui apresentaremos uma simples, que dialoga com a proposta de Jaspers: a Fenomenologia é um método, uma atitude de pensamento, uma tentativa de apreender fenômenos de forma objetiva.
Voltando ao nosso exemplo inicial, a atitude fenomenológica não será resumida a categorizar os sintomas e dar um rótulo à pessoa. Como discorre Jaspers (2005), a análise fenomenológica será colocada em prática de três modos:
Pela imersão em gestos, comportamentos, expressões do paciente.
Pelo questionamento ao paciente sobre as vivências subjetivas dele.
Em autodescrições escritas.
Jaspers (2005) afirma que os fenômenos psicopatológicos necessitam de uma aproximação fenomenológica que se debruçará mais na busca por bem ver e descrever o que está ocorrendoem detrimento do estabelecimento de relações causais, ou seja, mais ver do que explicar.
Resumindo
A Psicopatologia Fenomenológica, portanto, busca na descrição dos fenômenos, por meio da Fenomenologia, melhor compreender a vivência daquela pessoa única e singular. Não estamos falando mais do depressivo e sim do “Carlos” que está acometido por uma depressão, que possui uma história singular, um contexto particular, e naquele momento passa por uma situação de adoecimento mental.
É interessante perceber que as formas pelas quais a análise fenomenológica é colocada em prática se expressam não somente nas psicoterapias de base existencial – que têm, por exemplo, como técnica muito difundida o diálogo socrático, uma forma de pouco a pouco aprofundar em questionamentos sobre a vivência profunda do paciente –, mas também em técnicas cognitivas muito utilizadas na Terapia Cognitivo-Comportamental, como o registro de pensamentos automáticos, que consiste em estimular que a pessoa realize autodescrições sobre pensamentos que a incomodam.
Jaspers (2005) reconhece o desafio que a fenomenologia encontra, notadamente, quanto à questão da passagem da experiência individual para a generalização.
Clique no botão para ver as informações.
Leia aqui
A abordagem fenomenológica, portanto, não estará voltada para a criação de categorias diagnósticas, mas para um contínuo aprofundar na experiência particular da pessoa acometida por determinada patologia, sendo possível, dessas experiências, abstrair aspectos mais gerais, um movimento semelhante ao de Martin Heidegger ao tentar abstrair conclusões sobre o ser, a partir do Dasein.
A atitude fenomenológica demanda se livrar de preconcepções, ou seja, é uma tentativa de aproximação do fenômeno suspendendo todo o conhecimento anterior sobre ele, para assim se debruçar totalmente sobre esse fenômeno sem preconceitos que possam impedir sua captação.
Até aqui, podemos ver algumas contribuições de Karl Jaspers para o campo da Psicopatologia:
Uma abordagem para além do transtorno, considerando a realidade da pessoa.
O reconhecimento de que a compreensão da realidade da pessoa vai para além do conhecimento possível da Psicopatologia.
A utilização do método fenomenológico para o aprofundamento das questões psicológicas.
Além disso, três termos são importantes para Jaspers: situação, existência e transcendência.
Ao se referir a situação (ou ser-em-situação), quer destacar o que considerou como aquilo que é a base para a existência. Ou seja: é a realidade humana espaço-temporal; sua limitação cotidiana, física e psíquica. Mas não caracteriza o ser verdadeiramente é. Daí a importância de extrapolar essa condição, rumo à existência.
No que diz respeito à situação, Jaspers também terá a preocupação em se debruçar sobre a verdadeira realidade do ser, como Heidegger, mas para além disso, entende a comunicação como uma das principais características da existência.
O ato de comunicar, aqui não reduzido ao falar, significa a possibilidade de o homem ir além de si mesmo, chegando à transcendência, que é própria da realidade humana, da situação concreta do homem de estar no mundo.
Essa transcendência também ocorre no encontro de uma pessoa com a outra, do médico com o paciente. De certo modo, Jaspers lança as bases do que, mais tarde, será explorado por Binswanger em seu modelo de Psicopatologia Fenomenológica, em que o psiquiatra suíço realça a importância do encontro terapêutico no processo de desvelar do outro e na compreensão da Psicopatologia presente (MOREIRA, 2011).
A Psicopatologia Fenomenológica, influenciada por Jaspers e desenvolvida por Binswanger, entende que o encontro entre o psiquiatra e o paciente é a possibilidade de que a presença do sadio possa modificar a realidade do doente. Binswanger (2019) defende que a possibilidade da psicoterapia ocorre somente devido a “um traço fundamental da estrutura do ser humano como ser-no-mundo (Heidegger) em geral, justamente o ser-um-com-o-outro e o ser-um-para-o-outro”.
O homem que está inserido em um mundo é dotado de consciência. Para Jaspers (1987), abordar a consciência é abordar a experiência real de determinado acontecimento por parte da pessoa, bem como a autoconsciência e a reflexão sobre si mesmo, retomando aqui pressupostos existencialistas lançados por Kierkegaard, notadamente a importância da autoconsciência, alcançada por meio da análise da existência.
Resumindo
Em síntese, Karl Jaspers têm grande importância no campo da Psicopatologia, primeiramente por separar essa disciplina da Psiquiatria, considerando-a como uma base importante para a Psiquiatria e a Psicologia; por sublinhar a possibilidade e utilidade do método fenomenológico para compreensão dos fenômenos mentais; e, em terceiro lugar, por contribuir para a integração dos aspectos próprios do Existencialismo com a ciência médica, favorecendo o diálogo frutífero entre esses dois campos do conhecimento na busca por compreender a pessoa.
UM OLHAR DESPATOLOGIZANTE SOBRE O INDIVÍDUO
Vamos conhecer um pouco mais das contribuições de K. Jaspers para a Psicologia.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
Parte superior do formulário
1. Segundo Jaspers, a análise fenomenológica é colocada em prática de três formas. Uma dessas formas é:
A escuta livre do paciente.
A busca pela identificação de categorias diagnósticas.
O questionamento do paciente por meio de escalas objetivas.
A imersão em gestos, comportamentos e expressões do paciente.
A busca pelo histórico do paciente.
Responder
Parte inferior do formulário
Comentário
Parte superior do formulário
2. Entre as contribuições de Karl Jaspers para o campo da Psicopatologia, a alternativa que aborda adequadamente tais pontos é:
O foco no transtorno mental e a tentativa de generalização do conhecimento sobre as doenças mentais somente pelo método das ciências naturais.
A afirmação de que a ciência psicopatológica era suficiente para compreensão da condição humana e a utilização do método fenomenológico.
Uma abordagem para além dos transtornos mentais, buscando considerar a pessoa em sua totalidade e a abertura para diferentes áreas do conhecimento na busca por compreender a pessoa.
Uma abordagem para além dos transtornos mentais, buscando considerar a pessoa em sua totalidade e a crítica a filosofia como fonte de conhecimento sobre a pessoa.
A exaltação do método científico como fonte de conhecimento sobre as patologias mentais e a defesa da Psicopatologia como integrante da Psiquiatria, não havendo diferenças entre elas.
Responder
Parte inferior do formulário
Comentário
MÓDULO 3
Reconhecer o pensamento de dois dos principais representantes da Psicologia Existencial: Viktor Emil Frankl e Rollo May
EXPOENTES DA PSICOLOGIA EXISTENCIAL
No módulo anterior, abordamos um pouco dos conceitos e das formulações de Karl Jaspers e sua influência na Psicopatologia Fenomenológica. Agora, abordaremos alguns expoentes da Psicologia Existencial, dando ênfase a dois nomes.
Viktor Emil Frankl, expoente europeu da Psicologia Existencial e fundador da Logoterapia, também conhecida como Terceira Escola Vienense de Psicoterapia;
 Viktor Frankl, Alemanha, 1965.
Rollo May, representante norte-americano da Psicologia Existencial.
 Rollo May, Universidade de San Diego, 1977.
O objetivo é que você consiga compreender os principais conceitos dos dois autores, tenha referências de seus principais livros, bem como vislumbre na sua vida cotidiana elementos abordados pelas teorias.
VIKTOR EMIL FRANKL (1905-1997) E A LOGOTERAPIA
Se uma corrente de psicoterapia tem grande influência dos aspectos particulares da vida de seu autor, no caso da Logoterapia poderíamos afirmar que a teoria teve na vida de Frankl uma forma de comprovação, sendo que suas principais hipóteses e premissas foram experimentadas na sofrível experiência do psiquiatra vienense em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.
Nesse sentido, Xausa (2013) esclarece que “a Logoterapia não pode nem poderá ser entendida na sua amplitude, sem o conhecimento da vida de seu autor”.
Viktor EmilFrankl nasceu em março de 1905 em Viena, tendo ao longo de sua formação trocado cartas com Sigmund Freud e sido discípulo de Alfred Adler, dois grandes nomes da nascente psicologia clínica e respectivamente fundadores da Psicanálise e Psicologia Individual.
 Visão do campo de concentração de Auschwitz no inverno, onde Viktor Frankl foi aprisionado pelos nazistas
Sendo judeu, Frankl (2010) sofreu a perseguição alemã, tendo sido levado para campos de concentração acompanhado de esposa, mãe e pai. Foi o único a sobreviver às barbáries do holocausto após quase três anos, com passagem por três campos de concentração. Frankl, que já vinha desenvolvendo a Logoterapia desde 1926, teve na experiência dos campos seu experimentum crucis, ou seja, pôde experimentar na concretude da existência a importância do sentido para a vida.
Dentre um vasto número de obras, seu livro Em Busca de Sentido: Um Psicólogo no Campo de Concentração apresenta-se como uma das mais importantes, considerado pela Biblioteca do Congresso Americano um dos dez livros que influenciaram significativamente a humanidade.
Frankl, além de ser neurologista e psiquiatra, em sua formação teve contato com diversos filósofos, como o existencialista Martin Heidegger e o fenomenólogo Max Scheler. A Logoterapia apresenta uma rica contribuição de diferentes nomes, como bases para a formulação teórica, e como opositores às ideias que se estavam formulando.
A Logoterapia é comumente conhecida como a psicologia do sentido da vida, ou mesmo como a psicoterapia do sentido da vida. Frankl (2011) chegou a utilizar o termo análise existencial para se referir à sua construção teórica; entretanto, ao perceber que Ludwig Binswanger (2019) utilizava esse termo para se referir à Daseinsanálise, decidiu optar pela utilização principal do termo Logoterapia.
Logoterapia tem como uma das raízes etimológicas a palavra logos, que para Frankl significa sentido. Por isso, Frankl (2011, 2020), afirma que a principal motivação humana é a busca por um sentido para sua existência, o que ele chama de vontade de sentido. Entretanto, este é apenas um dos pilares da Logoterapia. Vamos nos aprofundar neles agora: liberdade da vontade, vontade de sentido e o sentido de vida.
Liberdade da vontade
Reflita e responda:
Você é livre? Ou melhor: você acredita que é livre?
Afirmar que a pessoa tem sua vontade livre é algo complexo. Nessa afirmação, vê-se dois conceitos de ampla repercussão filosófica: liberdade e vontade, sendo que existem diferentes aproximações teóricas para eles.
Como já vimos, esses dois termos são muito queridos pelos existencialistas e muitas filosofias da existência abordam, de alguma forma, essa realidade da pessoa.
Frankl (2014) reconhece a dificuldade da Ciência em compreender a liberdade humana, mas defende que o homem não é somente científico e, com isso, aventura-se a promover o princípio de que a pessoa é livre.
Ao falar da liberdade da vontade Frankl (2011) estabelece um diálogo com a questão do determinismo versus o pandeterminismo. Nesse sentido, a Logoterapia não defende uma liberdade irrestrita. Essa defesa, certamente, seria ingênua visto que um breve olhar pelas diversas ciências como a Biologia, a Genética, a Neurologia, a Sociologia, entre outras, permite a conclusão de que existem condicionantes, ou situações que influenciam o pensar, o sentir e o agir.
A Logoterapia afirma que a pessoa é livre apesar de seus condicionamentos, podendo tomar atitudes para além deles. Por isso, a posição da Logoterapia é contra o pandeterminismo, ou seja, contra a afirmação de que somos totalmente determinados pelos aspectos biológicos, psicológicos ou sociológicos. As palavras de Frankl são importantes nesse contexto do determinismo versus pandeterminismo:
Afinal, a liberdade da vontade significa a liberdade da vontade humana e esta é a vontade de um ser finito. O homem não é livre de suas contingências, mas, sim, livre para tomar uma atitude diante de quaisquer que sejam as condições que sejam apresentadas a ele.
(FRANKL, 2011)
À liberdade da vontade, podemos relacionar outro conceito que integra a visão de pessoa para Frankl (2014). Esse seria a responsabilidade, ou seja, para a Logoterapia, a pessoa é livre e responsável.
Para a Logoterapia, o homem é livre para se autodeterminar, para se decidir, para se autoconfigurar, como bem dizem os filósofos existencialistas; entretanto, por isso mesmo, em última instância, é responsável por aquilo que se torna a cada dia.
Ser homem é sempre ser responsável. Essa responsabilidade acontece diante da consciência, materializando-se na atitude diária, quando o homem é questionado pela vida sobre qual atitude deve ter e as consequências que assumirá a partir delas. Essa característica torna a existência humana ao mesmo tempo grandiosa e marcada por certo temor, ainda que tal temor possa ser visto pelo lado positivo do assombro diante da magnitude do existir.
Vontade de sentido
O segundo pilar da Logoterapia se relaciona especificamente com as teorias da motivação humana: é a vontade de sentido.
Tanto a teoria psicanalítica quanto a psicologia individual, cujos dois grandes nomes são Freud e Adler, tecem considerações sobre a motivação humana.
Frankl (2011) afirma que, para a Psicanálise, a vontade de prazer é o motivador principal e que, para a Psicologia Individual, a vontade de poder é o motivador principal.
Para a Logoterapia, o homem move-se para além do prazer e do poder, ele move-se para o sentido.
Frankl (2011) entende o prazer como uma das consequências da realização do sentido, sendo que a fixação no prazer como busca principal constituiria um equívoco e poderia ser o caso de uma neurose. De modo semelhante, Frankl entende o poder como uma forma de tentativa de se alcançar o sentido e não como o objetivo em si, ou seja, ter certo poder pode auxiliar o alcance do sentido, mas não é o sentido em si.
Na Logoterapia, o homem é visto como um ser que aponta para algo diverso dele mesmo, sendo que o prazer e a felicidade não são sua meta principal e sim epifenômenos, ou seja, consequências da realização de um sentido na vida.
Esse homem que é chamado para ir além de si mesmo na busca pelo sentido é dotado de dois dinamismos: a autotranscendência e o autodistanciamento.
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AUTOTRANSCENDÊNCIA
AUTODISTANCIAMENTO
Sentido de vida
O terceiro pilar da Logoterapia é o sentido de vida. Inicialmente, é importante sublinhar que a Logoterapia não defende que o psicólogo possa dar um sentido de vida para o paciente: é função deste e do logoterapeuta auxiliar a pessoa para que ela se abra a encontrar um sentido para sua vida.
O sentido de vida é particular, diferindo de pessoa para pessoa, sendo uma resposta concreta a situações específicas, colocadas pela vida como uma pergunta à pessoa. Com isso, o sentido de vida para Frankl (2014) apresenta-se em um quadro que considera a pessoa como um ser único e, portanto, sua atitude diante da vida também é única. Em seu livro A Vontade de Sentido, Frankl (2011) traz uma esclarecedora definição sobre o sentido da vida.
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Frankl, ao aprofundar o sentido de vida, pontua que ele pode ser encontrado, principalmente, mas não exclusivamente, de três formas: criando um trabalho, ou praticando um ato; experimentando algo ou encontrando alguém – sentido do amor –; pela atitude que tomamos em relação ao sofrimento inevitável – sentido do sofrimento (FRANKL, 2014).
Frankl (2014) também aborda a falta de sentido na vida com que o homem pode se deparar, vivenciando, assim, uma frustração da vontade de sentido. Essa frustração caracteriza-se, sobretudo, por um “vazio existencial”, que, segundo o autor, pode ser visto no tédio e na indiferença. O tédio representa, principalmente, a perda de interesse do sujeito pelo mundo, e a indiferença, a passividade do sujeito diante da mudança e melhora da realidade.
Você acha que o homem do nosso tempo vivencia uma frustração do sentido da vida?
Outro aspecto importante da Logoterapia é suavisão integradora da realidade humana. Para Frankl (2020), o homem é um ser bio-psico-espiritual (ou noético). Espiritual na teoria logoterapêutica não carrega o sentido religioso, mas sim antropológico. Refere-se à dimensão própria do ser humano, aquela em que ocorrem os dinamismos fundamentais da autotranscendência e autodistanciamento, bem como a consciência, a liberdade e a responsabilidade.
Frankl (2020) afirma que a pessoa, em sua realidade concreta, não é regida por instintos ou determinada por questões psicoemocionais não resolvidas. Ela é um ser que decide o que fazer com seus instintos e com suas questões psicoemocionais não resolvidas. Essa decisão, essa escolha, só é possível por causa da dimensão espiritual.
Para entender melhor, veja o exemplo a seguir:
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Exemplo
A Logoterapia continua sendo um advento no século XXI. Atualmente, tem sido retomada senão em vários aspectos, ao menos em alguns de seus pressupostos, pela Psicologia Positiva (SELIGMAN, 2002) e pelo Cognitivismo Existencial (PACCIOLLA; MANCINI, 2015).
ROLLO MAY (1909-1994)
Se Viktor Frankl pode ser considerado o principal nome da Psicologia Existencial na Europa, Rollo May possui esse título no contexto norte-americano. Mas se, por algum motivo, esse psicólogo existencial é pouco abordado em cursos de Psicologia, seu pensamento é significativamente atual.
Leia o trecho a seguir e reflita: esse relato guarda alguma semelhança com os tempos atuais?
Rollo May (2004) desenvolve em sua prática as premissas existencialistas que já tivemos a oportunidade de ver no módulo 1 e considera que o Existencialismo aporta a Psicologia e sua tentativa de resolução dos problemas da pessoa.
No que diz respeito ao processo psicoterapêutico, alguns pontos do pensamento de Rollo May são interessantes e dialogam com os dias atuais: a ansiedade e a culpa.
Ansiedade
May (1986) considera que toda pessoa é centrada em si mesma e, quando esse centro é atacado, vivencia-se um ataque à própria existência. De certa maneira, esse ataque se manifesta na percepção de que existe algo que pode destruir o ser da pessoa, sua existência.
Essa percepção leva ao estado de ansiedade, que May (2004) considera o mais presente no homem de seu tempo, algo não muito distante do que atualmente vem sendo apresentado, sendo a ansiedade um dos transtornos com maior índice de prevalência na população.
A ansiedade, para Rollo May, é a experiência de ameaça, a si mesmo ou a alguém que avaliamos ser importante, originando uma constante atitude de defesa, de precaução, fechando cada vez mais a pessoa em si mesma.
A pessoa ansiosa estará voltada para as possibilidades de ameaça do mundo, o que em nosso tempo é potencializado por uma cultura que, em grande parte do tempo, exacerba as possibilidades de risco, sendo que se May (2004) chamava sua época da era da ansiedade, a nossa não deixa nada a desejar em relação a essa definição.
Rollo May acreditava que existia certo grau de ansiedade natural, ou seja, diante da consciência de que somos livres e de que construímos nosso destino, a vivência de alguma ansiedade seria um processo natural e, de alguma forma, indicaria uma abertura ao mundo, uma aceitação de que a vida está batendo à nossa porta. Entretanto, existe também a ansiedade patológica.
Essa ansiedade dialoga com outros males que May (2004) avalia fazerem parte de seu tempo: a solidão e o vazio, já citados. Para Rollo May, a etiologia dessa condição está em uma sociedade que se revolvia pela perda:
de valores.
do senso de self, ou seja, da dignidade e valor do ser humano.
da comunicação pessoal.
do senso trágico, em síntese, do sentido do sofrimento.
Novamente, a leitura de Rollo May dialoga em muitos aspectos com a nossa situação atual. A relativização de valores, a dependência eletrônica que vem anulando as relações pessoais, o constante ataque à dignidade da pessoa e um fechar de olhos ao sofrimento são características que fazem parte de nossa sociedade.
O que é preciso fazer para lidar com essas questões?
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O processo terapêutico, portanto, deverá ajudar a pessoa a se tornar autoconsciente da realidade em que está inserida, das ameaças que vem a perceber e, sobretudo, de que essa realidade faz parte de seu mundo, podendo causar uma ação sua. Ajudar a pessoa a ver que tem possibilidade de agir e, por isso, não é uma vítima da sua existência.
Culpa
Além da ansiedade, Rollo May também aborda outra situação da existência humana: a culpa. Para o psicólogo norte-americano, a culpa nasce quando não aceitamos nossas potencialidades, quando não percebemos as necessidades das outras pessoas e quando nos alienamos da natureza.
De alguma forma, a culpa é um fato do qual não temos como fugir completamente, sendo importante não nos alienarmos diante dela, mas aceitarmos que somos seres falíveis e, com isso, apontar para o autodesenvolvimento.
O autodesenvolvimento não acontece sozinho e aqui temos mais um aspecto da Psicologia Existencial de Rollo May: somos seres que participam de outros seres. Esse ser-com-o-outro faz parte do processo humano de desenvolvimento e crescimento e, portanto, da saúde psíquica.
Resumindo
Tanto a Logoterapia como a Psicologia Existencial de Rollo May partilham aspectos em comum e são marcadas pelo Existencialismo. Em síntese, podemos apontar as seguintes características de ambas as abordagens: a aproximação existencial a realidade da pessoa; a consideração da necessidade de a pessoa enfrentar aspectos como morte, culpa e sofrimento; uma compreensão de que a pessoa é um ser-com-o-outro, ou que se realiza na autotranscendência, na saída de si para encontrar-se com outra pessoa.
CARACTERÍSTICAS DA LOGOTERAPIA
Aprofundaremos agora um pouco mais sobre a Logoterapia.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
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1. Segundo Viktor Emil Frankl, o homem tem como principal motivação.
A vontade de poder.
A busca pela liberdade.
A vontade de prazer.
A fuga do sofrimento.
A vontade de sentido.
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Comentário
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2. Rollo May, no que diz respeito à saúde mental, afirma que:
A pessoa saudável não vivencia nenhum tipo de ansiedade, alcançando um equilíbrio homeostático.
A saúde mental é alcançada quando o homem assume sua finitude, a possibilidade da morte, a liberdade e a responsabilidade, lidando com a ansiedade normal que surge do existir.
Não é possível alcançar a saúde mental: o homem vive em constante estado de desespero.
A pessoa saudável dá ênfase à sua individualidade em detrimento ao relacionamento com os demais.
É necessária uma mudança na cultura e ambiente do indivíduo. Somente assim ele alcançará a saúde mental.
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Comentário
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreendemos um pouco mais a Psicologia Existencial, as influências do Existencialismo nessa perspectiva da Psicologia, bem como o rico diálogo que pode nascer da relação Psicologia-Filosofia.
Conhecemos Karl Jaspers, importante pensador no campo da Psicopatologia e que também influenciou psicólogos existenciais. Sobretudo, pudemos tomar consciência de que a compreensão da patologia mental não deve deixar de fora uma visão integral da pessoa.
Por fim, tomamos conhecimento de dois grandes nomes da Psicologia Existencial: Viktor Emil Frankl e Rollo May. Ambos desenvolveram ricas contribuições para a Psicologia e ainda influenciam outras abordagens psicológicas, como a Psicologia Positiva, a Terapia Cognitivo-Comportamental e o Cognitivismo Existencial.
PODCAST
Escute o professor José Augusto Rento Cardoso resgatando os temas importantes tratados em Psicologia Existencial.
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REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
ANTISERI, D; REALE, G. História da filosofia: de Nietzsche à Escola de Frankfurt. Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, v. 6, 2006.
BINSWANGER, L. Psicoterapia e Análise Existencial: Ensaios, Conferências e Outros Documentos. Rio de Janeiro:Via Verita, 2019.
CÂMARA, F. P. História da Psiquiatria – Vida e obra de Nise da Silveira. In: Psychiatry On Line Brasil, v.7, n.9, set. 2002.
DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed, 2018, p. 27.
FRANKL, V. E. A vontade de sentido: fundamentos e aplicações da Logoterapia. São Paulo: Paulus, 2011.
FRANKL, V. E. Logoterapia e análise existencial: textos de seis décadas. São Paulo: Forense Universitária, 2014.
FRANKL, V. E. O que não está escrito nos meus livros: memórias. São Paulo: É Realizações Editora, 2010.
FRANKL, V. E. Psicoterapia e Existencialismo: Textos selecionados em Logoterapia. São Paulo: É Realizações Editora, 2020.
HASTINGS, M. Inferno: o mundo em guerra, 1939-45. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes. 1997.
JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
JASPERS, K. A abordagem fenomenológica em psicopatologia. Revista Latino-americana de Psicopatologia Fundamental, v. 8, n. 4, p. 769-787, 2005.
JASPERS, K. Psicopatologia geral. Rio de Janeiro: Atheneu, 1987.
JOLIVET, R. As doutrinas existencialistas de Kierkegaard a Sartre. Porto: Livraria Tavares Martins, 1953.
MAY, R. O homem à procura de si mesmo. Trad. Áurea Brito Weissenberg. Petrópolis, Vozes, 2004.
MONDIN, B. Introdução à Filosofia. São Paulo: Paulus, 1981.
MOREIRA, V. A contribuição de Jaspers, Binswanger, Boss e Tatossian para a psicopatologia fenomenológica. Revista da Abordagem Gestáltica: Phenomenological Studies, v. 17, n. 2, p. 172-184, 2011.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças. São Paulo: Edusp, 1994.
PACCIOLLA, A.; MANCINI, F. Cognitivismo existencial: del significado del síntoma al significado de la vida. Bogotá: Instituto Colombiano de Análisis Existencial y Logoterapia, 2015.
PENNA, A G. Sobre os fundamentos históricos e conceptuais da psicologia existencial: Acerca das contribuições de Kierkegaard. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 37, n. 2, p. 8-15, 1985.
SELIGMAN, M. E. P. Authentic happiness: Using the new Positive Psychology to realize your potential for lasting fulfillment. London: Nicholas Brealey Publishing, 2002.
SELIGMAN, M. E. P.; CSIKSZENTMIHALYI, M. Positive Psychology: An introduction. American Psychologist, 2000, vol. 55, n. 1, p. 5-14.
XAUSA, I. A. M. A psicologia do sentido da vida. Campinas: Vide Editorial, 2013
EXPLORE+
Existem muitos filmes e livros sobre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, alguns permitem a aproximação da experiência concreta dos que vivenciaram esse trágico momento da história. Sugerimos dois livros e uma série que o ajudarão a ter essa experiência mais existencial do momento histórico que influenciou o Existencialismo e a Psicologia Existencial do Século XX:
A Bailarina de Auschwitz, de Edith Eger, da editora Leya, 2020.
O diário de Anne Frank, de Anne Frank, publicado por várias editoras.
Band of Brothers, série norte-americana, produzida por Tom Hanks e Steven Spielberg, entre outros, da HBO Home Video, 2002.
Você quer conhecer um pouco mais da Logoterapia desde a sua vivência no cotidiano? Leia O mar me contou: A Logoterapia aplicada ao dia a dia, de Claudio Garcia Pintos, da editora Cidade Nova, 2017.
Para saber mais sobre a impossibilidade de explicar de forma absoluta o comportamento humano, pesquise na internet pelo vídeo Por que é impossível a previsão absoluta do comportamento humano?, com o professor Gustavo Castañon.
Nada melhor do que o contato com o próprio autor para melhor conhecer a obra. Existem entrevistas de Frankl muito interessantes e estão disponíveis no YouTube. Recomendamos a pesquisa por duas:
Entrevista com Viktor Frankl – A descoberta de um sentido no sofrimento
Viktor Frankl 'Man Alive'
CONTEUDISTA
José Augusto Rento Cardoso
Currículo Lattes
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Resumindo
Em síntese, Karl Jaspers têm grande importância no campo da Psicopatologia, primeiramente por separar essa disciplina da Psiquiatria, considerando-a como uma base importante para a Psiquiatria e a Psicologia; por sublinhar a possibilidade e utilidade do método fenomenológico para compreensão dos fenômenos mentais; e, em terceiro lugar, por contribuir para a integração dos aspectos próprios do Existencialismo com a ciência médica, favorecendo o diálogo frutífero entre esses dois campos do conhecimento na busca por compreender a pessoa.
EXPOENTES DA PSICOLOGIA EXISTENCIAL
No módulo anterior, abordamos um pouco dos conceitos e das formulações de Karl Jaspers e sua influência na Psicopatologia Fenomenológica. Agora, abordaremos alguns expoentes da Psicologia Existencial, dando ênfase a dois nomes.
Viktor Emil Frankl, expoente europeu da Psicologia Existencial e fundador da Logoterapia, também conhecida como Terceira Escola Vienense de Psicoterapia;
Rollo May, representante norte-americano da Psicologia Existencial.
O objetivo é que você consiga compreender os principais conceitos dos dois autores, tenha referências de seus principais livros, bem como vislumbre na sua vida cotidiana elementos abordados pelas teorias.
VIKTOR EMIL FRANKL (1905-1997) E A LOGOTERAPIA
Se uma corrente de psicoterapia tem grande influência dos aspectos particulares da vida de seu autor, no caso da Logoterapia poderíamos afirmar que a teoria teve na vida de Frankl uma forma de comprovação, sendo que suas principais hipóteses e premissas foram experimentadas na sofrível experiência do psiquiatra vienense em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.
Nesse sentido, Xausa (2013) esclarece que “a Logoterapia não pode nem poderá ser entendida na sua amplitude, sem o conhecimento da vida de seu autor”.
Viktor Emil Frankl nasceu em março de 1905 em Viena, tendo ao longo de sua formação trocado cartas com Sigmund Freud e sido discípulo de Alfred Adler, dois grandes nomes da nascente psicologia clínica e respectivamente fundadores da Psicanálise e Psicologia Individual.
Sendo judeu, Frankl (2010) sofreu a perseguição alemã, tendo sido levado para campos de concentração acompanhado de esposa, mãe e pai. Foi o único a sobreviver às barbáries do holocausto após quase três anos, com passagem por três campos de concentração. Frankl, que já vinha desenvolvendo a Logoterapia desde 1926, teve na experiência dos campos seu experimentum crucis, ou seja, pôde experimentar na concretude da existência a importância do sentido para a vida.
Dentre um vasto número de obras, seu livro Em Busca de Sentido: Um Psicólogo no Campo de Concentração apresenta-se como uma das mais importantes, considerado pela Biblioteca do Congresso Americano um dos dez livros que influenciaram significativamente a humanidade.
Frankl, além de ser neurologista e psiquiatra, em sua formação teve contato com diversos filósofos, como o existencialista Martin Heidegger e o fenomenólogo Max Scheler. A Logoterapia apresenta uma rica contribuição de diferentes nomes, como bases para a formulação teórica, e como opositores às ideias que se estavam formulando.
A Logoterapia é comumente conhecida como a psicologia do sentido da vida, ou mesmo como a psicoterapia do sentido da vida. Frankl (2011) chegou a utilizar o termo análise existencial para se referir à sua construção teórica; entretanto, ao perceber que Ludwig Binswanger (2019) utilizava esse termo para se referir à Daseinsanálise, decidiu optar pela utilização principal do termo Logoterapia.
Logoterapia tem como uma das raízes etimológicas a palavra logos, que para Frankl significa sentido. Por isso, Frankl (2011, 2020), afirma que a principal motivação humana é a busca por um sentido para sua existência, o que ele chama de vontade de sentido. Entretanto, este é apenas um dos pilares da Logoterapia.Vamos nos aprofundar neles agora: liberdade da vontade, vontade de sentido e o sentido de vida.
Liberdade da vontade
Você é livre? Ou melhor: você acredita que é livre?
Afirmar que a pessoa tem sua vontade livre é algo complexo. Nessa afirmação, vê-se dois conceitos de ampla repercussão filosófica: liberdade e vontade, sendo que existem diferentes aproximações teóricas para eles.
Como já vimos, esses dois termos são muito queridos pelos existencialistas e muitas filosofias da existência abordam, de alguma forma, essa realidade da pessoa.
Frankl (2014) reconhece a dificuldade da Ciência em compreender a liberdade humana, mas defende que o homem não é somente científico e, com isso, aventura-se a promover o princípio de que a pessoa é livre.
Ao falar da liberdade da vontade Frankl (2011) estabelece um diálogo com a questão do determinismo versus o pandeterminismo. Nesse sentido, a Logoterapia não defende uma liberdade irrestrita. Essa defesa, certamente, seria ingênua visto que um breve olhar pelas diversas ciências como a Biologia, a Genética, a Neurologia, a Sociologia, entre outras, permite a conclusão de que existem condicionantes, ou situações que influenciam o pensar, o sentir e o agir.
A Logoterapia afirma que a pessoa é livre apesar de seus condicionamentos, podendo tomar atitudes para além deles. Por isso, a posição da Logoterapia é contra o pandeterminismo, ou seja, contra a afirmação de que somos totalmente determinados pelos aspectos biológicos, psicológicos ou sociológicos. As palavras de Frankl são importantes nesse contexto do determinismo versus pandeterminismo:
Afinal, a liberdade da vontade significa a liberdade da vontade humana e esta é a vontade de um ser finito. O homem não é livre de suas contingências, mas, sim, livre para tomar uma atitude diante de quaisquer que sejam as condições que sejam apresentadas a ele.
(FRANKL, 2011)
À liberdade da vontade, podemos relacionar outro conceito que integra a visão de pessoa para Frankl (2014). Esse seria a responsabilidade, ou seja, para a Logoterapia, a pessoa é livre e responsável.
Para a Logoterapia, o homem é livre para se autodeterminar, para se decidir, para se autoconfigurar, como bem dizem os filósofos existencialistas; entretanto, por isso mesmo, em última instância, é responsável por aquilo que se torna a cada dia.
Ser homem é sempre ser responsável. Essa responsabilidade acontece diante da consciência, materializando-se na atitude diária, quando o homem é questionado pela vida sobre qual atitude deve ter e as consequências que assumirá a partir delas. Essa característica torna a existência humana ao mesmo tempo grandiosa e marcada por certo temor, ainda que tal temor possa ser visto pelo lado positivo do assombro diante da magnitude do existir.
Vontade de sentido
O segundo pilar da Logoterapia se relaciona especificamente com as teorias da motivação humana: é a vontade de sentido.
Tanto a teoria psicanalítica quanto a psicologia individual, cujos dois grandes nomes são Freud e Adler, tecem considerações sobre a motivação humana.
Frankl (2011) afirma que, para a Psicanálise, a vontade de prazer é o motivador principal e que, para a Psicologia Individual, a vontade de poder é o motivador principal.
Para a Logoterapia, o homem move-se para além do prazer e do poder, ele move-se para o sentido.
Frankl (2011) entende o prazer como uma das consequências da realização do sentido, sendo que a fixação no prazer como busca principal constituiria um equívoco e poderia ser o caso de uma neurose. De modo semelhante, Frankl entende o poder como uma forma de tentativa de se alcançar o sentido e não como o objetivo em si, ou seja, ter certo poder pode auxiliar o alcance do sentido, mas não é o sentido em si.
Na Logoterapia, o homem é visto como um ser que aponta para algo diverso dele mesmo, sendo que o prazer e a felicidade não são sua meta principal e sim epifenômenos, ou seja, consequências da realização de um sentido na vida.
Esse homem que é chamado para ir além de si mesmo na busca pelo sentido é dotado de dois dinamismos: a autotranscendência e o autodistanciamento.
Autotranscendência
Frankl (2011) quer significar essa capacidade do homem de ir além de si mesmo, seja para a realização de uma obra (um trabalho), seja para amar alguém, seja para superar um sofrimento inevitável.
Autodistanciamento
Frankl (2011) também defende a capacidade do homem de distanciar-se do mundo, para, assim, vislumbrá-lo e adotar uma atitude em resposta frente às adversidades.
Sentido de vida
O terceiro pilar da Logoterapia é o sentido de vida. Inicialmente, é importante sublinhar que a Logoterapia não defende que o psicólogo possa dar um sentido de vida para o paciente: é função deste e do logoterapeuta auxiliar a pessoa para que ela se abra a encontrar um sentido para sua vida.
O sentido de vida é particular, diferindo de pessoa para pessoa, sendo uma resposta concreta a situações específicas, colocadas pela vida como uma pergunta à pessoa. Com isso, o sentido de vida para Frankl (2014) apresenta-se em um quadro que considera a pessoa como um ser único e, portanto, sua atitude diante da vida também é única. Em seu livro A Vontade de Sentido, Frankl (2011) traz uma esclarecedora definição sobre o sentido da vida.
O ser humano é responsável por dar a resposta certa para as perguntas, encontrando o verdadeiro sentido de uma situação. Sentido é algo a ser encontrado e descoberto, não podendo ser criado ou inventado. Crumbaugh e Maholick apontam que a descoberta do sentido de uma situação vivida se relaciona a uma percepção gestáltica. Essa hipótese se coaduna com a afirmação de Wertheimer, um dos membros da escola da Gestalt: “Uma situação como 7 + 7 = ? constitui um sistema portador de uma lacuna. É possível preencher esse espaço vazio de várias maneiras. O complemento 14, no entanto, corresponde à situação, encaixa-se na lacuna, atende ao que é estruturalmente exigido nesse sistema, nesse lugar, com sua função no todo. Outros complementos, como 15, não se encaixam, não são os corretos. Chegamos aqui, ao conceito de exigências da situação, a ideia de caráter de necessidade. Exigências de tal ordem possuem uma qualidade objetiva.” (FRANKL, 2011)
Frankl, ao aprofundar o sentido de vida, pontua que ele pode ser encontrado, principalmente, mas não exclusivamente, de três formas: criando um trabalho, ou praticando um ato; experimentando algo ou encontrando alguém – sentido do amor –; pela atitude que tomamos em relação ao sofrimento inevitável – sentido do sofrimento (FRANKL, 2014).
Frankl (2014) também aborda a falta de sentido na vida com que o homem pode se deparar, vivenciando, assim, uma frustração da vontade de sentido. Essa frustração caracteriza-se, sobretudo, por um “vazio existencial”, que, segundo o autor, pode ser visto no tédio e na indiferença. O tédio representa, principalmente, a perda de interesse do sujeito pelo mundo, e a indiferença, a passividade do sujeito diante da mudança e melhora da realidade.
Você acha que o homem do nosso tempo vivencia uma frustração do sentido da vida?
Outro aspecto importante da Logoterapia é sua visão integradora da realidade humana. Para Frankl (2020), o homem é um ser bio-psico-espiritual (ou noético). Espiritual na teoria logoterapêutica não carrega o sentido religioso, mas sim antropológico. Refere-se à dimensão própria do ser humano, aquela em que ocorrem os dinamismos fundamentais da autotranscendência e autodistanciamento, bem como a consciência, a liberdade e a responsabilidade.
Frankl (2020) afirma que a pessoa, em sua realidade concreta, não é regida por instintos ou determinada por questões psicoemocionais não resolvidas. Ela é um ser que decide o que fazer com seus instintos e com suas questões psicoemocionais não resolvidas. Essa decisão, essa escolha, só é possível por causa da dimensão espiritual.
Para entender melhor, veja o exemplo a seguir:
Talvez o melhor exemplo seja dado pelo próprio Frankl em um de seus livros e que podemos trazer para nossa realidade atual. Imagine um macaco que tivesse quetomar 20 agulhadas por dia como parte de um experimento para testagem de uma vacina contra uma nova doença. Ele sentiria dor física (dimensão biológica) e poderia desenvolver um pavor do aplicador da vacina (dimensão psicológica). Entretanto, imagine que depois de algumas semanas se tenha descoberto a cura para a doença. O macaco, diante de todo aquele sofrimento, teria participado da cura dessa doença, mas nunca seria capaz de compreender o sentido de seu sofrimento. Ao homem, foi dada a possibilidade de compreender, e isso é devido à sua dimensão espiritual.
A Logoterapia continua sendo um advento no século XXI. Atualmente, tem sido retomada senão em vários aspectos, ao menos em alguns de seus pressupostos, pela Psicologia Positiva (SELIGMAN, 2002) e pelo Cognitivismo Existencial (PACCIOLLA; MANCINI, 2015).
ROLLO MAY (1909-1994)
Se Viktor Frankl pode ser considerado o principal nome da Psicologia Existencial na Europa, Rollo May possui esse título no contexto norte-americano. Mas se, por algum motivo, esse psicólogo existencial é pouco abordado em cursos de Psicologia, seu pensamento é significativamente atual.
Leia o trecho a seguir e reflita: esse relato guarda alguma semelhança com os tempos atuais?
“Pode surpreender o que eu diga, baseado em minha prática profissional, assim como na de meus colegas psicólogos e psiquiatras, que o problema fundamental do homem, em meados do século XX é o vazio. Com isso, quero dizer não só que muita gente ignora o que quer, mas também que frequentemente não tem uma ideia nítida do que sente. […] O que as leva a buscar ajuda talvez seja, por exemplo, o fato de romperem sempre seus relacionamentos amorosos, ou não conseguirem concretizar seus planos de casamento, ou a insatisfação com o companheiro escolhido. Mas não é preciso falarem muito para revelar que esperam que o cônjuge atual ou futuro preencha uma falta, um vácuo no seu íntimo e ficam ansiosos e zangados quando ele ou ela não conseguem.” (MAY, 2004)
Rollo May (2004) desenvolve em sua prática as premissas existencialistas que já tivemos a oportunidade de ver no módulo 1 e considera que o Existencialismo aporta a Psicologia e sua tentativa de resolução dos problemas da pessoa.
No que diz respeito ao processo psicoterapêutico, alguns pontos do pensamento de Rollo May são interessantes e dialogam com os dias atuais: a ansiedade e a culpa.
Ansiedade
May (1986) considera que toda pessoa é centrada em si mesma e, quando esse centro é atacado, vivencia-se um ataque à própria existência. De certa maneira, esse ataque se manifesta na percepção de que existe algo que pode destruir o ser da pessoa, sua existência.
Essa percepção leva ao estado de ansiedade, que May (2004) considera o mais presente no homem de seu tempo, algo não muito distante do que atualmente vem sendo apresentado, sendo a ansiedade um dos transtornos com maior índice de prevalência na população.
A ansiedade, para Rollo May, é a experiência de ameaça, a si mesmo ou a alguém que avaliamos ser importante, originando uma constante atitude de defesa, de precaução, fechando cada vez mais a pessoa em si mesma.
A pessoa ansiosa estará voltada para as possibilidades de ameaça do mundo, o que em nosso tempo é potencializado por uma cultura que, em grande parte do tempo, exacerba as possibilidades de risco, sendo que se May (2004) chamava sua época da era da ansiedade, a nossa não deixa nada a desejar em relação a essa definição.
Rollo May acreditava que existia certo grau de ansiedade natural, ou seja, diante da consciência de que somos livres e de que construímos nosso destino, a vivência de alguma ansiedade seria um processo natural e, de alguma forma, indicaria uma abertura ao mundo, uma aceitação de que a vida está batendo à nossa porta. Entretanto, existe também a ansiedade patológica.
Essa ansiedade dialoga com outros males que May (2004) avalia fazerem parte de seu tempo: a solidão e o vazio, já citados. Para Rollo May, a etiologia dessa condição está em uma sociedade que se revolvia pela perda:
de valores.
do senso de self, ou seja, da dignidade e valor do ser humano.
da comunicação pessoal.
do senso trágico, em síntese, do sentido do sofrimento.
Novamente, a leitura de Rollo May dialoga em muitos aspectos com a nossa situação atual. A relativização de valores, a dependência eletrônica que vem anulando as relações pessoais, o constante ataque à dignidade da pessoa e um fechar de olhos ao sofrimento são características que fazem parte de nossa sociedade.
O que é preciso fazer para lidar com essas questões?
O homem precisa redescobrir a si mesmo e, dando conta de sua existência, assumir a liberdade e responsabilidades inerentes à vida humana. Rollo May acredita que cada um é responsável por aquilo em que se transforma; é necessário que as pessoas tomem consciência de aspectos como a inevitabilidade da morte, a importância de viver no presente e de que são responsáveis por construírem o próprio destino para assim terem melhor saúde mental.
O processo terapêutico, portanto, deverá ajudar a pessoa a se tornar autoconsciente da realidade em que está inserida, das ameaças que vem a perceber e, sobretudo, de que essa realidade faz parte de seu mundo, podendo causar uma ação sua. Ajudar a pessoa a ver que tem possibilidade de agir e, por isso, não é uma vítima da sua existência.
Culpa
Além da ansiedade, Rollo May também aborda outra situação da existência humana: a culpa. Para o psicólogo norte-americano, a culpa nasce quando não aceitamos nossas potencialidades, quando não percebemos as necessidades das outras pessoas e quando nos alienamos da natureza.
De alguma forma, a culpa é um fato do qual não temos como fugir completamente, sendo importante não nos alienarmos diante dela, mas aceitarmos que somos seres falíveis e, com isso, apontar para o autodesenvolvimento.
O autodesenvolvimento não acontece sozinho e aqui temos mais um aspecto da Psicologia Existencial de Rollo May: somos seres que participam de outros seres. Esse ser-com-o-outro faz parte do processo humano de desenvolvimento e crescimento e, portanto, da saúde psíquica.
Resumindo
Tanto a Logoterapia como a Psicologia Existencial de Rollo May partilham aspectos em comum e são marcadas pelo Existencialismo. Em síntese, podemos apontar as seguintes características de ambas as abordagens: a aproximação existencial a realidade da pessoa; a consideração da necessidade de a pessoa enfrentar aspectos como morte, culpa e sofrimento; uma compreensão de que a pessoa é um ser-com-o-outro, ou que se realiza na autotranscendência, na saída de si para encontrar-se com outra pessoa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreendemos um pouco mais a Psicologia Existencial, as influências do Existencialismo nessa perspectiva da Psicologia, bem como o rico diálogo que pode nascer da relação Psicologia-Filosofia.
Conhecemos Karl Jaspers, importante pensador no campo da Psicopatologia e que também influenciou psicólogos existenciais. Sobretudo, pudemos tomar consciência de que a compreensão da patologia mental não deve deixar de fora uma visão integral da pessoa.
Por fim, tomamos conhecimento de dois grandes nomes da Psicologia Existencial: Viktor Emil Frankl e Rollo May. Ambos desenvolveram ricas contribuições para a Psicologia e ainda influenciam outras abordagens psicológicas, como a Psicologia Positiva, a Terapia Cognitivo-Comportamental e o Cognitivismo Existencial.

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