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SOCIEDADE DE ENSINO SUPERIOR DE SERRA TALHADA – SESST FACULDADE DE INTEGRAÇÃO DO SERTÃO – FIS COORDENAÇÃO DO CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO LAIANNY GOMES DE LIMA NOGUEIRA PLURALISMO FAMILIAR: UMA ANÁLISE ACERCA DOS LIMITES CONSTITUCIONAIS REFERENTE À LIBERDADE INDIVIDUAL NO DIREITO DE ESCOLHA SERRA TALHADA 2020 LAIANNY GOMES DE LIMA NOGUEIRA PLURALISMO FAMILIAR: UMA ANÁLISE ACERCA DOS LIMITES CONSTITUCIONAIS REFERENTE À LIBERDADE INDIVIDUAL NO DIREITO DE ESCOLHA Monografia apresentada à disciplina de TCC, do curso de Bacharelado em Direito, da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, como requisito parcial para o título de Bacharel em Direito, sob a orientação do Profª. Ana Paula Antunes Novaes Cavalcante. SERRA TALHADA 2020 LAIANNY GOMES DE LIMA NOGUEIRA PLURALISMO FAMILIAR: UMA ANÁLISE ACERCA DOS LIMITES CONSTITUCIONAIS REFERENTE À LIBERDADE INDIVIDUAL NO DIREITO DE ESCOLHA Monografia apresentada à disciplina de TCC, do curso de Bacharelado em Direito, da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, como requisito parcial para o título de Bacharel em Direito, sob a orientação do Profª. Ana Paula Antunes Novaes Cavalcante. Monografia _________________________ pela banca examinado_______ ressalvas (Aprovada/Reprovada) (com/sem) Com nota ( ) Em ____ de ______________ de ____. Banca Examinadora: Examinador (a): Prof. Osvaldo de Freitas Faculdade de Integração do Sertão -FIS Examinador (a): Prof. José Paulo Antunes Faculdade de Integração do Sertão -FIS Orientador (a): Profª. Ana Paula Antunes Novaes Cavalcanti Faculdade de Integração do Sertão – FIS Dedico este trabalho a toda a minha família que esteve sempre comigo me apoiando e me ajudando na busca pelos meus sonhos. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a Deus, que me proporcionou força e coragem para que eu pudesse trilhar essa caminhada sempre superando meus limites e os obstáculos ao longo desses 5 (cinco) anos, e me mostrando cada dia mais que a jornada está valendo a pena, pois é apenas o início de um longo caminho promissor , e que virá as recompensas de muita dedicação, esforço e coragem. Depois a minha família, que sempre esteve comigo em todos os momentos felizes e difíceis durante esses anos, onde cada um se mobilizou para me ajudar, alguns estando perto e outros longes, mais nunca deixando de torcer por mim. Mais em especial aos meus pais Francisca Nogueira e Leidvan Nogueira, onde fizeram de tudo para que eu chegasse até aqui, e são a base do meu sucesso, meu alicerce, minha razão de lutar todos os dias para vencer e poder recompensá-los por tudo. Ainda a minha irmã Maria Laura, que mais que ninguém torce por mim, mais que é a grande felicidade da minha vida. Além das minhas tias, Janete e Maria do Socorro, que as tenho como segunda mãe, e que nossos laços vai muito além que do sangue, são laços de muito amor. E ainda a duas pessoas que não estão mais presentes, meu avô Laurindo Gomes, que perdi a pouco tempo, mais que sei que desejava ver todo meu sucesso e a felicidade que estou agora, e a minha avó Maria Pereira, que não há conheci, mais que sempre esteve em meu coração e a amo mesmo sem nunca a ter visto, e sei que de onde estão, sempre olham por mim. Não poderia deixar de agradecer aos meus professores, que no decorrer deste curso, a cada período estudado me fazia despertar para o mundo do Direito, mostrando todos os seus lados de uma área tão vasta e tão encantadora, onde todos sempre passara seus ensinamentos com muita humildade, sabedoria e dedicação. Mais em especial aos professores Renato Godoy, Bruno Leite, Maria Joana, Luciano Léda e Magno Leite, onde cada um sabe da sua importância na minha jornada acadêmica, onde tenho grande carinho, admiração e respeito. Também aos amigos do curso, Zailda, Isabella, Iara, Weverton, Amanda, que apesar de não serem minha turma originalmente, me acolheram sem distinção e fizeram dos meus dias mais alegres, me incentivando e me apoiando sempre. Nossa amizade se tornou tão importante que em votação para a Comissão de Formatura, me escolheram, por se sentirem representados por mim, e isso apesar de inesperado, me foi motivo de grande alegria. Mas em especial a Lisboa, por ter me ajudado quando mais precisei, no meu projeto de monografia, que apesar de também está fazendo o seu, tirou um pouco do seu tempo, pois sem ele não teria conseguido. Não poderia deixar de citar minha orientadora, Profª. Ms. Ana Paula, que aceitou enfrentar esse desafio comigo, sem obstáculos ou imposições, mas sempre me passando seu grande conhecimento, com paciência e dedicação, ao qual sem sua ajuda jamais teria argumentos para este trabalho científico. Obrigada a todos vocês. Inicialmente, quero lhes falar um pouco sobre “ciência” e sobre “verdade”. Depois, quero lhes falar de “afeto”. De afeto como atributo essencial das relações familiares. Depois, ainda, quero lhes falar de “coragem” ... coragem para considerar o afeto. Giselda Hironaka “Em troca da sua ajuda, eu ofereço algo muito valioso. Minha liberdade? A liberdade pode nos ser tirada, como você bem sabe. Eu te ofereço meu conhecimento”. O Conde de Monte Cristo RESUMO: A presente pesquisa tem por objetivo analisar o instituto família no Brasil, passando pelas evoluções históricas deste instituto, desde a família patriarcal até chegarmos as entidades familiares que hoje são tipificadas na Constituição Federal de 1988, sejam elas, casamento, união estável e família monoparental. Com enfoque nas demais entidades que surgiram na atualidade, e que merecem ser garantidoras e protegidas pelo legislador, com o fundamento da liberdade de escolha para constituir família, partindo do pensamento do filósofo Jean Paul Sartre, como embasamento para essa liberdade, onde há a repersonalização das relações familiares, pois agora o atributo que caracteriza a formação da família é o afeto, a convivência mútua, a solidariedade. Focando ainda no princípio da Dignidade da Pessoa Humana, de grande valor normativo, que é a base para essas novas relações familiares, pois o Estado deve garantir não só o mínimo para uma vida digna, e a família é a principal característica da felicidade do indivíduo. PALAVRAS CHAVE: Família. Afetividade. Liberdade. Relações. ABSTRACT: This research aims to analyze the family institute in Brazil, going through the historical evolutions of this institute, from the patriarchal family until we reach the family entities that today are typified in the Federal Constitution of 1988, namely, marriage, stable union and single-parent family. Focusing on the other entities that emerged today, and that deserve to be guarantors and protected by the legislator, on the basis of freedom of choice to start a family, starting from the thought of philosopher Jean Paul Sartre, as a basis for this freedom, where there is repersonalization of family relations, because now the attribute that characterizes the formation of the family is affection, mutual coexistence, solidarity. Still focusing on the principle of the Dignity of the Human Person, of great normative value, which is the basis for these new family relationships, because the State must guarantee not only the minimum for a dignified life,and the family is the main characteristic of the happiness of the individual. KEY WORDS: Family. Affectivity Freedom. Relations. SUMÁRIO INTRODUÇÃO: ................................................................................................................ 10 1 INSTITUTO FAMÍLIA E SEUS MODELOS NO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO .................................................................................................................... 13 1.1 INSTITUTO DA FAMÍLIA NO BRASIL ................................................................... 13 1.2 OS MODELOS CONSTITUCIONAIS DE FAMÍLIA ............................................... 18 1.2.1 DO CASAMENTO ................................................................................................ 19 1.2.2 DA UNIÃO ESTÁVEL ......................................................................................... 21 1.2.3 DA FAMÍLIA MONOPARENTAL ....................................................................... 24 1.3 REPERSONALIZAÇÃO CONSTITUCIONAL DAS FAMILIAS NO BRASIL...... 25 2. O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE COMO FUNDAMENTO DA LIBERDADE DE ESCOLHA FAMILIAR ..................................................................................................... 31 2.1 A LIBERDADE EM SARTRE ....................................................................................... 32 2.2 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE ................................................................................... 38 3. OS NOVOS MODELOS DE FAMÍLIA À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO POSSIBILIDADE DE LIBERDADE INDIVIDUAL DE CONSTITUIR FAMÍLIA .................................................................................................... 45 3.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ........................................... 45 3.2 OS NOVOS ARRANJOS FAMILIARES ................................................................... 50 3.2.1 UNIÃO HOMOAFETIVA....................................................................................... 51 3.2.2 FAMÍLIA ANAPARENTAL ................................................................................... 57 3.2.3 FAMÍLIA MOSAICO ............................................................................................. 58 3.2.4 FAMÍLIA SUBSTITUTA ........................................................................................ 59 3.3 ANÁLISE DO PROJETO DE LEI Nº 3369/2015, E SEUS REFLEXOS................... 61 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 65 REFERÊNCIAS: ............................................................................................................... 69 10 INTRODUÇÃO A família ou os modos de convivências afetivas tem seu quadro evolutivo atrelado à própria construção do homem. Contudo, se deram várias mutações dos conceitos no decorrer dos anos, em razão das novas perspectivas da humanidade, as quais, não se permitem, nem se submetem as ideias estáticas de hierarquia. Neste ínterim, o que mais importa é estar no seio familiar como pertença ao seu grupo, gerando por assim ser uma identidade de sentimentos, esperanças e valores. Todos estes efeitos e expectativas são baseados, mesmo que inconscientemente, no que se poderia chamar de princípio da afetividade, o qual se revela como causa primeira para se constituir relações, sejam elas de convivência ou de cunho puramente sociáveis, neste sentido, é forçoso pressupor que toda e qualquer relação familiar possui como origem e, causa de escolha, o afeto. Por essa razão é que família no seu sentido amplo não pode estar restrito as convenções humanas, ao menos no sentido de garantias antropológicas, porém, com as atribuições do Estado moderno se fez necessário determinadas conceituações e até mesmo se estabelecer modelos de famílias no intuito de proteção de seus membros. Não foi diferente esta prática no direito brasileiro, de modo especial no Código Civil de 1916, e posteriormente a Constituição Federal de 1988, que além do casamento, normatizou o reconhecimento da união estável e da família monoparental como novos modelos de família, isso não quer dizer que se chegou a efetividade social da Constituição, muito pelo contrário, pois na medida em que se estabelece três modelos, efetivamente se restringe a liberdade de cada cidadão ou cidadã constituir sua família distinta das formas reconhecidas, gerando por assim ser, o efeito de exclusão dos possíveis modos de convivência alheios a estes. Sabendo que o elemento distintivo da família é o vínculo afetivo, que faz unir as pessoas por identificação de projetos de vida e, propósitos comuns, não se pode manter- se limitado a ideia ortodoxa de família enquanto casamento, pois este princípio gera na própria doutrina a compreensão de entidades familiares. Diante do fato de o direito brasileiro reconhecer três modelos específicos de família, quando parece ser insuficientes, visto que, partindo do princípio da liberdade humana cada um pode escolher o seu estado de família, assim não caberia ao Estado restringir, mas ampliar, de modo a alcançar toda e qualquer forma de convivência familiar, eis aqui a problemática desta pesquisa, isto é, quando se delimita apenas três 11 modelos reconhecidos pelo direito, consequentemente outras formas existentes sofrem abandono legal. Isto posto, se vislumbra que é de interesse social e grande relevância uma pesquisa que possibilite despertar o que já existe nas relações socio-afetivas, pois na medida em que se deixa de reconhecer tantos outros modos de convivência estar-se-á violando a igualdade formal das pessoas. Além disso, o direito carece de uma maior proteção àqueles que não se enquadram nos dispositivos legais, por isso, que esta pesquisa se propõe a contribuir academicamente no âmbito jurídico para a possibilidade de estender reconhecimento legal as demais formas de convivência de família, contribuindo uma vez mais para a construção científica do tema. Assim, diante de um silêncio legal positivado sobre os tantos modos de convivência familiar é que será analisada os vários casos de família em que ficaram desprotegidas, ou tiveram que iniciar uma demanda judicial para garantir seus direitos naturais ainda não reconhecidos no direito brasileiro positivado, de modo especial na Constituição Federal. Daí surgem algumas indagações, como: os modelos trazidos pela Constituição Federal de 1988 devem ser vistos como puramente taxativos ou enumerativos? No tocante à escolha de convivência familiar surge como principal axioma o princípio da afetividade, mas não estaria o direito brasileiro neutralizando tal princípio a medida que determina limitações constitucionais? Se a liberdade de escolha está subentendida na dignidade humana, como princípio fundamental, como poderia o artigo 226, da Constituição Federal, ser convergente com o princípio da dignidade da pessoa humana no tocante a constituição familiar? Todas essas perguntas serão analisadas em cada um dos capítulos dessa tese, para se chegar a uma resposta que seja satisfatória e que garanta a todos o seu direito de escolha pela busca da sua felicidade no seio familiar. O estudo do primeiro capítulo se dará em analisar e apresentar o instituto família e seus modelos no direito constitucional brasileiro, passando desde os conceitos até a tipificação legal que temos atualmente; além de tratar da repersonalização dessas relações familiares que tem como ponto de partida os laços afetivos. No segundo capítulo, abordaremos o princípio da afetividade como fundamento da liberdade de escolha familiar, mostrando como esse princípio ganha força e carga valorativa muito alta nas discursões e decisões acerca das entidades familiares sejamas 12 trazidas pela Carta Magna, sejam os novos modelos que são formados dia a dia. Usaremos como referencial para explicar tal liberdade o filósofo Jean Paul Sartre. No terceiro e último capítulo, será exposto e estudado os novos modelos de família à luz do princípio da dignidade da pessoa humana como possibilidade da liberdade individual de constituir família, apresentando os novos modelos trazidos por doutrinadores e que á são bastante conhecidos, além de tratar especificamente do princípio da dignidade da pessoa humana onde tem carga valorativa muito alta no ordenamento jurídico, além de analisar o Projeto de Lei nº 3369/2015, que tramita no Congresso Nacional, e sua repercussão. Em suma, esta temática versa sobre o pluralismo familiar: os limites constitucionais no tocante à liberdade individual no direito de escolha, onde tem como principal teórico o filósofo Jean Paul Sartre, que estará presente em todos os capítulos para servir como base para os argumentos que aqui serão apresentados, no intuito de ser mais uma abordagem de apresentar os limites do direito brasileiro como causa de interferência do Estado na família. 13 1 INSTITUTO FAMÍLIA E SEUS MODELOS NO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO A família, ao longo dos anos, passou por grandes evoluções, estas decorrentes da sociedade e no contexto ao qual se está inserida, seja religiosa, política, cultural ou econômica. Quando pensamos em família, não podemos deixar de citar a figura do patriarca, chefe do grupo familiar e do patrimônio, perdurada por muitos anos e marcada como puramente econômica e de submissão de seus membros para com ele. Sendo uma construção de épocas, nunca foi constituída sobre uma base sólida, muito pelo contrário, pois sempre sofrera grande influência religiosa, em especial do cristianismo, onde a única família reconhecida e protegida pelo direito era a do matrimônio, era mais um grupo religioso do que natural, familiar, onde os sentimentos e o afeto seriam pilar dessas relações. Após grandes modificações culturais, onde as relações foram mudando e os conceitos familiares foram repensados, houve a necessidade do Estado de acompanhar esse rito, e trazer no seu corpo normativo a maior abrangência possível de garantias para os novos modelos familiares que estariam surgindo, daí o surgimento da Constituição Federal de 1988, a primeira que instituiu verdadeira proteção à família, disposto no seu art. 226, trazendo além do casamento, a união estável e a família monoparental. Agora a família tem como base o afeto nas suas relações, onde nem sempre será ligada apenas por laços consanguíneos, mais principalmente pelos afetivos. Pois não se pode conceituar família como apenas sendo: pai, mãe e filhos. Há outras formas que vão muito além dessa estrutura ao qual jamais imaginaríamos que poderia ser repensada. E é a partir disso que toda a estrutura da família vem sendo modificada, agregando-se novos modelos familiares. 1.1 INSTITUTO DA FAMÍLIA NO BRASIL A ideia de família se deu por um longo processo de construção e reconstrução do homem, em razão de suas perspectivas, escolhas e vontades, pois a cada momento vivido pela sociedade, e com a construção cultural, foi sofrendo mutações, seja em óptica religiosa, política, cultural ou econômica, onde cada um ocupa um lugar no núcleo familiar. 14 A família é uma construção cultural. Dispõe de estruturação psíquica, na qual todos ocupam um lugar, possuem uma função-lugar do pai, lugar da mãe, lugar dos filhos-sem, entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente [...] A própria organização da sociedade se dá em torno da estrutura familiar (DIAS, 2016, p. 47). Para entendermos melhor, devemos remeter à Antiguidade Clássica, em especial na Roma Antiga, quando a família tradicional se concentrava na figura paterna, onde o patriarca adquiria bens e administrava o patrimônio familiar, exercia o poder sobre os filhos, os escravos, a mulher, onde o matrimônio era extremamente marcado pela submissão da mulher ao patriarca, ou seja, centralizava a autoridade máxima da família e do patrimônio. A família patriarcal, extensa e transpessoal emerge como discurso legitimador de uma dada condição social, que se avalia pela estirpe. [...] Trata-se de uma família que tem por funções, na perspectiva aludida mais acima, a transmissão do status e do patrimônio, servindo como fonte de manutenção de poder político, com a criação de laços de dependência [...] O responsável por essa função é o patriarca, que centralizava a direção da família, a esposa tem papel definido nessa estrutura familiar como de subordinação, papel este para o qual é criada desde a mais tenra infância (SOUZA, 2015, p.74). Podemos observar que neste período a atuação da família era bastante limitada, e concentrava-se nas mãos apenas do chefe da família, o patriarca, como sendo o detentor de todas as decisões dessa família. Na verdade, nesse período não havia nenhum resquício de manifestação de vontade da mulher ou de seus filhos. A família não era tida como um vínculo afetivo e de amor para com os outros, mais sim, como um mero grupo econômico, que necessitava prover sua subsistência. Esse cenário começa a ser transformado a partir da Revolução Industrial, quando as indústrias passaram a assumir a função de produção econômica antes exercidas pelas famílias. O espaço familiar começa a perder a característica de unidade de produção e passa a ser considerado um espaço para o desenvolvimento moral, afetivo, espiritual e de assistência recíproca entre os seus membros. Esse quadro não resistiu à revolução industrial, que fez aumentar a necessidade de mão de obra, principalmente para desempenhar atividades terciárias. Foi assim que a mulher ingressou no mercado de trabalho, deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família. A estrutura da família se alterou. Tornou-se nuclerar, restritiva ao casal e a sua prole. Acabou a prevalência do seu caráter produtivo e reprodutivo [...] Isso levou a aproximação de seus membros, sendo mais prestigiado o vinculo afetivo que envolve seus 15 integrantes. Surge a concepção da família formada por laços afetivos de carinho, de amor (DIAS, 2016, p. 48). Sendo uma construção de épocas, a família nunca foi construída sobre uma base sólida, muito pelo contrário, pois sempre sofrera grande influência religiosa. Com o surgimento do cristianismo, surgiu o casamento religioso e posteriormente o casamento civil, como as únicas formas válidas de instituição de uma família. Em determinado momento histórico o intervencionismo estatal instituiu o casamento como regra de conduta. Uma convenção social para organizar os vínculos interpessoais. A família formal era uma invenção democrática, pois somente ela permitia à população a se multiplicar. Essa foi a forma encontrada para impor limites ao homem, ser desejante que, na busca do prazer, tende a fazer do outro objeto (DIAS, 2016, ps. 47 e 48). Nesse contexto, o casamento tradicional, ou seja, homem e mulher, foi contemplado pelo legislador no Código Civil de 1916, como única forma de constituir família, porém ainda cheia de desigualdades nessas reações, como, por exemplo, sobre sua dissolução e sobre os filhos. Em sua versão original, trazia estreita e discriminatória visão da família, limitando-a ao casamento. Impedia sua dissolução, fazia distinção entre seus membros e trazia qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessas relações (DIAS, 2016, p. 51). Sendo assim, mesmo que discriminatória, foi a primeira norma a tratar sobre a família sob uma outra perspectiva, como sendo um grupo guiado por sentimentos e desejo de convivência, ainda que de forma individualizadora.O Código Civil de 1916 tinha sido edificado sobre a valorização do individualismo e, por conseguinte, o movimento de Codificação pretendia alçar o Código Civil a norma máxima da esfera privatista, buscando dentro da dicotomia público- privado uma das justificativas teóricas da supremacia do Código Civil para as relações privadas (SOUZA, 2015 p. 75). Mas não podemos nos manter em uma visão sempre fixa e restrita, pois o avanço ao que podemos chamar de família nos dias atuais, foi o resultado de uma grande mudança da realidade da sociedade, e se a sociedade muda, o direito deve se adequar aos novos pensamentos e momentos que se está vivendo, sem discriminação ou exclusão de novos 16 laços que estão sendo criados, dia após dia, tipificando-as e garantindo a proteção que merecem jamais sendo omissa a qualquer que seja. A família tradicional aparecia através do direito patrimonial e, após as codificações liberais, pela multiplicidade de laços individuais, como sujeitos de direito atomizados. Agora é fundada na solidariedade, na cooperação, no respeito à dignidade de cada um de seus membros, que se obrigam mutuamente em uma comunidade e vida (LÔBO, 2017, p. 23). Porém, como tudo na vida tem limites, com o Estado também não poderia ser diferente, pois ele não pode adentrar na esfera privada e íntima de uma família e a regulá- la do modo como ele idealiza sendo o certo. Deve sempre pensar que está lidando com pensamentos e indivíduos diferentes, onde não há a mínima possibilidade de todos pensarem da mesma forma, e que o que pode ser justo para o legislador, poderá não ser para a sociedade e gerará inúmeros conflitos. É preciso demarcar o limite de intervenção do direito na organização familiar para que as normas estabelecidas não interfiram em prejuízo da liberdade do “ser” sujeito. A esfera privada das relações conjugais começa a repudiar a interferência do público. Ainda que o Estado interesse na preservação da família, cabe indagar se dispõe de legitimidade para invadir a auréola de privacidade e de intimidade das pessoas. É necessário redesenhar o seu papel, devendo ser redimensionado, na busca de implementar, na prática, participação minimizante de sua faceta interventora no seio familiar (DIAS, 2016, p. 50). Assim, o grande marco para o Direito de Família foi a Constituição Federal de 1988, como sendo a mais garantidora e protetora de direitos a família brasileira. Agora a principal característica para ser alicerce e se constituir família são os laços afetivos, o desejo de convivência. Isso se deu a partir de tudo que foi evoluindo e sendo repensado em relação à formação e composição da família. Tendo a afetividade com tamanha força na formação de entidades familiares, sejam as trazidas pela Constituição, seja aquelas que ainda não estão nos dispositivos legais, o que importa é o indivíduo compor seu grupo familiar, e se sentir pertencente a ele, como um integrante desta comunidade afetiva, e estarem vinculados pelos sentimentos de reciprocidade entre esses indivíduos, trazendo assim o direito de exercer sua liberdade. Mas é a concepção republicana que revela afinidade com um conceito de direito que outorga à integridade do indivíduos e às suas liberdades subjetivas o mesmo peso atribuído a integridade da comunidade cujos membros 17 singulares têm como reconhecer-se reciprocamente, tais como indivíduos quanto como integrantes dessa comunidade (HABERMAS, 1991, p. 42). É a partir do nosso exercício de direitos como cidadãos que em se tratando de política, elegemos nossos representantes, para que como o próprio nome já diz, nos represente perante a sociedade e assegure os nossos direitos, não apenas os da maioria, mais também voltar seus olhares para a minoria, a excluída, a que busca a todo tempo uma solução para suas angustias, e trazendo para o contexto, “a angústia da família não legalizada” que são tidas como excluídas pelos bons costumes, e esquecem que é essa minoria que necessita da inteira atenção para solução destes conflitos internos e externos, e que também merecem respostas. Certamente os discursos de autocompreensão, aqueles em que seus participantes tentam esclarecer-se acerca de como devem entender a si mesmos como membros de uma determinada nação, como membros de um município ou de um Estado ou como habitantes de uma determinada região, acerca de que tradições devem ter continuidade, acerca de como devem tratar-se mutuamente, de como tratar as minorias e os grupos marginais, aceca do tipo de sociedade em que querem viver, também constituem uma parte importante da política (HABERMAS, 1991, p. 44). Mas, apesar disso, por trás desta sociedade em que vivemos, com grande bagagem de pluralismos sociais e culturais que pesam muito na hora de tomadas de decisões dos que nos representam, seus pensamentos veem carregados de cargas valorativas, em que não chegam a um consenso, preferindo manter-se inerte diante das novas circunstancias a cerca da nova realidade histórica. Não é através desses discursos éticos e políticos que se chegará a um equilíbrio, ou resultados satisfatórios, é preciso de ação, de fazer a diferença, garantindo sempre a dignidade e integridade do cidadão, havendo assim uma consolidação de entendimentos. Mas, em situações e pluralismo cultural e social, por trás as metas politicamente relevantes muitas vezes escondem-se interesses e orientações valorativas que de modo algum podem-se considerar constitutivos da identidade da comunidade em seu junto, isto é, de uma inteira forma de vida compartilhada intersubjetivamente. Esses interesses e orientações valorativas, que entram em conflito sem perspectiva de consenso, necessitam de um equilíbrio ou de um compromisso que não é possível alcançar-se mediante discursos éticos, ainda que os resultados sujeitassem à condição de não transgredir os valores básicos consensuais de uma cultura (HABERMAS, 1991, p. 44). 18 Tal matéria não pode ser vista apenas como discursões de política, em debates por poder e por quem está certo ou não, e esquecendo que a função do governo, em especial do legislador é ouvir a sociedade, suas necessidades, suas expectativas, pois se o Estado não fizer isso, não há outro que faça. Com isso, deve haver cooperação e negociação, até chegar aos resultados aceitos por todos os indivíduos, ainda que por contextos ou razões distintas. E não discursos racionais apenas como forma de sanções aos que tanto esperam por respostas legislativas. Tem que está presente sempre a equidade para guiar essas relações entre o Estado e a sociedade, procurando a melhor solução para seus conflitos. Onde novamente há de se atentar que só se consegue uma evolução com comunicação e não com discursos, sentindo-se o “dono da razão”. 1.2 OS MODELOS CONSTITUCIONAIS DE FAMÍLIA Para que fosse possível prestar tais garantias, o Direito Constitucional dispôs os valores e princípios fundamentais que representassem os reais anseios da população como um todo, sem esquecer as minorias que adotavam padrões de vida não tradicionais. Dessa forma, “em face da nova tábua de valores da Constituição Federal, ocorreu a universalização e a humanização do direito das famílias, que acabou por provocar um câmbio de paradigmas” (DIAS, 2016, p. 57). Daí o surgimento da Constituição Federal de 1988, como grande marco e evolução para o direito de família, em seu artigo 226, prevê que a família, base da sociedade tem especial proteção do Estado a previsão de como se estrutura uma família trazendo em seu corpo normativo a maior proteção e garantias a sociedade, em especial no seu §8º, onde “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”, que até então não tinha sidoperceptível e nem objeto de preocupação por parte do Estado. A família então foi repensada, tirando seu aspecto restritivo e preconceituoso para convivências familiares que iam surgindo, agora além do núcleo familiar constituído pelo casamento, seja civil, seja religioso, ainda reconheceu a união estável e a comunidade formada por qualquer de seus pais e seus descendentes, também como entidades familiares. 19 A Constituição Federal de 1988, num único dispositivo, espancou séculos de hipocrisia e preconceito. Instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros. Estendeu proteção à família constituída pelo casamento, bem como à união estável entre o homem e a mulher e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família monoparental (DIAS, 2016, p. 52). Faz-se então necessário analisar estes modelos de família trazidos pela Constituição, a fim de entender seu instituto e seus aspectos através de grandes mudanças no seu conceito e especificações para a compreensão de que a família agora deve ser pensada em torno do sentimento afetivo, e que esse mesmo vínculo de afeto abre espaço para várias formas de convivências familiares, seja consanguínea ou não. 1.2.1 DO CASAMENTO O casamento, é a primeira entidade familiar trazido pela Constituição de 1988, tendo em vista seu longo histórico de tradição, onde os nubentes por livre e espontânea vontade comparecem perante a autoridade competente para sua realização, seja juiz de direito, juiz de paz, ou ministro de confissão religiosa, sempre será um ato solene, e gratuito para a sua celebração. Essa liberdade de escolher o matrimônio também implica em direitos e deveres que a lei irá impor, pois todos os atos após o casamento é visto como base moral na sociedade, essa visão é tão restrita que não aceita decisões que desvirtuem o intuito dessa união, que é a formação de uma entidade familiar, ainda que em uma visão conservadora, que exija tal postura perante todos, e qualquer comportamento do que podemos chamar de “normal” será reprovável. O casamento gera o que se chama de estado matrimonial, no qual os nubentes ingressam por vontade própria, por meio da chancela estatal. Historicamente a família nasce quando da celebração do casamento, que assegura direitos e impõe deveres no campo pessoal e matrimonial. As pessoas têm a liberdade de casar, mas, uma vez que se decidam, a vontade delas se alheia e só a lei impera na regulamentação de suas relações (DIAS, 2016, p. 258). Tão grande é a valorização desta entidade, que mesmo com a Constituição dando a opção de escolha ainda sim, os costumes e a grande força religiosa mesmo que 20 indiretamente ainda influência nessa escolha. Também, é nítida que esta é a sua preferência, tanta que está na norma suprema, onde disciplina todas as suas relações. No direito brasileiro atual, após a Constituição de 1988, o casamento é uma das entidades familiares, certamente a mais importante, tendo em vista a longa tradição de sua exclusividade [...], permanece o modelo mais adotado nas relações familiares, como demonstram as pesquisas demográficas realizadas após o advento da Constituição que permitiu essa liberdade de escolha. Ao lado da tradição e dos costumes, há que considerar a força das religiões na sociedade brasileira, na valorização do casamento, além da nítida opção preferencial da legislação (LÔBO, 2017, p. 90). O casamento ainda que perante autoridade religiosa, não foge dos procedimentos legais, pois passa pelo mesmo processo de habilitação perante o oficial do cartório, para fazer o registro civil da união, seus efeitos acontecem a partir daí, do seu registro. Porém, há a possibilidade trazida pelo legislador, que a celebração religiosa seja antecedida à habilitação civil, mas não se exime dessa habilitação, apenas deixa de ser prévia. Foi a forma que o Estado encontrou de fiscalização, e garantindo que seja incluído no que a lei determina. A celebração religiosa do casamento depende de prévia habilitação promovida perante o oficial de registro público. Porém, o Código Civil de 2002 ampliou o alcance do casamento religioso, admitindo, pela primeira vez no direito brasileiro republicano, efeitos à celebração religiosa do casamento, sem ter sido antecedida de habilitação civil, devidamente homologada. Nessa hipótese, o casal requer à autoridade competente que seu casamento religioso seja registrado, fazendo prova da celebração. Todavia, a habilitação não é dispensada; apenas deixa de ser prévia. Com o pedido de registro, o casal juntará a documentação e fará as declarações necessárias para a habilitação, sem a qual o registro civil não será concedido (LÔBO, 2017, p. 94). Nessa ideia podemos ver que , quando se está em uma relação, não se fala em despender-se de um futuro casamento, mais sim em planejá-lo, passar por todo o processo de habilitação que é extremamente formal, e demanda muitos requisitos, até finalmente executá-lo, como se isso fosse uma garantia de se está seguindo um padrão e uma opção que lhe faz acreditar ser o certo. O casamento hoje está visto mais como um status, do que como uma forma de constituir família por laços sanguíneos e afetivos. Toda essa visão excessiva do casamento, nos leva a pensar que só é considerado família aquela através da realização deste ato. O que devemos entender é que o legislador sentiu a necessidade de positivar um ponto de partida para as pessoas que desejam viver em comunhão, e que desse ponto de partida possa ser tomado como exemplificativo e não 21 impositivo, ou taxativo, como se não houvesse abertura para novas formas de instituições e novos vínculos. Pois o primordial é a família e não o casamento. A exacerbada sacralização do casamento faz parecer que seja essa a única forma de constituir a família. Mas é a família, e não o casamento, que a Constituição chama de base da sociedade, merecedora de especial atenção do Estado (CF 226) (DIAS, 2016, p. 258). Tal decisão de qual entidade se encaixar depende exclusivamente do indivíduo, pois a proteção do Estado é referente a própria “família, base da sociedade”, seja ela qual for, pois no seu próprio corpo normativo não diz expressamente e claramente que a família é apenas aquela que advém do casamento, portanto, “ a participação do Estado é invocada de forma supletiva ou residual” (DIAS, 2016, p.259), ou seja, de forma apenas complementar as decisões da sociedade, que são baseadas nas relações afetivas. O casamento não é apenas uma mudança de status, tampouco cercada por uma relação que não havia interesses comuns, mas sim o desejo de convivência mútua, do querer, do afeto e carinho. Aqui constroem-se relações que se solidifica com o passar do tempo, e com o vínculo que vai surgindo não só entre os casais, mais também entre os parentes de cada um deles como seres individuais, e que a partir do momento em que se unem perante o matrimônio se tornam uma grande família. A sociedade conjugal gera dois vínculos: (a) vínculo conjugal entre os cônjuges; (b) vínculo de parentesco por afinidade, ligando um dos cônjuges aos parentes do outro. Os pais dos noivos viram sogro e sogra. Os parentes colaterais até o segundo grau (os irmãos) tornam-se cunhados. Findo o casamento, o parentesco em linha reta (sogro, sogra, genro e nora) não se dissolve, gerando, inclusive, impedimento para o casamento. (DIAS, 2016, p. 259) Portanto, o casamento não só unem o casal, como também gera novas relações pessoais, novos vínculos, pois cada uma das famílias acolhe a do outro sem fazer qualquer distinção entre os membros, gerando assim um parentesco. Tão importante são essas relações, que o próprio Código Civil traz impedimentoscaso haja a dissolução do casamento entre os nubentes, pois há uma ligação entre esses laços, os de afinidade e os afetivos uns para com os outros. 1.2.2 DA UNIÃO ESTÁVEL 22 A união estável também se caracteriza como uma das entidades familiares trazidas pela Constituição, no rol de proteção à família, onde se assemelha ou se vincula ao casamento, pois é uma união de duas pessoas que por vontade própria e com o objetivo de constituir família decide se incluir neste instituto. Porém, não se deve confundir os dois, porque cada um é regido por regulamento e leis próprias, elencando os direitos e deveres que desta união decorrem. A união estável é a entidade familiar constituída por duas pessoas que convivem em posse do estado de casado, ou com aparência de casamento. É um estado de fato que se converteu em relação jurídica em virtude de a Constituição e a lei atribuírem-lhe dignidade de entidade familiar própria, com seus elencos de direitos e deveres. Ainda que o casamento seja sua referência estrutural, é distinta deste; cada entidade é dotada de estatuto jurídico próprio, sem hierarquia ou primazia (LÔBO, 2017, p. 158). Mas essa percepção que temos hoje de união estável é fruto também de longas evoluções, concepções e adequações a realidade atual. Antes, a união estável era tida como um relacionamento extraconjugal, mais denominado de concubinato1, era de uma atitude reprovável, pois um dos cônjuges, geralmente o homem, saía do seio familiar para buscar uma “aventura”, e se desse relacionamento gerasse filhos, os mesmos não tinha se quer algum direito, eram os chamados “filhos bastardos”, com extrema carga de preconceito. Ademais, o casamento era tido como um vínculo indissolúvel, e as pessoas que viviam nesse relacionamento chegavam a determinado momento em que não queriam mais continuar nessa relação, daí passavam a viver outros relacionamentos, como sendo ilegais e reprováveis pela sociedade. Disso também dava-se o nome de concubinato, pois aqui não havia a figura do casamento, pela sua indissolubilidade, mais sim de ambos os casais morando em um lar, e constituindo novos seios familiares. Apesar da rejeição social e do repúdio do legislador, vínculos afetivos fora do casamento sempre existiram. O Código Civil de 1916, com o propósito de proteger a família constituída pelos sagrados laços do matrimônio, omitiu-se em regular as relações extramatrimoniais. E foi além. Restou por puni-las. Tantas reprovações, contudo, não lograram coibir o surgimento de relações afetivas extramatrimoniais (DIAS, 2016, p. 407). 1 Conforme Dias, trata-se de uma união sem o selo do casamento. (2016, p.407) 23 Esse quadro foi mudando, pois a medida que se tinham essas uniões antes excluídas e reprovadas pelo Estado e a sociedade, como sendo impuras, começaram a ser motivos de demandas judiciais querendo o reconhecimento dos filhos advindas dessa união, após a morte de um dos genitores, pois filhos são filhos, independente de ser na constância ou fora do casamento, e merecem o mesmo respeito e seguridade que os demais, devendo agir com inclusão, e não exclusão. A partir daí, e com a repercussão que se dava em um momento tão lento e restritivo de relações, essas uniões foram sendo aceitas pela sociedade e merecendo seu reconhecimento e proteção como entidade familiar, trazida então pela Constituição, que alargou esse conceito de família, instituindo uma nova composição para aquelas uniões que não se encaixavam no padrão matrimonial. A união estável, inserida na Constituição de 1988, é o epílogo de lenta e tormentosa trajetória de discriminação e desconsideração legal, com as situações existenciais enquadradas sob o conceito depreciativo de concubinato, definido como relações imorais e ilícitas, que desafiavam a sacralidade atribuída ao casamento (LÔBO, 2017, p. 159). Com isso, a união estável além de ser contemplada pela Carta Magna, ainda trouxe uma lei especial regulamentando essas relações, a Lei nº 9.278/19962, que dispõe mais uma vez sobre o reconhecimento como entidade familiar, com direitos, deveres de respeito, consideração mútua, assistência, guarda dos filhos, além de regulamentar os bens adquiridos na constância dessa união a títulos onerosos, além da sua dissolução. Para se constituir união estável, são necessários alguns requisitos derivados de lei que são eles : “ a) relação afetiva entre os companheiros, de sexo diferente ou de mesmo sexo; b) convivência pública, contínua e duradoura; c) escopo de constituição de família; d) possibilidade de conversão em casamento” (LÔBO, 2017, p. 162), diante do preenchimento de todos eles, poderá então optar por esse instituto. Diante de todos esses aspectos que foram apresentados, em relação a união estável, o que está claramente exposto pelo legislador é sua preferencia pelo casamento, quando o texto normativo diz que deverá a lei facilitar a sua conversão em casamento. Ou seja, mais uma vez existirá o Estado direcionando para um possível casamento. Com se ele deixasse livre para escolher viver uma união estável, mais avisando que o casamento 2 Lei 9.278/1996. Regula o §3º do art. 226 da Constituição Federal. 24 pode ser realizado a qualquer hora, de forma mais ágil, e que ainda é a forma de entidade suprema. Ademais, se para o casal essa é a melhor opção, pode viver em união estável a vida toda, ou podendo ainda ocorrer o contrário, onde muitas pessoas são casadas, se divorciam e após voltarem de novo ao relacionamento decidem viver uma união estável, que possui menos rigidez e formalidade que um processo de habilitação de casamento. Então deve ser livre sua escolha, seja ela qual for, sem interferências externas. Facilitar a conversão de uma entidade em outra é especificação do princípio da liberdade de constituição de família; a união estável não é rito de passagem para o casamento [...], se os companheiros desejarem manter a união estável até o fim de suas vidas podem fazê-lo, sem impedimento legal. Serão livres para convertê-la em casamento, se quiserem, sem imposição ou indução legal; da mesma forma que as pessoas casadas podem livremente dissolver seu casamento e constituírem união estável, o que tem ocorrido com certa frequência com casais divorciados que se reconciliam, mas não desejam retornar à situação anterior (LÔBO, 2017, p. 174). Não se pode, pois, limitar a liberdade do indivíduo de escolher sua constituição de família, pois fere justamente esse princípio da liberdade familiar3, que é a base de todas as escolhas da sociedade, e aqui não poderia ser diferente. 1.2.3 DA FAMÍLIA MONOPARENTAL Com as novas realidades sociais, a Constituição de 1988, procurou se adequar as famílias do novo século, por isso, trouxe a família monoparental, talvez a menos conhecida de todas e aquela que sai totalmente do padrão óbvio da família, aqui é a entidade familiar formada por um de seus pais com seus descendentes. A muito tempo a família deixou de ser aquela apenas com o pai, a mãe e seus filhos, e a família monoparental é um exemplo disso, pois se dá de várias formas, seja por um divórcio, viuvez, por uma adoção ou por ser mãe solteira. Várias são as situações que levam a essa base familiar, seja por escolha própria ou por motivos de força maior, e que não deixa de ser família só porque não tem a presença de um dos pais junto. A família tem laços afetivos que os unem independente daqueles que integram um lar. 3 Desse modo, entende Lôbo, que o princípio da liberdade diz respeito ao livre poder de escolha ou autonomia de constituição, realização e extinção de entidade familiar, sem imposição ou restriçõesexternas de parentes, da sociedade ou do legislador. 25 A família monoparental é definida como entidade familiar integrada por um dos pais e seus filhos menores. Pode ter causa em um ato de vontade ou de desejo pessoa, que é o caso padrão de mãe solteira, ou em várias situações circunstanciais, a saber, viuvez, separação de fato, divórcio, concubinato, adoção de filhos por apenas uma pessoa. Independentemente da causa, os efeitos jurídicos são os mesmos, notadamente quanto à autoridade parental e ao estado de filiação (LÔBO, 2017, p. 81). A família monoparental, como já conceituada, diz respeito a entidade familiar de natureza parental, ou seja, um dos ascendentes com seus descendentes, é a relação de filiação, e não se encaixa nesse modelo, parentescos distintos destes previstos, pois estará enquadrada em outra entidade familiar. Essa entidade não é regida por legislação ou estatutos próprias que disciplinam seus comportamentos, direitos e também deveres, o que se distingue das outras que já foram mencionadas (casamento e união estável), as regras que lhe são aplicadas são exclusivamente sobre a filiação. A família monoparental não é dotada de estatuto jurídico próprio, com direitos e específicos, diferentemente do casamento e da união estável. As regras de direito de família que lhe são aplicáveis, enquanto composição singular de um dos pais e seus filhos, são as atinentes às relações de parentesco, principalmente de filiação e do exercício do poder familiar, que neste ponto são comuns às das demais entidades familiares (LÔBO,2017, p. 82). Mais é aqui onde a busca pessoal pelo sentimento de felicidade, de amor, de esperança pela pertença a um grupo familiar fica bastante claro, não é fruto de um fracasso pessoal de um relacionamento conjugal, mais na maioria das vezes é escolha pessoal que depende de muitas situações individualmente. Ainda assim, a maior concentração da família monoparental ainda é da mãe com os filhos. Essa entidade, é a mais sensível de todas, no sentido de fragilidade, pois aqui o peso de toda a responsabilidade de um lar recaí em apenas uma pessoa, o pai ou a mãe, que tem o dever de prover o seu sustento e do seu filho, como única fonte de rendimento. A proteção do Estado se dá principalmente nesse aspecto, por meios de políticas públicas, usando sempre a equidade, para que seja ponderada, pois não há em se falar das figuras paternas. 1.3 REPERSONALIZAÇÃO CONSTITUCIONAL DAS FAMILIAS NO BRASIL 26 Quando falamos em repersonalização, falamos de repensar conceitos que antes nos pareciam suficientes para determinar alguma coisa. Mas a sociedade muda constantemente refletindo nos seus valores, nos seus pensamentos e formas de agir. Não se pode deixar algo como imutável, pelo contrário, deve deixar aberto para as novas descobertas. Com o direito de família, em especial, as entidades familiares, não poderia ser diferente, pois é constantemente a procura pela satisfação e realização pessoal através de laços afetivos, sendo um estado da minha liberdade de escolha e de pertença a grupos já existentes ou não. A família, ao converter-se em espaço de realização da afetividade humana, marca o deslocamento de suas antigas funções para o espaço preferencial de realização dos projetos existenciais das pessoas. Essas linhas de tendências enquadram-se no fenômeno jurídico-social denominado de repersonalização das relações civis, que valoriza o interessa da pessoa humana mais do que suas reações patrimoniais (LÔBO, 2017, p. 19). A questão para a escolha de uma entidade está nitidamente ligada a minha consciência , o ser “Para-si”, ou seja, a consciência que tenho do que venha a ser uma família, em detrimento do ser “Em-si”, que é o objeto, aquilo que está tipificado como sendo o exemplo de família, mas “ nem toda consciência é conhecimento ( há consciência afetivas, por exemplo), mas toda consciência cognoscente só pode ser conhecimento de seu objeto” (SARTRE, 2011, p. 22). Para Sartre, o ser humano é acometido por uma angústia, porque enquanto ser “Em-si”, um ser que tem identidade, que é o objeto no mundo, nós queremos ser idênticos a nós mesmos, ter essa identidade, mas somente nossa parte que é ser “Em-si”, ou seja, o nosso corpo que possui essa identidade, e a nossa consciência não. Enquanto consciência, nós não conseguimos essa identidade, daí não podemos fazer o movimento de ser consciência pura, pois consciência sem o corpo não existe. Não existe consciência que habite no nada. Ela precisa de um corpo para habitar. Quando não se encaixa nos modelos trazidos pela Constituição, não quer dizer que o grupo não possua status de família. O que entendemos como família, é a partir das experiências individuais de cada ser humano, são os laços feitos ao logo do tempo, onde o outro não tem necessidade de ser inferido analogicamente a partir de mim mesmo, pois estaria invadindo o campo da subjetividade, do meu ser como sujeito, me transformando em objeto do seu mundo. Pois o ser “Para-si” também é o ser “Para-outro”. 27 Para entendermos melhor esse ser para-outro, ou seja, a consciência que temos de algo e presumimos que seja a mesma das demais pessoas, tomamos o seguinte exemplo: Acabo de cometer um gesto desastrado ou vulgar: esse gesto gruda em mim, não o julgo nem o censuro, apenas o vivencio, realizo-o ao mundo do Para-si. Mas, de repente, levanto a cabeça: alguém estava ali e me viu. Constato subitamente toda a vulgaridade de meu gesto e sinto vergonha. Decerto, minha vergonha não é reflexiva, pois a presença do Outro à minha consciência, ainda que à maneira de um catalisador, é incompatível com a atitude reflexiva: no campo da minha reflexão, só posso encontrar a consciência que é minha. O Outro é o mediador indispensável entre mim e mim mesmo: sinto vergonha de mim tal como apareço ao Outro. E, pela aparição mesmo do Outro, estou em condições de formular sobre mim um juízo igual ao juízo sobre um objeto, pois é como objeto que apareço ao outro (SARTRE, 2011, p. 290). Em suma, quando o outro entra repentinamente no mundo da consciência alheia, a sua experiência momentânea se modifica, será visto como um elemento de um pensamento, projeto, entendimento que não é seu e não lhe pertence, que não se pode intervir ou questionar esse mundo pensado por uma pessoa totalmente diferente do eu. E ir contra esse pensamento “é a recusada coisificação ou reificação da pessoa, para ressaltar sua dignidade” (LÔBO, 2017, p. 20). Devemos encarar o que foi exposta na lei como uma direção a seguir, como sendo um ponto de partida e não de chegada, é garantir o princípio da dignidade humana, respeitando a opção de cada indivíduo de fazer parte de outras relações familiares, a partir da vivência e convivência, e não o jurista vendo como um abstrato sujeito de relações jurídicas. É justamente quando aparece o outro com imposições que o conflito começa, onde meu estado atual depende do outro. Eu quis dizer “o inferno são os outros”. Mas “o inferno são os outros” foi sempre mal compreendido. Acreditaram que eu queria dizer com isso que nossas relações com os outros estavam sempre envenenadas, que eram sempre relações infernais. É outra coisa que eu quero dizer. Quero dizer que, se as relações com os outros são torcidas, viciadas, então o outro só pode ser o inferno. Por quê? Porque os outros são, na verdade, o que existe de mais importante em nós mesmos, para o nosso próprio conhecimento de nós mesmos. Quando pensamos sobre nós mesmos, quando tentamos nos conhecer, no fundo usamos o conhecimento que os outros já têm de nós, nós nos julgamos com os meios outros tem, que eles nos deram para nos julgar. O que eu digo sobre mim sempre tem o julgamento dos outros no meio. O que eu sinto de mim, o julgamento dos outros está no meio. [...]Isso só marca a importância capital de todos os outros para cada um de nós (SARTRE, 1973, pags. 282-283). 28 Por todas essas transformações a cerca das entidades familiares, não se pode deixar em conceito singular sem reconhecimento a pluralidade de famílias, que é uma extensão da liberdade de constituir família, onde essas são baseadas de acordo com as relações privadas, e devem ter as mesmas considerações do Estado, que as demais, visto que “ a família atual é apenas compreensível como espaço de realização pessoal afetiva [...], a repersonalização de suas relações empodera as entidades familiares, sem seus variados tipos ou arranjos” (LÔBO, 2017, p. 23). Agora a família tem como base o afeto nas suas relações, onde nem sempre será ligada apenas por laços consanguíneos, mais principalmente pelos afetivos. Pois não se pode conceituar família como apenas sendo o casamento, a união estável e a família monoparental. Há outras formas que vão muito além dessa estrutura ao qual jamais imaginaríamos que poderiam chegar a serem formadas. A repersonalização, posta nesses termos, não significa um retorno ao vago humanismo da fase liberal, ao individualismo, mas é a afirmação da finalidade mais relevante da família: a realização da afetividade pela pessoa no grupo familiar; no humanismo que só se constrói na solidariedade – no viver com o outro (LÔBO, 2017, p. 24). Essa repersonalização não seria voltar ao individualismo e tampouco ao estado total de liberalismo, pois viraria completa bagunça, mais reconhecer que a afetividade entre as pessoas do grupo familiar, se constrói na vivência e no respeito, e merecerem garantias constitucionais e igualdade perante as demais. Por falar em liberalismo, devemos esclarecer sobre o que seria, e também sobre o conceito de republicanismo, onde é bastante importante para entendermos o atual direito que regulariza as relações entre os indivíduos, seja de forma privada ou pública, onde essas concepções veio de um longo processo de democracia. No conceito liberal, o Estado é tido como um mero administrador da sociedade, onde por meio da política, exercendo seu direito de cidadão, impõe aos seus representantes seus interesses privados, pessoais perante o Estado, afim de ter seus direitos coletivos garantidos, tem como função de mediação entre os seus interesses sociais e o governo. Já se tratando do conceito republicano, a política não teria esse fim de conciliação, pois vem através de uma construção social, é um estado de reflexão ética, onde os indivíduos são reciprocamente dependentes uns dos outros, e ao reconhecer esse estado em que se encontram, transformam-se em grupos de direitos livres e igualitários. 29 Segundo a concepção liberal o processo democrático cumpre a tarefa de programar o Estado no interesse da sociedade, entendendo-se o Estado como aparato de administração pública e a sociedade como o sistema, estruturado em termos de uma economia de mercado, de relações entre pessoas privadas e do seu trabalho social. A política (no sentido de formação política da vontade dos cidadãos) tem a função de agregar e impor os interesses sociais privados perante um aparato estatal especializado no emprego administrativo do poder político para garantir fins coletivos. Segundo a concepção republicana a política não se esgota nessa função de mediação. Ela é um elemento constitutivo do processo de formação da sociedade como um todo [...] Ela constitui o meio em que os membros de comunidades solidárias, de caráter mais ou menos natural, se dão conta de sua dependência recíproca, e, com vontade e consciência, levam adiante essas relações de reconhecimento recíproco em que se encontram, transformando-as em uma associação de portadores de direitos livres e iguais (HABERMAS, 1991, p. 40). Surge então mudanças neste Estado Liberal no direito, onde é nítido que dessas relações subjetivas e privadas existe a solidariedade como parte de integração social desses indivíduos, que advém da jurisdição do Estado, junto com uma hierarquização de uma regulamentação administrativas, de forma descentralizada, como orientação e busca pelo bem comum, como sendo a base dessa integração social, e do interesse individual. Com isso, a arquitetônica liberal do Estado e da sociedade sofre uma mudança importante: junto à instância de regulação hierárquica representada pela jurisdição do Estado, e junto à instância de regulação descentralizada representada pelo mercado (junto, portanto, ao poder administrativo e ao interesse próprio individual) surge a solidariedade e a orientação pelo bem comum como uma terceira fonte de integração social (HABERMAS, 1991, p. 40). Já para o Estado Republicano, essas relações giram em torno da comunicação entre o poder administrativo da sociedade, ou seja, o Estado, e entre a vontade política, para garantir a autonomia dos cidadãos, de suas vontades e escolhas. Funcionam como uma infraestrutura política e pública. Na concepção republicana o espaço público e político e a sociedade civil como sua infraestrutura assumem um significado estratégico. Eles têm a função de garantir a força integradora e a autonomia da prática de entendimento entre os cidadãos. A esse desacoplamento entre comunicação política e sociedade econômica corresponde um reacoplamento entre o poder administrativo e o poder comunicativo que emana da formação da opinião e da vontade política (HABERMAS, 1991, p. 40). 30 Mas, o que vem a ser cidadão nessas duas concepções políticas? No Estado Liberal, o cidadão tem sua definição atrelado aos seus direitos e escolhas subjetivas diante da figura do Estado e dos demais indivíduos que compõem a sociedade. São garantidores da proteção do Estado desses seus direitos subjetivos, na medida em que interferem nos seus interesses particulares e privados, dentro dos limites que a lei estabelece. De acordo com a concepção liberal, o status dos cidadãos define-se pelos direitos subjetivos que eles têm diante do Estado e dos demais cidadãos. Na condição de portadores de direitos subjetivos os cidadãos gozam da proteção do Estado na medida em que se empenham em prol de seus interesses privados dentro dos limites estabelecidos pelas leis. Os direitos subjetivos são direitos negativos que garantem um âmbito de escolha dentro do qual os cidadãos estão livres de coações externas. Os direitos políticos têm a mesma estrutura. Eles dão aos cidadãos a possibilidade de fazer valer seus interesses privados, ao permitir que esses interesses possam agregar-se (por meio de eleições e da composição do parlamento e do governo) com outros interesses privados até que se forme uma vontade política capaz de exercer uma efetiva influência sobre a administração. Dessa forma os cidadãos, em seu papel de integrantes da vida política, podem controlar em que medida o poder do Estado se exerce no interesse deles próprios como pessoas privadas (HABERMAS, 1991, ps. 40-41). Porém, esses direitos subjetivos não são vistos de forma positiva, pois o cidadão é livre de qualquer coação externa que seja, isso se iguala aos seus poderes políticos, onde estes cidadãos fazem por valer seus interesses pessoais, através da composição do Governo por meio de seus parlamentares. No Estado Republicano, o indivíduo não faz uso de suas liberdades negativas, ou seja, do uso de suas liberdades apenas como pessoas privadas. Como cidadãos tem suas liberdades positivadas, derivadas dos direitos de participação e comunicações políticas. Não há coações externas por parte do Estado, há sim uma participação por meio do seu exercício como cidadão, onde se convertem com pessoas livres e iguais. Conforme a concepção republicana, o status de cidadão é definido por esse critério de liberdades negativas das quais só se pode fazer uso como pessoaprivada. Os direitos da cidadania, entre os quais se sobressaem os direitos de participação e de comunicação política, são melhor entendidos como liberdades positivas. Eles não garantem a liberdade de coações externas, mas sim a participação em uma prática comum, cujo exercício é o que permite aos cidadãos se converterem no que querem ser: autores políticos responsáveis de uma comunidade de pessoas livres e iguais (HABERMAS, 1991, p. 41). Com isso, percebemos que o que rege os indivíduos de uma sociedade é a comunicação onde se discute o exercício de seus direitos individuais e privados e de suas 31 liberdades frente ao processo político, pois já são detentoras de prévia autonomia. Também não compõe um processo de articulação envolvendo o Estado e a sociedade, já que a mera administração não é um poder originário. Esse poder na realidade provem do poder comunicativamente gerando na prática autodeterminação dos cidadãos e se legitima na medida em que protege essa prática por meio da institucionalização da liberdade pública. A justificação da existência do Estado não se encontra primariamente na proteção de direitos subjetivos privados iguais, mas sim na garanti de um processo inclusivo de formação da opinião e da vontade políticas em que cidadãos livres e iguais se entendem a cerca de que fins e normas correspondem ao interesse comum de todos (HABERMAS, 1991, p. 41). Desta forma, o ponto caracterizador de um Estado Republicano está na comunicação entre o Estado e a sociedade, ao qual o indivíduo partilha seus anseios, vontades, de forma direta ou indiretamente aos seus governantes para uma melhor solução de seus conflitos afim de que as normas seja alcançada e compreendida por todos, seja na esfera privada ou pública. Sendo assim, não há aqui uma defesa para um Estado Liberal, com conceitos tão distorcidos entre os indivíduos com seus desejos e vontades subjetivas apenas e vendo o Estado como mero administrador dessas relações; mas sim, de uma maior comunicabilidade em conjunto de ambos (Estado e sociedade) mais uma maior alcançabilidade da lei, afim de garantir a todos os seus direitos, principalmente de escolha familiar, de convivência e da busca pela sua realização pessoal. 2. O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE COMO FUNDAMENTO DA LIBERDADE DE ESCOLHA FAMILIAR O ser humano não se limita a qualquer convenção social, visto que, sua condição está fadada à liberdade, neste sentido, toda e qualquer escolha haverá de se basear no seu livre arbítrio, por isso que, se tratando da busca pela felicidade, pode-se afirmar que a família é fundamento para alcançar este objetivo. Partindo do pressuposto de que o ser humano é capaz de escolher e constituir família, aparentemente qualquer enunciado ou tentativa de enumerar os limites de modelos familiares, poderá gerar empecilhos pra sua realização. 32 Ocorre que, faz parte da dignidade humana, cada um seguir os caminhos para sua realização plena, isso implica dizer que cabe ao indivíduo buscar o meio mais apropriado para isso, daí entra os princípios base das relações, o da liberdade e o da afetividade. 2.1 A LIBERDADE EM SARTRE Para Sartre (2011), o ser humano está paradoxalmente condenado à liberdade, nem mesmo uma essência que o define existe, então ele se faz constantemente por suas escolhas. Somos condenados porque somos seres de escolhas contínuas. Não há essência que humana, portanto, não há natureza humana. Há a condição humana, onde serão nossas escolhas que irão nos definir. O ser sujeito sempre terá que construir sua existência, pois não há uma essência. Ele não é, ele sempre está. Por isso, sempre será condicionado a algo, está em condição a algo em uma condição. Por exemplo, não sou aluna, mais eu estou na condição de aluna. São nossas escolhas contínuas que irá nos definindo, sempre estaremos condicionados a algo para escolher. Somos livres e responsáveis por tudo que está à sua volta. Segundo o autor, nossas escolhas são direcionadas e engajadas por aquilo que nos aparenta ser o bem, e assim tendo consciência de si mesmo. Em outras palavras, para o autor o homem é um ser que “projeta tornar-se Deus”. Se a vida não tem, a priori, um sentido determinado, não podemos evitar de criar o sentido da nossa própria vida. Assim, a vida nos abriga a escolher entre vários caminhos possíveis, mas nada nos obriga a escolher uma coisa ou outra. Dentro dessa perspectiva, recorrer a uma suposta ordem divina representa apenas uma incapacidade de arcar com as próprias responsabilidades. Ademais não é a sociedade que nos define, que define nossa conduta ou o que somos por completo, somos o que queremos ser, e sempre poderemos mudar o que somos. Os valores morais não são limites para a liberdade, pois não somos, afinal, livres para não sermos livres. A liberdade dá o homem o poder de escolha, mas está sujeita às limitações do próprio homem. Essa autonomia de escolha é limitada pelas capacidades físicas do ser. Para Sartre, essas limitações não diminui a liberdade, pelo contrário, são elas que tornam essa liberdade possível, porque determinam nossas possibilidades de escolha e impõem, na verdade, uma liberdade de eleição da qual não podemos fugir. 33 Assim sendo, parece plausível refletir sobre o conceito de liberdade de escolha em vista da realização pessoal e familiar, uma vez mais, desprotegidos pela guarida estatal. Certamente, eu não poderia descrever uma liberdade que fosse comum ao Outro e a mim; não poderia, pois, considerar uma essência da liberdade. Ao contrário, a liberdade é fundamento de todas as essências, posto que o homem desvela as essências intramundanas ao transcender o mundo rumo às suas possibilidades próprias. Mas, se trata, de fato, de minha liberdade (SARTRE, 2011, p. 542). Assim, o homem é homem pela condição de ser livre. O homem faz-se afirmando suas escolhas livres, e assim, o homem é produto de sua liberdade, pois é na ação livre que o homem escolhe seu ser, que se constrói enquanto sujeito. Então, toda ação, escolha, objetivo ou condição de vida são produtos da liberdade humana. Dessa forma, a liberdade deixa de ser uma conquista humana, para, segundo Sartre, ser uma condição de existência humana, a qual revela o ser na subjetividade, assim diz nosso referencial: Com efeito, sou um existente que aprende a sua liberdade através de seus atos; mas sou também um existente cuja existência individual e única se temporaliza como liberdade [...] assim, minha liberdade está perpetuamente em questão em meu ser; não se trata de uma qualidade sobreposta ou uma propriedade de minha natureza; é bem precisamente a textura de meu ser (SARTRE, 2011, ps. 542-543). Para o autor, o homem se ver na condição de sempre escolher, já que possui consciência, uma vez que se trata da abertura para o mundo, isto é, abertura do “Em-si” em vista do “Para-si”, a qual gera intencionalidade das ações praticadas, pois a liberdade é condicional trazendo intrinsecamente a responsabilidade do seu destino. O homem é livre porque não é si mesmo, mas presença a si. O ser que é o que é não poderia ser livre. A liberdade é precisamente nada que é tendo sido no âmago do homem e obriga a realidade humana a fazer-se em vez de ser. Como vimos, para a realidade-humana, ser é escolher (SARTRE, 2011, p. 545). Ao ser-escolhendo, o homem representa a opção que considera ideal para si mesmo, dessa forma torna-se responsável por suas deliberações, visto que a sua condição humana de liberdade determina seu ser na mais profunda ideia de esvaziamento, pois sem este jamais seria autônomo nas suas prerrogativas, e por tanto, não seria capaz de reinventar-se, uma vez que, “está inteiramente abandonado, sem qualquer ajuda de 34 nenhuma espécie, a insustentável necessidade de fazer-se até o mínimo detalhe. Assim,a liberdade não é um ser: é o ser do homem, o seja, ser nada do ser (SARTRE, 2011, p. 545). Sabendo que a liberdade é condição indelegável do ser, há de se considerar que tudo ou nada, terá como pressuposto a escolha, que é inevitável, já que faz parte do ente escolher, sendo jamais cabível a possibilidade de inércia de consciência, no intuito de atingir a sua liberdade constante, isto é, escolher sempre, já que há uma condição que o faz ser livre para a liberdade. É nesse sentido que fazendo o uso da sua natureza livre, que o mesmo se depara como possíveis restrições quando o Estado se apropria de uma função de determinar modelos de liberdade a serem seguidos, isso não pode ser na concepção de Sartre (2011) se não uma limitação daquilo que é ilimitado, ou seja, a liberdade é transcendente, logo não pode ser aprisionada por modelos ou protótipos externos ao ser. Em se tratando da escolha e, do caráter de escolher, que engloba todas as esferas de ser, é que o direito brasileiro ao estipular três modelos específicos sobre família, sendo casamento, união estável e família monoparental, causa uma grande fissura na liberdade humana. Partindo da ideia, de que cada um pode escolher o seu estado de família, não se poderia jamais pensar em convivência familiar quando lhe é negado o direito de escolher como, com quem e, quando esta se constituirá, visto que, é pautada na essência da liberalidade, fundada, pois, no afeto, o que inviabiliza qualquer ação ou indução externa à vontade do ente que se propõe a fazer sua ou suas escolhas. Todas as vezes que o Estado intervir na esfera da liberdade da existência do ser, certamente haverá de gerar uma negação de sua essência, pois, a conclusão inequívoca dessa interferência é que “já não vemos mais porque reservar autonomia para a vontade” (SARTRE, 2011, p. 547), sendo assim, fere de morte a liberdade humana, como fundamento das escolhas. Assim como entende nosso filósofo, a sentença final é que há uma determinação da natureza que eleva o ser humano à sua condição máxima de liberdade, não podendo ele jamais, não ser livre, pois, se porventura, na mais irracional ilusão pensar em não ser 35 livre, naturalmente, que já está sendo livre4, por isso que não é o Estado ou outra convenção social qualquer que impedirá esta liberdade. Este círculo contínuo de escolhas gera uma angústia por parte do ser como sendo ser subjetivo, pois está a todo tempo tendo que escolher entre algo ou outro que para o próximo possa fazer sentido, mas que para aquele que está na situação de escolha ao qual não se vê pertencente a nenhuma delas gera um desconforto, um desanimo, por está sendo limitado a todo tempo e tendo que seguir um padrão ou uma visão de alguém que está escolhendo por si e por todos os outros, e determinando quem deve ser, e como deve agir5. Cada ser humano é dotado se ações que acontecem intencionalmente ao decorrer da convivência e da vivência, age intencionalmente porque é livre para isso, onde de qualquer forma o indivíduo está fadado a esse círculo contínuo de ações e escolhas racionais, onde para Sartre, “ não há como recusar a escolha, porque a fuga dessa opção já constitui uma escolha [...], a escolha é possível num sentido, mas o que não é possível é não escolher” (SILVA, 2013 p. 95). Para a filosofia sartreana, a consciência e a ação intencional andam juntas, são dependentes. Descrever a consciência é descrever a liberdade, pois ela não está presa a um objeto ou coisa semelhante. A consciência é livre para formar suas concepções e para tomar suas decisões de acordo com a subjetividade de cada um. O conceito de ato, com efeito, contém numerosas noções subordinadas que devemos organizar e hierarquizar: agir é modificar a figura do mundo, é dispor de meios com vistas a um fim, é produzir um complexo instrumental e organizado de tal ordem que, por uma série de encadeamentos e conexões, a modificação efetuada em um dos elos acarrete modificações em toda serie e, para finalizar, produza um resultado previsto. Mas ainda não é isso que nos importa. Com efeito, convém observar, antes de tudo, uma ação é por princípio intencional. (SARTRE, 2011, p. 536) Essa liberdade do ser humano, se permite nadificar, pois não possui essência, onde nadificar para Sartre (2011) é eliminar ou deixar de lado as infinitas possibilidades que, em decorrência de uma opção livre, deixam de corresponder a um projeto ou intenção da 4 Nesse sentido, Sartre entende que o homem está condenado a ser livre, carrega nos ombros o peso do mundo inteiro: é responsável pelo mundo e por si mesmo enquanto maneira de ser. (cf. SARTRE, 2015, p. 678) 5 A concepção de liberdade em Sartre, expõe que: ao escolher, o homem representa a opção que considera ideal para toda a humanidade. Dessa forma, a sua liberdade o une a sociedade, tornando-o responsável, porque escolhe o tipo de homem que deseja ser, e também, como os demais devem ser. Logo, as escolhas do homem sartreano provocam o sentimento de responsabilidade, o que traz angústia ao perceber que é responsável por si, e na mesma medida, por todo o mundo. (cf. SILVA, 2013, ps.94-95). 36 consciência. A liberdade então não é meramente um atributo, mas a liberdade é o próprio homem, o ser. Em Sartre, a liberdade é precisamente o Ser na consciência: nela, o ser humano é o seu próprio passado – bem como o seu devir – sob a forma de nadificação. Sendo consciência de Ser (liberdade), há para o ser humano um determinado modo de situar-se frente ao passado e ao futuro como sendo e não sendo ambos ao mesmo tempo. A liberdade humana, da perspectiva sartreana, é a escolha irremediável de certos possíveis: o homem não é, mas faz-se ser. Não há futuro previsível e nem ao menos algumas cartas marcas de antemão. Há, isso sim, movimento através o qual o Ser do homem faz-se isso ou aquilo – escolhas que, por seu turno, serão feitas a partir de certas situações, jamais encerradas em algum tipo de determinismo. (YAZBEK, 2005, p. 142 apud SILVA, 2013 p.96) Ainda sob essa perspectiva, a consciência do homem e moldada e faz-se a partir das escolhas, pois a consciência é fundamentada de um vazio que vai tomando forma e se materializando com o passar do tempo, assim a ação é fruto da liberdade de escolha do ser. A realidade-humana é livre porque não é o bastante, porque está perpetuamente desprendida de si mesmo, e porque aquilo que foi está separado por um nada daquilo que que será. E por fim, porque seu próprio presente é nadificação na forma de “reflexo-refletidor” (SARTRE, 2011, p. 545). Como já observado, Sartre (2011) utiliza-se das expressões do ser “Em-si” e “Para-si” para explicar as conexões entre o objeto e a consciência, respectivamente, onde o objeto é o ser, e a consciência é o nada. A consciência não é um “Em-si”, a consciência é consciência de alguma coisa, nesse sentido, o “Para-si” é o que não é e não é o que é. [...] Por causa da transcendência, o Para-Si não é o que é, pois se coloca a distância de si enquanto Ser, pelo recuo nadificador. Mas, por causa da facticidade, o Para-Si também é o que não é, ou seja, tem de ser esse Ser que não é: embora me coloque à distância do ser que sou, tenho de ser este Ser com o qual não coincido inteiramente. Não posso escolher-me Nada de outro Ser. (PERDIGÃO, 1995, ps. 49-50 apud SILVA, 2013, p.99) Dessa forma, “A realidade humana é sofredora em seu ser, porque surge no ser como perpetuamente impregnada por uma totalidade de ela é sem poder sê-la, já que, precisamente, não poderia alcançar o “Em-si” sem perde-se como “Para-Si” (SARTRE, 2011, p. 141). 37 Tal liberdade é tão essencial nas relações e comportamentos humanos, que sua percepção é acolhida por outros autores, a exemplo, Lôbo (2017) , para justificar
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