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SUMÁRIO 1. Definição ....................................................................... 3 2. Fisiopatologia .............................................................. 3 3. Investigação diagnóstica da icterícia .................. 7 4. Etiologia ......................................................................11 5. Tratamento .................................................................18 Referências Bibliográficas ........................................24 3ICTERÍCIA NEONATAL 1. DEFINIÇÃO A icterícia neonatal é um problema muito frequente no período neonatal de modo que, cerca de 1/3 a 2/3 dos recém-nascidos (RN) apresentam tal sinal clínico na primeira semana de vida. Tal icterícia nada mais é do que a expressão clínica do aumento da concentração sérica da bilirrubi- na indireta (BI) > 1,3-1,5mg/dL ou bilirrubina direta (BD) > 1,5mg/dL desde que tal valor seja > 10% da bilirrubina total (BT). Cerca de 60% dos RN a termo e 80% dos pré-termo tornam-se ictéricos na 1ª semana de vida. Aqui trataremos, sobretudo, da hiperbilirrubinemia in- direta a qual é mais frequente, uma vez que 98% dos RN apresentam ní- veis séricos de BI > 1mg/dL e, como vimos na aula de Dra. Nathalia, tal bilirrubina por ser lipossolúvel pode chegar facilmente ao sistema nervo- so central (SNC) o que lesa o tecido cerebral instalando o quadro de ence- falopatia bilirrubínica que trataremos com mais detalhes a seguir. Além disso, é possível falar em icte- rícia precoce que acontece antes das primeiras 24h de vida que está mais associada ao que se denomina “icterícia patológica” e a tardia que ocorre após as 24h chamada tam- bém de “icterícia fisiológica”, pois, como veremos a hiperbilirrubinemia indireta muitas vezes resulta de uma adaptação neonatal ao metabolismo da bilirrubina. Outro termo que é importante apro- priar-se antes de avançarmos é o de hiperbilirrubinemia significativa que representa valores de BT > 20-25 mg/dL. Porém, valores de BT > 12mg/ dL em RN com icterícia precoce já alerta para a necessidade de uma investigação etiológica e dos fato- res de risco para hiperbilirrubinemia significativa. CONCEITO! Hiperbilirrubinemia é o aumento da concentração sérica de bilirrubina indireta (BI) indireta (BI) > 1,3-1,5mg/dL ou bilirrubina direta (BD) > 1,5mg/dL desde que tal valor seja > 10% da bilirrubina total (BT). A icterí- cia neonatal é o sinal clínico decorrente desde aumento. 2. FISIOPATOLOGIA Para melhor compreender a hiperbilir- rubinemia indireta do RN, bem como as respectivas etiologias responsá- veis pela icterícia nos mesmos, é fun- damental compreender como ocorre o metabolismo da bilirrubina. A bilirrubina é um pigmento que deri- va do heme (originário da hemoglobi- na dos eritrócitos) e, nos RN mais do que nos adultos, provém também de outros heme que não tem origem na hemoglobina como os que compõem a catalase, mioglobina e citocromos. Com isso, o metabolismo da bilirrubina 4ICTERÍCIA NEONATAL pode ser dividido em: captação, ar- mazenamento, conjugação e secre- ção hepática. Com a ruptura das hemácias e libe- ração da hemoglobina, esta é cap- tada por macrófagos que a transfor- mam em biliverdina, monóxido de carbono e ferro. A biliverdina ao ser convertida em bilirrubina livre pela biliverdina-redutase passa a ser libe- rada gradualmente dos macrófagos para o plasma, tal molécula é lipos- solúvel, e como dito anteriormente, atravessa facilmente a barreira he- matoencefálica. Para ser transpor- tada no plasma esta bilirrubina li- ga-se à albumina, sendo chamada também de bilirrubina não conjugada ou indireta. Ao chegar ao fígado, a mesma é captada por proteí- nas chamadas ligandinas até os hepatócitos onde em seguida são levadas ao retículo endoplasmático no qual são conjugadas pela ação da enzima UDP glicu- roniltransferase formando então um composto polar e hidrossolúvel que é a bilirru- bina direta ou conjugada. A excreção desta ocorre através do polo biliar dos hepatócitos para então chegar ao intestino onde é desconjugada pela ação das glicuronidases bacterianas para formar o urobilinogênio que é excretado nas fezes, pequena porção é eliminada pela urina e, outra parte, volta para o fígado pelo siste- ma porta, constituindo o ciclo enter- ro-hepático da bilirrubina. 5ICTERÍCIA NEONATAL MACRÓFAGOS Biliverdina redutase + ALBUMINA LIGANDINAS PLASMA CAPTAÇÃO CONJUGAÇÃO DESCONJUGAÇÃO Glicuronidases bacterianas CICLO ENTERO- HEPÁTICO UDP Glicuroniltransferase MONÓXIDO CARBONO BILIRRUBINA BILIRRUBINA INDIRETA BILIRRUBINA DIRETA INTESTINO UROBILINOGÊNIO HEPATÓCITOS FERRO BILIVERDINA FEZES URINA FISIOPATOLOGIA DA ICTERÍCIA. HEMOGLOBINA 6ICTERÍCIA NEONATAL No RN tanto a captação quanto a conjugação mostram-se ineficien- tes devido à imaturidade da ação tanto das ligandinas como da UDP glicuroniltransferase, a qual só atin- ge níveis similares aos do adulto entre a 6ª e 14ª semana de vida. Inclusive, a quantidade desta enzima aumenta quanto mais aumenta a maturidade fetal, o que faz com que após 40 se- manas de idade gestacional seu valor seja 10 vezes maior do que em fetos com idades mais precoces. Além dis- so, a maior concentração de hemoglo- bina e menor meia vida dos eritrócitos leva o RN a ter uma quantidade de bilirrubina duas vezes maior que a do adulto. Outro fator que contri- bui para a maior quantidade de BI no neonato diz respeito ao aumento da circulação enterro-hepática decor- rente de um trato gastrointestinal es- téril, ou seja, com menor quantidade de glicuronidases bacterianas e tam- bém, devido a maior quantidade de beta-glicuronidase presente no leite materno. SAIBA MAIS! RN com peso ao nascer de 2.000 a 2.500 g e/ou idade gestacional entre 35 e 38 semanas apresentam risco aumentado de hiperbilirrubinemia. Os pacientes de 35, 36, 37 e 38 sema- nas têm, respectivamente, 10, 8, 6 e 4 vezes o risco de desenvolver BT superior a 25 mg/dL quando comparados ao risco dos RN de 40 semanas. Fonte: Newman TB et al. Prediction and prevention of extreme neonatal hyperbilirubinemia in a mature health maintenance organization. Arch Pediatr Adolesc Med 2000; 154: 1140-7. Logo, o nível de bilirrubina sérica nos neonatos é dependente da interação entre os mecanismos de produção- -captação-conjugação-excreção e circulação entero-hepática no mesmo de modo que, mesmo em se tratando de doenças hemolíticas onde há pro- dução aumentada é possível também que ocorra de modo concomitante al- terações em outros pontos do meta- bolismo. CONCEITO! O RN é mais suscetível a maior carga de bilirrubina, sobretudo, a fração indireta devido a: maior volume eritrocitário, menor meia-vida das hemá- cias, menor capacidade de conjugação e captação por imaturidade das enzimas que participam do metabolismo hepáti- co e aumento da circulação enterro-he- pática por esterilidade do TGI e aumento das beta-glicuronidases adquiridas no leite materno. 7ICTERÍCIA NEONATAL FATORES NO RN QUE CONTRIBUEM PARA HIPERBILIRRUBINEMIA. MAIOR QUANTIDADE DE GLICURONIDASE NO LEITE MATERNO TRATO GASTROINTESTINAL ESTÉRIL IMATURIDADE HEPÁTICA 2X MAIS BILIRRUBINA MENOR MEIA-VIDA DOS ERITRÓCITOS 3. INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA DA ICTERÍCIA A icterícia neonatal apresen- ta progressão cefalocaudal sendo possível avalia-la por meio das zonas de Kramer em que áreas ictéricas do corpo do neonato, avaliadas sob luz natural, são correla- cionadas com valores médios de bilirrubina: 8ICTERÍCIA NEONATAL Figura 1. Zonas de Kramer (Fonte: https://fisioterapiafacil0.wixsite.com/fisioterapiafacil/single-post/ 2017/12/01/ICTERICIA-VOCE-CONHECE-A-CLASSIFICA%C3%87%C3%83O ). No entanto, a avaliação por meio das zonas de Kramer não permite predizer a gravidade da elevação dos níveis de bilirrubina, assim como a análise pode variar muito a depender do tom de pele do RN. Com isso, têm sido desenvol- vidos mecanismos de avaliar os níveis de BT de modo nãoinvasivo como é o caso das medidas de bilirrubina transcutânea. Apesar de possuir o benefício de realizar uma boa verifi- cação da BT independente da etnia, tal técnica ainda é muito onerosa para o sistema de saúde e, alguns estudos mostram que valores de BT > 13-15 mg/dL devem ser investigados por meio de bilirrubina sérica. SAIBA MAIS! Ao lançar mão da semiologia, o diagnóstico clínico de hiperbilirrubinemia costuma ser feito com avaliação quantitativa da icterícia ao avaliar pele e mucosas por meio de cruzes (++++). O local mais adequado para fazer essa análise é sob iluminação natural para melhor visualizar o frênulo da língua e a esclera, locais onde costuma ser mais intensa a deposição de bilirru- bina. Uma icterícia leve é perceptível nessas regiões, de modo que uma mucosa com icterícia onde há pouca alteração em relação a condição normal é classificada como +/IV, e quanto mais intensa for a icterícia mais cruzes então se utiliza na classificação. Tal método de análi- se, assim como as zonas de Kramer possui limitações para realizar devida correlação com os níveis de BT. E ainda, vale ressaltar que por serem formas clínicas diferentes para análise (uma relativa à intensidade e outra à progressão cefalocaudal), as mesmas podem estar presentes ao mesmo tempo no RN, uma vez que, por exemplo, um paciente pode ter uma icterícia +/IV e ao mesmo tempo uma zona I de Kramer (Fonte: MORO, et al. Avaliação clínica da icterícia: correlação com níveis séricos de bilirrubina. Arquivos Catarinenses de Medicina V. 33. n 16 o. 4 de 2004). 9ICTERÍCIA NEONATAL Outra forma de avaliar os valores de bilirrubina é pelo método invasivo de coleta por meio do sangue do RN. Deste modo pode-se prever quais RN têm risco de desenvolver valores elevados na 1ª semana de vida. Para avaliação deste risco um nomogra- ma, conhecido como Nomograma de Buthani, foi construído baseados nos percentis 40, 75 e 95 com os valores de BT séricas colhidas do RN. Figura 2. Nomograma com os percentis 40, 75 e 95 de BT sérica segundo a idade pós-natal em horas, em RN ≥35 semanas e peso ao nascer ≥2.000 g. Logo, qualquer RN ictérico com ida- de gestacional (IG) ≥ 35 semanas é necessário determinar o risco (míni- mo, intermediário ou maior) de de- senvolver hiperbilirrubinemia signi- ficativa, ou seja, BT > 25mg/dL. Esta avaliação deve ser feita antes da alta na maternidade, bem como no período máximo de 72h após a mesma. Em alguns casos, conforme veremos a seguir, faz-se necessária a investi- gação de doença hemolítica do RN, portanto, a solicitação de hemograma, tipagem sanguínea ABO, Rh (antí- geno D), antígenos eritrocitários ir- regulares, Coombs direto/indireto e eluato deve ser realizada. Para isto, é importante lembrar o que cada um desses exames vai analisar. Em mães Rh negativo, que como veremos a se- guir podem criar anticorpos IgG an- ti-D contra hemácias do RN Rh po- sitivo causando a doença hemolítica perinatal. O teste de Coombs indi- reto permite analisar se há anti- corpos anti-D no plasma materno, 10ICTERÍCIA NEONATAL Figura 3. Teste de Coombs (Fonte: https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/carga20180626/25162621-rotina-mater- no-fetal-em-imunhematologia-lais-garcia-hospital-de-clinicas-de-porto-alegre.pdf) enquanto o Coombs direto avalia a presença ou não de anticorpos ma- ternos anti-D nas hemácias do ne- onato. No caso de doença hemolítica por incompatibilidade ABO pode ser realizado também o teste do eluato por congelamento no qual é retirado os anticorpos presos nas hemácias e expõe estes a hemácias ABO se apresenta com uma maior sensibili- dade para detectar anticorpos ABO presentes nas hemácias dos RN. 11ICTERÍCIA NEONATAL SAIBA MAIS: Diante de um RN ictérico por mais de 2 semanas associado às fezes amarela clara ou branca, deve-se pensar no diagnóstico de Atresia Biliar. Esta doença rara afeta os RN no 1º mês de vida que resulta da obstrução das vias biliares, impedindo a bile de sair do fígado. Se não for logo diagnóstica e tratada pode levar à morte da criança aos 2 anos de idade de- corrente do dano intenso e cicatrização do fígado. Uma forma de detectar precocemente é pedir aos pais para que fiquem atentos a cor das fezes do RN diariamente dentro do 1º mês de vida. Para isto, pode-se apresentar o cartão abaixo com diversas colorações das fezes e pedir para que os pais, aos perceberem fezes de coloração anormal (número de 1 ao 6) levem imediatamente o RN para um serviço de saúde para que se proceda com a in- vestigação (Fonte: PerinatalServicesBC. Disponível em: http://www.perinatalservicesbc.ca/ Documents/Screening/BiliaryAtresia/StoolColourCard_Portuguese.pdf). Abaixo o cartão: 4. ETIOLOGIA Diante de um quadro de icterícia em um neonato é preciso raciocinar quais possíveis etiologias relacionadas a depender do momento em que sur- ge essa icterícia, a quão significativa é a hiperbilirrubinemia indireta, outros sinais e sintomas associados, etc. No entanto, de antemão pode-se elencar possibilidades etiológicas para icterí- cia no RN: 12ICTERÍCIA NEONATAL ETIOLOGIA DA ICTERÍCIA Síndrome Crigler-Najjar tipo 1 e 2 Hipotireoidismo congênito Síndrome Gilbert HEMÓLISE COLEÇÃO SANGUÍNEA POLICITEMIA CIRCULÇÃO ENTERO-HEPÁTICA Icterícia pelo leite materno SOBRECARGA AO HEPATÓCITO DEFICIÊNCIA OU INIBIÇÃO DA CONJUGAÇÃO Jejum ou baixa ofertaRN PIGHemorragiasADQUIRIDASHEREDITÁRIAS Enzimáticas Incompatibilidade ABO, Rh e outros antígenos Infecções (bacterianas e virais) Transfusão Mãe com DMHematomas e equimoses Clampeamento tardio de cordão “Falta” de aleitamento materno 13ICTERÍCIA NEONATAL Fisiológica Como dito, a icterícia que ocorre após as 24h de vida costuma estar mais relacionada com aqueles mecanis- mos ligados à imaturidade dos hepa- tócitos e todos aqueles outros fatores que naturalmente contribuem para hiperbilirrubinemia e, consequente- mente a icterícia no RN. Tal icterícia nos RN a termo tem seu pico entre 3º-5º dia e desaparece até o 12º dia de vida, enquanto que nos pré-termo o pico é entre 5º-7º dia, desaparecen- do em geral no 14º dia. A avaliação por meio das zonas de Kramer permite estabelecer quanto está intensa a icterícia bem como sua correlação com os níveis de bilirru- bina. Porém, alguns fatores de risco estão associados a maiores níveis de bilirrubina e devem ser levados em consideração tais como: descendên- cia asiática, mãe com diabetes, hipó- xia, coleções sanguíneas, clampea- mento tardio de cordão. Falta do leite materno: Tal icterícia costuma acontecer na 1ª semana de vida associada a per- da de peso no 3º dia de vida 5% maior do que dos outros neonatos em aleitamento materno, decorren- te da ingestão inadequada do leite materno o que leva ao aumento da circulação enterro-hepática de bilir- rubina e, consequentemente, maior aporte desta para a circulação san- guínea. Isso pode acontecer tanto por uma dificuldade na sucção pelo RN, como pouca oferta do leite pela mãe, vale ressaltar que, esse contexto leva tanto a perda de peso quanto desi- dratação do neonato. A icterícia chegar a ser bastante in- tensa, assim como os níveis de bilir- rubina podem levar ao desenvolvi- mento da encefalopatia bilirrubínica, quadro clínico que será comentado com mais detalhes a seguir. SAIBA MAIS! A icterícia pela “falta” do aleitamento materno tem sido associada nos últimos anos a alta hospitalar antes das de 48h de vida. Com a finalidade de redução dos custos hospitalares tem sido criada a tendência de encurtar o tempo de internação hospitalar. No entanto, a maior parte dos RN que saem dos hospitais, está em aleitamento materno exclusivo, de modo que a reduzida oferta láctea e a desidratação a principal causa da hiperbilirrubinemia. Logo, acredita-se que internações precoces (antes das 48h de vida) afetam a habilidade da mãe de assimilar e processar as informações relativas a amamentação e cuidados com o filho, desfavorecendo a práticado aleitamento materno e contribuindo para a icterícia pela falta do aleitamento materno adequado. Fonte: TRATADO DE PEDIATRIA, 2010. 14ICTERÍCIA NEONATAL Síndrome da icterícia pelo leite materno Esta é descrita em 20-30% de todos os neonatos em aleitamento materno. Neste caso, diferente da etiologia ex- plicada acima, o leite materno passa a agir como modificador ambiental para genótipos que atuam tanto na captação, quanto na conjugação da bilirrubina elevando o risco em até 22 vezes de chegar a valores de BT > 20mg/dl. O quadro clínico difere do anterior, pois neste caso há uma icte- rícia persistente desde a 1ª semana de vida que se prolonga por 2-3 se- manas, mas o RN não chega a perder peso ou desidratar, ao contrário, está em bom estado geral e com ade- quado ganho pondero-estrutural. O diagnóstico costuma ser feito por exclusão após afastar as causas pa- tológicas de aumento de BI. Coleções sanguíneas extravasculares Algumas coleções sanguíneas, be- nignas ou não, podem acometer o RN causando com isso um extrava- samento do sangue das mesmas, o que sobrecarrega os hepatócitos de bilirrubina. Hemorragia intracraniana/ pulmonar/gastrointestinal, cefalo-he- matomas, hematomas, sangue de- glutido ou equimoses causam icterícia prolongada que se manifesta 48-72h após o extravasamento. Doenças hemolíticas A icterícia que ocorre nas primeiras 24h de vida do neonato costuma estar ligada às doenças hemolíticas. Estas podem ser: imunes, enzimáticas, da membrana eritrocitária (esferocitose), por hemoglobinopatias (alfatalasse- mia) e adquiridas quando decorren- tes de infecções virais ou bacterianas. O exame físico, os dados clínicos e laboratoriais do RN e da mãe permi- tem melhor elucidação diagnóstica de qual tipo de doença hemolítica se está tratando. O aparecimento de icterícia precoce alerta para o risco de doença he- molítica, sobretudo, as hereditárias. Por este motivo, de acordo com o qua- dro clínico, dosa-se a BT e o hema- tócrito a cada 6-8h até as 36h de vida a fim de calcular a velocidade de hemólise, ou seja, o aumento de bilirrubina em mg/dL/h de modo que valores >0,5-1 mg/dL/h indicam gra- vidade do quadro e permitem estabe- lecer terapêutica. Além disso, como no cordão é possível coletar sangue para realizar análise do eritrograma e os valores de bilirrubina total e fra- ções. Valores de BT > 4 mg/dL e/ou hemoglobina < 12 mg/dL associa- ção a gravidade da doença hemolí- tica perinatal. 15ICTERÍCIA NEONATAL Figura 4. Incompatibilidade Rh (Fonte: https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/carga20180626/25162621-rotina-ma- terno-fetal-em-imunhematologia-lais-garcia-hospital-de-clinicas-de-porto-alegre.pdf). Na incompatibilidade Rh, a mãe Rh negativo possui anticorpos anti-D (Coombs indireto positivo) enquan- to o RN possui suas hemácias reco- bertas pelos anticorpos anti-D pro- duzidos pela mãe (Coombs direto positivo). Vale ressaltar que, essa repercussão clínica no RN costuma acontecer com maior gravidade em gestações subsequentes, pois nestes casos a mãe já sensibilizada previa- mente desenvolve anticorpos do tipo IgG que atravessam a placenta levan- do a eritroblastose fetal. Por este mo- tivo é fundamental dessensibilizar as mães Rh negativo no pós-parto, pós-abortamento, pós procedimen- tos ou pós sangramentos durante a gestação com imunoglobulina an- ti-D, promovendo proteção contra anticorpos anti-D de até 99%. 16ICTERÍCIA NEONATAL Figura 5. Tratamento com imunoprofilaxia anti-D. Legenda: HDN: Doença Hemolítica Neonatal; RhIG= Imunoglobulina anti-Rh (Fonte: https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/carga20180626/25162621-rotina-materno-fetal-em-imunhe- matologia-lais-garcia-hospital-de-clinicas-de-porto-alegre.pdf) Já na incompatibilidade ABO não é preciso haver sensibilização pré- via, sendo resultante de um RN com sangue tipo A ou B com mãe san- gue tipo O. Essa icterícia evolui de forma persistente alcançando níveis elevados de BI. Independentemente do resultado do Coombs direto, em casos de incompatibilidade ABO é importante realizar o teste do eluato por congelamento, pois este permite verificar a presença dos anticorpos anti-A e anti-B no sangue do ne- onato. Porém, a positividade deste teste apenas indica a presença dos anticorpos, não evidenciando a gravi- dade da doença. Um outro diagnóstico diferencial para doenças hemolíticas imunes é a in- compatibilidade por antígenos eritro- citários irregulares do sistema Rh (c, C, e, E, cc, Ce) e outros do sistema Kell, Duffy, Kidd e MNss que também causam hemólise grave. Quando a mulher não possui determinado an- tígeno eritrocitário e, ao receber uma transfusão sanguínea produzem IgG para esse antígeno, ao engravidarem, se o feto tem aquele mesmo antígeno em suas hemácias, ocorre então uma 17ICTERÍCIA NEONATAL reação antígeno-anticorpo que culmi- na na doença hemolítica. O diagnós- tico pode ser realizado inclusive du- rante o pré-natal ao atentar-se para multigestas ou mulheres que tenha recebido transfusão anterior à gesta- ção. Deve-se suspeitar desta doen- ça quando há doença hemolítica no RN, mas não há incompatibilidade ABO e Rh e o sangue do RN apre- senta Coombs direto positivo. Dentre as doenças hemolíticas enzi- máticas, vale a pena destacar a mais frequente e importante que é a de- ficiência de glicose 6-fosato-desi- drogenase (G-6-PD). Esta enzima eritrocitária atua na defesa antioxi- dante intracelular, logo, quando o RN deficiente nesta enzima é exposto a estresse oxidante, acidose, infec- ção, hipoglicemia e algumas drogas (anti-inflamatórios, analgésicos, an- timaláricos, etc.) podem desenvolver hemólise e em seguida hiperbilirrubi- nemia. O diagnóstico é realizado por triagem neonatal em papel filtro ou dosagem sérica da enzima. Quanto à icterícia, esta costuma-se desenvolver após as 24h e intensificar-se ao longo da 1ª-2ª semanas, levando ao quadro clínico de encefalopatia bilirrubínica. Distúrbios genéticos na conjugação A redução na glucorunidação da bilir- rubina na Síndrome de Gilbert ocorre em decorrência de uma variante da enzima responsável pela conjuga- ção, a UDPGT1, reduzindo a forma- ção de glucoronídeos da bilirrubina o que causa a síndrome. O diagnóstico é feito observando o histórico fami- liar, ausência de outras hepatopatias que justifiquem a icterícia e a melhora desta após o uso de fenobarbital. SAIBA MAIS! Estudos recentes evidenciam a presença da mutação da UGT1A1 em RN em aleitamento materno com hiperbilirrubinemia indireta prolongada (icterícia pelo leite materno), sendo a mesma detectada em pacientes com síndrome de Gilbert. Fonte: MARUO Y et al. Prolonged unconjugated hyperbilirubinemia associated with breast milk and mutations of the bilirubin uridine diphosphate glucuronosyltransferase gene. Pediatrics 2000; 106: e59 Outro grupo são as Síndromes de Cri- gler-Najjar tipos I e II, ambas formas clínicas da deficiência congênita da enzima glicuronil-transferase. A tipo I é autossômica recessiva, onde há au- sência completa da atividade da enzi- ma e manifesta valores de BI 25-35 mg/dL logo nos primeiros dias. Neste caso não há resposta ao fenobarbi- tal e a biópsia hepática não eviden- cia a presença da enzima. A tipo II é autossômica dominante com presen- ça reduzida da glicuronil-transferase. 18ICTERÍCIA NEONATAL Tal enzima também está reduzida em pacientes com hipotireoidismo con- gênito, permanecendo assim por se- manas ou meses. O diagnóstico se dá pela redução dos níveis de T4 e au- mento dos níveis de TSH, os quais já são rastreados na triagem neonatal. SE LIGA! A icterícia prolongada pode ser o único sinal de hipotireoidismo con- gênito. Encefalopatia Bilirrubínica (kernicterus): Como já dito, a BI atravessa a bar- reira hematoencefálica e pode depo- sitar-se nos núcleos da base (globo pálido e subtalâmico principalmente) conferindo aos mesmos coloração amarelada e acarretando em sinais neurológicos. Alguns fatoresde ris- co contribuem para a instalação do quadro clínico favorecendo esta lesão nos núcleos da base, são eles: doença hemolítica, hipóxia, hipoalbuminemia, sepse, acidose. O quadro clínico, conforme vimos com Dra. Nathália, pode ser dividido em fase aguda e crônica. Na fase aguda o RN encontra-se com: letargia, hipotonia, choro estridente, hipertonia e hiper- termia. A fase crônica consiste em: paralisia cerebral atetoide grave, neu- ropatia auditiva, paresia vertical do olhar e displasia dentária. 5. TRATAMENTO Anterior às medidas específicas no tratamento da hiperbilirrubinemia é importante saber evitar os fatores determinantes da lesão neuronal pela bilirrubina presentes, sobretu- do, nos pacientes em cuidados inten- sivos que aumentam a concentração de BI no cérebro (hipercapnia, con- vulsão, hipoglicemia, sepse), alteram a membrana hematoencefálica (hi- pertensão arterial, pneumotórax, hi- perosmoralidade, vasculite, acidose respiratória) ou que relacionam-se com a baixa concentração sérica de albumina. O principal tratamento para o aumen- to de BI no RN ictérico é a fototerapia, a qual visa reduzir os níveis de BI, con- sequentemente evitando a realização da exsanguíneotransfusão (EST). O mecanismo de ação consiste na fo- toisomerização da configuração e estrutura da molécula de bilirrubina com a formação de isômeros que são diretamente eliminados pela via biliar e urinária. A eficácia da técnica de- pende do: comprimento de onda da luz (faixa azul), irradiância espectral (ou seja, a intensidade da luz; quanto menor a distância entre a luz e o pa- ciente, maior a irradiância e eficácia) e superfície corpórea exposta à luz (quanto maior a superfície corpórea exposta, maior a eficácia). Quando a bilirrubinemia é superior ao percen- til 95 no Nomograma de Bhutani é 19ICTERÍCIA NEONATAL preferível utilizar a fototerapia de alta intensidade. Figura 6. Fototerapia (Fonte: https://saude.rs.gov.br/ upload/arquivos/carga20180626/25162621-rotina- -materno-fetal-em-imunhematologia-lais-garcia-hospi- tal-de-clinicas-de-porto-alegre.pdf) No entanto, é preciso tomar alguns cuidados durante o uso da fototera- pia, são eles: aumentar a oferta hí- drica através do aleitamento mater- no, verificar temperatura corporal a cada 3h, proteger os olhos com cobertura radiopaca, não utilizar ou suspender a fototerapia se os ní- veis de BD estiverem elevados para evitar a síndrome do bebê bronzeado. Atualmente a doença hemolítica por incompatibilidade Rh é uma das únicas indicações de EST, sendo as outras causas de aumento de BI con- troladas usualmente pela fototerapia. Na incompatibilidade Rh a EST pode ser indicada logo após o nascimen- to se BI >4mg/Dl e/ou hemoglobina < 12 mg/Dl, após as primeiras horas de vida a EST é indicada se houver elevação de BI igual ou superior a 0,5 mg/dL/h nas primeiras 36h de vida. A duração da EST varia entre 60- 90min, devendo ocorrer em ambiente asséptico, não ultrapassando a ve- locidade de troca de 1-2 ml/kg/min, sendo o volume preconizado de 160 ml/kg (duas volemias), em uso da téc- nica do “puxa-empurra” pela veia umbilical. Após o procedimento deve ser mantida: infusão contínua de gli- cose (4-6 mg/kg/min), gluconato de cálcio 10% (2 ml/kg/dia) e sulfato de magnésio 10% (1 ml/kg/dia). A rea- lização deste procedimento é acom- panhada de elevada morbidade, in- cluindo complicações metabólicas, infecciosas, hemodinâmicas, vascu- lares, hematológicas, além de reação pós-transfusional. Figura 7. Técnica exsanguíneotransfusão (Fonte: ht- tps://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/carga20190522/ 03152250-transfusao-em-neonatologia-e-pediatria.pdf). 20ICTERÍCIA NEONATAL SAIBA MAIS! A escolha do tipo de sangue para a exsanguinotransfusão depende da etiologia da icterícia. Se a causa for doença hemolítica por incompatibilidade Rh, utiliza-se o tipo sanguíneo do RN, Rh negativo ou tipo O Rh negativo. No caso de hemólise por incompatibilidade ABO, as he- mácias transfundidas podem ser as do tipo sanguíneo da mãe (O) e o plasma Rh compatível com o do RN ou hemácias tipo O com plasma AB Rh compatível. Quando a etiologia não for a hemólise por anticorpos, pode ser utilizado o tipo sanguíneo do RN. Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014 Não há um consenso quanto aos ní- veis séricos de BT que indicam a foto- terapia e exsanguíneotransfusão no RN. Com isso, acaba-se levando em consideração a avaliação periódica da BT, as idades gestacional e pós-natal, bem como os fatores agravantes para lesão bilirrubínica neuronal. Abaixo, o Ministério da Saúde disponibiliza de maneira simplificada, os valores que indicam os respectivos tratamen- tos em RN ≥ 35 semanas. Em geral, quando a BT chega a valores entre 8 e 10 mg/Dl a fototerapia pode ser suspensa sendo reavaliada entre 12- 24h para confirmar manutenção ou não da redução. Como ressaltado por Dra Nathalia, antes de iniciar a EST o RN costuma estar na fototerapia, logo, é impor- tante que 2-3h antes de iniciar a EST seja reavaliada a BT para verificar se o neonato ainda está na faixa de indi- cação para o procedimento. 21ICTERÍCIA NEONATAL Idade BILIRRUBINA TOTAL (MG/DL) Fototerapia Exsanguineotransfusão 350/7 - 376/7 semanas > 380/7 semanas 350/7 - 376/7 semanas > 380/7 semanas 24 horas 8 10 15 18 36 horas 9,5 11,5 16 20 48 horas 11 13 17 21 72 horas 13 15 18 22 96 horas 14 16 20 23 5 a 7 dias 15 17 21 24 • Diminuir em 2mg/dL o nível de indicação de fototerapia ou EST se doença homolítica (Rh, ABO, outros antígenos), deficiência de G-6-PD, asfixia, letargia, instabilidade na temperatura, sepse, acidose, ou albuminemia <3 g/dL. • Iniciar fototerapai de alta intensidade sempre que: BT>17-19 mg/dL e colher BT após 4-6 horas; BT entre 20-25 mg/dL e colher BT em 3-4 horas; BT >25 mg/dL e colher BT em 2-3 horas; enquanto o material da EST está sendo preparado. • Se houver indicação de EST, enquanto ocorre o preparo colocar o RN em fototerapia de alta intensidade, repetindo a BT em 2 a 3 horas para reavaliar a indicação de EST. • A EST deve ser realizada imediatamente se houver sinais de encefalopatia bilirrubí- nica ou se a BT estiver 5 mg/dL acima dos níveis referidos. Tabela 1. Valores de BT para indicação de fototerapia e exsanguíneotransfusão (EST) em RN ≥ 35 semanas de idade gestacional (Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). Para RN prematuros a indicação vai depender dos níveis de BT e do peso ao nascer, sendo que se peso <1.000g pode-se optar por iniciar de imediato a fototerapia indepen- dente dos níveis de BT logo nas pri- meiras 12-24h de vida ou iniciar se BT 4-6mg/Dl, sendo a EST indicada se BT entre 13-15 mg/Dl. 22ICTERÍCIA NEONATAL Peso ao nascer BILIRRUBINA TOTAL (MG/DL) Fototerapia Exsanguineotransfusão 1.001 – 1.500 g 6 a 8 11 a 13 1.501 – 2.000g 8 a 10 13 a 15 2001 – 2.500 g 10 a 12 15 a 17 • Considerar o valor inferior na presença de fatores de risco: doença hemolítica, deficiência de G-6-PD, asfixia, letargia, instabilidae na temperatura, sepse, acidose, hipotermia ou albumina <3,0 g/dL. Tabela 2. Valores de BT para indicação de fototerapia e exsanguíneotransfusão (EST) em RN < 34 semanas de idade gestacional (Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). AVALIAÇÃO E MANEJO DA ICTERÍCIA ICTERÍCIA NEONATAL BI > 1,3-1,5 mg/dL AVALIAR A CADA 8-12h ANTES DE 24H DE VIDA (PRECOCE) APÓS 24H DE VIDA (TARDIA) Coletar exames 48h sem icterícia ou Zona I Observação clínica ALTA RETORNO 48-72h Coletar exames Fototerapia Zona ≥2 > p75 Zona <2 < p75 23ICTERÍCIA NEONATAL MAPA MENTAL RESUMO ICTERÍCIA NEONATAL APÓS 24H DE VIDA (TARDIA) ANTES DE 24H DE VIDA (PRECOCE) 2X MAIS BILIRRUBINA IMATURIDADE HEPÁTICA TRATO GASTROINTESTINAL ESTÉRIL MENOR MEIA- VIDA DOS ERITRÓCITOS MAIOR QUANTIDADE DE GLICURONIDASE NO LEITE MATERNO ZONAS DE KRAMER ANÁLISE BT SÉRICA HEPATSOBRECARGAÓCITO DEFICIÊNCIA OU INIBIÇÃO DA CONJUGAÇÃO FATORES DO RN OBSERVAR A CADA 8-12h ETIOLOGIAAVALIAÇÃOHEMÓLISE NOMOGRAMA DE BUTTANI POLICITEMIA Coletar exames Zona ≥2 Zona <2 > p75 < p75 Fototerapia Coletar exames Observação clínica 48h sem icterícia ou Zona I ALTA RETORNO 48-72h COLEÇÃO SANGUÍNEA RISCO: BAIXO, INTERMEDÍARIO OU ALTO CIRCULÇÃO ENTERO-HEPÁTICA 24ICTERÍCIA NEONATAL REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Tratado de pediatria: Sociedade Brasileira de Pediatria. – 2.ed. – Barueri, SP: Manole, 2010. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Progra- máticas Estratégicas. Atenção à saúde do recém-nascido: guia para os profissionais de saúde. 2. ed. atual. – Brasília, 2014. RAMOS, J.L.A. Icterícia no recém-nascido: aspectos atuais. Ver. Fac. Ciên. Méd. Sorocaba, v. 4, n.12, p.17-30, 2002. GARCIA, L. Rotina materno-fetal em imunohematologia. Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Disponível em: https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/carga20180626/ 25162621-rotina-materno-fetal-em-imunhematologia-lais-garcia-hospital-de-clinicas- -de-porto-alegre.pdf. MARTELLI, A. Síntese e metabolismo da bilirrubina e fisiopatologia da hiperbilirrubinemia associados à Síndrome de Gilbert: revisão de literatura. Rev Med Minas Gerais 2012; 22(2): 216-220. 25ICTERÍCIA NEONATAL
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