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Blood And Guts - A história da cirurgia Meu nome é Michael Mosley, e nesta série tenho abordado a história da cirurgia e o magnífico elenco de personagens que a tiraram da Idade das Trevas transformando-a numa disciplina precisa, habilidosa e capaz de salvar vidas. No princípio, os cirurgiões não eram deuses exaltados, mas um grupo marginalizado. Treinados como barbeiros, eles podiam purgar, sangrar ou decepar um membro. A sua ferramenta mais sofisticada, uma sanguessuga. Para que eles usavam as sanguessugas? Basicamente tudo. Se estivéssemos para perder a perna esquerda ou uma dor de cabeça. A ideia era provocar um sangramento para fazer com se sentisse melhor. Os médicos podiam prescrever o tratamento, mas a sangria em si ficava a cargo dos pouco sofisticados cirurgiões-barbeiros. A obsessão europeia pela sangria remonta aos gregos e na sua crença de que o desequilíbrio em um dos 4 fluidos, fleuma, bile amarela, bile negra ou sangue, podia causar doenças. Provavelmente é apenas o efeito do placebo. Se eu perder sangue suficiente, minha pressão sanguínea e temperatura corporal irão cair, deixando-me agradavelmente sonolento, mas anêmico. Podia se sangrar em demasia, os médicos sangravam sucessivamente durante semanas. - Quanto sangue posso perder? poderia perder uma boa taça de vinho cheia de sangue, se sangrasse por quatro a cinco horas Tratava-se da açouguice. Cortar e amputar. A cirurgia é limitada, falha e muitas vezes, fatal. É bom estar de volta ao século XXI. tornaram a sanguessuga desnecessária, e que tirariam a cirurgia à força da Idade das Trevas. Hoje, seja por acidente de carro, câncer ou enfarte, cerca de 75% de nós, em algum momento, irão acabar chegando ao bisturi do cirurgião. Jason Harvey, de 32 anos, taxista, caiu e esmagou a rótula. Este homem sofreu uma fratura na zona superior, bem no centro da rótula. Uma fratura como esta, antes da época em que podíamos operar com segurança, teria repercussões significativas na capacidade de andar do paciente, e seria uma incapacitação expressiva. Se a cirurgia de Jason for bem sucedida, então será principalmente graças as quatro grandes inovações que surgiram nesses 500 anos de avanços e retrocessos cirúrgicos. A primeira dessas inovações foi fundamental. A compreensão da anatomia humana. A primeira pessoa a criar desenhos precisos do corpo humano foi o gênio do Renascimento, Leonardo da Vinci. Porém ele nunca os publicou. Assim, no século XVI, os médicos ainda baseavam a compreensão da anatomia em desenhos grosseiros feitos há 1.300 anos. Seria necessário um anão belga, André Vesálio, para mudar isso. Imaginem o cenário. 1536, um criminoso foi enforcado e ficou apodrecendo no cadafalso. Certa noite, surge Vesálio, um estudante de medicina, de 22 anos, ele olha desejosamente para o cadáver. O roubo de cadáveres é ilegal, mas isso não o impede. Ele salta, agarra as pernas e puxa. Com o som terrível de algo se rasgando, elas acabam em suas mãos, ele desaparece na noite, levando-as em seus braços. O que Vesálio fez foi extraordinariamente perigoso, além de arriscar a ser preso e ficar arruinado, ele estava desafiando ideias há muito estabelecidas. Na Escola de Medicina de Vesálio, havia apenas uma coleção de livros de anatomia escrita por Cláudio Galeno. Além de ter sido escrita há 1.300 anos, era principalmente baseada em animais, como porcos e macacos. Nas dissecações humanas, as palavras de Galeno eram lidas em voz alta, enquanto os estudantes observavam a distância sem questionar. Com apenas 22 anos, Vesálio decidiu fazer algo que teria escandalizado e repugnado os seus contemporâneos. Dissecar e examinar ele mesmo, um corpo humano. Sem se intimidar pela carne humana apodrecendo sobre a mesa da cozinha, Vesálio começa a destrinchar o cadáver até os ossos. Ele trabalhou como se estivesse preparando um caldo de carne. Primeiro, ele pegou uma panela d´água e pôs para ferver. Depois ele pegou os pedaços do corpo e removeu toda a carne e pele que pôde, jogando os pedaços na panela. Ele os cozinhou durante horas, até a carne se desfazer. A decisão de Vesálio representa uma extraordinária demonstração de prazer com mortos, e ele se apega e insiste em viver com ela, e se acerca dela de uma forma que hoje, creio, seria assustadora. Vesálio tinha pela frente uma tremenda tarefa. Para Vesálio, isso foi apenas o começo. Ele agora queria mapear cada órgão, músculo e ligamento do corpo humano. Ele estava determinado a entender como tudo se encaixava. Para isso, ele precisava de mais corpos, por isso naturalmente os roubou. De fato, ele roubou do mesmo lugar de onde vieram todos esses corpos. Os cemitérios de Paris. E o que Vesálio estava desafiando? O trabalho de Cláudio Galeno. Vejamos o que Galeno diz dos rins, que é onde você está agora, "devemos entender a utilidade da disposição dos rins. É por isso que o direito está mais acima e ligado ao fígado e o esquerdo fica mais abaixo." Então está completamente enganado. Quem está errado, o corpo ou o livro? A resposta é que isto não pode estar errado porque é real, é anatomia de verdade. A disposição dos rins foi apenas um dos muitos erros grassos de Galeno, mas o que me surpreende não é que Galeno tenha errado, mas o fato de não ter sido contestado por tanto tempo. Quando Vesálio anunciou que muito do que o grande deus, Galeno, tinha escrito estava errado, e que os 1.300 anos de ensino da medicina estavam seriamente comprometidos, ele se tornou extremamente impopular. Alguns o consideraram como louco, outros, que viram seu trabalho, indagavam-se se o corpo humano teria mudado desde a era Galeno. No total, André Vesálio corrigiu mais de 200 erros de Galeno. E, em 1543, ele publicou sua obra prima. "De Humani Corporis Fabrica -A Organização do Corpo Humano". Vesálio identificou corretamente a localização todos os principais órgãos, nervos e músculos do corpo. Finalmente, após 1.300 anos de estagnação, a anatomia, e, por tabela, a cirurgia, deu um imenso passo em frente. André Vesálio deu início ao estudo adequado da anatomia humana. Mas operar pacientes vivos acarreta uma série de outros problemas. Seja há 500 anos ou hoje. A primeira coisa que um cirurgião precisa saber é como impedir que alguém se esvaia em sangue. Os segredos para controlar a perda de sangue foram descobertos noutro campo de batalha, poucos anos após Vesálio ter dissecado seus primeiros cadáveres. No século XVI, a Europa estava em guerra. Uma guerra travada com armas novas e letais. De repente, os cirurgiões estavam lidando com hemorragias de escalas inimagináveis. Acaba de ser baleado na perna, na coxa, no braço. E vem um cirurgião e despeja óleo quente em sua lesão. Quando a mudança chegou, veio através de uma barbearia parisiense. No século XVI, os mesmos utensílios cortavam a barba ou um membro, e muitas vezes era a mesma pessoa que fazia ambos. Cirurgiões-barbeiros, como Ambroise Paré. Paré passava os dias barbeando clientes, removendo verrugas estranhas e fazendo sangrias ocasionais. Mas, em 1537, sua vida mudou para sempre. Ele foi enviado como cirurgião militar para a Batalha de Turim. Até mesmo a viagem ao campo de batalha foi traumática. Paré foi forçado a passar por cima de corpos de homens moribundos, ouvindo seus lamentos sob os cascos de seus cavalos. Ele encontrou lesões a bala numa escala assustadora. E dia após dia, semana após semana, ele amputou membros. A amputação era extremamente arriscada. Acarretava mais dor e perda de sangue. Os pacientes de Paré frequentemente se esvaiam em sangue antes que ele fervesse o óleo cauterizador. Para ser sincero, não parecia que Paré era um cirurgião nato. Ele ficou horrorizado com tudo que viu. Mas sua falta de entusiasmo pela dor e pelo derramamento de sangue pode tê-lo levado a encontrar outra solução. Durante muito tempo, Paréteve que aplicar as técnicas convencionais. um serrote usado para amputar membros, depois para deter a hemorragia, um ferro de cauterização. Paré era um homem misericordioso e trabalhou numa série de invenções maravilhosas. Muitas delas eram tentativas de compensar os membros que ele havia amputado. No final das contas, a solução para o problema da perda de sangue era algo incrivelmente simples. Um pedaço de fio. O “bico de corvo", foi uma das invenções dele. Ele utilizava esta extremidade para comprimir a artéria, em seguida a amarrava com um fio de seda fino. Sua contribuição inigualável para a cirurgia. A ligadura. A ligadura era usada pelos árabes há 500 anos, mas não usada na Europa, até que Paré pôs sua nova invenção para trabalhar no campo de batalha. Paré havia inventado a ligadura. Seria de imaginar que isso tenha entrado imediatamente em uso, mas 100 anos depois, os cirurgiões ainda usavam óleo fervente e cauterizavam lesões. Não era a primeira vez que os cirurgiões levavam algum tempo para adotar algo tão benéfico para seus pacientes. Basicamente, a cirurgia não mudou durante incríveis 300 anos. Durante os três séculos seguintes, Isaac Newton descobriu a gravidade, Michael Faraday inventou o motor elétrico e Beethoven transformou a música clássica. De fato, não houve qualquer progresso real até o século XIX, quando a industrialização começou a mudar o mundo. O trabalho mecanizado acarretava novas lesões. Membros arrancados e fraturas horríveis. Este aumento da demanda por cirurgia coincidiu com a Era Vitoriana das invenções, e produziu duas grandes inovações que transformariam a carnificina da cirurgia em algo reconhecível atualmente. Em 1840, quem tivesse o azar de necessitar de uma operação, teria que suportar consciente todo o processo. A descoberta do alívio da dor, ou anestesia, foi o terceiro grande obstáculo a ser superado. que reagem à lesão e enviam a mensagem de dor ao longo dos nervos periféricos da medula espinhal até o cérebro. O álcool retarda o cérebro, fazendo com que não reaja tão depressa à dor. Tudo que posso dizer agora é: hipnose 1 x 0 álcool. Com a hipnose e o álcool longe de serem infalíveis, era necessário alguém que surgisse com uma solução melhor. O estudante de medicina escocês, James Younger Simpson, era ousado, precoce e extremamente ambicioso. Em 1827, com apenas 16 anos, ele assistiu sua primeira cirurgia. Uma mastectomia. Sem analgésicos, a única coisa que o cirurgião podia oferecer à mulher era a rapidez. Simpson achou a experiência tão aterradora, que por um tempo desistiu da medicina. Mas isso também o fez pensar na importância do alívio da dor. Então, em 1846, ele recebeu notícias promissoras. Um dentista de Boston, chamado William Morton tinha realizado a primeira cirurgia indolor usando uma substância chamada éter. Simpson testou o éter em seus pacientes e logo descobriu que ele era eficaz. Porém apresentava alguns problemas. um frasco de éter originalmente era feito misturando álcool com ácido sulfúrico, e por incrível que pareça, era consumido em festas. Era um anestésico extremamente eficaz, mas tinha uma grande desvantagem, estivéssemos na sala de cirurgia e acendessem um isqueiro e derramassem um frasco de éter, todos ficariam chamuscados. Além de ser explosivo e penetrante, o éter irritava a garganta dos pacientes e causava convulsões. Em 1847, enquanto cheirava produtos químicos em casa, Simpson se deparou com o clorofórmio. Simpson, na verdade, não descobriu o clorofórmio. Isso havia sido feito há 15 anos pelo Dr. Samuel Guthrie. Ele, por razões desconhecidas, misturou 8 litros de uísque com alguns quilos de cal clorada. Misturou tudo e depois deu essa substância à sua filha. Ela tomou um gole, disse que era delicioso e depois desmaiou. Ele decidiu classificá-lo como estimulante. Nunca percebeu que, na verdade, era um anestésico. Simpson usou o clorofórmio com êxito em alguns pacientes. Depois, com um desejo de autopromoção digno de um publicitário do século XXI, anunciou a sua estupenda descoberta à comunidade médica. Simpson deu uma palestra a um grupo de médicos. Ele enalteceu as virtudes do clorofórmio e ao final, tirou um lenço e um frasco, perguntando se alguém queria experimentar. Logo o riso tomou conta do ambiente enquanto homens caiam inconscientes, enquanto outros vagavam em estado de atordoamento. Felizmente para os inconscientes, todos acordaram. Outros, porém, que experimentaram o clorofórmio não tiveram tanta sorte. Graças ao entusiasmo de Simpson, o uso do clorofórmio generalizou-se, à medida que isso foi acontecendo, os pacientes começaram a morrer. Primeiro alguns, depois uma dúzia, depois a centenas. Simpson se recusou a acreditar que houvesse algo errado ou a investigar qual a causa das mortes. Mas até alguém fazer isso, os corpos continuavam a amontoar-se. O Dr. John Snow, mais conhecido por provar que a cólera era transmitida pela água, ficou intrigado pelas mortes por clorofórmio. Ele analisou os relatórios das autópsias e notou que as vítimas tinham algo em comum. Os mortos eram, em geral, jovens, saudáveis ou hesitantes. O que estaria acontecendo? Snow era frio, analítico. Ele cuidadosamente estudava, media e calculava. Ele analisou caso a caso, à procura de um padrão. Ele tabulou os registros, transformou tudo em estatísticas. Snow analisou profundamente os dados. Nas horas livres e às próprias custas, Snow mediu a quantidade exata de clorofórmio nos cadáveres. E fez experiências, aplicando o clorofórmio em animais. Snow logo descobriu que clorofórmio causa graves danos ao coração. Isso porque o clorofórmio reduz o funcionamento das células do corpo. Ele age particularmente rápido nas células cerebrais, por isso a perda de consciência. Mas o clorofórmio também retarda as células cardíacas, e em altas doses, pode pará-las. O clorofórmio é um remédio extremamente perigoso. Uma colher rasa é suficiente para a perda de consciência. Meia colher de chá basta para matar. Mas por que isso afetava os hesitantes? Snow notou que eram estes que mais resistiam, segurando a respiração o máximo de tempo possível. Por fim, tinham de inspirar com uma enorme força e inalavam clorofórmio suficiente para parar o coração. Derramar colheres num lenço e colocá-lo contra o rosto do paciente claramente não era uma boa técnica. Para reduzir o risco de overdose, Snow inventou uma coisa destas. O inalador de clorofórmio. O vapor sobe por um tubo até uma máscara. É muito mais seguro que embebedar um lenço com ele. Snow ministrou clorofórmio a mais de 4.000 pessoas, incluindo a rainha Vitória, sem uma única morte. Graças a John Snow, o clorofórmio tornou-se um remédio bem mais seguro e continuou a ser usado até o século XX. Snow foi um tipo particular de gênio. Ele criou a noção da medicina como projeto de pesquisa, e, nesse aspecto, ele foi o fundador de uma nova visão da medicina. Na Escócia, Simpson e a sua carreira não foram afetadas pelas críticas devastadoras de Snow. Simpson se recusou a aceitar que o clorofórmio era perigoso. Quando ele morreu, em 1870, era um herói nacional e teve funeral com honras de estado, o maior da história escocesa. Bandeiras a meio mastro e 30 mil enlutados lotaram as ruas. Os cirurgiões não têm de se preocupar com um paciente se contorcendo de dor para operar. Não têm de correr atrás deles, por assim dizer, agora podem trabalhar com calma, serem mais delicados, mais precisos. Com a descoberta dos anestésicos, a cirurgia deu outro grande passo à frente. Mas apesar disto e das descobertas anteriores, metade dos pacientes que entrava na sala de operações morria. Descobrir por quê, tornou-se obsessão para um desafortunado médico húngaro. Ignacz Semmelweis. Em 1847, Semmelweis, com 29 anos, começou a trabalhar na maternidade do Hospital Geral de Viena. À sua volta,um mistério desenrolava-se. Era o principal hospital de Viena, mas centenas de mulheres que ali davam à luz todos os anos desenvolviam uma doença fatal chamada febre puerperal. Abdômen inchado, múltiplos abcessos, febre, depois morte. Ninguém sabia o que a causava nem como detê-la. No hospital havia duas unidades. Uma comandada por parteiras, a outra, por médicos. Se desse o azar de ficar na unidade dos médicos, onde Semmelweis trabalhava, então tinha 9 vezes mais chances de morrer de febre puerperal do que se estivesse na das parteiras. Por quê? Semmelweis estava extremamente intrigado com esta discrepância. Ele ficou obcecado em resolver o mistério, tentando de tudo, desde mudar o jeito como as mulheres se deitavam ao que comiam. Mas nada funcionava. Semmelweis e seus colegas médicos dissecaram mães mortas, mas não achavam nada. Apesar disso, dia após dia, ele visitava o necrotério, antes de voltar às alas. Ele trabalhava arduamente, mas as mulheres continuavam a morrer. Ele estava deprimido, confuso, perplexo. Então surgiu uma descoberta vital. Um amigo, Jakob Kolletschka, professor de medicina legal, cortou o dedo durante uma autópsia e morreu dias depois. Desesperado para descobrir o que o tinha matado, Semmelweis pegou o relatório da autópsia de Kolletschka. O relatório revelava que quando morreu, seu amigo tinha o abdômen inchado, múltiplos abcessos e febre. Os mesmos sintomas que tinham matado tantas mães. Para Semmelweis, deve ter sido um momento surpreendente e aterrador. Teria ele finalmente resolvido o mistério, descoberto que na verdade o assassino era ele. Que era ele e os colegas médicos que de alguma maneira transportavam para as enfermarias a morte nas mãos? Era um pensamento chocante e herético. Mas finalmente explicaria por que um parto feito por uma parteira era mais seguro que por um médico. Parteiras não faziam autópsias. Não carregavam substâncias mortais nas mãos. Sem consultar seus superiores, Semmelweis pôs um aviso na porta da clínica, ordenando a todos os médicos que lavassem as mãos com hipoclorito de cálcio. Não foi um gesto popular. Os médicos acharam este ritual de lavagem de mãos entediante, inútil e demorado. Semmelweis tinha que percorrer as alas dia e noite para obrigá-los a cumprir. Mas ele estava determinado. O regime de lavagem de Semmelweis começou a produzir resultados espetaculares. A taxa de mortalidade da febre puerperal caiu de mais de 10% para menos de 3%. Dezenas de mulheres que do contrário teriam morrido agora podiam viver. Deve ter sido o período mais feliz da vida de Semmelweis. Mas esses dias estavam contados, porque não conseguira convencer os médicos. Ele não possuía uma explicação racional ou científica para o fato de as mãos sujas causarem a morte. As mulheres morriam de septicemia, infecção do sangue. Semmelweis não sabia qual a sua causa. Ele sabia que tinha descoberto algo importante. Porém, com um equipamento simples, que Semmelweis não tinha, Semmelweis sabia que mãos sujas causavam doenças. Mas não podia explicar por quê. E sem uma boa explicação, os colegas apenas riam dele. A ideia de que um pouco de sujeira debaixo das unhas podia matar era ridícula. Eles viviam num mundo no qual não pensavam nos germes. Sabiam que se olhasse uma lesão através de um microscópio, veria minúsculas criaturas se arrastando ao redor dela. Acreditavam que eram geradas espontaneamente e as consideravam inofensivas, irrelevantes. Não davam atenção a elas. O chefe de Semmelweis e seus colegas estavam fartos de suas ideias. Assim, quando seu contrato acabou, não foi renovado e ele voltou, desacreditado, a Budapeste. Ele acabou aqui, no Hospital St Rochus, como diretor da maternidade. Quando Semmelweis chegou ao hospital, a maternidade estava num estado deplorável. Uma em cada três mulheres que aqui vinham para dar à luz morria de febre puerperal. Semmelweis estava prestes a mudar isso. Ele iniciou uma rigorosa campanha de limpeza de mãos, lençóis, instrumentos, tudo tinha de ser limpo a cada paciente. O hospital foi modernizado, mas há 150 anos, Semmelweis percorria estes corredores tentando apanhar quem desobedecia às suas ordens. Ele não fez amigos, mas fez progressos. Levou 6 anos, mas ele conseguiu reduzir a taxa de mortalidade de mais de 30% para menos de 1%. Enquanto isso em Viena, onde abandonaram seus métodos, centenas de mulheres morriam anualmente por infecção hospitalar. Mas os húngaros eram tão cínicos como os vienenses. E a descrença combinada com o estilo agressivo de Semmelweis fizeram mais uma vez com que ele alienasse a equipe do hospital. E a noção de que ninguém lhe ouvia começava a enlouquecê-lo. Semmelweis, que havia feito a descoberta mais extraordinária e brilhante, não podia explicá-la aos médicos de uma forma que fizesse sentido. Ele sabia como evitar a morte de milhares, de centenas de milhares, e ninguém o ouvia. Era uma posição horrível de se estar e ele não suportou. Semmelweis estava desesperado. Ele vinha regularmente a esta capela anexa ao hospital para pedir perdão a Deus. Ele começou a escrever aos médicos, acusando-os de assassinos, e interrompia suas palestras com ataques incontroláveis de choro. Ele também saía as ruas, parava os casais que encontrava implorando pra garantirem, se fossem ter filhos, que os médicos lavassem as mãos antes do parto. Sua jovem esposa estava com dificuldade para lidar com seu comportamento. Em desespero, Semmelweis decidiu fazer o que vinha evitando há anos. Escrever um livro. Em 1860, sentado nesta escrivaninha, Semmelweis finalmente terminou de escrever a obra de sua vida. Infelizmente, era bastante errática e repetitiva, mas continha a essência de suas ideias. "O transmissor é o dedo do examinador, a mão que opera, instrumentos, lençóis da cama, ar, esponjas..." Foi uma descoberta que podia ter salvo milhares de vidas. Para os médicos que liam o livro com mente aberta, tudo estava aqui. Mas Semmelweis estraga tudo ao gastar a última parte do livro em ataques longos e rancorosos contra todos os seus críticos. E com o livro, ele enviou cartas ofensivas e agressivas. "E você, Sr. professor, foi cúmplice deste massacre, gestos assassinos cometidos por parteiras e médicos em Wurtzburg, declaro perante Deus e o mundo que você é um assassino!" O livro foi mal recebido e alimentou a sua evidente paranoia. Ele se voltou para a bebida e para as prostitutas. Com seu comportamento cada vez mais instável, a sua esposa, com relutância, aceitou ajudar numa conspiração planejada pelos médicos de Semmelweis. Ela propôs umas férias em família na Áustria. Quando chegaram a Viena, sua esposa sugeriu uma visita ao hospital de um amigo. Mas quando chegaram lá, Semmelweis foi detido e arrastado a um quarto. O hospital era, na verdade, um hospício. O que aconteceu em seguida não é claro. Há várias versões. Ele teria sido espancado ou cortado um dedo. Não importa a razão. Dias depois de chegar ao hospício, ele adoeceu gravemente. Desenvolveu múltiplos abcessos, abdômen inchado e febre alta. Ele morreu duas semanas depois de septicemia, infecção sanguínea. A mesma doença que matou seu amigo e todas aquelas mulheres. Ele foi sepultado aqui, na casa da família, quase literalmente na casa da família. Atrás desta parede. Ele tinha apenas 47 anos quando morreu. E a história tem uma reviravolta trágica. Quando Semmelweis morreu, outra pessoa já tinha descoberto o pedaço que faltava no quebra-cabeças que podia explicar por que mãos sujas causam doenças. Na França, Louis Pasteur havia provado que os micróbios causavam a decomposição. Infelizmente, Semmelweis morreu sem conhecer o trabalho de Pasteur. Mas no ano de sua morte, um jovem escocês finalmente reuniu todas as peças do quebra-cabeças e concluiu aquilo que Semmelweis tentara tanto fazer. Joseph Lister era umjovem cirurgião escocês, que ao contrário de Semmelweis, leu o trabalho de Pasteur sobre as bactérias. Lister notou que se Pasteur tivesse razão, eles estavam sendo mortos por micróbios invisíveis. Mas o que ele podia fazer a esse respeito? Certo dia, um amigo seu entrou na ala e disse: "Meu Deus, este lugar cheira a esgoto!" Foi o seu momento eureca. "Esgoto, claro! Esgoto!" Por que não controlar as infecções com o uso do mesmo produto que usavam para desinfetar os esgotos? Ácido carbólico. Lister mergulhou seus instrumentos nele antes de sua próxima operação. Operar um garoto. O garoto sobreviveu, então ele voltou a repetir. Logo as taxas de mortalidade caíram impressionantes 70%. Gostaria de dizer que os cirurgiões britânicos acolheram a ideia com enorme entusiasmo, mas, na verdade, isso só aconteceu quando ele se mudou para Londres, 12 depois, e começou a fazer operações pioneiras no joelho que começaram a lhe dar atenção. MÉTODOS DE ESTERILIZAÇÃO: VAPOR - ÁGUA QUENTE – FOGO- IMERSÃO EM ANTISSÉPTICOS. Lentamente, os cirurgiões aceitaram a necessidade de lavar mãos e instrumentos em ácido carbólico. Antes de Lister, a maioria dos pacientes não sobrevivia às grandes operações. Mas a introdução das técnicas antissépticas mudou tudo isso. Finalmente transformou a cirurgia de carnificina à ciência. A sala de cirurgias do século XX iria reunir o legado desses homens. A sua dedicação à anatomia, à ciência da anestesia, ao controle das hemorragias, e acima de tudo, ao combate da infecção. Mas não esqueçamos o seu alto custo humano. Hoje, os cirurgiões têm uma noção muito mais exata do que podem fazer, e ainda bem. Mas não há sucesso sem fracasso, desenvolvimento sem risco. Ainda espero que no futuro haja oportunidade para fazer algumas dessas ousadas experiências que marcaram o passado.
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